Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2253/18.9T8VNF.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
RECLAMAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITOS
CASO JULGADO
CONTAGEM DE VOTOS
NÃO HOMOLOGAÇÃO DO PLANO APRESENTADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1) O PER não tem como finalidade dirimir litígios sobre a existência, natureza ou amplitude de créditos, pelo que a decisão sobre a reclamação de créditos é meramente incidental e, nos termos do nº 2 do artigo 96º do Código de Processo Civil, não constitui caso julgado fora do respetivo processo;

2) A junção de meros extratos contabilísticos da devedora e dois e-mails por si enviados não constituem elementos indiciários da existência de qualquer crédito por parte da devedora relativamente à credora reclamante.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A) As requerentes X, Tratamento de Superfícies, Lda, na qualidade de devedora e Y, Lda, na qualidade de credora, vieram intentar Processo Especial de Revitalização, tendo apresentado o Plano de Recuperação que consta de fls. 8 vº e seguintes.

A requerente X, Tratamento de Superfícies, Lda, veio impugnar a Lista Provisória de Credores (fls. 148), e conclui requerendo que o crédito reclamado pela W, Lda, e ora impugnado, seja retirado da lista de créditos e o crédito reclamado pelo Banco ..., SA, reduzido para os valores mencionados.

A credora ... Design de Interiores, Lda, veio impugnar a lista provisória de créditos (fls. 161), relativamente à qualificação do crédito reclamado e reconhecido provisoriamente a F. M., entendendo que tal crédito deve ser classificado como crédito subordinado.

O credor Banco ..., SA, veio apresentar resposta onde conclui entendendo dever julgar-se improcedente a impugnação deduzida.
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B) Foi proferido o despacho de 194, onde consta:

“Fls 129: Visto. Fique nos autos.

A lista provisória foi apresentada a 2-5-2018. Após essa data, pode ser impugnada no prazo de 5 dias úteis, nos termos do artigo 17º-D, nº 3 CIRE.

Ora, a ... - Design de interiores, Lda, veio apresentar impugnação a 10-5-2018. Pelo que tendo a apresentação fora do prazo de cinco dias úteis, mas ainda dentro do prazo do artigo 139º, nº 5 CPC, a secretaria, independentemente de despacho, tem de notificar o credor interessado para pagar a multa, acrescida de penalização de 25% do valor da multa, uma vez que se trata de ato praticado supostamente por mandatário. Proceda, assim, à notificação devendo a sociedade credora juntar também procuração ratificando o processado.
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Relativamente à devedora Xs - Tratamento de Superfícies, Lda, veio em prazo impugnar a lista provisória quanto ao crédito da W, Lda, afirmando que esta não é credora, e quanto ao crédito da Banco ..., SA, afirmando que está reclamado em duplicado, já que foi acionada a garantia prestada pela K de €9.000,00, tendo este valor que ser deduzido ao crédito do Banco ..., SA.

Quanto ao crédito da W, a devedora não prova, com a mera junção dos extratos contabilísticos da devedora e dois e-mails, que nada deve, pelo que improcede nessa parte a sua reclamação.
Juntou as cartas de fls. 158 e verso a pedir o pagamento do montante referido e alega que a K está na lista como credora pelo referido montante (crédito nº 13 da lista provisória).

Assim, tendo feito prova do que alega, procede a impugnação apresentada quanto ao crédito do Banco ..., SA, cujo valor tem de ser deduzido do reclamado pela K relativo à mesma dívida. Notifique, devendo a senhora administradora judicial provisória alterar a lista em conformidade, após o decurso do prazo para eventual decisão da impugnação da credora ....”
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C) Inconformada com a decisão veio a devedora X, Tratamento de Superfícies, Lda., interpor recurso (fls. 206), tendo sido proferido o despacho de fls. 305, onde se refere que o recurso interposto pela devedora apenas é admissível se houver recurso da decisão que ponha termo ao processo, tendo, porém, sido admitido como sendo de apelação a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo (fls. 421).
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Nas alegações de recurso da apelante X, Tratamento de Superfícies, Lda., são formuladas as seguintes conclusões:

A) Um despacho que se limite a julgar improcedente uma impugnação à Lista Provisória de Créditos deduzida pela devedora, fundamentando para tanto, apenas e só, que a mesma não demonstra que nada deve, padece de falta de fundamentação, devendo o mesmo ser declarado nulo.
B) O tribunal “a quo” ao desconsiderar toda a prova documental que a recorrente juntou com a sua impugnação, e que refuta a existência do crédito impugnado, erra na valoração da prova.
C) Devia o Tribunal “a quo” declarar o não reconhecimento do crédito impugnado, ou no mínimo, e na dúvida, retirar, percentualmente, direito de voto a este credor, nos termos do art 73º nº 4 do CIRE.

Termina entendendo dever o presente recurso ser julgado procedente, anulando-se o douto despacho proferido pelo Tribunal a quo e retirando-se a credora W, Lda., da Lista Provisória de Créditos, ou no mínimo reduzindo-se o crédito da Impugnada para menos de 50%.
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A credora W, Lda., apresentou resposta onde entende dever o requerimento de recurso ser indeferidos ou, subsidiariamente, ser o recurso julgado improcedente, confirmando-se o douto datado de 17/05/2018, com a Refª 158314876 e, em consequência, incluir-.se a recorrida na lista definitiva de credores, nos termos da sua reclamação de créditos e lista provisória de créditos.
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Foi apresentado o Plano de Revitalização e pela Sra Administradora Judicial Provisória foi apresentado o resultado da votação do Plano de Recuperação, segundo o qual:

“a) Votaram o Plano 88,95% dos credores cujos créditos integram a Lista Definitiva dos Créditos;
b) 40,60% dos votos emitidos são favoráveis;
c) 59,40% dos votos emitidos são desfavoráveis; e, mais de metade dos votos emitidos correspondem a créditos não subordinados.
Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 222º-F nº 3 do CIRE, deverá considerar-se o Plano apresentado não aprovado.”

Conforme resulta da votação, votaram favoravelmente a aprovação do plano os credores:

1. Autoridade Tributária (4,56%);
2. C. C. (3,09%);
3. F. M. (4,31%);
4. Instituto da Segurança Social, IP (2,90%);
5. Y, Lda. (20,41%);
6. K – Sociedade de Garantia Mútua, SA. (4,56%);
7. ... – Produtos Químicos, Lda. (0,77%),
O que perfaz um total de 40,60%.

E votaram desfavoravelmente a aprovação do plano os credores:

1. Banco ... (17,07%);
2. Caixa ..., SA (3,54%);
3. W, Lda. (36,55%);
4. Banco ..., SA (2,24%),
O que perfaz um total de 59,40%.
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Foi proferida a sentença de fls. 379 onde consta:

“X, Tratamento de Superfícies, Lda, ao abrigo do disposto no artigo 17º-A CIRE veio intentar o presente processo especial de revitalização.
Concluídas as negociações, procedeu-se à votação do plano de fls. 641 (341) a 650 (350), não tendo sido aprovado por quórum deliberativo de 59,40% dos votos emitidos em sentido desfavorável, todos correspondentes a créditos não subordinados.
Assim sendo, não homologo por sentença o plano de revitalização de fls. 641 (341) a 650 (350) dos autos - artigo 17º-F, nº 3 e 5 CIRE.
Custas pela devedora, com taxa de justiça reduzida a ¼ - artigos 17º-F, nº 7 e 302º, nº 1 CIRE.
O valor da ação para efeitos de custas é o equivalente ao da alçada da Relação - artigo 301º CIRE.
Registe e notifique - artigos 37º e 38º ex vi artigo 17º-F, todos do CIRE.
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Notifique a AJP para emitir parecer nos termos do artigo 17º-G, nº 4 do CIRE.”
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D) Inconformada com a antecedente decisão, de não homologação do plano apresentado, bem como da decisão proferida quanto à impugnação de créditos apresentada pela mesma, com a referência 158314876, de 17/05/2018, por apenas ser recorrível com o presente recurso da decisão final, veio a devedora X – Tratamento de Superfícies, Lda, interpor recurso (fls. 392 e segs.), o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo (fls. 421).
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Nas suas alegações, a apelante X – Tratamento de Superfíces, Lda, formula as seguintes conclusões:

A) Um despacho que se limite a julgar improcedente uma impugnação à Lista Provisória de Créditos deduzida pela devedora, fundamentando para tanto, apenas e só, que a mesma não demonstra que nada deve, padece de falta de fundamentação, devendo o mesmo ser declarado nulo.
B) O tribunal “a quo” ao desconsiderar toda a prova documental que a recorrente juntou com a sua impugnação, e que refuta a existência do crédito impugnado, erra na valoração da prova.
C) Devia o Tribunal “a quo” declarar o não reconhecimento do crédito impugnado, ou no mínimo, e na dúvida, retirar, percentualmente, direito de voto a este credor, nos termos do art 73º nº 4 do CIRE.
D) No seguimento do não reconhecimento da credora W, Lda, deve o plano considerar-se aprovado por existência de votos favoráveis suficientes para a aprovação do mesmo e neste seguimento, ser revogado o despacho de não homologação e substituído por outro que homologue o plano em causa.

Termina entendendo dever o presente recurso ser julgado procedente, anulando-se os doutos despachos proferido pelo Tribunal a quo, datados de 17/05/2018 e 03/09/2018, com o consequente não reconhecimento do crédito da reclamante W, Lda, na Lista Provisória de Créditos ou, no mínimo, reduzindo-se o crédito da impugnada para menos de 50%, com a consequente e retirando-se a credora W, Lda., da Lista Provisória de Créditos, ou no mínimo reduzindo-se o crédito da Impugnada para menos de 50%, com a consequente revogação do despacho de não homologação por existência de votos favoráveis suficientes para a aprovação do plano.
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Pela credora W, Lda, foi apresentada resposta onde entende dever o recurso ser julgado improcedente, confirmando-se os doutos despachos datados de 17 de maio de 2018, com a Refª 158314876 e de 3 de setembro de 2018, com a Refª 159546788 e, em consequência, ser proferida sentença de declaração de insolvência da recorrente.
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D) Foram colhidos os vistos legais.
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E) A questão a decidir neste recurso é a de saber se deverão ser revogadas as decisões recorridas, que decidiu a impugnação dos créditos e que não homologou o plano apresentado.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

A) Os factos a considerar são os que constam do relatório que antecede considerando-se ainda provados os seguintes:

I. Votaram o Plano 88,95% dos credores cujos créditos integram a Lista Definitiva dos Créditos;
II. 40,60% dos votos emitidos são favoráveis;
III. 59,40% dos votos emitidos são desfavoráveis; e, mais de metade dos votos emitidos correspondem a créditos não subordinados.
IV. Conforme resulta da votação, votaram favoravelmente a aprovação do plano os credores:
1. Autoridade Tributária (4,56%);
2. C. C. (3,09%);
3. F. M. (4,31%);
4. Instituto da Segurança Social, IP (2,90%);
5. Y, Lda. (20,41%);
6. K – Sociedade de Garantia Mútua, SA. (4,56%);
7. ... – Produtos Químicos, Lda. (0,77%),
O que perfaz um total de 40,60%.

V. E votaram desfavoravelmente a aprovação do plano os credores:

1. Banco ... (17,07%);
2. Caixa ..., SA (3,54%);
3. W, Lda. (36,55%);
4. Banco ..., SA (2,24%),
O que perfaz um total de 59,40%.
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B) A apreciação dos recursos limitar-se-á ao último apresentado que engloba o primeiro, como resulta do requerimento de interposição do último recurso e do cotejo das conclusões de ambos.

Está assim em causa, a apreciação do recurso que decidiu a impugnação dos créditos e que não homologou o plano apresentado, isto é, as decisões proferidas a fls. 194 e a fls. 379.

Quanto à impugnação dos créditos, refere a apelante que a percentagem dos votos desfavoráveis (59,40%) apenas foi superior à dos votos favoráveis (40,60%) porque o Tribunal decidiu reconhecer o crédito da reclamante W Lda., apesar de impugnado, crédito este que teve um peso de 36,55% na votação e que votou desfavoravelmente. E que apenas foi reconhecido por a decisão que o reconheceu apenas ser recorrível com o presente recurso da decisão final de não homologação.

Vejamos.

Quanto à primeira questão, entende a apelante que o referido despacho padece de falta de fundamentação e erro na valoração da prova, e isto porque apenas refere que a devedora não provou que nada deve, desconsiderando a prova que esta fez, em sede de impugnação da Lista Provisória de Créditos, sem invocar qualquer fundamento de facto ou de direito que justifique aquela decisão, não podendo apreciar livremente os factos que estejam plenamente provados por documentos.

No âmbito do presente processo, veio a reclamante W, Lda., reclamar ser credora da devedora no montante de €459.239,31, o qual foi reconhecido pela Sra. AJP, na lista de credores publicada em 02-05-2018, tendo a devedora impugnado a referida lista, vindo o Tribunal a quo a decidir pela improcedência da impugnação, mantendo o crédito da reclamante em causa, por despacho de 17/05/2018, onde refere que “Quanto ao crédito da W, a devedora não prova, com a mera junção dos extratos contabilísticos da devedora e dois e-mails, que nada deve, pelo que improcede nessa parte a sua reclamação”, desconsiderando a prova que esta fez em sede de impugnação da Lista Provisória de Créditos, sem invocar qualquer fundamento de facto ou de direito, que justifique aquela decisão, o que deveria ter feito!

Como referem Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis in PER O Processo Especial de Revitalização, a páginas 78-79 refere-se, a propósito dos efeitos da decisão sobre as reclamações (de créditos) que “em primeiro lugar, no PER inexiste um efetivo contraditório relativamente aos créditos reclamados, desde logo porque – ao contrário do que sucede no processo de insolvência (cfr. artigo 131º) – não se prevê a possibilidade de deduzir resposta às impugnações. Ora uma tão forte limitação ao exercício do contraditório é incompatível com a formação do caso julgado sobre as partes interessadas. Este princípio está, por exemplo, vertido no artigo 341º do CPC. Em segundo lugar, a decisão sobre as reclamações visa exclusivamente computar o quórum de maioria e deliberação da decisão de aprovação do plano, pelo que é meramente acessória desta. O PER não tem como finalidade dirimir litígios sobre a existência, natureza ou amplitude de créditos. A decisão sobre a reclamação de créditos é meramente incidental pelo que nos termos do nº 2 do artigo 96º do CPC não constitui caso julgado fora do respetivo processo. Esta é, aliás, a solução que mais se coaduna com os objetivos do PER. O PER é um processo que se quer simples, célere e ágil, o que pressupõe que as decisões sobre as reclamações de créditos sejam fundamentalmente perfunctórias e baseadas em prova documental. Se a decisão sobre a reclamação de créditos constituísse caso julgado fora do PER, as partes teriam de poder dispor de todos os meios de defesa e prova com a amplitude que lhe é reconhecida nos processos cíveis, e provavelmente a isso seriam forçadas, o que – em última análise – comprometeria os objetivos do PER ou, pelo menos, lhe traria uma complexidade desnecessária. O carácter meramente incidental e sem força de caso julgado, da decisão sobre a reclamação de créditos, pode incentivar algum consenso sobre a lista de créditos, facilitando o desenrolar do PER e cômputo dos votos para aprovação do plano.”

Conforme se refere no Acórdão desta Relação de Guimarães de 09/02/2017, no processo 3820/15.8T8VNF-B.G1, desta 2ª Secção, relatado pelo Desembargador José Cravo, in www.dgsi.pt, “a impugnação a que se refere o artigo 17º-D/3 do CIRE e a decisão que se lhe segue pouco têm a ver com a impugnação e decisão do processo de insolvência, como salientam Carvalho Fernandes e João Labareda (in “CIRE Anotado”, 2ª edição, Lisboa, Quid Iuris, 2013, págs. 154 e ss.), face ao efeito reduzido da lista provisória de créditos: esta não impede a reclamação de créditos num futuro processo de insolvência, aí com recurso a outras garantias processuais e meios probatórios (cfr. AA. citados, pág. 159). Sendo, pois, tal produção de prova – testemunhal e realização de diligências – incompatível com a natureza e orgânica do PER, de onde resulta de forma evidente a intenção do legislador de obter uma decisão rápida que não se compadece com a produção de qualquer outra prova que não seja a documental junta aos autos com as impugnações e eventuais respostas bem como do parecer do Administrador Judicial Provisório. A função relevante da lista definitiva de credores é única e exclusivamente a de compor o quórum deliberativo previsto no artigo 17º-F/3 do CIRE, não tendo a decisão sobre as impugnações (de aprovação judicial da lista) força de caso julgado fora do estrito âmbito do PER.

A decisão deverá, pois, tender a ser baseada apenas nos elementos constantes dos autos, dentro dos 5 dias após a dedução das impugnações (prazo meramente ordenador ou procedimental), entendimento que obtém a correta e justa conciliação da especificidade do processo e do efetivo exercício dos direitos dos interessados, pois procura-se evitar que a produção de mais provas, ex officio ou por indicação das partes, contribua para a morosidade dum processo que se quer célere e eficaz - e nem sequer se pode olvidar os efeitos que advêm da nomeação do administrador judicial provisório: obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor, suspende as ações contra ele instauradas com idêntica finalidade, e suspende os processos de insolvência após a publicação do despacho (vd. artigo 17º-E/1 e 6 do CIRE)”

No mesmo aresto são citados outras decisões no mesmo sentido, como sejam os Acórdãos da Relação de Guimarães de 1-06-2015, processo nº 3066/14.2T8GMR-A.G1, da Relação de Lisboa de 29-05-2014, processo nº 723/13.4TYLSB.L1-6, da Relação de Coimbra de 17-06-2014, processo nº 728/13.5TBSCD-A.C1, da Relação de Guimarães de 15-03-2016, processo nº 1947/15.5T8CHV-A.G1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Daí se extrai que a decisão sumária sobre a impugnação dos créditos, embora sucinta, não deixou de apreciar e decidir com base nos documentos juntos aos autos, pelo que inexiste a invocada nulidade por falta de fundamentação, até porque, conforme acima se referiu, as decisões sobre as reclamações de créditos são fundamentalmente perfunctórias e baseadas em prova documental.

Os créditos da W, Lda, referem-se a faturas vencidas e não pagas e juros e estão documentadas pelo que não podem deixar de ser considerados os valores documentados e respetivos acessórios (juros).

Por outro lado, não podemos deixar de dar razão à decisão recorrida que entendeu que a junção de meros extratos contabilísticos da devedora e dois e-mails por si enviados não constituem elementos indiciários da existência de qualquer crédito por parte da devedora relativamente à credora reclamante, motivo pelo qual inexiste o invocado erro na apreciação da prova.

Assim sendo, improcede a arguição de nulidade invocada pela apelante.

E não se trata de completa omissão de fundamentação da decisão, dado que tal fundamentação, embora sucinta, existe.

Refere, ainda a apelante que o Tribunal a quo deveria ter tomado em consideração os factos provados por documento, o que não aconteceu, mas trata-se de um equívoco, dado que os documentos juntos pela apelante nada justificam que o seu conteúdo se dê como provado.

O artigo 376º nº 1 do Código Civil estabelece que:

“1. O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.
2. Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.
(…)”

Os documentos particulares e, no caso, os extratos contabilísticos não provam a materialidade do seu conteúdo, dado que não são contrários aos interesses da apelante e, como os mesmos não contem qualquer declaração, em tais termos, não fazem qualquer prova em juízo, salvo a possibilidade de poderem ter sido elaborados pela apelante ou por alguém a seu mando, o que não tem qualquer relevância para a situação dos autos, pelo que terá de se manter o crédito impugnado e, como tal, o resultado da votação do plano.

Mesmo no caso dos documentos autênticos, exarados, por exemplo, por notário, a força probatória plena dos mesmos limita-se aos factos praticados pelo mesmo (que no dia x, pelas y, horas compareceram os outorgantes z e w e que fizeram as declarações que aí constam, por exemplo, que compraram e venderam um determinado imóvel, mas já não que tenham, efetivamente, comprado e vendido o mesmo) ou que tenham sido percecionados pelo notário (por exemplo que um outorgante tenha entregue um determinado cheque e que o outro o tenha recebido).

Pelo exposto, improcede, assim, a argumentação e, como tal, terá de se manter a decisão que, face ao resultado da votação acima referido, considerou que não tendo sido aprovado o plano por um quórum deliberativo de 59,40% dos votos, não homologou o plano de revitalização, decisão essa que igualmente se terá de manter.
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C) Em conclusão e sumariando:

1) O PER não tem como finalidade dirimir litígios sobre a existência, natureza ou amplitude de créditos, pelo que a decisão sobre a reclamação de créditos é meramente incidental e, nos termos do nº 2 do artigo 96º do Código de Processo Civil, não constitui caso julgado fora do respetivo processo;
2) A junção de meros extratos contabilísticos da devedora e dois e-mails por si enviados não constituem elementos indiciários da existência de qualquer crédito por parte da devedora relativamente à credora reclamante.
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III. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se as doutas decisões recorridas.
Custas pela apelante.
Notifique.
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Guimarães, 10/07/2019

Relator: António Figueiredo de Almeida (82575061819)
1ª Adjunta: Desembargadora Maria Cristina Cerdeira
2ª Adjunta: Desembargadora Raquel Baptista Tavares