Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3096/17.2T8VNF.G1
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: ACÇAO DE RESOLUÇÃO
RÉPLICA
PEDIDOS SUBSIDIÁRIOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/21/2019
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

1. A “resolução em benefício da massa insolvente, regulada no Capítulo V, do Título IV - “Efeitos da declaração de Insolvência”, nos artigos 120º e segs, do Código da Insolvência e da Recuperação de empresas”, abreviadamente CIRE, constitui um mecanismo específico destinado a prevenir os atos que prejudiquem a integridade da massa insolvente.

2. Tal resolução pode ser obtida por via extra judicial ou por via judicial, em ação a intentar pelo Administrador da Insolvência.

3. Embora com especificidades substantivas próprias, em termos adjetivos estas ações reguladas pelo CIRE (quer a ação de resolução em benefício da massa insolvente quer a ação de impugnação da resolução em benefício da massa, bem como a ação instaurada pelo administrador, com a finalidade de produzir os “efeitos da resolução” - a restituição do objeto ou do enriquecimento), todas dependência do processo de insolvência, na falta de regulamentação adjetiva específica e na falta de regras gerais e comuns, seguem a tramitação processual do processo comum. Na verdade, nada regulando especificamente o CIRE, a não existirem disposições gerais que lhes sejam aplicáveis a regular determinada questão, é aplicável aquele processo, pois que foi consagrada a intenção do legislador no sentido de, em todos os casos não expressamente previstos, se aplicar a legislação processual civil.

4. Tal decorre do artigo 17.º, do CIRE, que se consagra a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, ao estatuir, no seu nº 1, que “Os processos regulados no presente diploma regem-se pelo Código de Processo Civil, em tudo o que não contrarie as disposições do presente Código” e regendo-se por este diploma, por falta de regulamentação específica para estes processos especiais, na falta de normas gerais, aplicam-se-lhes as normas do processo declarativo comum, por força do que estatui o nº1, do art. 549º, do CPC.

5. Destarte, nenhuma regulamentação específica, sequer norma geral, existindo quanto à questão na ação de resolução em benefício da massa é aplicável, quanto a admissibilidade de cumulação de pedidos e de apresentação de articulado de réplica, o consignado, respetivamente, nos arts. 554º e 584º, ambos do CPC.

6. Relativamente a cumulação de pedidos, podendo haver oposição entre pedidos formulados desde que um deles seja deduzido subsidiariamente (nº2, do art. 554º, do CPC) e tendo o administrador da insolvência - que para o exercício da resolução em benefício da massa insolvente tem exclusiva legitimidade – legitimidade, também, para pedir a declaração de nulidade de atos praticados pelo devedor antes da declaração de insolvência, necessário é o preenchimento dos requisitos para a formulação de pedidos subsidiários, sendo eles (art. 37º, nº1 e 2, do CPC):
- existência de conexão substancial entre o pedido principal e o subsidiário;
- ser o tribunal seja competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia para todos os pedidos deduzidos;
- não corresponderem formas de processo diferentes aos pedidos cumulados, sem prejuízo da hipótese prevista no nº2, do referido artigo;

7. Não é admissível em ação de resolução em benefício na massa insolvente deduzir pedido subsidiário de declaração de nulidade de ato, por simulação, pois que, desde logo, o Tribunal de comércio é incompetente em razão da matéria para conhecer de tal pedido, de processo comum, que se inclui na competência, residual, dos Tribunais comuns (nº1, do art. 40º, da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), aprovado pela Lei n.º 62/2013, de 26/01 e art. 64º, do CPC), por não estar especificamente atribuída ao Tribunal de Comércio (cfr. art. 128º, da referida Lei), competente para o processo de insolvência e seus incidentes e apensos (nº1, al. a) e 3, do referido artigo) estipulados na lei que o regula (CIRE e CPC, subsidiariamente aplicável).

8. É admissível o articulado de réplica para os fins indicados no artigo 584º do CPC - defesa do autor perante o pedido reconvencional e nas ações de simples apreciação negativa - sempre nele podendo o Autor exercer o contraditório quanto a exceções deduzidas na contestação e quanto a documentos, com ela, juntos.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

Recurso independente
Recorrente: MASSA INSOLVENTE DE (…)
Recorridos: VET (…) S.A e outros

Recurso subordinado
Recorrente: VET (…) S.A
Recorrida: MASSA INSOLVENTE DE (…)

A Autora, MASSA INSOLVENTE DE (…) , na ação de Resolução em Benefício da Massa Insolvente (CIRE), com o nº 3096/17.2T8VNF-E em que são Réus VET (…) S.A. e outros, não se conformando com o despacho que não admitiu o articulado “réplica” por si apresentado, em resposta ao pedido reconvencional deduzido por aquela Ré, bem como com o que não admitiu o pedido subsidiário de nulidade, por simulação, dos negócios em apreciação nestes autos, deles veio interpor recurso de apelação, por inexistir fundamento legal para a rejeição do articulado da apelante e inexistir contradição entre a causa de pedir e os pedidos formulados, pedidos esses que foram apresentados em regime de subsidiariedade, devendo as decisões recorridas ser revogadas e substituídas por outras que os admitam.

Formula, para tanto, as seguintes CONCLUSÕES:

1. Vem o presente recurso dos doutos despachos do tribunal recorrido que não admitiram o articulado (RÉPLICA) que a apelante apresentou nos autos em resposta ao pedido reconvencional deduzido por um dos réus, e aos documentos juntos, bem como não admitiu o pedido subsidiário formulado pela autora na petição inicial.
2. Considerou o tribunal recorrido, mal no entendimento da apelante, que a réplica deduzida apenas se reporta a factos que foram alegados em sede de contestação da ré/reconvinte, pronunciando-se, assim, relativamente a matéria sobre que não podia pronunciar-se.
3. Sucede que, se é certo que em parte a apelante se pronunciou, coincidentemente, sobre matéria alegada na contestação da ré/reconvinte, tal ficou a dever-se porque em sede de reconvenção foram alegados exatamente os mesmos factos da contestação, obrigando, assim, a apelante a sobre eles se pronunciar.
4. Assim, contrariamente ao decidido pelo tribunal recorrido, a apelante não se pronunciou sobre fatos da contestação, mas sim sobre factos da reconvenção, dando-se a coincidência, não imputável à apelante, de que tais factos eram exatamente os mesmos.
5.Acresce que, contrariante ao que consta do despacho em recurso, a ré/reconvinte não se limitou a pedir a validade dos negócios jurídicos impugnados pela apelante, mas também, em caso de procedência da resolução/invalidade desses negócios, que a apelante seja condenada a reconhecer, como divida da massa insolvente, um crédito no valor de 250.038,97 €.
6. Por isso, a dedução destes dois pedidos pela ré/reconvinte legitimou a apelante a pronunciar-se individualmente sobre cada um deles, ou seja, quer sobre a peticionada validade dos negócios jurídicos celebrados com o Insolvente, quer sobre os valores a reconhecer sobre a massa insolvente.
7. Assim, a Apelante limitou-se a responder, como lhe competia, aos pedidos formulados pela ré/reconvinte em reconvenção, sendo legal o articulado apresentado com essa finalidade, nos termos do n.º1 do artigo 484.º do CPC.
8. A apelante peticionou nos autos a declaração judicial de resolução em benefício da massa insolvente de um conjunto de atos praticados pelo Insolvente, por si e em representação de seus falecidos Pais, nos termos previstos nos artigos 120.º e 121.º do CIRE.
9. E, subsidiariamente, ou seja, somente no caso do primeiro pedido não ser atendido, a declaração de nulidade desses atos por simulação, nos termos previstos nos artigos 240.º e 243.º do Código Civil.
10. A resolução em beneficio da massa insolvente é um instituto jurídico tendente à manutenção forçada do património do devedor por iniciativa Administrador de Insolvência, ou seja, é uma figura jurídica de conservação da garantia patrimonial.
11. O objetivo prosseguido com este instituto é a reintegração na massa insolvente de ativos patrimoniais que lhe foram subtraídos pela prática de atos em determinado período de tempo, designado como suspeito, que precede a situação de insolvência, em razão de interesses da generalidade dos credores da insolvência.
12. O instituto da simulação, traduzido na divergência intencional entre a vontade e a declaração, por acordo entre as partes com vista a enganar ou prejudicar terceiros, pode igualmente assumir, tal como a resolução em beneficio da massa insolvente, a veste de mecanismo de conservação de garantia patrimonial.
13. Daí que, o instituto da simulação, apesar de revestir a natureza de ação anulatória, pode ser visto como um meio de conservação de garantia patrimonial, a par de outros, como a sub-rogação, a impugnação pauliana e o arresto.
14. Apesar da finalidade comum de ambos os institutos jurídicos, neste particular enquadramento de assegurar a consistência patrimonial do devedor, são contudo divergentes os pressupostos para a invocação.
15. Acresce que, a resolução em beneficio da massa insolvente é um instituto privativo do processo de insolvência, para o qual apenas tem legitimidade ativa o administrador de insolvência, ao passo que na simulação tem legitimidade ativa qualquer interessado, entre os quais também os credores do devedor, tal como vem consagrado no artigo 605.º do CC.
16. A apelante socorreu-se de ambos os institutos jurídicos peticionando, em primeiro lugar, a resolução em beneficio da massa insolvente de atos praticados pelo devedor, por si e em representação dos seus falecidos Pais e, subsidiariamente, ou seja, na improcedência do pedido principal, a simulação desses mesmos atos.
17. A decisão de não admissão do pedido subsidiário parece ter subjacente a existência de uma incompatibilidade substancial entre a causa de pedir e o pedido subsidiário, o que de todo não se verifica nos autos.
18. A apelante articulou na sua petição inicial todos os factos que, no seu entendimento, materializam a titulo principal o direito à resolução dos negócios em apreciação nos autos e, subsidiariamente, o direito à declaração de nulidade desses mesmos negócios.
19. A causa de pedir substanciada nos fatos alegados pela apelante na petição inicial permite a formulação de ambos os pedidos, que não são cumulativos entre si, mas apenas subsidiários, ou seja, para apenas ser levado em consideração no caso de improcedência do pedido principal.
20. No caso dos autos não existe contradição entre os pedidos, uma vez que, apesar de ambos terem subjacente a invalidade dos negócios, o meio para a destruição dos seus efeitos é atingido por institutos jurídicos distintos, considerando a apelante que o meio peticionado a titulo principal lhe é mais vantajoso que o meio peticionado subsidiariamente.
21. Assim, por inexistir fundamento legal para a rejeição do articulado da apelante e inexistir contradição entre a causa de pedir e dos pedidos formulados, pedidos esses que foram apresentados em regime de subsidiariedade, devem as decisões recorridas ser revogadas e substituídas por outras que os admitam.
*
A Ré respondeu pugnando por que se negue a apelação e se confirme a decisão recorrida, ou, se for esse o caso, se defira o recurso subordinado. Formula as seguintes Conclusões:

I - A resposta da apelante versa a matéria alegada pela apelada na sua contestação, não na reconvenção - articulado cuja dedução, à luz do regime juridico-processual actual, contido no artigo 584.º do C.P.C., não tem qualquer suporte legal.
II - A reconvenção articulada pela recorrida radicou no intuito meramente cautelar se poder entender-se que a declaração de validade dos contratos objecto da acção da recorrente, por deles emergirem negócios dissimulados, só poder ocorrer por via reconvencional.
III - A dedução de resposta pela apelante só seria admissível se houvesse sido proferido despacho nesse sentido, ou aquando da audiência prévia ou de julgamento.
IV - A acção da recorrente configura uma acção de resolução de negócios em benefício da massa insolvente, que, por sua vez, tem como pressuposto incontornável, a validade desses mesmos negócios.
V - O pedido subsidiário da recorrente, todavia, não parte desse pressuposto de validade, para obter um outro efeito jurídico, antes lhe subjazendo a sua invalidade absoluta, por simulação.
VI - Configurando a acção de resolução de negócios em benefício da massa insolvente uma acção especial, prevista nos artigos 120.º e ss. do C.I.R.E. - cujos antecedentes, por sua vez, remontam aos artigos 1168.º, 1170.º e 1171.º, do C.P.C. de 1939, aos artigos 1200.º, 1202.º e 1203.º, do C.P.C. de 1961 e aos artigos 156.º, 158.º e 159.º do C.P.E.R.E.F. - e a acção de declaração de nulidade por simulação uma acção sob a forma comum, verifica-se a circunstância prevista no artigo 554.º, n.º 2, in fine, do C.P.C., que obsta à formulação da pedidos subsidiários.
VII - Se for julgada procedente a impugnação feita pela autora/recorrente da decisão do a quo que julgou inadmissível o pedido subsidiário, deverá revogar-se essa decisão na parte em que recusou receber a reconvenção articulada, substituindo-se por uma outra que a admita.
*
Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito dos recursos interpostos.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO

DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Assim, são as seguintes as questões a decidir:

- Saber se nos autos de resolução em benefício da massa insolvente em que foi proferido o despacho recorrido é admissível:

1. O articulado de réplica;

2. A formulação do pedido subsidiário de declaração de nulidade, por simulação, dos negócios em apreciação nos autos.
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II.1 - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos considerados provados, com relevância para a decisão da causa, constam do relatório que antecede, sendo que o despacho recorrido, proferido nos autos de Resolução em benefício da Massa Insolvente, tem a seguinte redação:

“A audiência prévia já foi realizada, tendo os autos ficado suspensos para realização de transação que não foi atingida.
#
O valor da ação é de € 200.038,97- artigo 301º, nº1 CPC ex vi artigo 17º CIRE.
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O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade, capacidade judiciária.
As partes são legítimas.
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Da inadmissibilidade da réplica

A R Vet (…) SA veio a fls 330 e ss requerer se declare a réplica apresentada inadmissível por se reportar a factos que foram apenas alegados em sede de contestação da R.

Cumpre decidir, atendendo ao facto de que é manifestamente desnecessária a notificação da A para se pronunciar dado já ter tido conhecimento do requerimento e nada ter vindo aduzir aos autos.

Efetivamente, o artigo 584º, nº1 do CPC dispõe que só é admissível réplica para o A deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção. Ora, a A na réplica reportou-se apenas aos factos aduzidos pela R na contestação e não em sede de reconvenção, onde pede a declaração de validade dos negócios celebrados.

Assim, a réplica foi apresentada pronunciando-se relativamente a matéria sobre que não podia pronunciar-se, pelo que é inadmissível, o que se declara, dando-se por não escrita.
Notifique.
#
Da inadmissibilidade do pedido subsidiário

A R Vet (…) veio invocar a natureza inconciliável dos pedidos formulados pela A por o principal pressupor a validade dos contratos que quer ver resolvidos e o subsidiário tem como premissa a sua absoluta invalidade.

De facto, a Massa Insolvente de (…) veio pedir a título principal a declaração de resolução dos negócios de compra e venda do seu quinhão hereditário na herança aberta por óbito de sua mãe, e de cessão da meação e quinhão hereditário na mesma herança, em representação do pai do insolvente. Subsidiariamente, pede que tais negócios sejam declarados nulos por simulação.

Cumpre decidir.

Efetivamente, a resolução em benefício da massa apenas pode ter por fundamento algum dos pressupostos das alíneas do artigo 121º, nº1 do CIRE, para o caso da resolução incondicional, e os atos prejudiciais à massa, isto é, que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência, tenham ocorrido dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, e o terceiro tenha agido com má fé.

E tal limitação na causa de pedir acontece porque a ação é configurada para pedir a declaração de resolução do ato praticado que seja prejudicial à massa insolvente, independentemente de o mesmo ato ser nulo por simulação.

Assim sendo, o pedido subsidiário de declaração de nulidade por simulação dos negócios em apreciação não pode ser apreciado nos presentes autos, sendo inadmissível, o que se declara.
Notifique.

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Da Reconvenção

A R Vet (…), SA, formulou pedido reconvencional para o caso do tribunal reconhecer a existência de negócios dissimulados, pedindo a condenação da A a reconhecer que os valores embolsados pela R na decorrência dos vários negócios realizados de € 250.038,97 foram efetivamente transacionados e queridos pelas partes outorgantes dos vários contratos realizados e, em consequência, ser a A condenada a restituir-lhe esta indicada quantia, acrescida de juros de mora à taxa legal.

Ora, assim como acima explicitamos que o pedido subsidiário de declaração de nulidade dos negócios realizados não pode proceder, da mesma também não pode proceder o pedido reconvencional de restituição da quantia paga em caso de existência de negócios dissimulados.

A presente ação é meramente declarativa e não condenatória e visa apenas declarar a resolução dos negócios prejudiciais à massa insolvente.
Pelo exposto, não admito a reconvenção deduzida pela R Vet (…), SA.
Notifique.
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Não existem nulidades, exceções processuais ou questões prévias de que cumpra por ora conhecer.
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Objeto do litígio:

Apurar se in casu se verificam os fundamentos legais que permitem o ato de resolução do contrato de cessão de créditos realizado entre o insolvente e a R sociedade.

Temas da prova:

- Apurar se os negócios jurídicos em causa nos autos são atos prejudiciais à massa.
- Apurar se foram realizados com intuito de dissipar e ocultar património do insolvente, retirando-o do acervo patrimonial da massa.
-Apurar se foi paga qualquer contrapartida pelos dois negócios.
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Notifique as partes para, querendo, apresentarem reclamações.
Notifique a A para indicar a que matéria pretende a prestação dos depoimentos de parte dos RR em cinco dias, sob pena de não serem admitidos.
Admito a prestação de declarações de parte da legal representante da R sociedade à matéria de que tenha conhecimento direto.
Admito a audição da senhora administradora de insolvência.
Admito a prova testemunhal de fls 86 (9), 288 (5) e 321 (2).
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Para julgamento designo o dia 26-2-2019 pelas 10.00 horas para depoimentos de parte, e primeiras três testemunhas, e pelas 14.00 horas para as restantes. Notifique- artigo 151º, nº2 CPC”.
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II.2 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Da admissibilidade, nos autos de resolução em benefício da massa insolvente, do articulado de réplica e de formulação do pedido subsidiário de nulidade, por simulação, dos negócios em apreciação nos autos

Conclui a apelante ser admissível oferecer o articulado de Réplica e deduzir o pedido subsidiário que formulou na petição inicial da ação que propôs - de “resolução em benefício da massa insolvente”.
São, pois, essas as questões objeto do recurso da Autora, a apreciar, o que se passa a fazer.

Analisemos, porém, previamente, para melhor enquadramento jurídico das questões a conhecer, o mecanismo e a espécie e natureza da ação em que foi proferido o despacho recorrido - a “resolução em benefício da massa insolvente”, regulada no Capítulo V, do Título IV - “Efeitos da declaração de Insolvência”, nos artigos 120º e segs, do Código da Insolvência e da Recuperação de empresas”, abreviadamente CIRE, constituindo esta um dos mecanismos destinados a prevenir os atos que prejudicam a integridade da massa insolvente.

Operada a resolução, que vem sendo permitido seja obtida por via judicial ou extra-judicial (1), para cujo exercício tem exclusiva legitimidade o administrador da insolvência (2) nos termos do nº1, do art. 123º, do CIRE, a mesma pode ser impugnada judicialmente.

A resolução em benefício da massa insolvente visa a reconstituição do património do devedor, permitindo a destruição de atos prejudiciais a esse património. A declaração de resolução deve integrar os factos concretos essenciais que revelem as razões invocadas para a destruição do negócio e permitam ao destinatário da declaração a sua posterior impugnação. E a impugnação, através da ação prevista no artº 125º CIRE, visa tão só a negação dos factos invocados para fundamentar a resolução operada pelo Administrador da Insolvência. (3)

“De harmonia com a jurisprudência maioritária, a acção de impugnação da resolução prevista no art. 125º do CIRE é uma acção de simples apreciação negativa, visando a demonstração da inexistência ou a não verificação dos pressupostos legais da resolução declarada pelo AI na carta resolutiva, cabendo, por isso, à massa insolvente o ónus da prova da verificação dos pressupostos da resolução operada pelo AI e não ao impugnante a prova de que tais pressupostos não se verificam, em consonância com plasmado no nº 1 do art. 343º do Cciv. Sabendo-se que a resolução também pode ser obtida por via judicial, em acção a intentar pelo Administrador da Insolvência, caso em que a impugnação deve ser levada a efeito na contestação, como é o caso, e em que dúvidas não restam competir à Massa Insolvente o ónus da prova dos fundamentos em que alicerça a resolução (artº 342º, nº 1, do CC), não é coerente que tal ónus se inverta no caso de se ter utilizado a via extra-judicial para efectivar a resolução (4) (5) (negrito nosso).

Como se refere no Ac. da Rel. de Guimarães de 30/11/2017 “a resolução em benefício da massa insolvente é um instituto específico do processo de Insolvência que permite, de uma forma expedita e eficaz, a destruição de actos prejudiciais à massa insolvente, com vista a apreender para a mesma, não só aqueles bens que se mantenham na titularidade do insolvente, como aqueles que nela se manteriam caso não houvessem sido por ele praticados ou omitidos aqueles actos prejudiciais para a massa insolvente.

Esta resolução pode ser condicional (art.º 120º do CIRE) ou incondicional (art.º 121º do CIRE) (…) os requisitos da resolução variam, consoante estejamos perante o primeiro e o segundo tipo de resolução, havendo que se distinguir entre requisitos gerais (art. 120º do CIRE) e requisitos em relação a certas categorias de actos (art. 121º do CIRE)(…) os requisitos gerais de resolução, decorrentes do art. 120º do CIRE, são os seguintes:

a) Realização pelo devedor de actos ou omissões;
b) Prejudicialidade do acto ou omissão em relação à massa insolvente;
c) Verificação desse acto ou omissão nos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência;
d) Existência de má-fé do terceiro (6).

Já no caso da resolução incondicional a que se reporta o art. 121º do CIRE esses requisitos gerais da resolução são dispensados.

Os actos aí referidos são resolúveis, independentemente de quaisquer outros requisitos, desde que se verifiquem os requisitos de qualquer uma das situações previstas nesta mesma disposição legal (7).

Assim, “nas situações descritas no nº 1 do art. 121º, o administrador da insolvência não tem de provar (nem indicar) que o cumprimento ou a subsistência do(s) contrato(s) é prejudicial à massa – se entender, no seu critério, que há prejuízo, pode resolver o contrato ou contratos ou recusar o seu cumprimento…” (8)(9).

Ora, sem prejuízo da especificidade substantiva própria das ações previstas nos arts 120º a 126º, do CIRE, e em concreto da ação onde foi proferido o despacho recorrido, que corre por dependência à insolvência, a sua tramitação processual obedece, efetivamente, à forma comum.

Vejamos em que termos.

Na verdade, quer a ação de resolução em benefício da massa, quer a ação de impugnação da resolução de atos em benefício da massa insolvente, bem como a ação instaurada pelo administrador, com a finalidade de produzir os “efeitos da resolução” - a restituição do objeto ou do enriquecimento -, previstas nos artºs 120º e seg., 125º e 126º do CIRE, seguem, no silêncio da lei, o regime comum da ação declarativa (cf. Ac. da Rel. Évora., de 18/Dez/2007, in CJ, 2007, V, pág 251.

Com efeito, o CIRE nada diz sobre os referidos processo, apenas que a ação respetiva é “dependência do processo de insolvência”, aplicando-se-lhes, por isso, o CIRE.

Ora, nesse âmbito, em todos os casos em que o legislador não consagrou norma específica, a sua intenção foi a de aplicar a legislação comum. Tal decorre do artigo 17.º, do CIRE, onde se prevê a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, abreviadamente CPC, estabelecendo o seu nº 1 que “Os processos regulados no presente diploma regem-se pelo Código de Processo Civil, em tudo o que não contrarie as disposições do presente Código”.

No CIRE optou-se, assim, por uma aplicação subsidiária integral do Código de Processo Civil. Tem, por isso, de se analisar, de acordo com este código, qual o regime a seguir. E se existir norma aplicável à situação no âmbito do processo Civil, esta aplica-se no âmbito destes processos regulados pelo CIRE, não havendo necessidade de recorrer aos critérios de integração de lacunas referidos no art. 10º do Código Civil (10).

E com o alcance que expõem Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, o apelo ao Código de Processo Civil verifica-se para qualquer fase e momento do processo de insolvência, e abrange quaisquer incidentes, apensos e recursos (11).
Ora, analisando o Código de Processo Civil verifica-se que este classifica, quanto à forma, isto é, quanto à tramitação técnica e processual a que têm de se submeter, as ações como de processo comum e de processo especial.

Com efeito, estatuindo o artigo 546º deste Código, que o processo pode ser comum ou especial (nº1) e que o processo comum é aplicável a todos os casos a que não corresponda processo especial (cfr nº2), não havendo qualquer regulamentação adjetiva, deste processo especial, que lhe corresponda nem disposições gerais e comuns, observa-se o que se acha estabelecido para, a forma, única (cfr art. 548º, do CPC), do processo comum, por força do nº1, do art. 549º, de tal diploma.

Consagrando-se o princípio da legalidade da forma processual, a delimitação do âmbito do processo comum é feita através de um critério residual, abarcando todos os litígios a que não corresponda expressamente alguma das formas de processo especial previstas no livro V (arts 878º a 1081º) ou em diplomas avulsos (12), que expressamente preveja e regule como tal, como sucede com o processo de insolvência.

A definição do processo especial é direta, ou seja, são especiais apenas (e só) os processos que a lei designa e trata como tal. O que equivale, ainda, a dizer que o âmbito de aplicação do processo comum é definido a contrario sensu. Nesta conformidade, podemos dizer que os processos especiais são os processos-exceção e o processo comum é o processo-regra (13).

A existência de um processo comum e vários especiais decorre do entendimento do legislador no sentido de que a discussão em juízo de determinadas matérias, pela natureza ou especificidade destas, exige uma tramitação processual própria e distinta da consagrada no processo comum (14).

O processo comum funciona como processo paradigma. Os processos especiais, regulamentados autonomamente, tratam casos em que o legislador entendeu que a tramitação do processo comum se não mostra adequada. Em função das situações e do que elas próprias reclamam em termos procedimentais, as diferenças face ao processo comum são maiores ou menores, de tal modo que há processos especiais cuja estrutura é muitíssimo diferente da prevista para o processo comum e outros há com pequenas notas distintivas face a ele (15).

A tramitação base definida e a aplicar para o processo comum é a que se encontra consagrada nos artºs. 552º a 626º, ao nível da 1ª instância.

A tramitação dos processos especiais obedece, sucessivamente, à regulamentação específica, às normas gerais e às normas do processo declarativo comum, por força do que estatui o nº1, do art. 549º.

Aferindo-se, assim, a forma de processo em função do tipo de pretensão formulada pelo Autor, constata-se que no caso dos autos, estamos, efetivamente, perante processo especial, regulado pelo Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, nos art.s 120º e seg. referente a “resolução em benefício da massa insolvente”, a que se aplica o que se acha estabelecido para o processo comum, por falta de disposições adjetivas próprias e por falta de disposições gerais e comuns aplicáveis, sendo-o, desde logo, por força do artigo 17º do CIRE (que, com a epígrafe “Aplicação subsidiária do Código de Processo Civil” se integra no Capítulo I- Disposições gerais, do Título I- Disposições introdutórias, de tal diploma), o qual determina a aplicação do CPC a todos os processos regulados em tal diploma e, seguidamente, fazendo a aplicação deste Código, por força do nº1, do art. 549º.

1. Da admissibilidade da Réplica

Após análise do regime adjetivo do processo em causa, revertendo para o caso em análise, verifica-se que a decisão recorrida considerou que a réplica apresentada se pronunciou sobre matéria de que se não podia pronunciar, sendo inadmissível e, por isso, deu-a por “não escrita”.

Analisando, verifica-se que o nº1, do artigo 584º, do atual CPC, aqui aplicável, nos termos expostos, dispõe que “só é admissível réplica para o Autor deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção”.

De acordo com o nº1 e 2, do art. 584º, do referido diploma, a réplica “é um articulado que tem natureza eventual, pois a sua apresentação é limitada a dois casos: por um lado, para defesa do autor perante o pedido reconvencional; por outro, nas ações de simples apreciação negativa” (16), fora dos quais é inadmissível.

No caso de reconvenção, a contestação funciona como uma petição inicial, cumprindo a réplica a função da contestação. Neste quadro, o reconvindo pode defender-se da reconvenção tanto por impugnação como por exceção (571º) (17).

Assim, decorre do art. 584º, que quando o réu se defenda por impugnação não há direito de resposta e quando se defenda por exceção, sem ser nos casos de apresentação de réplica para os fins indicados naquele artigo, o autor não dispõe de articulado próprio para responder às exceções deduzidas (salvo o caso consagrado no art. 103º, nº2, referente a resposta à exceção da incompetência relativa), embora possa responder a questões como, por exemplo, referentes a impugnação de documentos (art. 444º) e sempre fique assegurado ao Autor o exercício do contraditório quanto à matéria de exceção, designadamente na audiência prévia (art. 3º, nº4), podendo, contudo, até, o juiz decidir facultar ao autor o exercício do contraditório por escrito, ao abrigo do disposto no nº2, do art. 6º e do art. 547º.

Não corresponde à realidade que a Autora, na réplica, se tenha reportado apenas aos factos aduzidos pela Ré, na contestação, que não se tenha pronunciado quanto à reconvenção.

Com efeito, a Autora no articulado que apresentou, além de responder aos documentos juntos na contestação, reafirma contestar o pedido reconvencional deduzido pela Autora, pronuncia-se relativamente a matéria alegada no articulado a que responde, e, por isso, eventualmente, com relevância para a reconvenção, pronuncia-se pela improcedência do pedido reconvencional pelas razões que refere, sendo tal articulado admissível, nunca podendo ser devolvido à apresentante.

A apelante respondeu à reconvenção, apresentando a defesa que, no momento, entendeu por bem apresentar.

Considera a Apelada que a resposta da autora seria admissível, se o Tribunal “a quo houvesse despachado no sentido de responder à matéria de exceção, nos termos previstos nos artigos 3.º, n.º 3, e 6.º do C.P.C., ou em sede de audiência prévia ou de julgamento, em conformidade com o que se dispõe no artigo 3.º, n.º 4, do C.P.C., mas que não o tendo sido nem respondendo à reconvenção, deve a decisão ser confirmada.

Ora, até, como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (18) - em resposta à pergunta “Apesar de, nos termos da lei, a réplica não se destinar ao exercício do contraditório quanto a exceções, será que, nos casos em que possa apresentar réplica para os fins indicados no art. 584º, o autor tem o ónus de responder à matéria das exceções deduzidas na contestação?”, que formulam - “Parte significativa da doutrina entende que assim é, como se registou em RL, 26/10/2017, 807/16, que seguiu tal orientação (cf. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª ed., p. 223, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. II, 3ª ed, p. 605, e Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao NCPC, vol. I, pp 461-462).

Para defesa desta solução aduz-se que, se a réplica vai ser apresentada ao abrigo do art. 584º, a inclusão da resposta às exceções não altera ou perturba a cadência processual; por outro lado, a contestação, na qual surgem as exceções, não é o último articulado admissível, para os efeitos do art. 3º, nº4, pois ainda haverá réplica (para os fins do art. 584º)” (19).

Assim, e pelas referidas razões, não seria necessário despacho a mandar responder por escrito, sempre podendo a Autora aproveitar o requerimento que apresentou de resposta a documentos e de pronúncia sobre a reconvenção para responder a matéria de exceção deduzida na contestação, que não fosse comum à resposta à matéria da reconvenção.

Deste modo, na procedência, das conclusões da apelação, nesta parte, cumpre revogar o despacho que deu por não escrito o articulado que constitui o requerimento junto a fls 287 a 290, o qual, ficando nos autos, tem de ser considerado.
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2. Da admissibilidade de formulação do pedido subsidiário de nulidade, por simulação, dos negócios em apreciação nestes autos.

A decisão recorrida julgou inadmissível o pedido subsidiário de declaração de nulidade por simulação dos negócios em apreciação por a resolução em benefício da massa apenas poder ter por fundamento algum dos pressupostos das alíneas do artigo 121º, nº1 do CIRE, para o caso da resolução incondicional, e os atos prejudiciais à massa, isto é, que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência, que tenham ocorrido dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, e o terceiro tenha agido com má fé. Considerou o tribunal a quo que tal limitação na causa de pedir acontece porque a ação é configurada para pedir a declaração de resolução do ato praticado que seja prejudicial à massa insolvente, independentemente de o mesmo ato ser nulo por simulação.

Assim, e na verdade, no âmbito da “resolução em benefício da massa insolvente” apenas se resolve, se for o caso, o ato, nenhuma nulidade de contrato sendo de apreciar e decidir.

Vejamos se o administrador da massa insolvente tem legitimidade (processual e substantiva) para formular pedido de declaração de nulidade dos contratos em causa nos autos, por simulação e, tendo-a, da admissibilidade de cumulação de tal pedido com o aqui formulado a título principal, neste especial meio, neste instituto específico do processo de Insolvência.

Ora, a lei prevê instrumentos adequados a repelir os efeitos jurídicos dos atos praticados pelo devedor antes da declaração de insolvência que prejudiquem a massa. São eles dois: a resolução em benefício da massa insolvente, na disponibilidade do administrador da insolvência, e a impugnação pauliana, na disponibilidade dos credores. Por confronto com a disciplina anterior, poderia dizer-se que o recurso à impugnação pauliana foi quase vedado. Em contrapartida, a resolução em benefício da massa insolvente aparece como o instrumento privilegiado (20).

Ora, na verdade, a resolução de negócios em benefício da massa insolvente corresponde, como vimos, a uma ação especial, cujo regime se encontra especificamente previsto nos artigos 120.º a 126º, do C.I.R.E., sendo um instituto especial do processo de insolvência, que se destina à tutela da generalidade dos credores do insolvente, na medida em que permite ao Administrador da Insolvência que a eficácia de toda uma panóplia de atos seja destruída, verificados que sejam certos requisitos de ordem temporal, subjetiva e objetiva, regulados, como acima vimos.

E os credores podem recorrer à impugnação pauliana enquanto se não verificar a resolução em benefício da massa insolvente (21).

Ora, surge logo a questão - podem os credores e o próprio Administrador da massa insolvente pedir a declaração de nulidade de contratos celebrados pelo devedor antes da declaração de insolvência, designadamente por simulação?

Como bem se decidiu no Ac. da Rel de Coimbra de 16/6/2015, a nulidade de contratos – por alegada simulação – pode ser invocada, nada se encontrando “no CIRE que seja susceptível de ser interpretado no sentido de estar vedado ao administrador da insolvência a propositura de acção com vista à declaração de tal nulidade”, sendo que “a invocação da nulidade de actos praticados pelo devedor está na disponibilidade de qualquer pessoa que demonstre ter interesse na respectiva declaração (cfr. art. 286º do CC), pelo que, a (…) circunstância de o CIRE não o prever expressamente não tem idoneidade para concluir que o administrador da insolvência não tem legitimidade para invocar a nulidade dos actos, porquanto esta legitimidade encontra apoio no Código Civil por se dever considerar – como consideramos – que a massa insolvente, através do administrador da insolvência, é interessada para esse efeito.

A impugnação pauliana visa atacar os actos que envolvem diminuição da garantia patrimonial dos créditos e, portanto, quando conferida em benefício da massa insolvente (como acontecia no CPEREF), ela visa atacar actos que são prejudiciais à massa. Tendo em conta que a resolução em benefício da massa insolvente, prevista no CIRE, tem a mesma finalidade, entendeu o legislador – como decorre do preâmbulo do diploma que aprovou o CIRE – que não se justificava a previsão de dois institutos com idênticos objectivos, optando por concentrar num único instituto (a resolução em benefício da massa insolvente), a possibilidade de atacar os aludidos actos.

Mas, salvo o devido respeito, não nos parece que a previsão de um único instituto com vista à resolução de actos prejudiciais à massa e a eliminação da possibilidade de o administrador de insolvência recorrer à acção pauliana abarque também a eliminação da possibilidade de o administrador instaurar acção com vista à declaração de nulidade de actos praticados pelo devedor.

Em primeiro lugar, porque – reafirmamos – a legitimidade do administrador para invocar tal nulidade continua a encontrar apoio no art. 286º do CC, onde se estabelece o princípio ou regra geral em matéria de legitimidade para esse efeito.

E, em segundo lugar, porque não nos parece consentâneo com o pensamento do legislador e com a ordem jurídica em geral que, estando em causa um acto nulo, se limitasse profundamente a possibilidade de destruir os seus efeitos, por iniciativa da massa insolvente e do administrador da insolvência, aos casos em que é possível a resolução em benefício da massa insolvente.

Note-se que os actos resolúveis em benefício da massa insolvente são apenas os actos prejudiciais à massa que tenham sido praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência (art. 120º do CIRE) e tal resolução tem que ser efectuada em prazo curto e nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência (art. 123º do CIRE). Ora, a entender-se que os actos nulos apenas poderiam ser atacados pelo administrador da insolvência por via desse instituto, tal significaria que os actos e negócios nulos praticados antes do período temporal ali definido ou aqueles que apenas viessem ao conhecimento do administrador depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência ficaram a salvo e não poderiam ser atacados em benefício da massa insolvente; a declaração de nulidade desses actos ficaria, assim, dependente da actuação dos credores ou de qualquer outro interessado e fora da disponibilidade do administrador da insolvência, situação que não se adequa à regra legalmente consagrada segundo a qual a nulidade, além de poder ser declarada oficiosamente pelo tribunal, é invocável a todo o tempo e por qualquer interessado”.

Pode também ser confrontada a posição de Maria de Fátima Ribeiro “Um confronto entre a resolução em benefício da massa insolvente e a impugnação pauliana”, in Catarina Serra (Coord.), IV Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, pág 170 a 178.

Deste modo, parece-nos inquestionável que o administrador da insolvência tem legitimidade processual e substantiva para pedir a declaração de nulidade de atos praticados pelo devedor antes da declaração de insolvência.

E conclui a própria Autora/Apelante que peticionou nos autos a declaração judicial de resolução em benefício da massa insolvente de um conjunto de atos praticados pelo Insolvente, por si e em representação de seus falecidos Pais, nos termos previstos nos artigos 120.º e 121.º do CIRE e, subsidiariamente, ou seja, somente no caso do primeiro pedido não ser atendido, a declaração de nulidade desses atos por simulação, nos termos previstos nos artigos 240.º e 243.º do Código Civil.

Afirma que a resolução em benefício da massa insolvente é um instituto jurídico tendente à manutenção forçada do património do devedor por iniciativa Administrador de Insolvência, ou seja, é uma figura jurídica de conservação da garantia patrimonial. O objetivo prosseguido com este instituto é a reintegração na massa insolvente de ativos patrimoniais que lhe foram subtraídos pela prática de atos em determinado período de tempo, designado como suspeito, que precede a situação de insolvência, em razão de interesses da generalidade dos credores da insolvência. O instituto da simulação, traduzido na divergência intencional entre a vontade e a declaração, por acordo entre as partes com vista a enganar ou prejudicar terceiros, pode igualmente assumir, tal como a resolução em beneficio da massa insolvente, a veste de mecanismo de conservação de garantia patrimonial, daí que, o instituto da simulação, apesar de revestir a natureza de ação anulatória, pode ser visto como um meio de conservação de garantia patrimonial, a par de outros, como a impugnação pauliana. Apesar da finalidade comum de ambos os institutos jurídicos, neste particular enquadramento de assegurar a consistência patrimonial do devedor, são, contudo, divergentes os pressupostos para a invocação. Acresce que, a resolução em beneficio da massa insolvente é um instituto privativo do processo de insolvência, para o qual apenas tem legitimidade ativa o administrador de insolvência, ao passo que na simulação tem legitimidade ativa qualquer interessado, entre os quais também os credores do devedor, tal como vem consagrado no artigo 605.º do CC. A apelante socorreu-se de ambos os institutos jurídicos peticionando, em primeiro lugar, a resolução em beneficio da massa insolvente de atos praticados pelo devedor, por si e em representação dos seus falecidos Pais e, subsidiariamente, ou seja, na improcedência do pedido principal, a simulação desses mesmos atos.

Conclui a apelante que a decisão de não admissão do pedido subsidiário parece ter subjacente a existência de uma incompatibilidade substancial entre a causa de pedir e o pedido subsidiário, o que de todo não se verifica nos autos. A apelante articulou, na sua petição inicial, todos os factos que, no seu entendimento, materializam a título principal o direito à resolução dos negócios em apreciação nos autos e, subsidiariamente, o direito à declaração de nulidade desses mesmos negócios. A causa de pedir substanciada nos fatos alegados pela apelante, na petição inicial, permite a formulação de ambos os pedidos, que não são cumulativos entre si, mas apenas subsidiários, ou seja, para apenas ser levado em consideração no caso de improcedência do pedido principal. No caso dos autos não existe contradição entre os pedidos, uma vez que, apesar de ambos terem subjacente a invalidade dos negócios, o meio para a destruição dos seus efeitos é atingido por institutos jurídicos distintos, considerando a apelante que o meio peticionado a titulo principal lhe é mais vantajoso que o meio peticionado subsidiariamente. Assim, por inexistir fundamento legal para a rejeição do articulado da apelante e inexistir contradição entre a causa de pedir e os pedidos formulados, pedidos esses que foram apresentados em regime de subsidiariedade, devem as decisões recorridas ser revogadas e substituídas por outras que os admitam.

Ora, não tem a apelante razão quando conclui parecer ter a decisão de não admissão do pedido subsidiário “subjacente a existência de uma incompatibilidade substancial entre a causa de pedir e o pedido subsidiário”.

Efetivamente, tal incompatibilidade substancial, de todo, não se verifica nos autos, mas, também, o Tribunal a quo não a afirmou nem nela fundamentou a decisão de não admissão do pedido subsidiário.

Vejamos.

Pedido subsidiário é, nos termos do art. 554º, do CPC, preceito, como vimos, aplicável, in casu, o que “é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior”.

Com efeito, “quando propõe a ação, o autor tem em vista um determinado propósito, que exara na petição, mas pode suceder que tenha dúvidas objetivas quanto à viabilidade de determinada pretensão formulada ou não esteja inteiramente convencido da possibilidade de conseguir provar em tribunal os factos de que depende o reconhecimento do direito que pretende ver prioritariamente atendido.

Neste caso, em vez de correr o risco da improcedência e da necessidade de instaurar nova ação em que deduza outra pretensão, pode logo deduzir na petição inicial os dois pedidos (…) mas, porque tem preferência por um deles, formula-o em primeiro lugar, sendo esse pedido que o tribunal vai analisar e decidir prioritariamente, só se debruçando sobre o pedido subsidiário se concluir pela improcedência do primeiro ou, se por qualquer outro motivo, houver desistência do pedido principal (STJ 7/4/88, BMJ 376º/563) ou absolvição da instância nessa parte” (22) (23).

O recurso à dedução de pedidos subsidiários permite ao autor deduzir pedidos substancialmente incompatíveis sem correr o risco de indeferimento liminar ou de absolvição da instância com base em ineptidão da petição inicial (cf. anot. ao art. 186º), como pode ocorrer, mantendo-nos no mesmo plano, entre o pedido de condenação com base no incumprimento do contrato e subsidiariamente a restituição do prestado com fundamento na nulidade do mesmo contrato (24).

A cumulação de pedidos incompatíveis deduzidos em relação de subsidiariedade, nos termos do art. 469º (atual 554º) do Cód Proc. Civil, não integra o fundamento de ineptidão previsto na alínea c) do nº2 do art. 193º do mesmo Código. A dedução de pedido principal de impugnação pauliana de compra e venda, e de nulidade por simulação absoluta do mesmo negócio a título subsidiário configura-se como cumulação de pedidos conforme aos requisitos do citado (25).

Assim, a oposição entre os pedidos não impede que sejam, licitamente, deduzidos, v. nº2, do art. 554º, do CPC.

Destarte, tendo o administrador da insolvência legitimidade processual e substantiva para pedir a declaração de nulidade de atos praticados pelo devedor antes da declaração de insolvência e não sendo a oposição dos pedidos formulados, aqui em causa, impeditiva da cumulação, cumpre analisar da admissibilidade de o fazer.

Ora, a lei impõe requisitos para a formulação de pedidos subsidiários, remetendo o preceito anteriormente referido para as circunstâncias que impedem a coligação de autores e de réus, nos termos do art. 37º, do CPC. Assim, a admissibilidade da formulação subsidiária de pedidos pressupõe:

1º- que entre um e outro se verifique uma determinada conexão substancial (v.g. identidade da relação material litigada), tendo de existir entre os pedidos nexo;
2º- que o tribunal seja competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia para todos os pedidos deduzidos (nº1, do referido art. 37º);
3º- que não lhes corresponda formas de processo diferentes (referido nº1), sem prejuízo da hipótese prevista no nº2, do referido artigo (26).

Assim, o pedido subsidiário consiste numa alternativa formal ao pedido principal a ser tomado em consideração caso esta não proceda. A formulação de pedidos principal e subsidiário opostos é admissível, salvo se corresponderem a formas de processo diferentes ou a cumulação possa ofender as regras da competência absoluta. Exige-se, pois, compatibilidade processual e adequação formal (27).

A “diversidade de formas de processo correspondentes a cada pedido determina, em regra, a absolvição da instância relativamente à pretensão que não se enquadre na forma de processo que tenha sido indicada pelo autor na petição inicial. Contudo esta solução radical surge matizada: salvo em casos em que se verifique a incompatibilidade absoluta das formas de processo, o juiz pode autorizar a coligação, desde que, numa apreciação casuística, exista um interesse relevante na apreciação conjunta das ações (designadamente para evitar inconvenientes contradições decisórias) ou vantagens para a justa composição do litígio. Em tais circunstâncias, cumpre ao juiz ajustar a subsequente tramitação às respetivas especificidades, em manifestação do princípio da adequação formal previsto no art. 547º (cf. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. II, 4ª ed., p. 66)” (28).

Ora, in casu, a ação aqui em causa - de resolução em benefício da massa insolvente -, segue no Tribunal de comércio por apenso à insolvência, sendo uma ação especial e a ação declarativa, com vista à declaração de nulidade, por simulação, é uma ação comum, da competência dos Tribunais comuns, sendo a causa de pedir desta a “nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido” - art. 581º, nº4, parte final -, advindo a incompatibilidade, desde logo, da diversa forma de processo e ofendendo regras de competência em razão da matéria.

Obsta à cumulação de pedidos a circunstância de a um corresponder o processo especial de resolução em benefício da massa insolvente, a correr em Tribunal de comércio, por apenso à insolvência, e a outro o processo comum de declaração, nenhum interesse efetivo existindo na apreciação conjunta das pretensões, não se revelando indispensável para a justa composição do litígio a apreciação conjunta das pretensões, sequer possibilidade de o fazer, atentas as regras de competência em razão da matéria, sendo que pressuposto em caso algum inultrapassável, é que o Tribunal seja absolutamente competente para ambos os pedidos.

Ora, como bem se refere no Ac. da RP de 8/7/2015 (29) e acima já se analisou “O Capítulo V do Título IV do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas consagra um regime específico de conservação da garantia patrimonial da massa insolvente (e, consequentemente, dos credores da insolvência): instituto da resolução de negócios em benefício da massa insolvente.

O instituto em apreço permite a reintegração na massa insolvente de ativos patrimoniais que lhe foram subtraídos pela prática de atos (ou omissões) em determinado período de tempo, considerado “suspeito” face à proximidade da situação de insolvência, anterior à mesma, justificado pelo relevante interesse da generalidade dos credores da massa insolvente. Tal reintegração patrimonial é realizada através da destruição de atos prejudiciais à massa insolvente.

A competência para o exercício do referido meio de conservação da garantia patrimonial [resolução em benefício da massa insolvente] pertence por inteiro e exclusivamente ao Administrador da Insolvência (art.º 123.º do CIRE), (...) o interesse no efeito da ação de declaração de nulidade é colectivo, comum a todos os credores da massa insolvente (por essa razão deve ser exercido pelo administrador da insolvência, através do instituto muito mais ágil e expedito da resolução em benefício da massa insolvente)”.

Não sendo exercido, ou não operando, por qualquer razão, esse regime específico de conservação da garantia patrimonial da massa insolvente, pode sê-lo, como vimos, em ação comum.

Assim, o pedido de declaração de nulidade, por vício de simulação, a ser exercido, se for o caso, em ação declarativa comum, não foi admitido nesta ação especial, dada a especificidade da sua causa de pedir e o específico regime, consagrado nos artºs 120º e sgs, do CIRE, sendo essa a razão da não admissão, e não a incompatibilidade substancial de pedidos, como conclui a apelante, improcedendo, pois, tais conclusões.

Com efeito, não se mostram preenchidos os pressupostos da admissibilidade da formulação subsidiária de pedidos. Se entre um e outro pedido se verifica determinada conexão substancial, existindo certo nexo entre eles (sendo referentes aos atos praticados pelo devedor), embora não seguindo ambos a mesma forma de processo (o que, ainda assim, poderia ser decidido não ser impeditivo da cumulação - cfr nº2, do art. 37º), já o tribunal de comércio não é, de todo, competente, em razão da matéria, para o pedido subsidiário deduzido (nº1, do art. 37º), da competência dos Tribunais comuns.

Vejamos com mais pormenor.

Encontrando-se o poder jurisdicional repartido entre os tribunais, cada um deles detém a sua fração própria, a qual constitui a sua competência, existindo regras de competência que determinam como é feita tal repartição. “Essas regras atribuem competência aos tribunais, tomando em consideração os termos (objetivos e subjetivos) que caracterizam cada acção. Conforme os casos, a competência determina-se pelo pedido formulado pelo autor, pelo tipo de acção que pretende instaurar, pelo recurso que se pretende interpor, pelo lugar da ocorrência dos factos, pela residência das partes, etc.” (30)

A incompetência de um tribunal é a insusceptibilidade desse “tribunal apreciar determinada causa por os critérios determinativos da sua competência lhe não concederem uma medida de jurisdição suficiente para essa apreciação.

A lei infere a existência de quatro tipos de incompetência do tribunal: a incompetência absoluta, a incompetência relativa, a violação de pacto privativo de jurisdição e a preterição de tribunal arbitral(31).

A incompetência absoluta provém de infração das regras da competência legal internacional e da competência legal interna material e hierárquica.

Sendo que a “nível interno, mais concretamente no âmbito dos tribunais judiciais, a competência reparte-se em função da matéria, da hierarquia, do valor da causa e do território (nº2 do art. 60º; cfr. também o nº1, do art. 37º da LOSJ)”,verifica-se que, no que respeita à referida competência em razão da matéria, o art. 211º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra que “os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”.

O nº1, do art. 40º, da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), aprovado pela Lei n.º 62/2013, de 26/01, e o art. 64º, do CPC, fazem a transposição para a lei ordinária dos princípios constitucionais, consagrando aquele preceito que “os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”, e este que “São da competência dos Tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”, estabelecendo-se, assim, a competência residual (32) dos tribunais judiciais no confronto com as restantes ordens de tribunais constitucionalmente consagradas.

A competência em razão da matéria atua no plano da contraposição dos tribunais judiciais aos outros tribunais, impondo-se casuisticamente verificar se tal competência para conhecer dessa causa se encontra atribuída a outras ordens jurisdicionais, sendo que, caso o não esteja, a competência para conhecer do caso caberá aos tribunais judiciais. Estes, “e só estes surgem como a ordem de jurisdição também vocacionada para o julgamento das questões que a lei não inclui na esfera de competência de Tribunais integrados noutras jurisdições, o mesmo é dizer que a jurisdição dos Tribunais Judiciais está dotada de uma força expansionista, só comprimida através da presença de jurisdições com caráter especial” (33).

Pressupõem tais normas a existência de várias ordens jurisdicionais. No caso, estão em causa critérios de repartição da competência entre os tribunais de comércio e os tribunais judiciais.

Ora, consagra o artigo 128.º, da referida Lei, que 1 - Compete aos juízos de comércio preparar e julgar:

a) Os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização;
b) As ações de declaração de inexistência, nulidade e anulação do contrato de sociedade;
c) As ações relativas ao exercício de direitos sociais;
d) As ações de suspensão e de anulação de deliberações sociais;
e) As ações de liquidação judicial de sociedades;
f) As ações de dissolução de sociedade anónima europeia;
g) As ações de dissolução de sociedades gestoras de participações sociais;
h) As ações a que se refere o Código do Registo Comercial;
i) As ações de liquidação de instituição de crédito e sociedades financeiras.

2 - Compete ainda aos juízos de comércio julgar as impugnações dos despachos dos conservadores do registo comercial, bem como as impugnações das decisões proferidas pelos conservadores no âmbito dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de sociedades comerciais.
3 - A competência a que se refere o n.º 1 abrange os respetivos incidentes e apensos, bem como a execução das decisões, sendo o CIRE que define quais os processos que correm por apenso ao processo de insolvência.

Entre eles contam-se os processos que por efeitos processuais da declaração de insolvência têm de ser apensos (ações pendentes), sendo que se dá a apensação de ações relacionadas com a massa insolvente, a qual não ocorre automaticamente, antes depende de requerimento do administrador da insolvência e da verificação de certos requisitos, estando sujeita a decisão judicial a ordená-la. Os requisitos de que depende a apensação variam consoante o tipo de ação a que ela respeita, sendo que para as ações previstas no nº1, do art. 85º, a apensação tem de ter por fundamento a sua conveniência para os fins do processo, entre eles avultando a liquidação da massa insolvente. Para as ações previstas no nº2, do art. 85º a apensação de ação em que o insolvente seja parte tem por fundamento terem sido apreendidos ou serem detidos bens abrangidos na massa insolvente, sendo, apenas neste caso que a apensação é obrigatória e se dá por requisição do juiz ao Tribunal competente onde corra o processo a apensar.

Dos termos do nº 3, do referido artigo, decorre que ações há, mesmo pendentes à data da declaração de insolvência, que não são apensas ao processo de insolvência (dando-se, contudo, nelas, a substituição do insolvente pelo administrador da insolvência).

Correm também por apenso, na dependência do processo de insolvência todas as ações que o CIRE determina que assim corram termos.

Todas essas ações apensas são, pois, da competência dos Juízos de comércio.

Ora, a distribuição da competência em razão da matéria afere-se “pelo pedido efetuado e pela causa de pedir (STJ 29-5-14, 1327/11)” (34) sendo que se impõe analisar da relação jurídica que se discute na ação, tal como é configurada pelo autor, seja quanto aos seus elementos objetivos (causa de pedir e pedido), seja quanto aos elementos subjetivos das partes (35).

Aferindo os referidos elementos - pedido subsidiário formulado (declaração de nulidade), sua causa de pedir causa de pedir (factos que integram simulação), tal como configurados pelo autor, seja quanto aos seus elementos objetivos (causa de pedir e pedido), seja quanto aos elementos subjetivos das partes – não pode deixar de se considerar ser da competência dos Tribunais comuns a apreciação da referida pretensão, por se não integrar na competência dos Juízos de comércio.

Com efeito, nada no CIRE impõe que, não operando a resolução em benefício da massa, a ação de declaração de nulidade, por simulação, corra por apenso ao processo de insolvência. Ao invés, impõe até, por analogia de razões, à situação de necessidade, oportunidade, de prosseguimento da impugnação pauliana (36) por o ato não surgir como resolvido em benefício da massa (e somente a esta), a não apensação.

Assim, por falta de preenchimento do pressuposto da admissibilidade da formulação subsidiária de pedido – ser o tribunal competente em razão da matéria para tal pedido – é de manter, nesta parte, a decisão recorrida, improcedendo as conclusões da apelação quanto a ele e sendo de manter a decisão, com absolvição da Ré da instância relativamente ao pedido subsidiário deduzido.
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2º recurso - Recurso Subordinado

Conclui a Ré/Recorrente que se for julgada procedente a impugnação feita pela autora da decisão do Tribunal a quo que julgou inadmissível o pedido subsidiário, deverá revogar-se essa decisão na parte em que recusou receber a reconvenção articulada, substituindo-se por uma outra que a admita.

Ora, sendo o recurso subordinado, como o nome indica e a Ré apelante refere, à procedência da impugnação feita pela autora da decisão do Tribunal a quo que julgou inadmissível o pedido subsidiário, e improcedendo a apelação, nesta parte, prejudicada fica a apreciação do recurso subordinado.
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III – DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a apelação da Autora parcialmente procedente e, em consequência, revogam o despacho recorrido, na parte em deu como não escrito o articulado de “réplica” apresentado, o qual se determina fique nos autos e seja considerado, mantendo o despacho que julgou inadmissível o pedido subsidiário, com absolvição dos Réus da instância relativamente a ele.
*
Custas, em partes iguais, por apelante e apelada – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.
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Guimarães, 21 de fevereiro de 2019

Eugénia Cunha (relatora), José Flores e
Sandra Melo, a qual vota de vencida, apresentando a seguinte declaração de voto:

Voto de vencida

Não rejeitaria o pedido subsidiário, porquanto o CIRE admite que corram por apenso ao processo de insolvência ações que possam influenciar o valor da massa, por requerimento do administrador da insolvência (condições que a declaração de nulidade de negócio juridico aqui pedida pelo administrador preenche), independentemente de correrem num tribunal que não seja o de comércio (artigo 85º nº1).
Assim, é o próprio CIRE que afasta a competência material do tribunal de comércio como requisito para a apensação.

Sandra Melo


1. No sentido de que deve ser realizada por simples comunicação (em coerência com o regime geral da resolução, que estabelece que a mesma se pode fazer por simples declaração à outra parte – art. 436º, nº1, CC) por carta registada com aviso de receção e não através de recurso à via judicial, antes incumbindo aos destinatários da resolução o ónus de a impugnar em ação dirigida contra a massa insolvente, v. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 8ª edição, Almedina, pág 230.
2. Ibidem, pág 229 e seg e Júlio Vieira Gomes, in Catarina Serra (Coord), IV Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, pág 110 e Maria de Fátima Ribeiro, na mesma obra, pág.138
3. Ac. da RC de 4/4/2017, processo 104/14.2TBCDR-F.C1 e cfr. Ac. de RP de 23/1/2017, processo 4058/12.1TBGDM-B.P1 e Ac.s da RG de 11/7/2017, processo 1504/15.6T8GMR-S.G1 e de 27/4/2017, processo 636/14.2T8VVD-F.G1, todos in dgsi.net.
4. Ac. da RC de 21/5/2013, processo 928/11.2TBFIG-J.C2 in dgsi.net
5. Cfr. Ac. da RL de 23/11/2017, processo 1208-16.2T8BRR-C.L1-6, in dgsi.net, onde se decidiu “A resolução em benefício da massa insolvente, traduzida na destruição de actos prejudiciais à massa insolvente, visa proteger a garantia patrimonial dos credores através da reconstituição do património do devedor.(…) A acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente prevista no artigo 125º do CIRE é uma acção de simples apreciação ou declaração negativa, visando a demonstração da inexistência ou da não verificação dos pressupostos legais da resolução declarada pelo Administrador da Insolvência na carta resolutiva, pelo que impende sobre este o ónus da prova da verificação dos pressupostos da resolução operada, como constitutivos do direito que se arroga (art.º 343.º, n.º1, do Código Civil), cabendo à impugnante, autora, o correspondente ónus de contraprova (art.º 346.º do Código Civil).
6. Menezes Leitão, Idem, págs. 225/6; Ana Prata/Jorge Morais de Carvalho/Rui Simões, in “CIRE anotado”, pág. 356.
7. V., Menezes Leitão, in “Direito da Insolvência” págs. 225/6.
8. Ac. do STJ de 14.9.2010 (sumário citado por Ana Prata/Jorge Morais de Carvalho/Rui Simões, in “CIRE anotado”, pág. 356).
9. Ac. da RG de 30/11/2017, processo 90/14.9T8VLN-D.G2, in dgsi.net
10. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, 2017, 9ª edição, Almedina, pág 76
11. Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª Edição, Quid júris, pág 135-136
12. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, pág 597 13. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª Edição, Almedina, pág 37.
14. Ibidem, pág 37e seg.
15. Ibidem, pág 37e seg
16. Ibidem, pág 666
17. Ibidem, pág 666
18. Ibidem, pág 666
19. Ibidem, pág 666
20. Lições de direito da insolvência, Catarina Serra, Almedina, pág 245
21. Neste sentido Carvalho Fernandes/João Labareda, Código da Insolvência, sub art. 127º, nº2, p. 517, Fernando de Gravato Morais, Resolução em benefício da massa insolvente, Coimbra, Almedina, 2008, p.205 e Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 8ª edição, pág 233-234
22. Ibidem, pág 613
23. Cfr. Pais do Amaral, Direito Processual Civil, 11ª edição, 2014, pág 189
24. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág 613
25. Ac. do STJ de 19/10/2004, processo 04B049.dgsi.net
26. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág 614
27. Ac. STJ, de 16/6/2009, Processo 849/2001.S1.dgsi.Net
28. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem pág 69
29. Ac. da RP de 8/7/2015, processo 465/14.3TBMAI-A.P1, in dgsi.net
30. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª Edição, 2017, Almedina, pág 92
31. Miguel Teixeira de Sousa, A Competência e a Incompetência nos Tribunais Comuns, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1987, pág 54.
32. Acs. do STJ de 10/12/2015, Processo 83/14 Sumários 2015, pág 688 e da Rel. Do Porto de 19/10/2015: Processo 1643/15.3T8PRT.P1. dgsi.net, citado in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição, 2017, Ediforum, pág 164-165.
33. Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição, 2017, Ediforum, pág 151.
34. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol.I, 2018, Almedina, pág 97
35. Cfr., entre muitos, Acs. do STJ. de 20/6/2006, CJ STJ 2006, 2º, pág 121, de 7/4/2016, Processo 411/2014, Sumários, Abril 2016, pág 29, citado in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição, 2017, Ediforum, pág 165 e de 22/10/2015, Processo 678/11.0TBABT.E1.S1; Acs da Rel. Do Porto de 7/7/2016, Processo 30982/15.1T8PRT.P1 e de 10/11/2015, Processo 43048/15.5YIPRT; Ac. da Rel. de Lisboa de 10/3/2016, Processo 1245/14; Ac. da Rel. de Évora de 3/12/2015, Processo 502/14.1T8PRT.E1, todos in base de dados da dgsi.
36. Cfr. Luís Manuel Teles de Meneses Leitão, Direito da Insolvência, pág 234, no sentido de que as ações de impugnação pauliana (mesmo propostas posteriormente à data da declaração de insolvência) não serão apensas ao processo de insolvência e seguem termos caso não haja resolução do ato (ou ela vier a ser declarada ineficaz).