Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
240/17.3GAVNF.G1
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
PENA DE PRISÃO
NÃO SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário:
I – Os bens jurídicos que se visam proteger com a incriminação da condução de veículo em estado de embriaguez são a vida, a integridade física e o património de outrem a par da segurança da circulação rodoviária, estabelecendo o legislador uma presunção fundada na observação empírica de que o exercício da condução em estado de embriaguez é perigoso em si mesmo, tendo em vista os bens jurídicos penalmente tutelados.

II – No caso, deve salientar-se que o recorrente, ao persistir, pela sexta vez, na violação de tais bens, frustrou, irremediavelmente, a possibilidade de se repetir agora qualquer espécie de vaticínio que, sequer, sugira a possibilidade de o mesmo vir a adoptar, no futuro, uma conduta conforme ao direito e ao que a sociedade exige, sem que ora se lhe imponha uma pena mais severa e cujos reais efeitos possam corresponder, naturalmente, às patenteadas necessidades de prevenção geral e especial, por revelar uma personalidade antijurídica que obriga a reconhecer que todas as anteriores apostas favoráveis à sua normal reinserção, apenas com as medidas até agora experimentadas, assentaram em pressupostos, afinal, erradamente presumidos.

III – Por outro lado, os factos provados evidenciam que o recorrente rejeitou, sistematicamente, interiorizar as consequências da sua conduta anterior, o que levou o Tribunal a concluir, sem margem para reparo, que a antecedente imposição das variadas penas, com diferentes modalidades, não acautelou eficazmente o cometimento de novos crimes, pelo que as fundadas dúvidas sobre a sua capacidade para compreender as diversas oportunidades de reinserção que a sociedade lhe ofereceu justificam a execução da pena de 6 meses de prisão aplicada.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Penal, do Tribunal da Relação de Guimarães:

No âmbito do processo sumário nº 240/17.3GAVNF da Instância Local, Secção Criminal de Vila Nova de Famalicão, da Comarca de Braga, o arguido A. C. foi julgado e condenado por sentença proferida a 10/04/2017 e depositada a 11/04/2017, como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº 1, do C. Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 14 (catorze) meses, nos termos do disposto no artigo 69º, nº 1, al. a), do mesmo Código.

Inconformado com a referida decisão, o arguido interpôs recurso, pugnando pela suspensão da execução da pena, ou caso assim não se entenda, pela sua redução, formulando na sua motivação as seguintes conclusões:
«1. A, aliás douta sentença recorrida, incorre, salvo o devido respeito por opinião contraria, em erro na aplicação das normas reguladoras da escolha e determinação das penas, discordando o recorrente frontalmente com a condenação em prisão efectiva, bem como com a duração temporal de prisão decretado, por entender que se encontram reunidos os pressupostos para alterar a predita condenação.
2. Estatui o artigo 292º, nº 1, do C.P. que “quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias”
3. Na decisão recorrida o arguido ora recorrente foi condenado pela prática em autoria material de um crime de condução em estado de embriaguez, p. p pelos arts. 292º e 69º, n° 1, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão efectiva e na pena acessória de proibição de conduzir de 14 meses.
4. O Recorrente pugna pela aplicação da suspensão da execução da pena privativa da liberdade, ou caso assim não se entenda, pela redução da pena que lhe foi aplicada.
5. Nos termos do disposto no art. 50º, conjugado com o art. 70º do Código Penal, incumbia ao tribunal num derradeiro esforço de verdadeira recuperação e, ressocialização do arguido aplicar a suspensão da execução da pena de prisão.
6. Encontra-se consagrado no artigo 50º do Código Penal, que o tribunal suspende a execução da pena de prisão, atendendo à personalidade do arguido, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
7. Dispõe o artigo 40º, nº1, do Código Penal que a aplicação das penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
8. No caso dos autos o recorrente entende que a seu favor depõe o facto de ter cometido o crime ao comando do ciclomotor com menos de 50m3, cuja perigosidade é muito inferior à de outros veículos motores, certo sendo que tal aferição e absolutamente relevante, estando a segurança rodoviária, a vida e a integridade física das pessoas no cerne da política criminal prosseguida em sede de combate à condução em estado de embriaguez.
9. Importa ainda aferir que a condução em estado de embriaguez, por parte do arguido não teve consequências nefastas, não tendo causado qualquer dano.
10. Relevará ainda o facto de o arguido ser pessoa social e familiarmente bem inserido.
11. Outro facto relevante, que deveria influir em sede de escolha e determinação da pena refere-se ao patente problema que o arguido tem com o álcool sofrendo de dependência do álcool.
12. O Tribunal olvidou as necessidades muito sentidas, in casu, de prevenção especial, com a manifesta desistência de ressocializar e recuperar um individuo, através da cura de desintoxicação do arguido e almejando destarte o tão desejado términus duma conduta criminosa ligada unicamente ao consumo de álcool.
13. Abona ainda a favor do recorrente a sua confissão integral e sem reservas, bem como o seu arrependimento.
14. Pois que ao contrário do vertido na sentença, não deve sei considerada uma meia confissão parcial, em virtude de o arguido ter alegado não ter tido consciência de estar a conduzir com TAS superior à legalmente permitida.
15. Efectivamente, por mais estudos que hajam sobre esta matéria temos que admitir que há uma grande margem de variabilidade e relatividade, no tocante a consciência de embriaguez, que varia de pessoa para pessoa.
16. O ser humano não sendo um instrumento não poderá ter consciência matemática da TAS que apresenta.
17. Pelo que face ao que supra se referiu, quanto à relativização da consciência da embriaguez e consequente consciência da ilicitude do facto, o dolo não poderá ser considerado intenso, como o foi, pese embora mal na sentença.
18. Por outro lado o tribunal aquo conferiu demasiada relevância a circunstância de o recorrente ter antecedentes criminais, olvidando que os crimes anteriores reportam-se a factos praticados há muitos anos.
19. Efectivamente o arguido conseguiu durante praticamente 5 anos não cometer qualquer crime, isto porque soube moderar o seu consumo de álcool.
20. Violou, pois a sentença recorrida, os comandos normativos constante sentença dos artigos 71º e 72º do C. Penal.
21. Poderia e deveria, salvo douta e melhor opinião, o tribunal sentenciar uma pena de prisão suspensa na sua execução, acompanhada de regime de prova e subordinado à obrigação da frequência periódica de consultas de alcoologia para despiste de consumo excessivo de bebidas alcoólicas e de tratamento médico enquanto for necessário em face do que resultar das consultas médicas.
22. Subsidiaria e cautelarmente, considera-se que a pena de prisão efectiva aplicada ao arguido, peca por excesso sendo manifestamente exagerada, pelo que sempre deverá em ultima instancia e perante a improcedência do pedido de substituição da pena de prisão por pena suspensa, ser a mesma reduzida para uma duração temporal mais consentânea com os factos supra alegados.
23. A pena aplicada pelo Tribunal a quo, é exagerada e desproporcional, quer no que respeita
a escolha da pena aplicada quer quanto ao seu quantum, tendo em conta os Factos provados em audiência de julgamento, bem torno face às circunstancias pessoais e outras que abonam ou deponham a favor do arguido e supra elencadas.
24. Na escolha e determinação da pena o Tribunal violou os princípios da culpa, as finalidades de prevenção e os critérios relevantes para a escolha e determinação da medida, previstos nos arts. 40º, 50º, 70º, 71º, nº 1 e 2, 72º, nº 2, alínea c) do Código Penal.
25. A pena a aplicar deverá, por conseguinte, ir apenas até ao limite necessário para que não
sejam irremediavelmente postas em causa as exigências de tutela dos bens jurídicos, permitindo ao mesmo tempo a reinserção social do condenado.
26. Pelas razões expostas, julgamos que se mostram suficientes, justas e adequadas em função dos princípios político-criminais da necessidade e da proporcionalidade das penas e das finalidades destas, a aplicação ao recorrente de uma pena de prisão suspensa na sua execução, acompanhada e regime de prova e de todos os deveres e condutas que o tribunal entender conveniente.
27. Pelo que o Recorrente considera, nos termos e para os efeitos do artigo 412º, nº 2, alíneas a) e b) do Cód. de Proc. Penal, que o Tribunal “a quo” violou os artigos 40º, 50º, 70º 71, nº 1 e nº 2, 72, nº 2, alínea c) Código Penal.».

O recurso foi regularmente admitido por despacho proferido a fls. 72.

O Ministério Público junto da 1ª Instância apresentou resposta à motivação, defendendo a improcedência do recurso, na medida em que, segundo aduz, não é possível fazer um juízo de prognose favorável em relação ao arguido quanto à eventual suspensão da medida da pena que lhe foi aplicada, nem esta deve ser reduzida. Também neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, defendendo, na mesma senda, que, atentas as específicas e concretas circunstâncias do presente caso e os critérios legais, deve ser mantida a pena aplicada ao arguido, sustentando, assim, a improcedência total do recurso.

Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP.
Colhidos os vistos, vieram os autos à conferência.
*
Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (arts. 412º, nº 1, do CPP), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente por obstarem à apreciação do seu mérito, suscita-se neste recurso a questão de apurar se a pena aplicada ao recorrente é excessiva e desproporcional e deve ser suspensa na sua execução.
Importa apreciar tal questão e decidir. Para tanto, deve considerar-se como pertinentes ao conhecimento do objecto do recurso os factos considerados provados na decisão recorrida:
«1. No dia 30/03/2017, pelas 10.52 horas, na Rua P…, Vila Nova de Famalicão, o arguido conduzia um ciclomotor, (-50cm3), de matrícula ..- ..- .., com uma taxa de álcool no sangue de 2,41 g/l, deduzido o erro máximo admissível de 2,289 g/l.
2. O que fez com pleno conhecimento de que tinha ingerido bebidas alcoólicas em quantidade que faria ultrapassar o limite legal de 1,2 g/l, de forma deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
3. O arguido encontra-se desempregado e sem receber qualquer subsídio.
4. Vive com a esposa que trabalha num restaurante e aufere cerca de €300,00 mensais.
5. Vive com uma filha que recebe subsídio de desemprego.
6. E o genro que trabalha numa fundição e aufere cerca de €500,00 mensais.
7. E dois netos menores de idade.
8. Vive em casa emprestada.
9. O arguido tem antecedentes criminais: um crime de condução sob o efeito do álcool praticado em 17/11/1998, tendo sido condenado, em 17/11/1998, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €400$00; um crime de desobediência, praticado em 13.05.1999, condenado em 09.04.2002, na pena de 120 dias de multa à taxa de €2,00; um crime de condução em estado de embriaguez, praticado em 01/11/2006, condenado em 24/11/2006, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, sujeita a condições; e na pena acessória de inibição de condução pelo período de 10 meses; um crime de condução em estado de embriaguez, praticado em 25/07/2009, condenado em 28/06/2010, na pena de 9 meses de prisão, suspensa por 1 ano, com regime de prova, e na pena acessória de 1 ano de proibição de condução; um crime de condução em estado de embriaguez, praticado em 28.04.2010, condenado em 6 meses de prisão, suspensa por 1 ano, com regime de prova, e 8 meses de pena acessória de proibição de conduzir; um crime de condução em estado de embriaguez, praticado em 23.11.2012, condenado em 14.12.2012, na pena de 10 meses de prisão a cumprir em 60 períodos de dias livres, e na pena acessória de proibição de conduzir por 15 meses.
2. Facto Não Provado: Que o arguido conduziu o veículo aludido em 1), sem consciência de o fazer com TAS superior à legalmente permitida.».
*
1. A medida da pena.
O arguido/recorrente, sem impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto nem o respectivo enquadramento jurídico, apenas questiona a medida concreta da pena que lhe foi aplicada, arguindo a sua desproporcionalidade e excessividade, em face das circunstâncias dadas como provadas, dizendo, ainda, que num derradeiro esforço da sua verdadeira recuperação e ressocialização qualquer pena que lhe seja aplicada deverá ser suspensa na sua execução.
Vejamos.
Resulta da matéria de facto apurada, a que este tribunal se encontra adstrito, que o arguido no dia 30/03/2017, pelas 10.52 horas, na Rua P…, Vila Nova de Famalicão, conduzia um ciclomotor, com uma taxa de álcool no sangue de 2,41 g/l, deduzido o erro máximo admissível de 2,289 g/l, fazendo-o com pleno conhecimento de que tinha ingerido bebidas alcoólicas, aliás, em quantidade que ultrapassava, largamente, o limite legal de 1,2 g/l, de forma deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
O crime de condução de veículo em estado de embriaguez pelo qual o arguido foi condenado, é abstractamente punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, nos termos do disposto no artigo 292º, do C. Penal.
O Sr. Juiz, optou e bem, pela pena de prisão, por ter considerado que o arguido já tinha sido condenado em penas de multa e em várias penas de prisão suspensas na sua execução, com regime de prova, sujeitas a condições, sendo uma delas substituída por prisão por dias livres, todas elas por crimes de condução em estado de embriaguez, aliado ao elevado grau de ilicitude, ao dolo directo com que actuou e às suas condições pessoais, tendo concluído que o arguido tem uma grande propensão para ofender os bens jurídicos protegidos pelo tipo legal em causa.
Os bens jurídicos que se visam proteger com esta incriminação são a vida, a integridade física e o património de outrem a par da segurança da circulação rodoviária, estabelecendo o legislador uma presunção fundada na observação empírica de que o exercício da condução em estado de embriaguez é perigoso em si mesmo, tendo em vista os bens jurídicos penalmente tutelados (1).
Com vista a tal desiderato, deverá atender-se ao disposto no artigo 40º do C. Penal, que estabelece que a aplicação de penas ou medidas de segurança tem como finalidade a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Este preceito indica-nos que o escopo que subjaz à aplicação da pena se reconduz, por um lado, a reforçar a confiança da comunidade na norma violada e, por outro lado, à ressocialização do delinquente.
Em consonância com o estipulado no nº 1 do art. 71º, do C. Penal, a medida da pena é determinada, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o artigo 40º, nº 2, do mesmo Código.
Na determinação concreta da pena há que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente ao grau de ilicitude e a outros factores ligados à execução do crime, à intensidade do dolo, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e aos fins e motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente, à sua conduta anterior e posterior ao crime (art. 71º, nº 2, do Código Penal).
Dito por outras palavras, na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção, quer de ordem geral – com o objectivo de confirmar os bens jurídicos violados –, quer de ordem especial – tendo em vista gerar condições para a readaptação do agente do crime, de modo a evitar que este volte a violar tais bens –, mas sem se perder de vista a culpa do agente – com atendimento das circunstâncias estranhas à tipicidade –, que a medida da pena tem como base e limite.
Como se disse, a finalidade essencial da aplicação da pena, para além da prevenção especial – encarada como a necessidade de socialização do agente, no sentido de o preparar para no futuro não cometer outros crimes – reside na prevenção geral, o que significa «que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto … alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada...». «É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma “moldura” de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas – até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica» (2). «Resta acrescentar que, também aqui, é chamada a intervir a culpa a desempenhar o papel de limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas...» (3). «Sendo a pena efectivamente medida pela prevenção geral, ela deve respeitar o limite da culpa e, assim, preservar a dignidade humana do condenado» (4).
No caso vertente, importa, desde logo, referir, que o arguido, com a sua conduta, atingiu valores fundamentais e imprescindíveis à vida em comunidade, como é a segurança da circulação rodoviária, a segurança das pessoas face ao trânsito de veículos, como a vida, ou a integridade física. Realmente, não pode o Tribunal descurar as elevadas exigências de prevenção geral, na medida em que esta incriminação carece de um maior enraizamento na consciência comunitária – o que surge espelhado nas estatísticas da sinistralidade rodoviária – sendo premente a protecção do bem jurídico em causa, através da revalidação e consolidação desta norma incriminadora. Existe cada vez mais a necessidade de consciencializar a sociedade para a relevância que assume o respeito pelas normas que tutelam a segurança rodoviária, assumindo as condutas da natureza da adoptada pelo arguido uma muito relevante danosidade social, para mais quando, entre nós, atingem elevadas proporções, como é sabido, sendo, uma parte significativa dos acidentes de viação provocada por condutores em estado de embriaguez.
Assim, depõe contra o arguido a gravidade do seu comportamento, atendendo aos valores jurídicos atingidos, a par das particulares garantias de que o Estado procura fazer revestir a circulação rodoviária. Com efeito, não pode ser desvalorizado o grau de perigo criado com essa conduta, atento o interesse tutelado (a segurança da circulação rodoviária). Sendo a condução de veículos automóveis, em si, já uma actividade perigosa, sê-lo-á muito mais quando exercida por quem, por ter ingerido bebidas alcoólicas em excesso, não está em condições de o fazer.
Também é elevado o grau de ilicitude, tendo em atenção o nível de desconformidade com o direito revelado pela conduta do arguido ao conduzir um veículo em estado de embriaguez, sendo também acentuada a taxa de álcool no sangue de que o mesmo era portador, embora tenha sido submetido ao teste de pesquisa de álcool no ar expirado na sequência de uma mera operação de rotina.
Apesar de o arguido ter representado os factos integradores do tipo de ilícito, não se absteve de os praticar, sendo também muito elevadas as exigências de prevenção especial, desde logo porque já anteriormente foi por cinco vezes condenado pela prática deste ilícito, tendo agora evidenciado, flagrantemente, que falhou o prognóstico, subjacente a todas aquelas decisões, de que o mesmo não voltaria a delinquir. A seu favor apenas se computam as circunstâncias de o mesmo se encontrar inserido socialmente e ter confessado os factos, mas com reduzidíssimo relevo atenuativo, no apontado contexto.
Ora, perante o conjunto dos factos apurados quanto à pessoa do recorrente, que dizer da pena de seis meses de prisão que lhe foi aplicada pelo Tribunal de 1ª instância? Mostrar-se-á a mesma desajustada às particularidades do caso concreto como defende o recorrente?
Para além das elevadas exigências de prevenção geral já assinaladas, não podemos deixar de reiterar que também são muito fortes as exigências de prevenção especial. Pese embora a inserção social do recorrente, não se pode omitir que o mesmo, com 59 anos de idade e tendo significativos antecedentes criminais, todos eles, à excepção de uma condenação por crime de desobediência, por crimes de idêntica natureza, persistiu no mesmo tipo de conduta: já foi condenado por idênticos crimes em 17/11/1998 (120 dias de multa), 24/11/2006 (sete meses de prisão, suspensa por dois anos, com sujeição a tratamento), 28/06/2010 (nove meses de prisão, suspensa por um ano) 8/10/2010 (seis meses de prisão, suspensa por um ano com regime de prova) e 14/12/2012 (dez meses de prisão, a cumprir em 60 períodos de dias livres). Apesar de este aspecto já ter sido devidamente ponderado na avaliação que o Tribunal de 1ª instância fez na aplicação de tal pena, não poderemos deixar de, também nós, salientar que o recorrente, ao persistir, pela sexta vez, no cometimento do mesmo crime, frustrou, irremediavelmente, a possibilidade de se repetir agora qualquer espécie de vaticínio que, sequer, sugira a possibilidade de o mesmo vir a adoptar, no futuro, uma conduta conforme ao direito e ao que a sociedade exige sem que ora se lhe imponha uma pena mais severa e cujos reais efeitos possam corresponder, naturalmente, às patenteadas necessidades de prevenção geral e especial.
Relativamente a todo o anterior percurso do recorrente de desacato ao quadro normativo vigente, nada de novo se evidencia agora no recurso que permita suportar uma diferente opção. Todas as várias sanções sofridas não evitaram que o mesmo, numa clara postura de afronta, insistisse em pôr em perigo a segurança da circulação rodoviária, revelando uma personalidade antijurídica que importa censurar e obrigando a reconhecer que todas as anteriores apostas favoráveis à sua normal reinserção apenas com as medidas até agora experimentadas assentaram em pressupostos, afinal, erradamente presumidos.
Com efeito, a factualidade apurada obriga a concluir que se mostra exacerbada a necessidade da pena a aplicar. Na verdade, ponderados todos os enunciados factos e considerações, em especial, as atinentes à necessidade da pena e, sobretudo, à intensidade da culpa, pensamos que as sentidas necessidades de prevenção geral, bem como, a de procurar que o arguido não volte a delinquir apenas serão satisfeitas com a pena de seis meses de prisão que lhe foi aplicada no Tribunal recorrido.

2. A suspensão da pena de prisão.
Encontrado o quantum da pena a aplicar ao arguido/recorrente, importa agora averiguar se o sentido pedagógico e ressocializador ínsito ao direito penal se atinge com a suspensão da execução da mesma, como defende o recorrente.
O Sr. Juiz decidiu não suspender a execução da pena, nos termos do art. 50º, nº 5 do C. Penal, por perfilhar o entendimento de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, já que o arguido não soube aproveitar as muitas oportunidades que lhe foram sendo dadas para inverter a sua forma de vida, assumindo comportamentos adequados e socialmente aceitáveis. Conforme decorre do texto da sentença recorrida, o Sr. Juiz conheceu da questão da escolha da pena, como se lhe impunha, e fundamentou essa escolha, com o entendimento, implícito, por isso, não concretizado, de que não satisfaria as exigências de prevenção geral a substituição da pena de prisão (efectiva) por qualquer medida de substituição, designadamente por multa ou por qualquer das demais previstas na lei.
Na verdade, uma pena de prisão fixada em medida não superior a um ano, para além de poder ser substituída por multa, nos termos do art. 43º do C. Penal, também pode ser suspensa na execução (art. 50º) e ainda ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade (art. 58º), desde que se verifiquem os respectivos pressupostos (5).
Estamos, assim, perante um poder-dever ou um poder vinculado: o julgador tem o dever de fundamentar, sempre devida e criteriosamente, cada uma das opções a que alude o supra citado art. 43º (6), que estatui: «A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes».
Porém, partilhamos o entendimento expresso no acórdão desta Relação, de 4 de Janeiro de 2010: «O dever de fundamentação das decisões jurisdicionais apenas abrange os actos decisórios concretos tomados pelo Tribunal, não lhe cabendo motivar as razões por que não optou por decisão diferente da que tomou.» (7).
Assim sendo, vejamos se foi acertada a decisão recorrida quanto à não suspensão da pena aplicada.
Aliás, conforme impõe o art. 50º do C. Penal, a questão da suspensão (ou não) da pena, dado que aplicada em medida não superior a cinco anos, sempre teria que ser obrigatoriamente abordada, importando averiguar se a prognose de ressocialização é favorável: a execução da pena de prisão aplicada deve ser suspensa se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste o tribunal concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Considerando a norma a possibilidade de suspensão de execução da pena impõe-se averiguar se é possível, ou não, fazer um prognóstico favorável. A prognose de ressocialização tem por parâmetros a ideia de que, por um lado, a reclusão constitui a última ratio da política criminal, mas, por outro, a de que a comunidade persegue a garantia, a protecção e a promoção dos direitos das pessoas, sem o sentido de missão socializadora através de métodos de coacção próprios do controlo social.
O que significa que deve negar-se a possibilidade de suspensão se os factos provados justificarem sérias dúvidas sobre a capacidade do condenado para compreender a oportunidade de reinserção que a sociedade lhe oferece, ou seja, se o juiz não estiver convicto desse prognóstico (favorável) (8). Trata-se, pois, de “averiguar se é possível, ou não, fazer um prognóstico favorável. Só o prognóstico favorável permite a suspensão da execução da pena de prisão. Não estando quanto a ele convicto o julgador falhará uma exigência legal devendo negar-se a possibilidade de suspensão. Esse é o caso das situações de non liquet” (9).
É o que sucede na situação em apreço com o recorrente, como já resulta do que acima expendemos a respeito da medida da pena e de que se extrai que a personalidade do arguido contraindica a suspensão, pois os factos apontam para que a sua conduta, objecto agora destes autos, não foi um incidente ocasional:
Como se viu, se, por um lado, o recorrente colaborou espontaneamente para a descoberta da verdade, embora sem significativo relevo, por outro lado, desde logo, não se pode abstrair da gravidade e da censurabilidade da conduta que o arguido adoptou, inerente à prática reiterada do mesmo ilícito. Este é um aspecto que mereceu já justificada saliência, por evidenciar que o recorrente rejeitou, sistematicamente, interiorizar as consequências da sua conduta anterior, o que levou o Tribunal a concluir, sem margem para reparo, que a antecedente imposição das variadas penas, com diferentes modalidades, não acautelou eficazmente o cometimento de novos crimes.
Além disso, se o recorrente se encontra normalmente inserido, o que poderia, em princípio, constituir um importante factor para a sua ressocialização, a verdade é que também não tem qualquer perspectiva de uma regular actividade laboral, o que propicia a actuação do grave problema que o mesmo mantém com o álcool – que o próprio reconhece –, por potenciar a disponibilidade para o consumo de bebidas alcoólicas. Circunstancialismo com muito significado a que se tem agora de atender por relevar, sobremaneira, nesta sede, com vista a averiguar dos pressupostos e finalidades da suspensão da pena de prisão.
Portanto, ponderando tudo o exposto, constatamos que os elementos fornecidos nos autos não fundam qualquer esperança no êxito do processo de reinserção social do arguido em liberdade, por não permitirem o vaticínio de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição, razão pela qual não merece censura a decisão recorrida. E, assim, concluindo que a execução da pena de prisão aplicada é exigida pela necessidade de prevenir o cometimento pelo recorrente de futuros crimes, também se mostra inviabilizada a substituição dessa pena por qualquer das demais medidas de substituição previstas na lei.
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Decisão:
Pelo exposto, julgando-se o recurso improcedente, decide-se manter integralmente a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quatro UC´s.

Guimarães, 11/07/2017

Ausenda Gonçalves

Fátima Furtado
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1 Cfr. Paula Ribeiro de Faria, “Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II”, 1999, p. 1093.
2 Anabela Miranda Rodrigues, “A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade”, Coimbra Editora, p. 570 e s.
3 Ibidem, p. 575.
4 Ibidem, p. 558.
5 E, para além destas penas de substituição da prisão, em sentido próprio, porque cumpridas em liberdade, há ainda que contar com penas de substituição detentivas como sucede com o regime de permanência na habitação (art.44º), a prisão por dias livres (art.45º) e a prisão em regime de semidetenção (art.46º).
6 Cf., nesse sentido, o Ac. da RL de 26-05-2010 (P. 310/08.9GFVFX.L1-3ª (sumariado em www.pgdlisboa.pt.).
7 Proferido no processo nº 324/09.1GAVVD, relatado pelo Desembargador Fernando Monterroso, no qual também se escreveu: «Ora, a opção por uma pena de substituição exclui necessariamente a aplicação de todas as demais. Pretender que a sentença indique as razões porque não optou por cada uma das penas de substituição abstractamente admissíveis, quando já são conhecidas as razões da aplicação duma delas, seria, na prática, transformá-la num amontoado de frases feitas, que a tornariam de leitura difícil. O dever de fundamentação é uma imposição constitucional, mas isso não deve transformar as sentenças em complexos exercícios de sapiência. O essencial é que se perceba por que razão o tribunal decidiu em determinado sentido.».
8 Como realça F. Dias (Direito Penal Português, as consequências jurídicas do crime, p. 344), o que está em causa não é qualquer certeza, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda, devendo o tribunal estar disposto a correr um certo risco fundado e calculado – sobre a manutenção do agente em liberdade. Só havendo sérias razões para duvidar da capacidade do arguido de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, é que o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada.
9 Tal como entendeu o Ac da RP de 25/10/2006, proferido nos autos PCC nº 623/05.1PBMTS, a fls 382 e ss.