Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2395/17.8T8GMR.G1
Relator: MARIA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: ACÇÃO DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE
NEGÓCIO JURÍDICO
LEGITIMIDADE
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
●. A nulidade de determinado acto ou negócio jurídico além de poder ser declarada oficiosamente pelo tribunal, pode ser invocada por qualquer interessado. É isso que se dispõe no art. 286º do CC e interessado para esse efeito será o titular de qualquer relação cuja consistência, tanto jurídica como prática que demonstre ter interesse na respectiva declaração.

* Nada encontramos no CIRE ou noutro diploma legal que seja susceptível de ser interpretado no sentido de estar vedado ao administrador da insolvência a propositura de acção com vista à declaração de tal nulidade e no sentido de lhe retirar a legitimidade que, por efeito da aplicação da regra geral consagrada no art. 286º do CC, lhe deverá ser reconhecida.

●. Nos limites objectivos do caso julgado material incluem-se todas as questões e excepções suscitadas e solucionadas, ainda que implicitamente na sentença, que funcionam como pressupostos necessários e fundamentadores da decisão final.
Decisão Texto Integral:
- Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães –

I. RELATÓRIO

A presente acção declarativa comum foi intentada por Massa Insolvente de P. M. contra I. C., J. R. e C. A. pedindo que seja:

- declarado nulo o negócio de doação do prédio rústico, denominado "X", composto de terreno, sito no lugar (...), freguesia de (...), concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número (...) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (...), com o valor patrimonial tributário de € 3.000,00, celebrado pelo insolvente a favor da 1ª ré.
- declarada a oponibilidade da nulidade declarada nos termos referidos na alínea anterior, em relação aos segundos réus, devendo estes restituir o bem em causa, com o consequente cancelamento dos registos de aquisição efectuados.

A fundamentar estes pedidos alegou em síntese a simulação da doação efectuada por P. M. à sua filha, aqui 1ª ré, do prédio rústico denominado "X", com a consequente nulidade daquela doação e do subsequente contrato de compra e venda celebrado em 30 de Março de 2015. No âmbito do processo de insolvência de P. M. o negócio de doação foi declarado resolvido em benefício da massa insolvente relativamente à ré I. C., que impugnou judicialmente, sem sucesso, essa resolução. Contudo, no âmbito dessa insolvência os ora réus J. R. e C. A. também impugnaram a resolução do negócio referido em 2), na qualidade de terceiros adquirentes, tendo essa a acção logrado a procedência. Daí que, tendo havido divergência entre a vontade real e a declarada no âmbito da doação, pretenda agora a massa insolvente obter a declaração de nulidade, com os efeitos daí decorrentes para os terceiros adquirentes, independentemente da sua boa ou má-fé, atenta a data da celebração do contrato de compra e venda.

Os réus apresentam contestações.

Com relevo defende a ré I. C. que a decisão proferida no âmbito das impugnações da resolução em benefício da massa ainda não transitou em julgado. Mais alegou que a massa insolvente tem bens suficientes para satisfazer a totalidade dos créditos do insolvente, seu pai, que, na verdade, não deveria ter sido como tal declarado, já que apenas se apresentou à insolvência com o intuito de a prejudicar, não se mostrando incapaz de cumprir as obrigações vencidas, como seria exigível àquela declaração.

Esclareceu também que actualmente está em conflito com o pai, mas que a doação foi querida na altura por ambos, acrescentando que seria muito ingénuo simular esse negócio, criando evidentes facilidades para quem o quisesse impugnar, dada a relação pai/filha.

Os réus J. R. e C. A. defendem-se dizendo que as declarações de vontade emitidas aquando da compra e venda correspondem à vontade real das partes, esclarecendo que desconheciam as circunstâncias em que a doação foi efectuada à 1ª ré, bem como a situação patrimonial do insolvente, não tendo pretendido prejudicar credor algum.

Na sequência da contestação da ré I. C. a autora pediu a respectiva condenação como litigante de má-fé.

A 1ª ré pronunciou-se no requerimento de fls. 122 ss.
Os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que terminou com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, o tribunal julga a acção totalmente procedente e, em consequência:

i) Declara nula a escritura pública datada de 19 de Setembro de 2013, na parte em que P. M. declarou doar à sua filha I. C., aqui 1ª ré, o prédio rústico denominado "X", composto de terreno, sito no lugar (...), freguesia de (...), concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número (...) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (...), com o valor patrimonial tributário de € 3.000,00.
ii). Declara aquela nulidade oponível aos réus J. R. e C. A., ficando estes obrigados à entrega do referido prédio à ora autora.
iv). Determina o cancelamento das inscrições correspondentes à doação do prédio referido em 1) e à venda do mesmo aos réus J. R. e C. A..
v). Condena a ré I. C. como litigante de má-fé, numa multa de valor correspondente a 6 (seis) U.C. Não há lugar a qualquer condenação da autora ou dos demais réus a título de litigância de má-fé.
Custas pelos réus – art. 527, nº1, do Código de Processo Civil.
Notifique, comunique à Conservatória do Registo Predial e registe.

Inconformados com o assim decidido os réus I. C. e J. R. e Esposa interpuseram o vertente recurso de apelação, cujas alegações encerram com as seguintes conclusões (transcrição):

a). Vem a presente apelação interposta da douta sentença de fls., que julgou a acção procedente e em consequência:

a). Declarou nula a escritura pública datada de 19 de Setembro de 2013, na parte em que P. M. declarou doar à sua filha I. C., o prédio rústico denominado “X”, composto de terreno, sito no lugar (...), freguesia de (...), concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o numero (...) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (...), com o valor patrimonial tributário de €3.000,00.
b). Declarou a nulidade oponível aos réus J. R. e C. A., ficando estes obrigados à entrega do referido prédio à ora autora.
c). Determinou o cancelamento das inscrições correspondentes à doação do prédio referido em 1) e à venda do mesmo aos réus J. R. e C. A..
d). Condenou a ré I. C. como litigante de má-fé, numa multa de valor correspondente a 6 (seis) unidades de conta.
b). Porém, entendem os apelantes que tal decisão não está correcta, tendo o Meritíssimo Juiz “a quo”, incorrido além do mais, em erro de julgamento e violação do caso julgado;
c). Nos autos, não se verifica ter sido proferido despacho tabelar quanto à legitimidade das partes e constituindo a falta de legitimidade de alguma das partes, uma excepção dilatória, que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa, sendo a mesma do conhecimento oficioso, cf. artigos 576º, 577º e 578º do CPC.;
e). Sem prejuízo da falta de tal despacho tabelar, é facto que se depreende que o Tribunal “a quo” considerou existir legitimidade das partes, tanto mais face á audiência prévia que teve lugar em 09/11/2017 e na qual foi além do mais proferido despacho saneador;
f). Como resulta do art.º 595.º, n.º 3 do CPC (redigido em termos semelhantes ao art.º 510.º, n.º 3 do anterior CPC), só constitui caso julgado formal a apreciação e decisão, no despacho saneador, das excepções dilatórias e das nulidades processuais suscitadas pelas partes ou de conhecimento oficioso.

“O despacho saneador tabelar ou genérico quanto à verificação dos pressupostos processuais não constitui, nessa parte, caso julgado formal, pelo que continua a ser possível a apreciação duma questão concreta de que resulte que o pressuposto genericamente referido afinal não ocorre ou que há nulidade” – Cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-09-2006, no proc. 0633963 (www.dgsi.pt).
g). Pelo que, sempre esta situação pode ser agora apreciada em sede de recurso.
h). Entende-se que a Massa Insolvente carece de legitimidade, pois homologado o plano de insolvência como aqui aconteceu, a Massa Insolvente deixa de ter interesse na prossecução da acção para a declaração da nulidade de negócios jurídicos celebrados pelo insolvente;
i). Por outro lado, estabelecendo um paralelismo entre a acção de arguição de nulidade no negócio por simulação e a impugnação pauliana, também é patente a falta de legitimidade do administrador da massa insolvente, para a instaurar e nela intervir;
j). Actualmente, face ao CIRE, aproveitando a procedência da acção pauliana somente ao credor impugnante, o administrador de insolvência carece de legitimidade para deduzir este tipo de acções ou nelas intervir;
k). E, fazendo um paralelismo entre a acção de arguição de nulidade no negócio por simulação e a impugnação pauliana, é patente a falta de legitimidade do administrador da massa insolvente, para a instaurar e nela intervir, o que podia e devia ser considerado pelo Tribunal “a quo”;
l). Para o caso de assim não se entender, sempre a decisão proferida é errada e padece de outros vícios legais, como a admissão e valoração de prova que a lei proíbe e ainda a violação da autoridade do caso julgado;
m). Na verdade, mesmo que se entenda que a Massa Insolvente e ou o insolvente, pode arguir a nulidade do negócio simulado, nos termos do artigo 242º, nº 1 do C.C., importa considerar que existe uma identidade entre a massa insolvente e o insolvente, pois a transmissão/conversão dos bens do insolvente em massa insolvente não confere a esta massa uma identidade distinta para efeitos de arguição de nulidade. Aliás, nos termos dos artigos 81º, nº 4 e 82º do CIRE, tendo o administrador a exclusiva responsabilidade para propor e fazer seguir acções, por os poderes de que o insolvente é privado lhe serem atribuídos a ele, o administrador passa a ser o seu representante, podendo ser-lhe opostos todos os meios de defesa que lhe seja licito invocar contra o insolvente, sem se protestar que esses meios não podem já ser invocados por a massa insolvente e o insolvente serem pessoas e patrimónios distintos;
n). Esta situação tem todo o relevo, dado que esta acção de arguição de nulidade do negócio por simulação, embora intentada pela massa insolvente é efectivamente uma acção intentada pelo próprio insolvente, ou seja, o alegado simulador;
o). Com efeito, o nº 2 do artigo 394º do CC proíbe a prova testemunhal quanto ao acordo simulatório e também quanto ao negócio dissimulado, quando invocado pelos simuladores;
p). Sendo inequívoco que a simulação é invocada pelo próprio simulador (o insolvente representado pelo administrador da massa insolvente), a regra da proibição de prova imposta naquele normativo tem aqui a sua aplicação, obstando assim, que possa ser positivamente valorada prova testemunhal para comprovação da existência do acordo simulatório, existindo o obstáculo legal à valoração do depoimento de quem interveio nesse acordo, como aqui sucede com o insolvente;
q) Ao Tribunal “a quo” estava vedada a admissão da prova testemunhal do insolvente, como sucedeu e na qual foi motivada a decisão proferida, ou seja, o Tribunal acabou dar como provados factos com base num meio de prova proibido;
r). Além disso, como bem resulta do disposto no artigo 496º do CPC, estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes, incumbindo ao Juiz verificar a capacidade natural das pessoas arroladas para depor como testemunhas, com vista a avaliar da admissibilidade e da credibilidade do respectivo depoimento, cf. nº 2 do artigo 495º do CPC;
s) Assim, não podemos deixar de considerar que qualquer valoração feita pelo Tribunal “a quo” quanto a este meio de prova, não é correcta. Pois o insolvente nunca poderia ser ouvido como testemunha do seu próprio processo ainda que se apresentando na veste da Massa Insolvente cuja representação é feita pelo Administrador de Insolvência em sua representação. Porém, sendo o insolvente o principal interessado na nulidade do negócio, porque a ele aproveita, este nunca prestaria como não prestou, um depoimento isento, mas antes de conveniência e de encontro aos factos por si alegados na petição inicial, ainda que representado pelo administrador de insolvência;
t) Daí que a valoração feita pelo Tribunal “a quo” quanto aos factos alegados pela A. e dados como provados sob os itens 7. e 8., mostra-se inquinada e não é legalmente admissível;
u). Ademais, nenhuma outra prova escrita existia ou existe no processo capaz de infirmar as doações feitas e que estão documentadas nas escrituras públicas. Aliás, antes e em sentido contrário ao agora considerado pelo Tribunal “a quo”, foi decidido pelo Tribunal de Comércio de Guimarães, no âmbito do processo de insolvência com o nº 3300/15.1T8GMR, no apenso J, cuja sentença está junta a fls. 44 e seguintes, que a doação feita pelo insolvente à sua filha I. C., titulada na escritura pública de 19/09/2013, foi licita e válida, em que o doador quis doar e o donatário quis receber o prédio objecto de tal doação, Cf. resulta do item 16. dos factos provados daquela sentença, confirmada por acórdão da Relação de Guimarães, junto a fls. 55 e ss. dos autos;
v). Pelo que, andou mal o Tribunal, quer ao admitir aquele meio de prova quer ao não atentar na decisão anterior, transitada em julgado, e consequentemente, ao entender ter existido simulação;
w). Na verdade, a R. I. C., após ter recebido em doação os bens, e por entender que estes eram efectivamente seus, é que a donatária (R. I. C.), os colocou à venda e até vendeu, não pedindo para isso consentimento, designadamente ao seu pai (doador);
x). Sem prejuízo do alegado supra, verifica-se que na presente sentença o Tribunal “a quo” incorreu na violação do caso julgado material;
y). A autoridade de caso julgado, pressupondo esta a aceitação da decisão proferida em processo anterior, cujo objecto se insere no objecto da segunda, obstando-se, deste modo, que a relação ou situação jurídica material definida pela primeira decisão possa ser contrariada pela segunda, com definição diversa da mesma relação ou situação, não se exigindo neste caso a coexistência da tríplice identidade mencionado no artigo 580º do Código de Processo Civil. E o efeito preclusivo do caso julgado determina a inadmissibilidade de qualquer ulterior indagação sobre a relação material controvertida definida em anterior decisão definitiva;
z). Como resulta dos autos, por decisão transitada em julgado, proferida em 03/06/2015, no processo que correu termos pelo Juiz 1 do Juízo de Comércio de Guimarães, sob o nº 3300/15.1T8GMR, foi declarado insolvente P. M.. E no âmbito deste processo de insolvência, os RR. J. R. e esposa, impugnaram a resolução do negócio (aquisição do campo dX), na qualidade de terceiros que nela tinham interesse;
aa). A sentença proferida e que se encontra junta aos autos a fls.44 e ss., julgou procedente a impugnação feita pelos aludidos RR., tendo o Tribunal da Relação confirmado o decidido, havendo já transito em julgado da decisão, cf. documento de fls.55 e ss., resultando da decisão da primeira instância, confirmada pela Relação, além do mais, o seguinte: “16 - No dia 19 de Setembro de 2013, o insolvente doou à sua filha, I. C., o Prédio rústico, denominado "X", composto de terreno, sito no lugar (...), freguesia de (...), concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número (...) da freguesia de (...) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (...)º;
bb). E ainda, com relevância para a decisão da causa (excluindo factos inócuos, de direitos e conclusivos) NÃO SE PROVOU QUE: (…) B. O A. J. R. é amigo de longa data do insolvente, e ele e a A. mulher privam com aquele e esposa, tendo uma relação de amizade com o insolvente; E. O A. marido estava por dentro dos assuntos da contabilidade do insolvente, designadamente das dificuldades económicas que atravessava; G. Os AA. J. R. e mulher, na data da aquisição do indicado imóvel, tinham conhecimento da situação de insolvência em que se encontrava o devedor; do prejuízo que causava tal alineação para os credores do devedor, por verem aquele bem subtraído à sua acção; e das circunstâncias em que havia sido realizada a alineação do imóvel a favor de I. C., isto é, não só que ela o tinha adquirido do seu pai, que se encontrava em estado de insolvência, através de escritura pública de doação, como as razões e os objectivos que estiveram na base da celebração por parte dos pais da I. C. de escritura de doação de todos os imóveis a favor daquela, que era, em suma, impedir que os credores pudessem executar o património do insolvente, da mulher e do casal.”
cc). Porém, como resulta dos autos e da sentença sob censura, no item 7 dos factos provados, o Tribunal considerou que nem o P. M. quis doar nem a R. I. C. quis aceitar a doação dos bens referidos na escritura, designadamente o prédio referido em 2 dos factos provados, ou seja, o prédio rústico denominado “X”, vendido aos RR. J. R. e esposa;
dd). Esta situação ou resposta formulada na sentença da presente acção, é contrária à resposta formulada na acção de impugnação da resolução do negócio, intentada anteriormente, em que são as mesmas partes e o objecto da discussão é o mesmo;
ee). Na primeira decisão, já transitada em julgado, tal facto consistente na doação do referido prédio pelo P. M. à sua filha I. C., é dado como válido ou é referido expressamente que aquele doou a esta o referido prédio. Na verdade, o facto provado sob o item 7 desta sentença é diametralmente oposto ao já decidido pelo Tribunal sob o item 16 da sentença proferida no processo 3300/15.1T8GMR-J do Tribunal da Comarca de Braga – Guimarães – Inst. Central – 1ª Secção do Comércio– J1;
ff). Ora, o Meritíssimo Juiz “a quo” estava vinculado à decisão que recaiu sobre tal facto, designadamente o consignado sob o ponto 16. dos factos provados naquela sentença já transitada em julgado, não lhe sendo licito ignorar tal decisão e ao fazê-lo e decidir de forma diversa, violou o caso julgado material, pois a decisão então proferida sobre aquele facto, passou a beneficiar da autoridade do caso julgado, não podendo ser contrariada;
gg). Além disto, a violação do caso julgado material, estende-se a outros factos, pois na sentença proferida o Tribunal “a quo” julgou como não provados além do mais que os RR. J. R. e C. A., não tivessem conhecimento do que se refere em 7) e 8) da sentença, que estes RR. sabiam que nem o P. M. quis doar nem a filha I. C. quis aceitar em doação os bens referidos na escritura, designadamente do prédio mencionado em 2); e ainda que, o negócio referido em 2) visou extirpar do património de P. M. o prédio em questão, entre todos os demais bens, a fim de o mesmo não ter que responder pelas suas dividas;
hh). Porém, como se alcança da sentença proferida na acção com o processo 3300/15.1T8GMR-J do Tribunal da Comarca de Braga – Guimarães – Inst. Central – 1ª Secção do Comércio – J1, no ponto G. dos factos não provados, versando a mesma matéria, resultou uma decisão diversa e diametralmente oposta, ou seja, à contrário, foi entendimento do Tribunal e assim decidiu que, ao contrário do alegado pela massa insolvente, na verdade, o J. R. e a mulher (aqui RR.) não tinham conhecimento da situação de insolvência em que se encontrava o devedor; do prejuízo que causava tal alineação para os credores do devedor, por verem aquele bem subtraído à sua acção; e das circunstâncias em que havia sido realizada a alineação do imóvel a favor de I. C., isto é, não só que ela o tinha adquirido do seu pai, que se encontrava em estado de insolvência, através de escritura pública de doação, como as razões e os objectivos que estiveram na base da celebração por parte dos pais da I. C. de escritura de doação de todos os imóveis a favor daquela, que era, em suma, impedir que os credores pudessem executar o património do insolvente, da mulher e do casal;
ii). Atento o exposto e que resulta dos autos, é inequívoco que o Tribunal “a quo”, fez uma apreciação diferente dos factos e julgou-os de forma diversa, resultando ter colocado em causa a certeza e segurança jurídica das decisões que foram proferidas por outro Tribunal sobre a mesma matéria ou factos;
jj). Sem prescindir, resulta dos autos, no âmbito do processo de insolvência, com o nº 3300/15.1T8GMR – do Juízo de Comercio de Guimarães, foi deduzida impugnação judicial à resolução dos negócios feitos pelo insolvente, tendo a A., deduzido contestação a essa impugnação;
kk). Compete ao contestante invocar todos os meios de defesa que possa invocar, como decorre do princípio da concentração da defesa a que se liga o princípio da preclusão dos meios que as partes têm ao seu alcance quer, quando são autores devendo alegar os factos essenciais da causa de pedir que sejam do seu conhecimento, quer quando são réus, devendo opor ao seu antagonista todas as excepções que, desde logo, puderem invocar.
ll). A concentração dos meios de defesa e a obrigatoriedade de os alegar, sob pena de perda do direito de invocação, preclusão, estão ligados à estabilidade das decisões, o que tem a ver com o instituto do caso julgado, e como o dever de lealdade e de litigar de boa fé (processual).
mm). Constata-se nos presentes autos que a A. Massa insolvente, apesar de ter deduzido contestação nos apensos do processo 3300/15.1T8GMR – Impugnação da resolução do negócio, e ter aí tido oportunidade para tomar posição, designadamente quanto à alegada simulação dos negócios do insolvente e dos aqui RR., não o fez. E neste sentido, não o tendo feito, verificou-se a preclusão do seu direito, não podendo agora vir em nova acção suscitar a questão que não quis discutir na acção anterior e para a qual teve toda a oportunidade;
nn). Com efeito, a Massa Insolvente de P. M., não tendo alegado factos concretos e que conduzissem á prova da existência de simulação e embora tivesse procurado que o Tribunal da Relação conhecesse da mesma, este Tribunal, entendeu e bem, que da matéria factual assente e dada como provada nada resultou quanto à existência de simulação;
oo). Assim, além de ocorrer a preclusão do direito da A. recorrida ao vir agora nesta acção a pugnar pela simulação, também se verifica que decorre da decisão então proferida que a doação titulada na escritura pública de 19/09/2013, é válida, cf. item 16. dos factos provados naquela sentença;
pp). E não tendo conseguido demonstrar a existência da simulação no âmbito do referido processo 3300/15.1T8GMR-J, não pode a A. Massa Insolvente, usando outro meio processual, pretender atingir o objectivo que se frustrou naquele meio judicial;
qq). Sendo certo que, no que ao negócio celebrado com os RR. J. R. e esposa diz respeito, sempre estes podem e devem merecer a tutela que lhes é conferida pelo artigo 243º do CC, face à sua boa fé no negócio. Aliás, não se percebe nem concede a posição assumida pelo Tribunal “ a quo”, ao decidir como decidiu e na motivação utilizada, a propósito da posição dos RR. J. R. e Esposa, ao considerar que estes tinham conhecimento que aquando do negócio celebrado por escritura pública datada de 19 de Setembro de 2013, P. M. declarou doar à sua filha I. C., a aqui 1ª R., que declarou aceitar, ente outros, o prédio rústico denominado “X”, composto de terreno, sito no lugar (...), freguesia de (...), concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número (...) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (...), com o valor patrimonial tributário de €3.000,00, adquirido pelo insolvente, por via sucessória em 27.05.2009.

E ainda que, esse negócio visou extirpar do património de P. M. o prédio em questão, entre todos os demais bens, a fim de o mesmo não ter que responder pelas suas dividas.

Como resulta do expendido supra, esta matéria foi respondida de forma diversa pelo Tribunal da 1ª Instância no processo 3300/15.1T8GMR-J, cuja decisão então proferida é clara face ao vertido no ponto G.) dos factos não provados;
rr). Esta decisão da 1ª Instância foi confirmada pelo Tribunal da Relação, tendo transitado em julgado (vidé docs de fls. 44 e ss. e 55 e sgs dos autos). Assim, não podia o Tribunal “a quo”, nos presentes autos, pronunciar-se de decidir em sentido oposto;
ss) Contudo e sem prescindir do supra alegado, entendemos ainda que a decisão sob recurso, é ainda errada, tendo o Tribunal “a quo” feito uma errada avaliação da prova, incorrendo em erro de julgamento;
tt). Pois face ao que consta dos documentos de fls. 44 e ss. e 55 e ss. (Sentença e Acórdão proferidos nos autos de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente, donde resulta como provado sob o item 16. que: “- No dia 19 de Setembro de 2013, o insolvente doou à sua filha, I. C., o Prédio rústico, denominado "X", composto de terreno, sito no lugar (...), freguesia de (...), concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número (...) da freguesia de (...) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (...)º.”, é inequívoco que ficou provado que houve uma verdadeira doação;
uu). Por outro lado, também não é lícito que, ao avaliar a prova produzida, designadamente a testemunhal, faça uma avaliação diferente daquela que foi feita no processo anterior sobre a mesma matéria, sendo disso exemplo a motivação e decisão proferida quanto à posição dos RR. J. R. e esposa, relativamente ao seu conhecimento acerca do estado de insolvência do P. M. e da realização dos negócios de doação deste a favor da filha I. C..
vv). A decisão que consta dos documentos de fls. 44 e ss. e 55 e ss. dos autos, vincula necessariamente o Tribunal “a quo”, ficando-lhe vedado responder de forma diversa;
ww). Ocorre ainda uma errada avaliação acerca da prova testemunhal produzida, no que concerne ao depoente P. M., insolvente. Aliás, este nem sequer podia ter sido ouvido como testemunha indicada pela sua massa insolvente, por existir uma verdadeira identidade entre esta e aquele. E nessa medida ser efectivamente uma parte interessada na acção, de quem apenas se espera a prestação de um depoimento tendencioso e que lhe fosse favorável, como aqui notoriamente aconteceu. Aliás, como bem notou o Tribunal do Comércio, no âmbito da impugnação da resolução do negócio, Cfr. doc de fl. 44 e ss.: “o depoimento de Miguel não pode merecer credibilidade. Primeiro, porque está de relações cortadas com os AA. J. R. e filha I. C.. Segundo, como admitiu, é interessado directo na improcedência das impugnações. Terceiro, revelou-se bastante nervoso em audiência. Quarto, é inverosímil que após a empresa do A. J. R. ter cessado os serviços de contabilidade pelo facto do insolvente não lhe pagar, se tenham tornado amigos ao ponto de o A. J. R. passar a ser seu confidente dos problemas pessoais. Quinto: é contraditório com a prova acima elencada. O que motivou a resposta negativa ao item G. da sentença (Factos Não Provados), no caso, que J. R. e mulher, na data da aquisição do indicado imóvel, tinham conhecimento da situação de insolvência em que se encontrava o devedor; do prejuízo que causava tal alienação para os credores do devedor, por verem aquele bem subtraído à sua acção; e das circunstâncias em que havia sido realizada a alienação do imóvel a favor da filha I. C., isto é, não só que ela o tinha adquirido do seu pai, que se encontrava em estado de insolvência, através de escritura pública de doação, como as razões e os objectivos que estiveram na base da celebração por parte dos pais da I. C. de escritura de doação de todos os imóveis a favor daquela, que era, em suma, impedir que os credores pudessem executar o património do insolvente, da mulher e do casal;
xx). Por fim, atentando na demais prova dos autos, não era possível ao Tribunal “a quo” decidir como decidiu, desde logo, da prova por depoimento de parte da R. I. C., prestado em audiência de julgamento em 16/04/2018, gravado em sistema digital áudio das 14:19:32 e 14:23:05 às 15:02:34, esta deu conta daquilo que motivou as doações e o facto destas terem sido queridas pelas partes (doadores e donatária); Explicou de forma clara o sentido das declarações prestadas no documento de fls. 90 e ss.(declarações prestadas no MP), que justifica inequivocamente a sua falta de consciência e conhecimento ao tempo das doações, daquilo que era o pensamento do seu pai (doador), quanto a dividas alegadamente existentes e da salvaguarda dos bens que este tinha em mente, mas que nunca discutiu ou contou à filha, ao tempo da doação. Pois na verdade, a R. I. C. até aquele momento, ou seja, até ao ano de 2015, no caso, dois anos após a doação, sempre esteve convencida de que havia recebido os bens em doação, porque essa era a vontade dos seus pais;
yy). Ademais, se atentarmos no depoimento da testemunha Maria, prestado em audiência de julgamento em 09/04/2018, gravado em sistema digital áudio das 10:57:18 às 11:36:57, resulta que a doação foi querida pelas partes, designadamente os pais quiseram doar os bens e a filha I. C. quis aceitar as doações.

E que contrariamente ao vertido na douta sentença sob os pontos 7 e 8 dos factos provados, os RR. J. R. e esposa desconheciam a situação do insolvente e em momento algum se conluiaram com a R. I. C., no caso, o negócio então feito surgir de forma fortuita e foi o seu preço negociado e pago, aliás, factos confirmados na sentença proferida no processo 3300/15.1T8GMR;
zz). Sendo que, o depoimento prestado pela R. I. C., não foi infirmado ou contrariado por qualquer outra prova, mas antes confirmado, designadamente pela Maria, por isso, perante a falta de qualquer outro elemento de prova a indicar sentido contrário ao afirmado pela donatária, não podia o Tribunal “a quo” ter decido como decidiu, designadamente no que aos itens 7. e 8. dos factos provados diz respeito, mas antes, sempre teria de ser considerado que o P. M. quis doar e a R. I. C. quis receber em doação os bens referidos na escritura celebrada em 19/09/2013. Tendo a R. I. C., passado a comportar-se como legitima possuidora e dona dos bens, o que se manifestou quer na venda do prédio rústico “X”, que efectuou após a doação, quer na discordância que teve com o pai relativamente à “Quinta A”;
aaa). Pelo que, impõe-se a alteração da matéria de facto naqueles concretos pontos dos factos provados da sentença, quanto a esta matéria, passando os mesmos a serem dados como não provados.
bbb.) Sem prejuízo do supra alegado, mesmo admitindo que fosse intenção do doador P. M., retirar os bens da sua esfera patrimonial, para não ser afectado pelos credores, a celebração da doação para a filha, foi um acto querido por aquele e a filha também quis efectivamente aceitar a doação de tais bens e neste contexto, ou alicerçados apenas neste facto, não é de todo possível concluir ou considerar que houve simulação;
ccc). Na verdade, querendo o doador Salvaguardar o Património, transferindo-o para a esfera patrimonial da sua filha, esta constitui uma acção ou um negócio realmente querido pelas partes intervenientes e neste caso pelo doador, ou seja, quis mesmo fazer aquele negócio. Pois se a doação era para salvaguardar o património essa foi uma acção pretendida e não ocultava qualquer outra, daí que não podemos falar em simulação, pois os requisitos cumulativos de que a mesma depende para se verificar, não ocorreram nem ocorrem.
ddd). Por outro lado, este negócio assim realizado entre pai e filha, ao contrário do entendido pelo Tribunal “a quo”, não quiseram enganar terceiro (credores) nem colocou em causa a possibilidade desses terceiros satisfazeram os seus créditos ou acautelarem os seus direitos, na medida em que sempre podiam como podem impugnar este negócio recorrendo desde logo à impugnação pauliana, veja-se que é um negócio entre pai e filha e de natureza gratuita. Sendo por isso fácil obter a anulação do negócio.
eee.) Face ao que vem de se expor, a sentença apelada violou, entre outros, o disposto nos art.°s 240º, 242º, 243º, 371º, 392º, 393º, 394º, 610º, 940º do Código Civil, art.°s 81º e 82 do CIRE;
fff). Funda-se, ainda, o presente recurso no disposto nos artºs, 495º, 496º, 573º, 576º, 577º, 578º, 580º, 581º, 595º, 607º, 615º nº 1 al. b), d), 619º, 640º, 662º, nºs 1 e 2), todos do CPC.

Termos em que deve a apelação ser julgada procedente e, em consequência, revogada a douta sentença apelada, substituindo-se por outra que julgue a acção improcedente, com as legais consequências.

Assim decidindo, farão Vª. s Exªs, Venerandos Desembargadores, a habitual JUSTIÇA


A autora apresenta contra-alegações que termina com as seguintes conclusões:

- Face à sentença recorrida, que julgou a acção totalmente procedente e, consequentemente, “i) (d)eclar(ou) nula a escritura pública datada de 19 de Setembro de 2013, na parte em que P. M. declarou doar à sua filha I. C., aqui 1ª ré, o prédio rústico denominado "X", composto de terreno, sito no lugar (...), freguesia de (...), concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número (...) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (...), com o valor patrimonial tributário de € 3.000,00. ii) (d)eclar(ou) aquela nulidade oponível aos réus J. R. e C. A., ficando estes obrigados à entrega do referido prédio à ora autora. iv) (d)etermin(ou) o cancelamento das inscrições correspondentes à doação do prédio referido em 1) e à venda do mesmo aos réus J. R. e C. A.. v) (c)onden(ou) a ré I. C. como litigante de má-fé, numa multa de valor correspondente a 6 (seis) U.C”, entende a recorrida que a mesma não merece qualquer censura.
- Foram dados por provados, pelo Tribunal a quo, os seguintes factos: “1). Por decisão transitada em julgado, proferida em 03.06.2015, no processo que corre termos pelo Juiz 1 do Juízo de Comércio de Guimarães do Tribunal Judicial de Guimarães, sob o n.º 3300/15.1T8GMR, foi declarado insolvente P. M..
2) Por escritura pública datada de 19 de Setembro de 2013, P. M. declarou doar à sua filha I. C., aqui 1ª ré, que declarou aceitar, entre outros, o prédio rústico denominado "X", composto de terreno, sito no lugar (...), freguesia de (...), concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número (...) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (...), com o valor patrimonial tributário de € 3.000,00, adquirido pelo insolvente, por via sucessória em 27.05.2009.
3). Em 30 de Março de 2015, o prédio mencionado em 2), I. C. declarou vender a J. R., 2º réu, que declarou comprar, pelo preço de € 60.000,00, o prédio referido em 2).
4). No âmbito do processo referido em 1), o negócio referido em 2) foi declarado resolvido em benefício da massa insolvente relativamente à ré I. C., que impugnou judicialmente, sem sucesso, essa resolução.
5). No âmbito dessa insolvência os ora réus J. R. e C. A. também impugnaram a resolução do negócio referido em 2), na qualidade de terceiros que nela tinham interesse.
6) A final, a sentença proferida julgou procedente a impugnação referida em 5), tendo o tribunal da Relação confirmado o decidido, havendo já trânsito em julgado da decisão.
7) Aquando do negócio referido em 2), nem P. M. quis doar, nem a ré I. C. quis aceitar a doação, dos bens referidos na escritura, designadamente do prédio mencionado em 2).
8) O negócio referido em 2) visou extirpar do património de P. M. o prédio em questão, entre todos os demais bens, a fim de o mesmo não ter que responder pelas suas dívidas.
9) A presente acção foi registada no dia 04.05.2017”.
- O Tribunal a quo deu por não provados os seguintes factos: “(…) os demais factos alegados, designadamente que os réus J. R. e C. A. não tivessem conhecimento do que se refere em 7) e 8)”.
- “Na formação da sua convicção o tribunal atentou desde logo na seguinte documentação junta ao processo:
Fls. 22 ss. - escritura pública de doação relativa ao negócio referido em 2), datada de 19.09.2013, da qual resulta que, além do prédio referido em 2) [prédio rústico denominado "X", composto de terreno, sito no lugar (...), freguesia de (...), com o valor tributário de € 3.000,00], foram também declarados doar por P. M. à filha, ora 1ª ré, o prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, primeiro andar e quintal, sito no lugar (...), freguesia de (...), com o valor patrimonial tributário de € 164.537,13; o prédio rústico denominado "Campo ...", composto de terreno, sito no lugar (...), freguesia de (...), com o valor patrimonial tributário de € 14.928,02; o prédio rústico denominado “Campo ...”, sito na freguesia da (...), com o valor tributário de € 300,00; o prédio rústico denominado “Campo ...”, sito na freguesia de (...), com o valor patrimonial de € 500,00.

Mais foram doados, através dessa escritura, nesse mesmo dia mas agora constando como doadores, além de P. M., também a então cônjuge, M. V. (que depôs como testemunha, como adiante se dirá), os seguintes bens: prédio urbano composto de casa de primeiro e segundo andares, sito na freguesia de (...), Fafe, com o valor de € 37.970,00 e onerado com uma hipoteca a favor de um Banco; prédio rústico denominado “(...)”, sito na freguesia de (...), Fafe, com o valor tributário de € 102,70 e onerado com uma hipoteca a favor de um Banco; o prédio rústico denominado “(...)”, sito na freguesia de (...), Fafe, com o valor tributário de € 4,15 e onerado com uma hipoteca a favor de um Banco e o prédio rústico denominado “(...)”, com o valor tributário de € 2.800,00.
Fls. 146: certidão que atesta a data do registo da presente acção.
Fls. 163 ss.: documento denominado “Procuração”, datado do dia 19.09.2013, no qual I. C. declarou constituir “bastantes procuradores, com a faculdade de substabelecer, no todo ou em parte, os seus pais, P. M. e M. V., casados mas separados de pessoas e bens (…) a quem confere os necessários poderes para, conjuntamente, doarem ou prometerem vender e efectivamente vender os prédios referidos na escritura pública de fls. 22 ss..
Fls. 91 ss.: escritura pública datada de 25.10.2013, por via da qual P. M. declarou doar à ora 1ª ré, I. C., que declarou aceitar, os seguintes bens: prédio urbano sito no lugar ... com o valor tributário de € 97.030,00, sobre o qual estava constituída uma hipoteca a favor de Banco; prédio urbano denominado “(...)”, com a área coberta de 1100 m2 e o valor tributário de € 229.028,13; todos os bens móveis que integram o prédio urbano sito em ..., aos quais foi dado o valor global de € 100.000,00.
Fls. 165 ss.: documento denominado “Procuração”, datado de 25.10.2013, no qual I. C. declarou constituir “bastantes procuradores, com a faculdade de substabelecer, no todo ou em parte, os seus pais, P. M. e M. V., casados mas separados de pessoas e bens (…) a quem confere os necessários poderes para, conjuntamente”, “doarem” ou “prometerem vender e efectivamente vender” os prédios que lhe haviam sido doados pela escritura pública de fls. 91 ss. Fls. 172 ss.: instrumentos de revogação das procurações, datados de 3 e 12 de Dezembro de 2014. Fls. 26 (verso) ss.: certidões prediais que permitem concluir que os prédios onde apenas figura como doador P. M., relativos às escrituras públicas de 19.09.2013 e 25.10.2013, haviam sido por este adquiridos por via sucessória, com registo em 27.05.2009.
A fls. 30 (verso) e 31 (e 145 ss.) consta o registo da compra e venda efectuada entre a ora 1ª ré e os 2ºs réus relativamente ao prédio rústico “X”. Fls. 42 (verso) ss.: título de compra e venda relativo ao negócio mencionado em 3).
Fls. 18 (verso) ss.: sentença declaratória da insolvência de P. M.. Fls. 44 ss. e 55 ss.: sentença e acórdão proferidos nos autos de impugnação da resolução em benefício da massa, por apenso ao processo de insolvência.
Fls. 90 ss.: auto de declarações tomadas à ora ré I. C., em 28.05.2015, no âmbito do inquérito aberto a impulso da própria.

Nessa sede, a ora 1ª ré declarou que em 2013 os negócios não corriam bem ao pai, tendo-lhe este dito que estava com dívidas à Segurança Social e às Finanças, pelo que tinha que salvaguardar bens, colocando-os em nome da filha (1ª ré).

Em sede de depoimento de parte, prestado nestes autos, a referida ré procurou dar uma explicação para o facto de ter prestado aquelas declarações, não obstante defender, neste processo, que o pai quis efectivamente doar e que ela quis efectivamente aceitar as doações, sem qualquer intuito de prejudicar terceiros. As explicações apresentadas, porém, não foram convincentes.

Na verdade, não convenceu, de todo, a alegação de que, por um lado, a ré desconhecesse as dívidas do pai, sequer genericamente, por outro, que as doações tivessem visado a partilha de bens do casal que, prestes a separar-se, não se entendesse quanto aos termos da partilha.

Desde logo, o facto de estarem em causa, na esmagadora maioria, bens próprios do doador – como sucede com o prédio em causa nos autos - torna totalmente inverosímil essa tese, já que não havia qualquer entendimento a procurar, pelo casal, quanto a tais bens. Eles, simplesmente, não integravam a partilha.

Também a alegação de que o referido P. M. se apresentou à insolvência desnecessariamente a apenas com o intuito de prejudicar a ora ré, salvo o devido respeito, não faz sentido: na falta de liquidez - cash flow -que lhe permitisse cumprir as obrigações vencidas, como pessoa singular que é, poderia e deveria apresentar-se à insolvência. O que desse processo sempre resultaria, designadamente se os autos prosseguissem para liquidação ou para um plano que comportasse liquidação, não seria o seu enriquecimento à custa das vendas, mas sim a satisfação dos créditos de quem ali se apresentasse como credor. É, por conseguinte, mais crível, que a 1º ré, só ou acompanhada pela mãe, já então separada, tenha decidido passar dispor dos bens que, apesar de formalmente doados, seriam para continuar na esfera patrimonial do doador e que este, vendo a filha a querer ser mais do que uma testa de ferro, frustrando a intenção subjacente ao acordo, tenha então avançado para a insolvência para que os bens viessem, pelo menos, a responder por dívidas suas.

A fls. 193 a 263 foram juntas as transcrições dos depoimentos prestados no âmbito da impugnação da resolução das doações em benefício da massa insolvente ora autora, as quais, contudo, nada de relevante acrescentaram ao que constava já do auto de inquirição, no inquérito, bem como ao que se apurara já com depoimentos de parte e inquirições de testemunhas.

P. M., pai da ré I. C., entretanto, declarado insolvente, referiu que as doações que efectuou lhe foram aconselhadas pelo 2º réu, contabilista, que veio a adquirir à 1ª ré o prédio em causa nestes autos. Isto porque o depoente começou a ter problemas financeiros quando se lançou a explorar um restaurante que herdara do pai, começando a acumular dívidas. Entretanto teve que efectuar despedimentos, no que foi auxiliado pela 2ª ré, C. A., vindo depois a ser-lhe colocadas várias vias para “escapar com os bens aos credores”, designadamente a de doar os bens a terceiro, com simultânea outorga de uma procuração por via da qual poderia continuar a dispor desses bens. Foi esta a via escolhida. Entretanto, segundo o depoente, o 2º réu, que lhe “lançara a bóia de salvação”, veio a traí-lo, comprando à sua filha o prédio que continha as estufas da empresa “Plantas”, explorada pelo depoente, no qual tal empresa laborava. O depoente afirmou também, de modo que se revelou credível, que a filha, universitária (mas não deslocalizada, continuando a viver em casa dos pais), estava a par das dificuldades que o pai atravessava, já que o casal, na frente dela, conversava sobre esse assunto, mormente das dívidas ao Fisco e à Segurança Social (a Plantas empregava 11 trabalhadores).

De resto, chegou a haver atrasos no pagamento das propinas e a ora 1ª ré mostrava-se desagradada com esse facto, sobre o qual também conversava com os pais.
É, pois, de crer que, mesmo podendo não saber, em pormenor, de todas as dívidas que havia, saberia que elas existiam.
E não é razoável que não tenha percebido que aquelas doações efectuadas, ora pelo pai, quanto aos bens deste, ora por ambos os pais, quanto aos bens comuns, estavam relacionadas com tais dívidas.

Daí que tenha prestado as declarações que prestou no inquérito, como acima se referiu. As suas declarações em julgamento não se afiguraram, por conseguinte, credíveis, na parte em que afirmou desconhecer dívidas e ter aceitado as doações nesse desconhecimento.

Tal como não foi credível a afirmação quanto a quem continuava a gerir os bens após as doações (foi muitíssimo hesitante na resposta a esta pergunta, mormente numa fase adiantada da instância do ilustre mandatário da autora, para depois afirmar que seria, em princípio, a própria, já que os bens agora eram seus). De facto, o objectivo não fora a transferência dos poderes de disposição administração para a donatária (daí a enorme hesitação quanto a quem administrava os bens doados). No entanto, após a separação dos pais, esse objectivo inicial foi frustrado, tendo a donatária, com o apoio da mãe, passado a actuar como se as doações não fossem fictícias (daí a afirmação subsequente, de que a administração lhe cabia a si).

Também não é verosímil que a mãe da ré, Maria, ignorasse o processo crime que a filha iniciara contra o pai, como afirmou no seu depoimento.

Note-se que, depois da separação, mãe e filha ficaram a viver juntas, sendo muito pouco normal que esse assunto não tivesse sido discutido entre ambas, tanto mais que a sua relação, de acordo com as palavras de ambas, era e é próxima.

A explicação para as doações apresentada pela referida Maria, como já se referiu, não é convincente: a mesma afirmou que com elas visou evitar-se as complicações de uma partilha de bens, mas a verdade é que a grande maioria desses bens – designadamente o prédio em causa nos autos – não integrariam partilha alguma, por serem próprios de P. M., entretanto insolvente.

De resto, se a ideia fosse obstar a problemas nas partilhas, não se entende como seriam eles evitados, já que no mesmo dia das doações foram outorgadas procurações a conferir aos doadores amplos poderes de disposição dos bens. (…)

Nas suas declarações de parte, J. R., funcionário do gabinete de contabilidade que prestava serviços a P. M., afirmou que ignorava que este doara todos os seus bens à filha e que se limitou a aceitar a proposta de venda que lhe foi feita por Maria numa das vezes em que esta foi ao gabinete de contabilidade, tendo-lhe pago o preço em numerário, por tal com dinheiro que foi buscar a um cofre que alugara no Banco. Seria estranho que não soubesse da doação e das razões subjacentes.

De facto, mesmo que, ao contrário do que referiu P. M., não tivesse sido o próprio a aconselhá-la, certamente não a ignoraria, quanto mais não fosse porque a mesma estava registada, figurando como donatária a ora 1ª ré.

Ora, no gabinete de contabilidade eram conhecidas as dificuldades financeiras do insolvente, tendo a 2ª ré, mulher do depoente, designadamente, negociado os despedimentos que aquele teve que efectuar. Atenta a especialização profissional do 2º réu, creio que este quadro de desvio de património não lhe parecerá insólito (no mínimo, questionar-se-ia sobre as razões pelas quais, um pai que desenvolve uma actividade profissional num prédio, o haveria de doar à filha numa altura em que passava por dificuldades e até tinha tido que despedir trabalhadores).

Daí que, no mínimo, deverão reputar-se de muito sérias as dúvidas relativas ao seu desconhecimento. (sublinhado e negrito nossos)

- O Tribunal recorrido concluiu que “(…) existiu divergência entre o que os contraentes declararam e o que efectivamente pretendiam - vontade real: as escrituras que titulam as doações, mais concretamente a que titula a doação do prédio em causa nestes autos, foram celebradas com o intuito, comum aos contraentes e em execução de um acordo previamente delineado entre eles, de dificultarem a satisfação dos créditos dos credores à custa do património do devedor”, sendo que, “(…) mesmo que se entendesse que, aquando da doação, a 1ª ré ignorava as intenções do pai (no que não se acreditou), e, por conseguinte, a simulação não se considerasse apurada, como considerou, ainda assim tal negócio se teria por nulo, nos termos do nº 2 do art. 280º do CC, que preceitua ser «(…) nulo o negócio contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes”, inferindo ainda que, “(…) no caso dos autos, a ré I. C., ao pugnar pela genuinidade de um contrato que consabidamente resultou de um conluio que visou prejudicar credores, alegou factos que sabia serem falsos”.
- As alegações apresentadas revelam-se manifestamente enredadas e pouco claras.
- O processo de insolvência, nos termos do qual foi nomeado o administrador da insolvência que representa a massa insolvente de P. M., recorrida nos presentes autos, encontra-se em curso porquanto não foi en(...) e não foi homologado qualquer plano de insolvência - factos que nunca foram alegados pelos recorrentes no âmbito dos presentes autos – pelo que a massa insolvente tem todo o interesse na prossecução da presente acção para a declaração da nulidade de negócios jurídicos celebrados pelo insolvente.
- A invocação da nulidade de actos praticados pelo devedor está na disponibilidade de qualquer pessoa que demonstre ter interesse na respectiva declaração (cf. art. 286º do CC), pelo que, in casu, a massa insolvente, através do administrador da insolvência, é interessada para esse efeito, ou seja, como se conclui no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16-06-2015, Processo n.º 529/10.2TBRMR-S.C1, disponível em www.dgsi.pt, cuja tese sufragamos, “(a) massa insolvente, através do administrador de insolvência, tem legitimidade, ao abrigo do disposto no art.º 286º do CC, para pedir em juízo a declaração de nulidade, por simulação (…)”.
- A presente acção foi proposta pela massa insolvente, através do administrador de insolvência, enquanto interessado na declaração de nulidade do negócio objecto da mesma e que se afigura como é terceiro para efeito do disposto no n.º 3 do art.º 394º do CC, não lhe sendo aplicável o disposto nos números 1 e 2 da referida norma, sendo licita a recolha do depoimento do insolvente P. M. enquanto testemunha.
10ª - Sem prescindir e por mera hipótese académica se admitindo, sempre se diga que é admissível a prova testemunhal, ainda que a simulação seja arguida pelos simuladores, se os factos a provar surgirem, com alguma verosimilhança, em provas escritas.
11ª - Se atendermos à prova documental junta nos presentes autos, desde logo, às escrituras (fls. 22 sgs e 91 sgs), às procurações (fls. 163 sgs e 165 sgs) e principalmente ao auto de declarações tomadas à recorrente (fls. 90 sgs) e às transcrições de fls. 193 a 263, resulta evidente que o teor do depoimento de insolvente encontra naqueles documentos respaldo evidente, pelo que sempre seria admissível a prova produzida com o mesmo.
12ª - O depoimento do insolvente P. M. foi prestado na qualidade de testemunha num processo que foi movido, por um terceiro interessado, no interesse de todos os credores da insolvência e não no seu particular, pelo que bem andou o Tribunal recorrido ao valorar o depoimento prestado pelo insolvente como testemunhal.
13ª - Sem prescindir e ainda por mera hipótese académica se admitindo, sempre o depoimento do insolvente poderia ser valorado pelo Tribunal recorrido porquanto tal depoimento, na tese dos recorrentes, configuraria a prestação de declarações de parte nos termos do disposto no art.º 466 º, n.º 3 do CPC, meio de prova que não deve ser desprezado sob pena de perversão do intuito da lei e do princípio da livre apreciação da prova, sendo admissível a concorrência única e exclusiva deste meio de prova para a formação da convicção do juiz sem recurso a outros meios de prova.
14ª – Concluiu o Acórdão proferido por esta Venerável Relação no âmbito do Processo n.º 3300/15.1T8GMR – acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente que:

“(…) importa, de facto, ponderar se, atenta a natureza da acção proposta, o Tribunal teria que ponderar (ou podia ponderar) a existência do vicio (falta) de vontade (artºs. 240º e ss. Do CC) assinalado pela Recorrente. É que, conforme já se referiu em cima, a presente acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente assume uma natureza própria, que é a de se tratar de uma acção de apreciação negativa - ou seja, uma acção que se destina (apenas) a obter a declaração judicial de inexistência do direito (de resolução) comunicado (art. 10°, n° 3, alínea a), do CPC).

Ora, por se tratar de uma acção que assume essa natureza, na presente acção não se discute (nem se pode discutir, como concluiremos à frente) a validade formal ou substantiva dos actos jurídicos sobre que incidiu a declaração de resolução em benefício da massa insolvente. Assim, como refere Fernando Gravato Morais, “...os actos resolúveis não se configuram, nem são havidos, como actos inválidos, seja do ponto de vista formal, seja sob o prisma substancial, atendendo, naturalmente, à inexistência de vícios que os afectem”.

Acrescentando que “...do que se trata aqui é de, em razão dos interesses supremos da generalidade dos credores da insolvência, sacrificar outros interesses havidos como menores (os de que contratam com o devedor insolvente e, eventualmente, os de que negoceiam com aqueles, portanto todos os terceiros em relação ao devedor insolvente) em função do empobrecimento patrimonial daqueles credores, por via da prática de actos num dado período temporal, designado como suspeito, que precede a situação de insolvência".

Pois “... a finalidade é a da reintegração no património do devedor (ou melhor da massa insolvente) para efeito de satisfazer os direitos do credor". Assim, "... nesta acção não se cuida de apurar a eventual nulidade da compra e venda, por simulação, mas tão só de indagar a existência dos pressupostos que permitissem a administradora da insolvência resolvê-lo em benefício da massa insolvente... ".

Nesta conformidade, tratando-se de uma acção de simples apreciação negativa, a procedência desta acção traduz-se no reconhecimento de que a resolução declarada não produziu quaisquer efeitos; e a sua improcedência implica o reconhecimento da existência do direito de resolução.

É só isto que aqui se discute. Se o Sr. Administrador “… pretende ver declarada a invalidade do negócio, por simulação, o correspondente pedido reconvencional não satisfaz obviamente o mencionado pressuposto de admissibilidade por ser evidente que o mesmo não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à defesa, não sendo esta acção o meio próprio para atingir aquele objectivo.”.

Destas considerações decorre, assim, que a questão nova que a Recorrente pretendia aqui levantar - na verdade, a Recorrente na contestação que apresentou não alude minimamente à questão da agora invocada simulação - não pode ser discutida na presente acção de simples apreciação negativa, já que esta acção não é o meio processual próprio para discutir a validade dos actos jurídicos praticados.

Com efeito, aqui, nesta acção, como se referiu, apenas se discute a questão de saber se existiam ou não os pressupostos que levaram o Sr. Administrador de Insolvência a comunicar a resolução dos actos jurídicos em benefício da massa insolvente. O que significa que a Recorrente não está impedida de noutra acção (a processualmente própria) deduzir a sua pretensão fundada na alegada simulação, já que, como já foi decidido, "... as resoluções de actos em beneficio da massa (as situações previstas nos artigos 120° e 121° do CIRE) traduzem um acréscimo de tutela, acrescentam um meio de defesa do património do insolvente, no quadro da execução universal em beneficio de todos os credores (tendencialmente colocados em situação de Igualdade).

Não se pretende, ao estabelecer essas possibilidades de resolução diminuir ou condicionar a tutela do património do insolvente, quando essa tuteia careça, efectivamente, da propositura de seções...'15.

Conclui-se, aqui, portanto, que, por não se tratar do meio processual próprio, e por nesta acção não se cuidar de apurar a eventual nulidade da compra e venda, por simulação, mas tão só de indagar a existência dos pressupostos que permitissem ao Sr. Administrador da Insolvência resolvê-lo em beneficio da massa insolvente, a questão nova que a Recorrente pretendia levantar, apelando aos poderes de conhecimento oficioso do presente Tribunal, não pode neste âmbito ser apreciada pelo Tribunal.
Mas não fica por aqui, pela impossibilidade de conhecimento da questão nova levantada pela Recorrente, a improcedência da pretensão da Recorrente.

Na verdade, conforme já se referiu, a Recorrente, bem sabedora de que não era essa a questão que nesta acção se discutia, não levantou a questão da alegada simulação em sede de contestação (nem o Recorrido, obviamente, também levantou essa questão na petição inicial). Nessa conformidade, torna-se evidente que no que concerne à matéria de facto subjacente ao “pedido" que a Recorrente veio agora formular, se verifica uma total ausência de factos que possam permitir o preenchimento dos requisitos da figura jurídica invocada.

Na verdade, se compulsarmos a matéria de facto alegada pelas partes, e, se, consequentemente, olharmos para a factualidade que esteve em discussão no julgamento de facto efectuado em Primeira Instância (quer quanto aos factos provados, quer quanto aos factos não provados), torna-se evidente que não se mostram alegados os factos correspondentes à causa de pedir que corresponderia à invocação da Simulação. Antes de aferirmos esta realidade, importa, desde já salientar (aspecto que contende com a peticionada alteração da matéria de facto por parte da Recorrente) que não tendo sido alegados os aludidos factos - como não tinham de o ser, face ao que se discute nesta acção - estão agora as partes impedidas de requerer a ampliação da matéria de facto, a factos que não foram sequer alegados, nem sobre os quais as partes tiveram oportunidade de se pronunciar – art. 5º do CPC.

Na verdade. “...o Juiz não pode considerar, na decisão, factos principais diversos dos alegados pelas partes (em articulado ou em resultado da instrução da causa). Por muito que suspeite da sua verificação ou que deles tenha até conhecimento, o Juiz não pode, em regra deles servir-se...”.

Assim, “... independentemente da distinção no plano do direito, entre a excepção de conhecimento oficioso e aquela que só é invocável pelas partes (art. 578° e 579°), os factos em que uma e outra se baseiam estão sujeitos à alegação das partes, explicita ou apenas implícita (a apresentação dum documento, por exemplo) ...”. Destas considerações decorre, de uma forma manifesta, que, não tendo qualquer uma das partes, em tempo oportuno, manifestado a intenção de integrar, na discussão da causa a factualidade subjacente à agora invocada simulação, tal factualidade não pode agora integrar a fundamentação de facto da presente decisão (nem da decisão de primeira instância). (…)

Pelo exposto, e conforme já se referiu, conclui-se, pois, que a factualidade que a Recorrente pretendia aqui ver valorada para efeito do conhecimento oficioso da Simulação não pode agora integrar a fundamentação de facto da presente decisão (nem da decisão de primeira instância), pelo que a segunda questão aqui colocada pela Recorrente tem que ser respondida negativamente. Improcede, pois, também esta parte do Recurso (…)

Da mesma forma, perde também utilidade, a pronúncia do Tribunal sobre a rectificação pretendida no item 16 dos factos provados, item em que efectivamente devia teria ficado a constar a seguinte redacção: “No dia 19 de Setembro de 2013, o insolvente celebrou escritura pública através da qual declarou doar à sua filha, I. C., o Prédio rústico, denominado “X”, composto por terreno, sito no lugar (...), freguesia de (...), concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o artigo (...)º” – mas sem influência, como se referiu, para a manutenção integral da decisão Recorrida.

Pelo exposto, e tendo em conta a improcedência de toda a argumentação da Recorrente Massa Insolvente de P. M., pode-se, pois, aqui manter na íntegra a fundamentação de direito que o Tribunal de Primeira Instância desenvolveu na sentença que proferiu.

Na verdade, contrariamente ao defendido pela Recorrente, o Tribunal de Primeira Instância não omitiu a pronúncia sobra a agora invocada simulação de acto jurídico aqui em discussão, nem deixou de conhecer uma questão que era do conhecimento oficioso, uma vez que, conforme se julga ter demonstrado, não era esta acção o meio processual próprio para que o Tribunal se pronunciasse sobre a invocada excepção, nem se mostravam alegados (nem provados) factos que permitissem ao Tribunal Recorrido conhecer dessa questão oficiosamente”. (sublinhado e negrito nossos)
15ª - A autoridade do caso julgado não pode ser invocada para impedir a apreciação dos factos vertidos na presente acção de arguição de nulidade do negócio por simulação, que não são os mesmos, não foram alegados na acção de impugnação da resolução de negócios em benefício da massa insolvente, nem tinham que o ser, porquanto a causar de pedir e o pedido não são idênticos, ou sequer existe entre eles qualquer relação de prejudicialidade.
16ª- Considerando os termos do citado aresto do Venerável Tribunal da Relação de Guimarães e contrariamente ao propugnado pelos recorrentes, não precludiu o direito do administrador da insolvência, em representação da massa insolvente, a propor a presente acção, desde logo porque aquele, na acção de impugnação da resolução em simulação, dado ser evidente que não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa, porquanto naquela acção sequer é admissível reconvenção, atento o seu objecto e a sua natureza – acção de simples apreciação negativa.
17ª - O citado item 16 constante da decisão proferida na acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente, só não foi alterado por esta venerável Relação porque a pronúncia quanto ao mesmo perdeu utilidade por não ter influência na decisão integral da decisão da Primeira Instância, concluindo, contudo, que aquele item “(…) efectivamente devia teria ficado a constar a seguinte redacção: “No dia 19 de Setembro de 2013, o insolvente celebrou escritura pública através da qual declarou doar à sua filha, I. C., o Prédio rústico, denominado “X”, composto por terreno, sito no lugar (...), freguesia de (...), concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o artigo (...)º”.
18ª - Não pode confundir-se o valor extraprocessual das provas produzidas (que podem ser sempre objecto de apreciação noutro processo) com os factos que no primeiro foram tidos como assentes, já que estes fundamentos de facto não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial.
19ª - A transposição dos factos provados numa acção para a outra constituiria, pura e simplesmente, conferir à decisão acerca da matéria de facto um valor de caso julgado que não tem, ou conceder ao princípio da eficácia extraprocessual das provas uma amplitude que manifestamente não possui.
20ª - O princípio da eficácia extraprocessual das provas, consagrado no art.º 421º, n.º 1, do CPC, significa que a prova produzida (depoimentos e perícias) num processo pode ser utilizada contra a mesma pessoa num outro processo, para fundamentar uma nova pretensão.
21ª - O Tribunal recorrido procedeu a uma exaustiva e correcta valoração de toda a prova produzida nos presentes autos.
22ª - O Tribunal a quo, ao longo da motivação da matéria de facto, faz uma descrição dos vários depoimentos e explica, de forma clara, racional e lógica, os motivos pelos quais valora uns em detrimento de outros, elencando a prova documental que valorou e quais os critérios para tal valoração.
23ª - Considerando o depoimento da recorrente, transcrito nas alegações dos recorrentes e constante do registo digital áudio das 14:19:32 e 14:23:05 às 15:02:34 e o depoimento da testemunha Maria, prestado em audiência de julgamento em 09/04/2018, gravado em sistema digital áudio, dos 02:21 a 02:24 e dos 06:21 a 08:00 minutos quanto à questão que motivou as doações analisadas nos presentes autos, resulta da análise dos mesmo que são manifestamente contraditórios quanto à mesma questão fulcral.
24ª - A decisão recorrida não merece qualquer censura. Termos em que deve o recurso ser julgado improcedente e confirmada a douta Sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA.

O recurso foi recebido como de apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos, com efeito devolutivo – artºs. 629º, nº1; 644º, nº1, al. a); 638º; 645º, nº1, al. a) e 647º, nº1, do Código de Processo Civil.

Ocorreu pronuncia acerca da nulidade invocada nos seguintes termos:

Considero não haver nulidades a suprir, sendo que, quanto à invocada falta do despacho tabelar, saliento a data da propositura da acção (que não é de impugnação pauliana, ao contrário do que se sugere) e a legislação em vigor, mais remetendo para a acta de fls. 148 ss., notando que os réus não apresentaram defesa por excepção, vindo, apenas agora, arguir uma ilegitimidade que antes não lhes ocorrera, mas que, lida a predita acta, se percebe ter sido oportunamente considerada por este tribunal.
Subam os autos ao Tribunal da Relação de Guimarães.

Colhidos que se mostram os competentes vistos legais, cumpre decidir.

Questões a decidir:

- Da legitimidade processual da Autora (Massa Insolvente) para pedir a declaração de nulidade, por simulação, do contrato de doação que está em causa nos autos;
- Da admissão do depoimento do insolvente.
- Da autoridade de caso julgado.
- Da concentração da defesa.
- Caso se conclua pela inexistência de autoridade de caso julgado, analisar se a prova foi bem apreciada
- Das nulidades da sentença
- Do acerto da solução jurídica

II- Os Factos

Na douta sentença foi vertida como provada e não provada a seguinte factualidade:

1). Por decisão transitada em julgado, proferida em 03.06.2015, no processo que corre termos pelo Juiz 1 do Juízo de Comércio de Guimarães do Tribunal Judicial de Guimarães, sob o n.º 3300/15.1T8GMR, foi declarado insolvente P. M..
2) Por escritura pública datada de 19 de Setembro de 2013, P. M. declarou doar à sua filha I. C., aqui 1ª ré, que declarou aceitar, entre outros, o prédio rústico denominado "X", composto de terreno, sito no lugar (...), freguesia de (...), concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número (...) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (...), com o valor patrimonial tributário de € 3.000,00, adquirido pelo insolvente, por via sucessória em 27.05.2009.
3). Em 30 de Março de 2015, o prédio mencionado em 2), I. C. declarou vender a J. R., 2º réu, que declarou comprar, pelo preço de € 60.000,00, o prédio referido em 2).
4). No âmbito do processo referido em 1), o negócio referido em 2) foi declarado resolvido em benefício da massa insolvente relativamente à ré I. C., que impugnou judicialmente, sem sucesso, essa resolução.
5). No âmbito dessa insolvência os ora réus J. R. e C. A. também impugnaram a resolução do negócio referido em 2), na qualidade de terceiros que nela tinham interesse.
6) A final, a sentença proferida julgou procedente a impugnação referida em 5), tendo o tribunal da Relação confirmado o decidido, havendo já trânsito em julgado da decisão.
7) Aquando do negócio referido em 2), nem P. M. quis doar, nem a ré I. C. quis aceitar a doação, dos bens referidos na escritura, designadamente do prédio mencionado em 2).
8) O negócio referido em 2) visou extirpar do património de P. M. o prédio em questão, entre todos os demais bens, a fim de o mesmo não ter que responder pelas suas dívidas.
9) A presente acção foi registada no dia 04.05.2017.

* Factos não provados:

Com pertinência para o mérito da causa não se provaram os demais factos alegados, designadamente que os réus J. R. e C. A. não tivessem conhecimento do que se refere em 7) e 8).
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III- O Direito

●. Da (I)legitimidade da massa insolvente para intentar acção de declaração de nulidade de determinado acto ou negócio jurídico.

Conforme resulta dos termos da própria formulação legal constante do artigo 1.º do CIRE, “[o] processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente”.

Tendo presente o carácter universal do processo de insolvência, e para que esta característica própria de execução universal seja assegurada, são legalmente consagrados vários procedimentos que visam acautelar o tratamento igualitário dos credores.

Para atingir esse fito, o primeiro dos efeitos da declaração de insolvência no que tange ao património do devedor, é a apreensão judicial dos seus bens, que é declarada pelo juiz logo na sentença que decreta a insolvência (artigo 36.º, alínea g), segunda parte do CIRE), para imediata entrega ao administrador de insolvência de todos os bens susceptíveis de penhora que integrem o património do devedor à data da declaração de insolvência, assim como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo, os quais passam a constituir a massa insolvente (artigo 46.º, n.º 1, do CIRE).

Outro efeito muito relevante relativamente à situação patrimonial do insolvente, é a designada estabilização do passivo, que tem repercussões em várias vertentes das quais se realça para o que ora importa o vencimento de todas as obrigações do insolvente, assegurando-se também a participação de todos os credores no processo de insolvência, fixando-se na sentença um prazo para reclamação dos seus créditos (artigo 36.º, alínea j) m e 128.º, n.º 1, do CIRE).

Do exposto decorre que todo o processo de insolvência se mostra pensado para que o património do insolvente possa ser repartido por todos os credores, de acordo com o mérito dos seus créditos.

Precisamente por se tratar de um processo de execução universal, nele são chamados a concorrer todos os credores, porquanto são estes que o processo de insolvência visa tutelar, satisfazendo os mesmos, na medida do possível, com a repartição por eles do produto obtido com a liquidação do património do insolvente.

Esta característica universal da insolvência manifesta-se ainda na atracção que ela exerce sobre as acções em que estejam envolvidas questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, que tenham sido propostas contra o devedor ou mesmo contra terceiros, desde que a decisão que neles venha a ser proferida possa influenciar o valor da massa (primeira parte do n.º 1 do artº 85.º). Estas acções são apensadas ao processo de insolvência.

Por isso que, com a declaração de insolvência, o insolvente fica em geral privado de poderes de administração e disposição dos bens que integram a massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência, cuja nomeação e estatuto se mostra plasmado nos artigos 52.º e seguintes do CIRE, relevando neste aspecto em especial o disposto no artigo 81.º, n.ºs 1 e 4, do referido código, dos quais decorre que a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência, que assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência.

O mesmo é dizer que o efeito primordial da declaração de insolvência pode sintetizar-se com a transferência dos poderes de administração e disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais ficam interditos ao devedor declarado insolvente e passam a competir ao administrador da insolvência, em regra, com carácter absoluto. É que, como se sabe, a declaração de insolvência privou-o imediatamente dos poderes de administração e de disposição dos imóveis uma vez que estes foram apreendidos e integrados na Massa Insolvente a cujo Administrador aqueles passaram a competir, passando este a representá-lo para todos os efeitos de carácter patrimonial que, como no caso, interessam à insolvência, sendo até ineficazes quaisquer actos por ele realizados em violação de tais regras – artº 81º, nºs 1, 2, 4 e 6, do CIRE.

Assim, é ao administrador de insolvência, enquanto órgão do processo de insolvência, que se encontram legalmente cometidas as competências relativamente ao destino dos negócios jurídicos celebrados pelo insolvente que ainda não estejam integralmente executados aquando da declaração de insolvência, nos termos do artigo 102.º e seguintes do CIRE, cabendo-lhe igualmente poder determinar a resolução em benefício da massa insolvente de negócios celebrados pelo insolvente antes da declaração de insolvência e que sejam prejudiciais àquela, nos termos previstos nos artigos 120.º e seguintes do CIRE.

Também o administrador da insolvência, em representação da massa insolvente, não está impedido de lançar mão do instituto geral da declaração de nulidade de determinado acto ou negócio jurídico.

Na verdade, a nulidade, além de poder ser declarada oficiosamente pelo tribunal, pode ser invocada por qualquer interessado. É isso que se dispõe no art. 286º do CC e interessado para esse efeito será – como referem Pires de Lima e Antunes Varela Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., revista e actualizada, pág. 261- o “…o titular de qualquer relação cuja consistência, tanto jurídica como prática (…).

Nada encontramos no CIRE ou noutro diploma legal que seja susceptível de ser interpretado no sentido de estar vedado ao administrador da insolvência a propositura de acção com vista à declaração de tal nulidade e no sentido de lhe retirar a legitimidade que, por efeito da aplicação da regra geral consagrada no art. 286º do CC, lhe deverá ser reconhecida.

É certo que o artº 605º do Código Civil dispõe “os credores têm legitimidade para invocar a nulidade dos actos praticados pelo devedor, quer estes sejam anteriores, quer posteriores à constituição do crédito, desde que tenham interesse na declaração da nulidade, não sendo necessário que o acto produza ou agrave a insolvência do devedor”.

Porém sabemos que este artigo veio apenas tornar expresso – esclarecendo algumas dúvidas que até então se suscitavam - que os credores são titulares de um interesse relevante para efeitos de invocação da nulidade de actos praticados pelo devedor e que tal interesse não depende da anterioridade do crédito relativamente ao acto cuja nulidade se pretende invocar e não depende da circunstância de este acto ter produzido ou agravado a situação de insolvência do devedor- neste sentido Pires de Lima e Antunes Varela Código Civil Ob. Cit., págs.589 e 590.

Os recorrentes aludem a um paralelismo entre esta situação e a impugnação pauliana, dizendo nas conclusões i e j) - que aproveitando a procedência da acção pauliana somente ao credor impugnante, o administrador de insolvência carece de legitimidade para deduzir este tipo de acções ou nelas intervir.

Todavia esta interpretação não corresponde à consideração de todas as normas legais aplicáveis ao caso em apreço.

Se é certo que a impugnação pauliana é um instituto que, nos termos da lei geral (art. 610º do CC), apenas está na disponibilidade dos credores não existindo actualmente no CIRE qualquer norma que atribua ao administrador da insolvência legitimidade para esse efeito, também é certo que a invocação da nulidade de actos praticados pelo devedor está na disponibilidade de qualquer pessoa que demonstre ter interesse na respectiva declaração (cf. art. 286º do CC), interesse que através do administrador da insolvência, se reconhece à massa insolvente.

E não se diga como fazem os recorrentes que para o efeito aqui em apreço a identidade entre a massa insolvente e o insolvente é a mesma.

Na verdade, se a doação e subsequente compra e venda prevalecer válida, nenhum benefício daí pode advir para o insolvente que lhe interesse defender e, assim, justificar que se aqui se batesse pela validade do negócio uma vez que os bens deixaram de lhe pertencer.

Pela mesma razão se aqueles actos forem declarados nulos, também nenhum prejuízo daí pode para ele resultar e que justifique opor-se a tal invalidade

A pretendida nulidade não tem, por outro lado, outros efeitos pessoais que ele tenha interesse em defender. Tais interesses são de natureza exclusivamente patrimonial e circunscrevem-se no respectivo âmbito, regulando-se em função do regime normativo implicado, além do mais, pela insolvência.

Concluímos, portanto, que a massa insolvente, através do administrador de insolvência, tem legitimidade, ao abrigo do disposto no art. 286º do CC, para instaurar acção com vista a obter a declaração de nulidade, por simulação, de um contrato de compra que havia sido celebrado entre o devedor insolvente e a 1ª Ré., legitimidade que ao contrário do que se afirma na conclusão c) o tribunal de forma expressa afirmou existir – atente-se na acta da audiência prévia.

Por fim cumpre referir que nada nos autos nos prova que o plano de insolvência foi homologado em que termos e de que forma o acordo influencia o interesse na prossecução desta acção. De salientar que a recorrida afirma neste recurso que essa homologação não ocorreu.

●. Da admissão e audição do insolvente na qualidade de testemunha

Questionam os apelantes neste recurso a admissão e audição do insolvente como testemunha

Revelam os autos, a propósito, que:

- Na petição inicial a autora indicou como testemunha P. M. residente na rua D. …, freguesia de (...), concelho de Guimarães - cf. fls.10 v da PI;
- Na audiência prévia realizada no dia 09 de Novembro de 2017 a Sra. Juiz entre o demais pronunciou-se sobre os meios de prova apresentados admitindo o rol de testemunhas de fls. 10, fls. 105 e 112(verso)- ver fls. 150.
- Nesta diligência estavam presentes os Ex Mandatários das partes.
- Na sessão da audiência de julgamento realizada no dia 09 de Abril de 2018 com a presença dos Ex Mandatários que representam as partes foi ouvida como testemunha P. M..
- Seguiram-se mais duas sessões da audiência de julgamento supra referida tendo a mesma terminado no dia 02 de Maio de 2018.

Resulta do relatado que por decisão datada de 09 de Novembro de 2017 a Sra. Juiz admitiu que P. M. fosse ouvido na qualidade de testemunha.

Ora, decorre dos termos conjugados dos artºs 644.º, n.º 2, al. d) e 645.º, n.º 2 que, cabendo recurso autónomo de apelação do despacho de admissão ou rejeição de algum meio de prova, o mesmo sobe em separado, sendo de 15 dias o prazo para a sua interposição (cf. art.º 638.º, n.º 1, na sua parte final, sendo todos os preceitos do CPC).

Verifica-se assim que, tendo os recorrentes estado presentes na dita diligência representados pelos Exmos. Mandatários o prazo para impugnar o despacho já decorreu, termos em que, tendo sido impugnado apenas com o recurso da decisão final, interposto em Junho de 2018, já há muito o decidido havia transitado em julgado.

Deste modo, dada a sua intempestividade, não se conhecerá do presente recurso, na parte em impugnou a admissão de um meio de prova que ocorreu por despacho proferido com data de 09 de Abril de 2018, ao qual se reportam as conclusões supra q). a v).

Ademais e como bem refere a recorrida: O depoimento do insolvente P. M. foi prestado na qualidade de testemunha num processo que foi movido, por um terceiro interessado, no interesse de todos os credores da insolvência e não no seu particular, pelo que bem andou o Tribunal recorrido ao valorar o depoimento prestado pelo insolvente como testemunhal.

Sem prescindir e ainda por mera hipótese académica se admitindo, sempre o depoimento do insolvente poderia ser valorado pelo Tribunal recorrido porquanto tal depoimento, na tese dos recorrentes, configuraria a prestação de declarações de parte nos termos do disposto no art.º 466 º, n.º 3 do CPC, meio de prova que não deve ser desprezado sob pena de perversão do intuito da lei e do princípio da livre apreciação da prova, sendo admissível a concorrência única e exclusiva deste meio de prova para a formação da convicção do juiz sem recurso a outros meios de prova.
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●. Verificação do caso julgado

Justifica-se a invocação, no presente recurso da autoridade do caso julgado eventualmente constituída pela prova do facto sob o artigo/ponto 16º dos F. P e não prova dos factos sob a alínea G) da sentença de fls. 44 e ss. dos autos, ou seja, a prolatada no mencionado processo nº 3300/15.1 T8GMR?
Pensamos que não.

De acordo com o nº 1, do 580º, do CPC, a excepção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso e tem como objectivo evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior (nº 2 do normativo).

Dispõe o nº 1, do artº 581º, do CPC, que se repete a causa “quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”.

Assim, duas acções só serão idênticas quando, numa e noutra, as partes sejam as mesmas, o objecto seja o mesmo (“numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico”) bem como a causa de pedir.

Distingue a lei o caso julgado material do caso julgado formal.

O caso julgado formal consiste em estar excluída a possibilidade de recurso ordinário, não podendo a decisão ser impugnada e alterada por esta via (art.°s 620º e 628º do CPC).

O caso julgado material, que nos interessa analisar na situação presente, consiste na definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal, quer a título prejudicial (artº 619º do CPC).

Importa diferenciar a autoridade do caso julgado (efeito positivo do caso julgado) de sentença e a excepção do caso julgado da mesma sentença (efeito negativo), pois que constituem efeitos diversos da mesma realidade jurídica.

Fala-se em excepção de caso julgado quando a eadem quaestio se suscita no processo ulterior como thema decidendum do mesmo processo e fala-se em autoridade de caso julgado quando a eadem quaestio se suscita no processo ulterior como questão de outra índole (fundamental ou mesmo tão somente instrumental).
(…)

“Quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva a “repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente” (Miguel Teixeira de Sousa, “O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material”, BMJ/325º, p. 171, 176 e 179).

Em princípio, segundo alguma doutrina, os limites objectivos do caso julgado confinam-se à parte injuntiva da decisão, não constituindo caso julgado os fundamentos da mesma (Castro Mendes, Dir. Proc. Civil, 1980, III, pág.282, e Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, 1968, pág. 152, Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio Nora, Manual Proc. Civil,1985, pág.714, Anselmo de Castro, Dir. Proc. Declaratório, 1982, III, pág.404, e Manuel Andrade, Noções Elementares de Proc. Civil,1976, pág.334 e 335).

A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem adoptando um critério moderador do rígido princípio restritivo dos limites objectivos do caso julgado. Entende-se que a eficácia do caso julgado da sentença não se estende a todos os motivos objectivos da mesma, mas abrange as questões preliminares que constituíram as premissas necessárias e indispensáveis à prolação do juízo final, da parte injuntiva, contanto que se verifiquem os outros pressupostos do caso julgado material, abrangendo, pois, todas as excepções aí suscitadas por imperativo legal e conexas com o direito a que se refere a pretensão do autor, solução que permite evitar a incoerência dos julgamentos, respeita os princípios da justiça e da estabilidade das relações jurídicas, propicia a economia processual e corresponde ao alcance do caso julgado contido no artº 621º do CPC (ver, entre outros, os acórdãos do STJ, BMJ nº 353º/352, 388º/377 e CJ/STJ, 1997,II,165, e de 01/06/2010, 12/07/2011, 15/01/2013, 08/11/2013, 21/03/2013, 26/03/2015, 07/05/2015 e 16/02/2016, todos acessíveis em www.dgsi.pt).

Como ensina o Prof. Teixeira de Sousa (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 578), reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.

“A nós afigura-se-nos, ponderadas as vantagens e os inconvenientes das duas teses em presença, que a economia processual, o prestígio das instituições judiciárias, reportado à coerência das decisões que proferem, e o prosseguido fim de estabilidade e certeza das relações jurídicas, são melhor servidos por aquele critério eclético, que sem tornar extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objectivos da sentença, reconhece todavia essa autoridade à decisão daquelas questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado.” (RODRIGUES BASTOS, Notas ao CPC, 3ª ed., pág. 202).

Do expendido, importa reter, no essencial, que nos limites objectivos do caso julgado material incluem-se todas as questões e excepções suscitadas e solucionadas, ainda que implicitamente na sentença, que funcionam como pressupostos necessários e fundamentadores da decisão final.

No entanto, saliente-se, em matéria de fundamentação de facto, mesmo após o trânsito em julgado da respectiva sentença, não ocorrerá, em princípio, caso julgado, ou seja, a extensão objectiva da respectiva eficácia no novo processo – artº 621º, do CPC.

Feitas estas considerações, importa reter que como bem refere a recorrida no Acórdão proferido por esta Relação no âmbito do Processo n.º 3300/15.1T8GMR – acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente foi considerado e decidido que aquela acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente assume uma natureza própria, que é a de se tratar de uma acção de apreciação negativa - ou seja, uma acção que se destina (apenas) a obter a declaração judicial de inexistência do direito (de resolução) comunicado (art. 10°, n° 3, alínea a), do CPC).

Ora, por se tratar de uma acção que assume essa natureza, na presente acção não se discute (nem se pode discutir, como concluiremos à frente) a validade formal ou substantiva dos actos jurídicos sobre que incidiu a declaração de resolução em benefício da massa insolvente.
(…)

Nesta conformidade, tratando-se de uma acção de simples apreciação negativa, a procedência desta acção traduz-se no reconhecimento de que a resolução declarada não produziu quaisquer efeitos; e a sua improcedência implica o reconhecimento da existência do direito de resolução.

(…) e à questão da agora invocada simulação - não pode ser discutida na presente acção de simples apreciação negativa, já que esta acção não é o meio processual próprio para discutir a validade dos actos jurídicos praticados.

Com efeito, aqui, nesta acção, como se referiu, apenas se discute a questão de saber se existiam ou não os pressupostos que levaram o Sr. Administrador de Insolvência a comunicar a resolução dos actos jurídicos em benefício da massa insolvente.

(…)
Conclui-se, aqui, portanto, que, por não se tratar do meio processual próprio, e por nesta acção não se cuidar de apurar a eventual nulidade da compra e venda, por simulação, mas tão só de indagar a existência dos pressupostos que permitissem ao Sr. Administrador da Insolvência resolvê-lo em beneficio da massa insolvente, a questão nova que a Recorrente pretendia levantar, apelando aos poderes de conhecimento oficioso do presente Tribunal, não pode neste âmbito ser apreciada pelo Tribunal.

(…)
Nessa conformidade, torna-se evidente que no que concerne à matéria de facto subjacente ao “pedido" que a Recorrente veio agora formular, se verifica uma total ausência de factos que possam permitir o preenchimento dos requisitos da figura jurídica invocada.

Na verdade, se compulsarmos a matéria de facto alegada pelas partes, e, se, consequentemente, olharmos para a factualidade que esteve em discussão no julgamento de facto efectuado em Primeira Instância (quer quanto aos factos provados, quer quanto aos factos não provados), torna-se evidente que não se mostram alegados os factos correspondentes à causa de pedir que corresponderia à invocação da Simulação.

Da mesma forma, perde também utilidade, a pronúncia do Tribunal sobre a rectificação pretendida no item 16 dos factos provados, item em que efectivamente devia ter ficado a constar a seguinte redacção: “No dia 19 de Setembro de 2013, o insolvente celebrou escritura pública através da qual declarou doar à sua filha, I. C., o Prédio rústico, denominado “X”, composto por terreno, sito no lugar (...), freguesia de (...), concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o artigo (...)º” – mas sem influência, como se referiu, para a manutenção integral da decisão Recorrida.

Do exposto resulta sem qualquer margem de dúvida que os factos vertidos na presente acção de arguição de nulidade do negócio por simulação, não foram alegados na acção de impugnação da resolução de negócios em benefício da massa insolvente, nem tinham que o ser.
Também a causa de pedir e o pedido não são idênticos, ou sequer, entre eles, existe qualquer relação de prejudicialidade.

No que se reporta ao facto/ponto 16 da decisão proferida na acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente, só não foi alterado por esta Relação porque a pronúncia quanto ao mesmo perdeu utilidade por não ter influência na decisão integral da decisão da Primeira Instância, concluindo, contudo esta Relação no supra referido acórdão que aquele item “(…) efectivamente devia teria ficado a constar a seguinte redacção: “No dia 19 de Setembro de 2013, o insolvente celebrou escritura pública através da qual declarou doar à sua filha, I. C., o Prédio rústico, denominado “X”, composto por terreno, sito no lugar (...), freguesia de (...), concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o artigo (...)º”.

E tendo sido aquele fundamento de facto autonomizado da respectiva decisão judicial não adquire valor de caso julgado.

De efeito, e repisando qualquer decisão sobre matéria de facto, i.e., sobre se a realidade de um facto está ou não demonstrada (cf. art. 341º CC), não vale autónomamente, mas sim como condição necessária de construção da fundamentação de facto, nos termos do art. 607º nº3 do CPC.

Nesse sentido, ANTUNES VARELA/MIGUEL BEZERRA/SAMPAIO E NORA escrevem que “a força do caso julgado não se estende (…) aos fundamentos da sentença” pelo que “os factos considerados como provados nos fundamentos da sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, para o efeito de extrair deles outras consequências, além das contidas na decisão final (1).

Por isso, a decisão sobre a matéria de facto começa por apenas valer para o concreto processo em que foi produzida.

Tal é o sentido unânime da jurisprudência: o da eficácia extra-processual da prova, não o da eficácia extra processual dos factos tidos como provados (2)

Ademais a factualidade descrita na enunciada al G) foi considerada não provada na sentença proferida no processo nº Processo n.º 3300/15.1T8GMR – acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente.

Como se sabe, da resposta negativa a determinada matéria de facto apenas resulta que se não provou essa factualidade, mas não que se demonstrasse o facto contrário, tudo se passando como se essa matéria não tivesse sido articulada/alegada.

Significa isto, a nosso ver, que aquela factualidade inexistente não foi considerada para a apreciação de qualquer questão que constituísse antecedente lógico da decisão proferida nos referidos autos.

Como predito, em matéria de fundamentação de facto, mesmo após o trânsito em julgado da respectiva sentença, não ocorrerá, em princípio, caso julgado, ou seja, a extensão objectiva da respectiva eficácia no novo processo.

Por isso, no que concerne aos factos tidos por não provados na acção nº º 3300/15.1T8GMR não se impõe, salvo melhor opinião, a autoridade do caso julgado na presente acção.
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●. Preclusão da defesa

Nesta questão defendem-se os recorrentes dizendo o seguinte:

Constata-se nos presentes autos que a A. Massa insolvente, apesar de ter deduzido contestação nos apensos do processo 3300/15.1T8GMR – Impugnação da resolução do negócio, e ter aí tido oportunidade para tomar posição, designadamente quanto à alegada simulação dos negócios do insolvente e dos aqui RR., não o fez. E neste sentido, não o tendo feito, verificou-se a preclusão do seu direito, não podendo agora vir em nova acção suscitar a questão que não quis discutir na acção anterior e para a qual teve toda a oportunidade;

Com efeito, a Massa Insolvente de P. M., não tendo alegado factos concretos e que conduzissem á prova da existência de simulação e embora tivesse procurado que o Tribunal da Relação conhecesse da mesma, este Tribunal, entendeu e bem, que da matéria factual assente e dada como provada nada resultou quanto à existência de simulação;

Assim, além de ocorrer a preclusão do direito da A. recorrida ao vir agora nesta acção a pugnar pela simulação, também se verifica que decorre da decisão então proferida que a doação titulada na escritura pública de 19/09/2013, é válida, cf. item 16. dos factos provados naquela sentença;

E não tendo conseguido demonstrar a existência da simulação no âmbito do referido processo 3300/15.1T8GMR-J, não pode a A. Massa Insolvente, usando outro meio processual, pretender atingir o objectivo que se frustrou naquele meio judicial; - conclusões MM) a PP).

Apreciando:

Quer a doutrina quer a jurisprudência se tem pronunciado em sentido contrário a esta defesa apresentada pelos recorrentes.

Para Fernando Gravato Morais (Resolução em Benefício da Massa Insolvente, Almedina, p. 47. “…os actos resolúveis não se configuram, nem são havidos, como actos inválidos, seja do ponto de vista formal, seja sob o prisma substancial, atendendo, naturalmente, à inexistência de vícios que os afectem “.

Acrescentando que “…do que se trata aqui é de, em razão dos interesses supremos da generalidade dos credores da insolvência, sacrificar outros interesses havidos como menores (os de que contratam com o devedor insolvente e, eventualmente, os de que negoceiam com aqueles, portanto todos os terceiros em relação ao devedor insolvente) em função do empobrecimento patrimonial daqueles credores, por via da prática de actos num dado período temporal, designado como suspeito, que precede a situação de insolvência”.

Pois “… a finalidade é a da reintegração no património do devedor (ou melhor da massa insolvente) para efeito de satisfazer os direitos do credor”.

No decidir do Supremo Tribunal de Justiça – acórdão datado de 29.04.2014; processo nº 251/09.2 TYNG-R.S1 acessível in www.dgsi.pt (…) “ tendo o pedido reconvencional de emergir de facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa (art. 274.º-1-a) do CPC), e sendo a própria acção de impugnação o meio processual adequado para atacar um acto do Administrador da Massa Insolvente (ou seja, já uma defesa por sua própria natureza), não pode a contestação-reconvenção servir para se alterar a causa de pedir da resolução - e consequentemente da acção (…)".

É esta, parece-nos, a razão essencial que obsta, no caso, à admissibilidade da reconvenção, tendo em conta o objecto da acção, definido pelos fundamentos invocados na declaração de resolução que se pretende impugnar, e como decorre ainda mais claramente da qualificação da acção como de acção de simples apreciação negativa, como acima se referiu.

Esta acção visa apenas a negação dos factos invocados para fundamentar a resolução operada pelo AI, tendo-se referido que o impugnante não pode ser surpreendido com factos essenciais ou fundamentos novos, com que se pretenda suprir as deficiências da declaração de resolução.

No que respeita à reconvenção, invoca-se para a sua admissibilidade o disposto no art. 274º nº 2 a) do CPC – quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa.

Todavia, no caso, tratando-se de uma acção de impugnação da resolução, só relevariam os factos jurídicos em que esta resolução foi fundada.

Ora, como decorre claramente da análise do articulado da ré, o que esta alega na reconvenção nada tem a ver com os fundamentos invocados para a resolução, pretendendo-se, com base em factos inteiramente distintos, que se declare a nulidade das vendas (incluída a efectuada à subadquirente) por simulação.

Por outro lado, tratando-se de acção de simples apreciação negativa, a procedência desta acção traduz-se no reconhecimento de que a resolução declarada não produziu quaisquer efeitos; a sua improcedência implica o reconhecimento da existência do direito de resolução.

Daí decorre que não terá qualquer utilidade o pedido reconvencional que, contido nos limites da acção, vise o reconhecimento do direito da ré, uma vez que este já será a consequência normal e necessária da improcedência da acção.

Se o AI pretende ver declarada a invalidade do negócio, por simulação, o correspondente pedido reconvencional não satisfaz obviamente o mencionado pressuposto de admissibilidade, por ser evidente que o mesmo não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à defesa, não sendo esta acção o meio próprio para atingir aquele objectivo.
Ainda neste sentido acórdão desta Relação datado de 16.02.2017 proferido no processo nº 3300/15.1T8GMR-J. G1 bem como a demais jurisprudência e doutrina ali citada.
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●. Nulidades da sentença

Nas conclusões de recurso suscitam os apelantes a nulidade da sentença por violação do disposto nas alíneas b) e d) do artº 615º do CPC.

Vejamos.

Alínea b) do artº 615/1

Nos termos do art. 615º/1 b) CPC, a sentença é nula, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Esta irregularidade está directamente relacionada com o dever imposto ao juiz de motivar as suas decisões, conforme resulta do disposto no art. 607º CPC.

O dever de fundamentar as decisões tem consagração constitucional – artº 205º, nº 1, da CRP – e ao nível do direito processual civil – artº154º, nº1, do CPC.

Compreende-se facilmente este dever de fundamentação, pois que os fundamentos da decisão constituem um momento essencial não só para a sua interpretação – mas também para o seu controlo pelas partes da acção e pelos tribunais de recurso

A motivação constitui, pois, a um tempo, um instrumento de ponderação e legitimação da decisão judicial e, nos casos em que seja admissível – como sucede na espécie sujeita - de garantia do direito ao recurso.

Daí que na motivação da decisão deve o juiz demonstrar a consistência dos vários aspectos da decisão, que vão desde a determinação da verdade dos factos na base das provas, até à correcta interpretação e aplicação da norma que se assume como critério do juízo.

A falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão acarreta a nulidade desta – artºs 613º, nº3 e 615, nº1, al. b) do CPC – ainda que jurisprudencialmente se entenda que só a falta absoluta de fundamentação traduz tal vício.

De efeito, como é sabido, constitui entendimento dominante na doutrina e na jurisprudência que tal nulidade apenas se verifica quando haja falta absoluta, ausência total de fundamentação de facto e de direito que justificam a decisão, e não quando a fundamentação seja simplesmente deficiente, incompleta, medíocre ou mesmo errada, pois neste caso afecta apenas o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a tão só ao risco de ser revogada ou alterada em sede de recurso, mas não produz nulidade (cf. Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 140 e Prof. Lebre de Freiras, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, pág. 707; acórdãos do STJ de 21/12/2005, proc. nº. 05B2287 e de 19/09/2006, proc. nº. 06A2230; acórdãos da RE de 8/04/2014, proc. nº. 1166/13.5TBABT-C e de 19/06/2014, proc. nº. 70/09.6TBMMN, todos acessíveis em www.dgsi.pt).

Relativamente à fundamentação de facto, só a falta de concretização dos factos provados que servem de base à decisão, permite que seja arguida a nulidade da sentença.

Quanto à fundamentação de direito, o julgador não tem de analisar, um por um, todos os argumentos ou razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões por elas suscitadas; não se lhe impõe, por outro lado, que indique cada uma das disposições legais em que se baseia a decisão – nesta parte, a fundamentação da sentença contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adoptada pelo julgador (cf. Pais do Amaral, Direito Processual Civil, 11ª ed., Agosto de 2013, Almedina, pág. 399 e Juiz Conselheiro Francisco Manuel Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, Abril de 2015, Almedina, pág. 369 e 370).

Sindicando o caso concreto, temos de convir que a decisão recorrida apresenta, os fundamentos de facto e de direito que conduziram à decisão.

Com efeito, é nela existente a factualidade que serviu de suporte à decisão supra exposta, o fundamento da decisão de facto (prova documental e testemunhal) e aos factos apurados e apontados pelas partes nos articulados identifica e interpreta as normas jurídicas aplicáveis e determina os eventuais efeitos jurídicos.

Ou seja, inexiste absoluta falta de fundamentação a justificar a procedência da nulidade prevista na alínea b) do artº 615º do C.P.C.

Alínea d) do artº 615/1

Entende-se que a sentença padecerá do vício previsto na supra apontada alínea d) quando deixe de todo de se pronunciar sobre a questão suscitada pelas partes – ou seja sobre o pedido ou causa de pedir que conformam o objecto processual, ou ainda sobre excepção deduzida ou de conhecimento oficioso.

Já assim não ocorrendo quando o conhecimento de determinadas questões resultar prejudicado pela solução dada a outras questões já apreciadas, nesta linha de entendimento não estando o juiz vinculado a considerar todas as linhas de fundamentação jurídica apresentadas pelas partes [vide Lebre de Freitas in CPC Anot. Vol. 2ª, Coimbra Editora, edição de 2001 p. 670].
Pretendendo-se através desta exigência - como já antes o afirmara de forma elucidativa o Professor Artur Anselmo Castro [in Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, edição Almedina 1982] - “que o contraditório propiciado às partes sob os aspetos jurídicos da causa não deixe de encontrar a devida expressão e resposta na decisão”, seria contudo um erro inferir-se “que a sentença haja de examinar toda a matéria controvertida, se o exame de uma só parte impuser necessariamente a decisão da causa, favorável ou desfavorável”.

Como refere o S.T.J. no Ac. de 20/03/2014, “O conceito de questões, mencionado no art. 660.º, n.º 2, do CPC – actual art. 608.º, n.º 2, do NCPC (2013) –, relaciona-se inexoravelmente com a definição do âmbito do caso julgado, dele se excluindo as questões prévias ou prejudiciais ao conhecimento do mérito, bem como os raciocínios, argumentos, razões, considerações, pressupostos ou fundamentos produzidos pelas partes, para a defesa dos seus pontos de vista, que não integram, isoladamente, matéria de decisão jurisdicional.” (ut Proc.º 396/2000.L1. S1, Cons.º Martins de Sousa, in www.dgsi.pt).

Já no Ac. do mesmo Alto Tribunal de 06/07/2004, pronunciando-se sobre as questões a conhecer, foi referido: “O que são as questões suscitadas para este efeito, tem sido objecto de estudo, encontrando-se doutrinal e jurisprudencialmente fixado o respectivo conteúdo, no sentido de que as questões a resolver são apenas as que contendem directamente com a substanciação da causa de pedir ou do pedido, não se confundindo quer com a questão jurídica, quer com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor, às quais o tribunal não tem de dar resposta especificada.” E prossegue, “Assim, as questões suscitadas pelas partes devem ser devidamente individualizadas, cumprindo, para tanto, apreciar não apenas o respectivo objecto e fundamento, como também quem a colocou, devendo o juiz conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer.” (ut Proc.º 04A2070, Cons.º Ponce de Leão, in www.dgsi.pt).

Para a apreciação desta questão importa ainda realçar que a nulidade da decisão por omissão de pronúncia é questão diversa do desacordo da apelante quanto aos termos em que a decisão tenha sido proferida.

Na medida em que em causa esteja esta discordância, então em causa estará antes o erro de julgamento a ser apreciado em sede própria.

Neste contexto o tribunal a quo elaborou a decisão pelo que não merece censura a decisão em causa - apreciada na vertente da omissão da pronúncia.

●. Impugnação da Matéria de facto

Neste seu recurso misturando nulidades com erros de valoração da prova dizem os recorrentes o seguinte: Contudo e sem prescindir do supra alegado, entendemos ainda que a decisão sob recurso, é ainda errada, tendo o Tribunal “a quo” feito uma errada avaliação da prova, incorrendo em erro de julgamento.

(…)
Não têm razão os Apelantes nesta afirmação e na apreciação que fazem da prova nas conclusões tt) a aaa).

O Tribunal a quo fez uma apreciação crítica das provas que foram produzidas com relação a cada facto do que resultou uma exposição pormenorizada e clara do iter decisório e dos elementos probatórios que se conjugaram para formar a sua convicção.

A decisão nos segmentos impugnados em sede de recurso alicerçou-se na análise e conjugação dos seguintes elementos (Transcrição):

Fls. 90 ss.: auto de declarações tomadas à ora ré I. C., em 28.05.2015, no âmbito do inquérito aberto a impulso da própria. Nessa sede, a ora 1ª ré declarou que em 2013 os negócios não corriam bem ao pai, tendo-lhe este dito que estava com dívidas à Segurança Social e às Finanças, pelo que tinha que salvaguardar bens, colocando-os em nome da filha (1ª ré).

Em sede de depoimento de parte, prestado nestes autos, a referida ré procurou dar uma explicação para o facto de ter prestado aquelas declarações, não obstante defender, neste processo, que o pai quis efectivamente doar e que ela quis efectivamente aceitar as doações, sem qualquer intuito de prejudicar terceiros.
As explicações apresentadas, porém, não foram convincentes.

Na verdade, não convenceu, de todo, a alegação de que, por um lado, a ré desconhecesse as dívidas do pai, sequer genericamente, por outro, que as doações tivessem visado a partilha de bens do casal que, prestes a separar-se, não se entendesse quanto aos termos da partilha.

Desde logo, o facto de estarem em causa, na esmagadora maioria, bens próprios do doador – como sucede com o prédio em causa nos autos - torna totalmente inverosímil essa tese, já que não havia qualquer entendimento a procurar, pelo casal, quanto a tais bens. Eles, simplesmente, não integravam a partilha.

Também a alegação de que o referido P. M. se apresentou à insolvência desnecessariamente a apenas com o intuito de prejudicar a ora ré, salvo o devido respeito, não faz sentido: na falta de liquidez - cash flow -que lhe permitisse cumprir as obrigações vencidas, como pessoa singular que é, poderia e deveria apresentar-se à insolvência. O que desse processo sempre resultaria, designadamente se os autos prosseguissem para liquidação ou para um plano que comportasse liquidação, não seria o seu enriquecimento à custa das vendas, mas sim a satisfação dos créditos de quem ali se apresentasse como credor.

É, por conseguinte, mais crível, que a 1º ré, só ou acompanhada pela mãe, já então separada, tenha decidido passar dispor dos bens que, apesar de formalmente doados, seriam para continuar na esfera patrimonial do doador e que este, vendo a filha a querer ser mais do que uma testa de ferro, frustrando a intenção subjacente ao acordo, tenha então avançado para a insolvência para que os bens viessem, pelo menos, a responder por dívidas suas.

A fls. 193 a 263 foram juntas as transcrições dos depoimentos prestados no âmbito da impugnação da resolução das doações em benefício da massa insolvente ora autora, as quais, contudo, nada de relevante acrescentaram ao que constava já do auto de inquirição, no inquérito, bem como ao que se apurara já com depoimentos de parte e inquirições de testemunhas.

P. M., pai da ré I. C., entretanto declarada insolvente, referiu que as doações que efectuou lhe foram aconselhadas pelo 2º réu, contabilista, que veio a adquirir à 1ª ré o prédio em causa nestes autos. Isto porque o depoente começou a ter problemas financeiros quando se lançou a explorar um restaurante que herdara do pai, começando a acumular dívidas. Entretanto teve que efectuar despedimentos, no que foi auxiliado pela 2ª ré, C. A., vindo depois a ser-lhe colocadas várias vias para “escapar com os bens aos credores”, designadamente a de doar os bens a terceiro, com simultânea outorga de uma procuração por via da qual poderia continuar a dispor desses bens. Foi esta a via escolhida. Entretanto, segundo o depoente, o 2º réu, que lhe “lançara a boia de salvação”, veio a traí-lo, comprando à sua filha o prédio que continha as estufas da empresa “Plantas”, explorada pelo depoente, no qual tal empresa laborava.

O depoente afirmou também, de modo que se revelou credível, que a filha, universitária (mas não deslocalizada, continuando a viver em casa dos pais), estava a par das dificuldades que o pai atravessava, já que o casal, na frente dela, conversava sobre esse assunto, mormente das dívidas ao Fisco e à Segurança Social (a Plantas empregava 11 trabalhadores).

De resto, chegou a haver atrasos no pagamento das propinas e a ora 1ª ré mostrava-se desagradada com esse facto, sobre o qual também conversava com os pais.

É, pois, de crer que, mesmo podendo não saber, em pormenor, de todas as dívidas que havia, saberia que elas existiam.

E não é razoável que não tenha percebido que aquelas doações efectuadas, ora pelo pai, quanto aos bens deste, ora por ambos os pais, quanto aos bens comuns, estavam relacionadas com tais dívidas.
Daí que tenha prestado as declarações que prestou no inquérito, como acima se referiu.
As suas declarações em julgamento não se afiguraram, por conseguinte, credíveis, na parte em que afirmou desconhecer dívidas e ter aceitado as doações nesse desconhecimento.

Tal como não foi credível a afirmação quanto a quem continuava a gerir os bens após as doações (foi muitíssimo hesitante na resposta a esta pergunta, mormente numa fase adiantada da instância do ilustre mandatário da autora, para depois afirmar que seria, em princípio, a própria, já que os bens agora eram seus). De facto, o objectivo não fora a transferência dos poderes de disposição e administração para a donatária (daí a enorme hesitação quanto a quem administrava os bens doados). No entanto, após a separação dos pais, esse objectivo inicial foi frustrado, tendo a donatária, com o apoio da mãe, passado a actuar como se as doações não fossem fictícias (daí a afirmação subsequente, de que a administração lhe cabia a si).

Também não é verosímil que a mãe da ré, Maria, ignorasse o processo crime que a filha iniciara contra o pai, como afirmou no seu depoimento. Note-se que, depois da separação, mãe e filha ficaram a viver juntas, sendo muito pouco normal que esse assunto não tivesse sido discutido entre ambas, tanto mais que a sua relação, de acordo com as palavras de ambas, era e é próxima.

A explicação para as doações apresentada pela referida Maria, como já se referiu, não é convincente: a mesma afirmou que com elas visou evitar-se as complicações de uma partilha de bens, mas a verdade é que a grande maioria desses bens – designadamente o prédio em causa nos autos – não integrariam partilha alguma, por serem próprios de P. M., entretanto insolvente. De resto, se a ideia fosse obstar a problemas nas partilhas, não se entende como seriam eles evitados, já que no mesmo dia das doações foram outorgadas procurações a conferir aos doadores amplos poderes de disposição dos bens.

Os depoimentos de A. M. (funcionário da “Quinta A desde 1994 a 2014), M. F. (irmã de Maria) e E. B. (funcionário, desde 2001, do gabinete de contabilidade com quem o insolvente trabalhava) nada acrescentaram ou retiraram à convicção formada com base nos elementos atrás referidos, já que nenhum conhecimento directo relevante foi pelos mesmos demonstrado.

Nas suas declarações de parte, J. R., funcionário do gabinete de contabilidade que prestava serviços a P. M., afirmou que ignorava que este doara todos os seus bens à filha e que se limitou a aceitar a proposta de venda que lhe foi feita por Maria numa das vezes em que esta foi ao gabinete de contabilidade, tendo-lhe pago o preço em numerário, por tal com dinheiro que foi buscar a um cofre que alugara no Banco.

Seria estranho que não soubesse da doação e das razões subjacentes. De facto, mesmo que, ao contrário do que referiu P. M., não tivesse sido o próprio a aconselhá-la, certamente não a ignoraria, quanto mais não fosse porque a mesma estava registada, figurando como donatária a ora 1ª ré. Ora, no gabinete de contabilidade eram conhecidas as dificuldades financeiras do insolvente, tendo a 2ª ré, mulher do depoente, designadamente, negociado os despedimentos que aquele teve que efectuar. Atenta a especialização profissional do 2º réu, creio que este quadro de desvio de património não lhe parecerá insólito (no mínimo, questionar-se-ia sobre as razões pelas quais, um pai que desenvolve uma actividade profissional num prédio, o haveria de doar à filha numa altura em que passava por dificuldades e até tinha tido que despedir trabalhadores). Daí que, no mínimo, deverão reputar-se de muito sérias as dúvidas relativas ao seu desconhecimento.

Revisitada a prova produzida (a prova testemunhal e por declarações prestada nos autos em conjugação com os documentos juntos), considerando ainda a orientação seguida acerca da prova resultante de outro(s) processo(s) e supra enunciada nada temos a acrescentar à decisão de facto supratranscrita com a qual se concorda por corresponder à prova produzida e interpretação que da mesma se faz.
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●. Da nova fundamentação de direito (conhecimento prejudicado)

Dependendo o pedido de alteração do decidido na sentença proferida nos autos, por parte do recorrente, no que à interpretação e aplicação do Direito respeita, do prévio sucesso da impugnação da decisão sobre a matéria de facto ali consubstanciada, a qual, porém, se mantém inalterada, fica necessariamente prejudicado o seu conhecimento, o que aqui se declara, nos termos do art. 608º, n.º 2, aplicável ex. vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil.
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●. Solução Jurídica

Finalmente, importa verificar se, independentemente de não se ter procedido à alteração da matéria de facto no sentido propugnado pelos recorrentes deve manter-se a apreciação de mérito efectuada pela Decisão Recorrida, em face da matéria de facto dada como provada.

Contrariamente ao que é alegado pela ora recorrente, entendemos que em face da factualidade apurada, considerando o caso em apreço, outra não poderia ter sido a decisão daquele Tribunal.

De efeito, considerando os contornos concretos da situação descrita na matéria provada:

2). Por escritura pública datada de 19 de Setembro de 2013, P. M. declarou doar à sua filha I. C., aqui 1ª ré, que declarou aceitar, entre outros, o prédio rústico denominado "X", composto de terreno, sito no lugar (...), freguesia de (...), concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número (...) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (...), com o valor patrimonial tributário de € 3.000,00, adquirido pelo insolvente, por via sucessória em 27.05.2009.
3). Em 30 de Março de 2015, o prédio mencionado em 2), I. C. declarou vender a J. R., 2º réu, que declarou comprar, pelo preço de € 60.000,00, o prédio referido em 2).
4). No âmbito do processo referido em 1), o negócio referido em 2) foi declarado resolvido em benefício da massa insolvente relativamente à ré I. C., que impugnou judicialmente, sem sucesso, essa resolução.
5). No âmbito dessa insolvência os ora réus J. R. e C. A. também impugnaram a resolução do negócio referido em 2), na qualidade de terceiros que nela tinham interesse.
6). A final, a sentença proferida julgou procedente a impugnação referida em 5), tendo o tribunal da Relação confirmado o decidido, havendo já trânsito em julgado da decisão.
7). Aquando do negócio referido em 2), nem P. M. quis doar, nem a ré I. C. quis aceitar a doação, dos bens referidos na escritura, designadamente do prédio mencionado em 2).
8). O negócio referido em 2) visou extirpar do património de P. M. o prédio em questão, entre todos os demais bens, a fim de o mesmo não ter que responder pelas suas dívidas - não podemos deixar de considerar que a razão não está do lado dos Recorrentes.

Explicando:

Sendo a doação o contrato pelo qual uma pessoa por espírito de liberalidade e à custa do seu património dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação em benefício do outro contraente (art 940º nº1 C.C) exige, como contrato que é, o concurso e acordo de duas vontades: a do proponente-doador - e a do aceitante-donatário. Se não houver proposta não há doação se não houver aceitação a proposta caduca (artº 945º C.C.).

Assim, para que se conclua o processo constitutivo do contrato de doação, torna-se necessária a aceitação do donatário, pois o acordo de vontades é sempre elemento essencial da formação de qualquer contrato (art.232º C.C).

A aceitação deve ter lugar, sob pena de caducidade da proposta, durante a vida do doador, não sendo necessário, porém, que ocorra no mesmo momento em que é feita a declaração do doador “(Vide A. Varela in R.L.J. 103,89).

“É da essência da doação ser gratuita, pois se o donatário tinha direito para pedir a coisa doada, ou o seu equivalente então degenera em dação de pagamento ou em outra espécie de contrato oneroso (Coelho da Rocha, citado por Albano Cunha e Abranches Serrão, Manual das Doações, I,31).

Sendo contrato gratuito, dele só nascem, em principio, obrigações para uma das partes. Assim só o doador fica obrigado a entregar a coisa doada, não havendo prestação correlativa do donatário.


A doação tem, na verdade, como móvel primário e essencial o espírito de liberalidade do doador, ideia que implica a generosidade ou espontaneidade, oposta à necessidade ou de dever (vide Pires de Lima e António Varela, Código Civil Anotado, Vol II, 4ª edição, p.p 239e sgs).

O doador dá para beneficiar o donatário, num acto espontâneo, isto é, não determinado por uma obrigação jurídica anterior (vide Vaz Serra, B.M.J. 76.86)

É o animus donandi, o intuito de fazer uma liberalidade, enriquecendo o donatário por vontade do doador, que verdadeiramente caracteriza o contrato, o que é ou se presume sempre feito espontaneamente, sem nenhuma obrigação, nullo jure cogente, e só com o fim de locupletar o donatário (vide A. Varela, Noções Fundamentais de Dtº civil, Vol.I. pg. 448, edição 1954).

Tudo isto faz compreender o carácter pessoal da doação não permitido, por isso, a Lei que a vontade de terceiro possa substituir a vontade do doador, embora se admita que a vontade de terceiro possa completar ou executar a vontade do doador, encontrando-se esta já determinada nos seus aspectos fundamentais (vide Pires de Lima e A. Varela, Cod. Civil Anotado 2º vol., p 252 ,4ª ed.). Assim resulta que o doador haja de designar a pessoa do donatário ou indicar as pessoas de entre as quais há - de ser escolhido o donatário (art. 949º e 2182º nº 2 al. b) C.C.).

Ora tendo-se apurado que Aquando do negócio referido em 2), nem P. M. quis doar, nem a ré I. C. quis aceitar a doação, dos bens referidos na escritura, designadamente do prédio mencionado em 2). – Ponto 7 dos F.P.

O negócio referido em 2) visou extirpar do património de P. M. o prédio em questão, entre todos os demais bens, a fim de o mesmo não ter que responder pelas suas dívidas, outra não poderia ser a decisão do tribunal senão a que foi proferida neste processo.
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●. Das custas

É critério para atribuição do encargo das custas o da sucumbência e na respectiva proporção (artigo 527º, nºs 1 e 2, do código de processo).

Na hipótese, o recurso de apelação é integralmente improcedente; os recorrentes, ao ficarem vencidos na sua pretensão são responsáveis pelo pagamento das custas em conformidade com a regra da causalidade consagrada na norma legal supra citada.
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Podendo, deste modo, concluir-se, sumariando (art. 663º, nº7 CPC), que:

●. A nulidade de determinado acto ou negócio jurídico além de poder ser declarada oficiosamente pelo tribunal, pode ser invocada por qualquer interessado. É isso que se dispõe no art. 286º do CC e interessado para esse efeito será o titular de qualquer relação cuja consistência, tanto jurídica como prática que demonstre ter interesse na respectiva declaração.

Nada encontramos no CIRE ou noutro diploma legal que seja susceptível de ser interpretado no sentido de estar vedado ao administrador da insolvência a propositura de acção com vista à declaração de tal nulidade e no sentido de lhe retirar a legitimidade que, por efeito da aplicação da regra geral consagrada no art. 286º do CC, lhe deverá ser reconhecida.

●. Nos limites objectivos do caso julgado material incluem-se todas as questões e excepções suscitadas e solucionadas, ainda que implicitamente na sentença, que funcionam como pressupostos necessários e fundamentadores da decisão final.
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IV. DECISÃO

Pelo exposto, os juízes abaixo-assinados da 2ª secção, cível, do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar improcedente o recurso em apreço mantendo a decisão recorrida
Custas pelos recorrentes.
Notifique
Guimarães, 08 de Novembro de 2018
(processado em computador e revisto)

(Maria Purificação Carvalho)
(Maria dos Anjos Melo Nogueira)
(José Cravo)


1. Manual de Processo Civil, 1985, 711. Na jurisprudência, STJ 3-Nov-2009/3931/03.2TVPRT.S1 (MOREIRA ALVES).
2. RE 29-Set-1994 (CORTEZ NEVES), BMJ 439, 667, STJ 20-Abr-2004/3513/04 (ARAUJO BARROS), STJ 5-Mai-2005/05B691(ARAUJO BARROS), RP 9-Out-2008/0834784 (TELES DE MENEZES) e RL 24-03-2009/ 9251/2008-7 (CONCEICAO SAAVEDRA) e RL 26-05-2011/ 1193/05.6TCSNT.L1-2 (MARIA JOSE MOURO).