Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5102/07.0TBGMR-A.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: CONTRATO
INCUMPRIMENTO
RESOLUÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO (da relatora):

I. A resolução e a indemnização constituem remédios distintos, permitindo aquela a restituição do que foi prestado e esta o ressarcimento dos prejuízos; como remédio sinalagmático para o incumprimento do devedor, a resolução não deve pôr em causa outras consequências deste incumprimento, não consumidas por aquele.

II. No quadro dos desenvolvimentos mais recentes da doutrina e da jurisprudência, é de considerar, em tese, admissível a cumulação da resolução do contrato com a indemnização dos danos por violação do interesse contratual positivo, não alcançados pelo valor económico das prestações retroactivamente aniquiladas por via resolutiva.

III. Contudo, essa admissibilidade, em tese, deverá ser objecto de uma ponderação casuística, a fazer à luz do princípio da boa fé, e no concreto contexto dos interesses em jogo, mormente em função do tipo de contrato em causa, de modo a evitar situações de grave desequilíbrio na relação de liquidação ou de benefício injustificado por parte do credor lesado.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.
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I – RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada

1.1.1. A. C. e R. M. (aqui Recorrentes), residentes na Rua …, freguesia do (...), concelho de Guimarães, deduziram a presente oposição, por meio de embargos de executado, a prévia acção executiva (intentada por X - Instituição Financeira de Crédito, S.A., contra A. C. & Filhos, Limitada e contra eles próprios, para pagamento coercivo da quantia de € 10.441,43, sendo título executivo uma livrança, aceite pela Sociedade primeira co-executada e avalizada por eles), contra X - Instituição Financeira de Crédito, S.A., com sede na Rua …, em Lisboa, pedindo que

· fossem absolvidos da instância executiva, revogando-se a mesma e anulando-se as penhoras ali realizadas.

Alegaram para o efeito, em síntese, que tendo A. C. & Filhos, Limitada celebrado com a Embargada/Exequente, em 22 de Dezembro de 2003, um contrato de venda a prestações de um veículo automóvel, com financiamento, garantiu aquela primeira Sociedade o seu bom cumprimento com o aceite de uma livrança em branco, que eles próprios avalizaram.

Mais alegaram que, vindo o contrato a ser resolvido em 11 de Junho de 2007, por incumprimento de A. C. & Filhos, Limitada, e recebendo a Embargada/Exequente na mesma data o veículo automóvel dele objecto (de que tinha reserva de propriedade), veio-o porém a preencher abusivamente a livrança em seu poder, uma vez que fez constar da mesma o montante de todas as prestações então vincendas, o que seria incompatível com o regime da resolução contratual (que apenas admitiria a indemnização do interesse contratual negativo) e das cláusulas contratuais gerais.

1.1.2. Admitida liminarmente a oposição à execução, e regularmente notificada, a Embargada/Exequente (X - Instituição Financeira de Crédito, S.A.) contestou, pedindo que a oposição fosse julgada improcedente, prosseguindo a acção executiva contra os Embargantes/Executados (A. C. e R. M.).

Alegou para o efeito, em síntese, ter preenchido a livrança em causa mercê de prévio pacto de preenchimento, autorizando a aposição na mesma dos valores então em dívida por força do contrato de crédito ao consumo que garantia, o que exclusivamente fez.
Mais alegou que o dito contrato previa expressamente que a sua resolução determinaria o vencimento antecipado das prestações vincendas, no caso trinta e uma, no valor global de € 23.783,20, a elas acrescendo as prestações vencidas e não pagas à data da resolução; e tendo ainda imputado em benefício dos Embargantes/Executados (A. C. e R. M.) o valor de € 21.238,00, resultante da venda do veículo automóvel entregue.

1.1.3. Foi proferido despacho: saneador (certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância e fixando o valor da causa em € 10.441,43); e dispensando a selecção da matéria de facto assente e controvertida, face à alegada manifesta simplicidade da causa.

1.1.4. Cumprido o demais legal, e realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, julgando a oposição parcialmente procedente, lendo-se nomeadamente na mesma:

«(…)
Em face do exposto, julgo a oposição parcialmente procedente, prosseguindo a execução para cobrança da livrança, deduzindo ao respectivo montante, nos termos acima referidos, o valor de € 1.020,32 (correspondente à diferença entre o valor de € 22.258,32 e o valor de € 21.238,00) e a parte respeitante aos juros remuneratórios de prestações em dívida referentes a período de tempo não decorrido, bem como a parte referente a capitalização desses juros e ao imposto de selo.
Custas pela exequente e pelos executados, na proporção dos respectivos decaimentos, nos termos do art.º 446º, nºs 1 e 2 do Cód. Processo Civil.
(…)»
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1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos

Inconformados com esta decisão, os Embargantes/Executados (A. C. e R. M.) interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo que se revogasse a sentença recorrida, sendo substituída por decisão que os absolvesse de todos os pedidos.

Concluíram as suas alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões):

a) CONCLUSÕES

A douta sentença proferida, jugou a oposição parcialmente procedente, prosseguindo a execução para cobrança da livrança, (…..).

Os executados, melhor identificado nos autos acima referenciados, não podendo conformar-se com a douta sentença proferida nos mesmos, dela, vem, interpor recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

O presente recurso, visa, também, a reapreciação da matéria de facto para ser alterada nos termos do n.º 1 e das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, pelo que, se impugna a decisão proferida sobre a mesma nos termos do artigo 640.º do mesmo código.

I) Nestas alegações e respectivas conclusões, os recorrentes partem da ideia de que a quantia constante da livrança visa restabelecer a situação que se verificaria se a exequente não tivesse celebrado o contrato (dano negativo), quando aquela foi subscrita e entregue para garantir o cumprimento. E partem dessa ideia porque, no seu entender, em caso de resolução contratual, só este dano pode ser objecto de indemnização. Assim, a questão que se nos depara consiste em saber se a livrança dada à execução foi preenchida abusivamente porque se destinava a garantir as prestações correspondentes ao cumprimento do contrato e a resolução contratual que a exequente levou a cabo só comporta indemnização pelo interesse contratual negativo. Dúvidas não subsistem que existiu um pacto de preenchimento da livrança. Contudo, e salvo melhor opinião, existiu um abuso no preenchimento da livrança.

II) Quanto ao tipo de contrato celebrado, como matéria de facto dada como assente, o contrato dos autos é um contrato de aluguer de longa duração, vulgo, ALD como de crédito ao consumo com pagamento em prestações.

III) O contrato de locação financeira é um contrato, a médio ou a longo prazo, destinado a «financiar» alguém, não através da prestação de uma quantia em dinheiro, mas mediante o uso de um bem, tendo subjacente a intenção de proporcionar ao «locatário», não tanto a propriedade de determinados bens, mas antes a sua posse e utilização, para certos fins.

IV) O protótipo do denominado contrato de aluguer do uso de veículo automóvel de longa duração (ALD), concebido pela exequente, de natureza especial, tem por objecto a cedência do gozo temporário de coisa móvel, mediante retribuição, e constituiria uma das modalidades do contrato de locação, designada por aluguer, sendo regulado pelas normas do Código Civil (CC) que regem o contrato de aluguer e pelas respectivas cláusulas contratuais nele insertas que não contendam com qualquer normativo de natureza imperativa, atento o preceituado pelos artigos 16.º e seguintes, do DL n.º 354/86, de 23 de Outubro, e 1022.º e seguintes, do CC.

V) Tratar-se-ia de uma coligação funcional de três tipos contratuais distintos que constituem o seu esqueleto estrutural, ou seja, de um contrato de aluguer de longa duração, donde deriva, por metonímia, a sigla ALD, de um contrato de compra e venda a prestações e de um contrato promessa de compra e venda do bem alugado.

VI) Contudo, diversamente do que acontece no contrato de locação financeira, no ALD, o locatário não se torna, automaticamente, proprietário do bem locado, mas tal acontece, apenas, na hipótese de o pretender, atento o disposto pelos artigos 2.º, n.º 1, a), 3.º, a), parte final, e 9.º, n.ºs 1 e 5, do DL n.º 359/91, de 21 de Setembro.

VII) Deste modo, o ALD é um contrato de concessão de crédito ao consumo, em que a concessão de crédito se opera, não mediante o empréstimo de dinheiro, mas antes através do fraccionamento e inerente deferimento da execução da obrigação de o locatário reembolsar o locador da despesa efectuada na aquisição do bem objecto do contrato.

VIII) Assim, é aplicável ao ALD o regime de concessão de crédito ao consumo, definido pelo artigo 2.º, n.º 1, a), do DL n.º 359/91, 21 de Setembro, com as alterações subsequentes dos DL’s n.ºs 101/2000, de 2 de Junho, 82/2006, de 3 de Maio e 133/2009, de 2 de Junho.

IX) Dos autos resulta dos factos assentes a resolução contratual operada, reiterando e salvo melhor opinião, a questão a decidir é se a apelada pode dar à execução uma livrança que serviu de garantia de bom cumprimento que só comporta (só devia comportar) indemnização pela violação do interesse contratual negativo, após ter resolvido o contrato celebrado com o apelante. Dúvidas não subsistem que existiu um pacto de preenchimento da livrança. Contudo, e salvo melhor opinião, existiu um abuso no preenchimento da livrança.

X) Temos que, o contrato celebrado entre exequente e executado foi resolvido por aquele, (conforme, Ponto 12 - dos factos assentes.

XI) Na verdade, está vedado à exequente dar à execução uma livrança que serviu de garantia de bom cumprimento, quando o que “devia apenas” peticionar uma indemnização pela violação do interesse contratual negativo.

XII) Isto é, pretende agora a exequente ser indemnizada por aquilo que deixou de obter em virtude de se ter frustrado o negócio.

XIII) Mais, não se encontra provado, pela análise da matéria de facto dada como provada, que a exequente estava autorizada a preencher a livrança com valores respeitantes à indemnização pelo interesse contratual positivo mas, tão só, à indemnização pelo interesse contratual negativo.

XIV) Salvo melhor opinião, resta apenas à exequente intentar a competente acção judicial de condenação com vista à sua indemnização pela violação do interesse contratual negativo.

XV) Assim: Em 22.12.2003, foi efectuado o contrato de crédito ao consumo, com subscrição da livrança em branco; a partir da 35 prestação vencida a executada deixou de pagar as prestações; em 09-05-2007, a X enviou aos agora opoentes uma carta com aviso de recepção em que lhe comunicou a resolução do contrato; A esse valor em divida fora abatido o valor da venda do veículo e o valor (22.000 euros) da livrança apenas tem os € 10.294,43 euros, correspondente, “ao valor das trinta e sete prestações vencidas e não pagas”, acrescido de juros, de imposto de selo e de selagem da livrança, “tudo conforme cláusulas 7.ª do contrato.”

XVI) Esta cláusula, como se vê de folhas do contrato dos autos são do seguinte teor: «Cláusula 7.ª - A falta ou atraso do pagamento, por parte do comprador, na data do respectivo vencimento, de qualquer das prestações convencionadas envolverá o imediato e automático vencimento e exigibilidade de todas as demais subsequentes…» e «Cláusula 11.ª – Quaisquer letras ou livranças entregues pelo Comprador ao Vendedor…, não integralmente preenchidas, poderão ser livremente completadas por estes, nomeadamente a respectiva data de vencimento, o local de pagamento e valor, o qual não pode ser superior em cada momento ao disposto na cláusula 10.ª».

XVII) Interessando-nos ainda a: «Cláusula 11.ª – O incumprimento das obrigações assumidas pelo comprador no âmbito deste Contrato, constitui o Banco no direito e, alternativamente, mas por sua exclusiva opção: a) Resolver o presente contrato, fazendo funcionar a reserva de propriedade e repondo ao Comprador ou dele recebendo o montante que, adicionado, ao valor venal do Bem apurado na data da resolução (Bem esse que ficará propriedade do Banco) ao da entrada inicial e das prestações entretanto pagas, perfaça o montante das prestações convencionadas e não pagas, acrescido dos respectivos juros de mora; b) Executar o comprador, servindo este Contrato como título bastante, para o pagamento do montante das prestações em falta e respectivos juros. c) »….

XVIII) Face ao regime das Cláusulas Contratuais Gerais - em face a elas, há que distinguir entre: Resolução do contrato; Não resolução.

XIX) No caso daquela, o vendedor não tem direito às prestações convencionadas e não pagas. Segundo a cláusula 7ª, alínea a), com a resolução, pode «fazer funcionar a reserva de propriedade e repondo ao comprador ou dele recebendo o montante que adicionado ao valor venal do bem apurado na data da resolução ao da entrada inicial e das prestações entretanto pagas, perfaça o montante das prestações convencionadas e não pagas, acrescido de juros». Ou seja, somam-se os valores do automóvel ao tempo da resolução, da entrada inicial e das prestações pagas. Coteja-se com o das prestações convencionadas e não pagas e vê-se se há benefício ou prejuízo para qualquer das partes.

XX) Temos, então, que, conforme o acordado e dando de barato o valor destas cláusulas contratuais gerais, em caso de resolução contratual, a exequente não tem direito às prestações convencionadas e não pagas.

XXI) A «execução do comprador para pagamento do montante das prestações em falta e respectivos juros» está prevista antes na alínea b) desta cláusula 7.ª, apresentada como alternativa à resolução contratual.

XXII) Como flui claramente daquele artigo anterior, a livrança foi preenchida com o valor de todas prestações vencidas e não pagas.

XXIII) É certo que, no mesmo articulado, se refere a impossibilidade de recuperação do veículo, mas, esta hipótese não está prevista na cláusula 7ª a) e nada permite, em termos de acordo quanto ao regime resolutivo, passar da não recuperabilidade do veículo para a exigência de todas as prestações que não foram pagas ou mesmo de algumas delas.

XXIV) Aliás, a própria remissão para a cláusula 7ª situa a exequente fora da resolução contratual e das suas consequências.

XXVI) Abriu caminho a outras exigências perante o comprador, mas fechou-o quanto à exigência das prestações convencionadas que estavam por pagar. A livrança não podia ser preenchida com referência a elas.

XXVI) Se entendermos que tais cláusulas devem considerar-se não escritas nos termos da alínea d) do artigo 8.º do Decreto-lei nº 446/85, de 25.10, temos a ausência de convénio quanto ao que aqui nos importa e consequente atenção ao que a lei, supletivamente, dispõe.

XXVII) Tendo optado pela resolução que encerra a destruição da relação contratual, a exequente não tem, em princípio dogmático, direito a indemnização relativa ao interesse contratual positivo.

XXVIII) Não quis a subsistência do contrato, logo não o poderia querer para obter, da contraparte, as prestações em falta.

XXIX) No caso presente e como se vê dos factos dados como assentes no Ponto 12 - a exequente considerou resolvido o contrato e escreveu que: «Em consequência da resolução, tornam-se imediatamente exigíveis: As prestações vencidas e não pagas; Todas as prestações vincendas no âmbito do contrato; Juros de mora, calculados sobre as importâncias em dívida, até à sua liquidação. Assim, o débito … ascende a …. Cuja regularização aguardamos até ao prazo limite de 10 (dez) dias…»

XXX) Com a resolução, destruiu a relação contratual. Enveredou, pois, pelo regime legal que está consignado no artigo 432.º e seguintes do Código Civil.

XXXI) Abstraindo agora da questão relativa à indemnização pelo interesse contratual positivo de que falámos e a que voltaremos, temos que a resolução levada a cabo veda a produção de efeitos, no sentido de serem exigíveis as prestações que não foram pagas.

XXXII) Passando a não relevar que tenha havido prestações já vencidas à data da resolução e prestações vincendas, assim como eventual vencimento antecipado destas, próprio do regime do pagamento em prestações.

XXXIII) Como flui do que referimos nestas alegações, as prestações em dívida podem ser encaradas como integrantes de indemnização pelo interesse contratual positivo.

XXXIV) Se admitida esta, poder-se-ia chegar àquelas por esta via. Mas a exequente, não só não invocou qualquer especificidade que abrisse caminho ao regime excepcional de exigência de ressarcimento dos danos positivos, tendo em conta a boa-fé contratual, como agiu, quanto a exigência, precisamente como se não tivesse operado a resolução.

XXXV) Desequilibrou, a exequente manifestamente, a seu favor, a relação contratual. Ela libertava-se e a contraparte ficava ainda mais “onerada”. Não é, pois, caso de admissão de indemnização pelos danos positivos, não dispondo ela, também face posição que deixámos em aberto, do crédito que a exequente verteu na livrança. Legislação violada - artigos 433.° e 801.º, n.º 2 do Código Civil.

XXXVI) Sobre o preenchimento abusivo da livrança, assenta na excepção de preenchimento da livrança, no facto de tendo havido resolução do contrato, não poder o credor ter direito a uma indemnização pelo interesse contratual positivo.

XXXVII) Como, foi dado assente na douta sentença no Ponto 1º e no Ponto 6º que: Foi dado à execução um impresso uniformizador destinado a servir como livrança no valor de € 10.294,43 euros emitida a 09.07.2007 – muito depois da outorga do contrato a 22/12/2003 como depois da resolução contratual do mesmo a 25.05.2007.

XXXVIII) Efectivamente a exequente agiu como se não tivesse operado a resolução, dado que o valor da indemnização aposta na livrança corresponde ao chamado interesse contratual positivo, ou seja, ao benefício que teria auferido caso o contrato tivesse subsistido, tal indemnização é inadmissível.

XXXIX) Logo, a inexequibilidade do título é evidente, a lei confere força executiva a todos os documentos particulares assinados pelo devedor que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias. E a divida exequenda tem que ser: Certa, Líquida e Exigível;

XL) Do título executivo devem resultar, dada a necessidade de se acautelar a certeza e segurança das obrigações, a constituição ou o reconhecimento das obrigações pecuniárias o que não sucede quando estão em causa quantitativos que emergem de situações de incumprimento contratual que dependem da alegação e prova de factos que não têm expressão no próprio título.

XLI) Conforme, decidiu o Venerando STJ (Ac. 26.03.96) I- A livrança em branco deve ser preenchida da harmonia com os termos convencionados pelas partes (acordo expresso) ou com as cláusulas do negócio determinante da emissão do título (acordo tácito), sob pena de nulidade.

XLII) Como após a entrega do veículo pela executada do veículo objecto dos autos à exequente - excepção de não cumprimento;

XLIII) Tendo então celebrado os executados um “contrato de Aquisição a Crédito”, para além do que foi expressamente acordado entre as partes e que consta do contrato de aluguer que subscreveram, está sujeito às normas gerais da locação civil, constantes dos artigos 1022.º a 1037.º do Código Civil.

XLIV) Assim, em virtude da entrega do veículo, dando os executados, conhecimento à exequente, deixaram os mesmos de estarem obrigados ao pagamento do valor de renda mensal.

XLV) Isto em virtude da responsabilidade do locador, em assegurar o gozo da coisa locada para os fins a que a coisa se destina, (conforme, al. b) do artigo 1031.º Cód. Civil).

XLVI) A obrigação do locador de facultar o gozo da coisa dada de aluguer ao locatário, em ordem a possibilitar o fim da locação, se nada a mais for estipulado no contrato, traduz-se em disponibilizar a coisa, mantendo as características que esta apresentava aquando da celebração desse contrato.

XLVII) Tendo a obrigação de dar aos executados o uso e fruição através do contrato celebrado “Aquisição Crédito” e em virtude da entrega do veículo datado a 11/06/2007 não mais pagaram as rendas.

XLVIII) Logo, estamos perante uma excepção dilatória, com importância vital para a boa decisão da causa, conforme, (artigo 428.º CC.).

XLIX) Como é nula a reserva propriedade e os apelantes colocam se foi validade da cláusula de reserva de propriedade.

L) No caso vertente e segundo a factualidade dada como assente e a alegada no requerimento inicial, está-se em presença de uma compra e venda financiada, coexistindo dois contratos autónomos, mas com uma ligação funcional entre si: um contrato de compra e venda e um contrato de crédito.

LI) A cláusula de reserva de propriedade constitui excepção à regra de que a transferência de direitos reais sobre coisas determinadas se dá por mero efeito do contrato – n.º 1 do artigo 408.º Cód. Civil.

Conclui as alegações do seguinte modo

a) Salvo melhor opinião, a questão a decidir é se a apelada pode dar à execução uma livrança que serviu de garantia de bom cumprimento e agora peticiona uma indemnização pela violação do interesse contratual positivo, após ter resolvido o contrato celebrado com o apelante.

b) Dúvidas não subsistem que existiu um pacto de preenchimento da livrança.

c) Contudo, e salvo melhor opinião, existiu um abuso no preenchimento da livrança.

d) Isto porque, o contrato celebrado entre exequente e executada foi resolvido por aquele – Ponto 12º - dos factos assentes.

e) Na verdade, está vedado à exequente dar à execução uma livrança que serviu de garantia de bom cumprimento se o que “apenas” podia era peticionar uma indemnização pela violação do interesse contratual negativo.

f) Isto é, pretende agora a exequente ser indemnizada por aquilo que deixou de obter em virtude de se ter frustrado o negócio.

g) Mais, não se encontra provado, pela análise da matéria de facto dada como provada, que a exequente estava autorizada a preencher a livrança com valores respeitantes à indemnização pelo interesse contratual positivo mas, tão só, à indemnização pelo interesse contratual negativo.

h) Assim sendo, a apelada foi para além do que lhe era licito e permitido fazer no âmbito da relação contratual a partir do momento em que resolve o contrato celebrado com o exequente.

i) Salvo melhor opinião, resta apenas à exequente intentar a competente ação judicial de condenação com vista à sua indemnização pela violação do interesse contratual negativo.

j) Legislação violada: artigos 433.° e 801.°, n.º 2 do Código Civil.
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1.2.2. Contra-alegações

A Embargada/Exequente (X - Instituição Financeira de Crédito, S.A.) não contra-alegou.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2, ambos do C.P.C.), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, nº 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº 2, in fine, ambos do C.P.C.).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais, destinando-se por natureza à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal:

· Questão única - Preencheu a Embargada/Exequente abusivamente a livrança apresentada como título executivo nos autos principais, uma vez que não podia reclamar através dela as prestações vincendas (por consubstanciarem a indemnização do interesse contratual positivo, incompatível com a resolução antes operada) ?
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Precisa-se que tendo os Embargantes/Executados anunciado nas aparentes primeiras «a) CONCLUSÕES» do seu recurso que pretenderiam «também, a reapreciação da matéria de facto para ser alterada nos termos do n.º 1 e das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, pelo que, se impugna a decisão proferida sobre a mesma nos termos do artigo 640.º do mesmo código», tal só pode ter resultado de manifesto lapso de escrita seu.

Com efeito, nem deram por qualquer forma cumprimento ao ónus de impugnação previsto no art. 640º, nº 1 e nº 2 do C.P.C. (não indicando quer os concretos pontos de facto que consideravam incorrectamente julgados, quer os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida, quer a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, quer as passagens exactas da gravação em que se fundasse o seu recurso), nem reproduziram aquela sua anunciada intenção nas que parecem ser, de facto, as conclusões das suas alegações (apresentadas sob a epígrafe «Conclui as alegações do seguinte modo»).

Assim, ou por falta de cumprimento do ónus previsto no art. 640º do C.P.C., que implica a rejeição do seu recurso (na declarada intenção de impugnação da matéria de facto), ou por falta de reiteração e concretização dessa vontade nas conclusões do seu recurso, não pode a mesma (a consubstanciar vontade própria, e não mero lapso de escrita) ser aqui apreciada.
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1. Factos Provados

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal de 1ª Instância considerou que, da «prova produzida, nomeadamente da documental e do acordo das partes», resultaram provados os seguintes factos:

1 - Foi dado à execução um impresso uniformizado destinado a servir como livrança no valor de € 10.294,43, emitida em 09 de Julho de 2007 e com vencimento em 30 de Julho de 2007, onde figura aposta no local destinado ao subscritor um carimbo com os dizeres «A. C. & Filhos, ldª A Gerência» e a assinatura de A. C. (executado nos autos principais e aqui embargante), constando no verso duas vezes a menção «Dou o meu aval à empresa subscritora», seguida cada um delas da assinatura manuscrita de A. C. e de R. M. (executados nos autos principais e aqui embargantes), conforme documento que é fls. 23 dos autos principais e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

2 - Y - Sociedade de Financiamento de Vendas a Crédito, S.A. foi incorporada por fusão em X - Instituição Financeira de Crédito, S.A. (exequente nos autos principais e aqui Embargada), conforme documento que é fls. 14 e seguintes dos autos principais e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

3 - No âmbito da sua actividade, Y - Sociedade de Financiamento de Vendas a Crédito, S.A. celebrou com A. C. & Filhos, Limitada (executada nos autos principais) um acordo identificado como «Aquisição a Crédito / CONTRATO nº 501851», datado de 22 de Dezembro de 2003, o qual teve por objecto o financiamento total de € 42.750,00 para a aquisição de uma viatura de marca Mercedes Benz, modelo C 220, matrícula VU, conforme documento que é fls. 114 e 115 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

4 - Por força do referido contrato, obrigaram-se os Executados (A. C. & Filhos, Limitada, A. C. e de R. M.) a pagarem mensalmente à Exequente (X - Instituição Financeira de Crédito, S.A.), a título de prestação, o valor mensal de € 768,69, num total de 72 prestações, tendo a taxa nominal sido fixada em 8,50% e a TAEG em 9,71%.

5 - Foi registado a favor da Sociedade financiadora o encargo de reserva de propriedade do aludido veículo, em 25 de Novembro de 2001.

6 - Consta ainda do aludido contrato que «Em garantia do bom pagamento do capital emprestado, respectivos juros e demais obrigações decorrentes do presente contrato» foi entregue uma livrança em branco, subscrita pelo cliente e avalistas.

7 - Está ainda prevista no referido contrato a seguinte declaração dos avalistas:

«(…)
Ddeclaro(amos) que aceito(amos) ser avalista(s) do cliente(s) deste empréstimo e de ter sido informado(s) por este do montante da dívida a contrair, bem como das cláusulas deste contrato, que declaro(amos) conhecer e aceitar, avalizando, para o efeito, a Livrança de caução em branco anexa ao contrato, podendo a Y, Sociedade de Financiamento e Vendas a Crédito, SA, em caso de incumprimento do cliente, proceder à cobrança dos montantes em dívida e à execução cambiária no caso de incumprimento, para o que expressamente dou/damos o meu/nosso acordo a que a Y a preencha, designadamente no que se refere à data de vencimento, local de pagamento e aos valores, até ao limite das responsabilidades assumidas pelo cliente perante a Y, por força do presente contrato, e em dívida na data de vencimento, acrescidos de todos e quaisquer encargos com a selagem dos títulos.
(…)»

8 - Foi a Exequente (X - Instituição Financeira de Crédito, S.A.) quem preencheu os campos constantes da livrança dada à execução, nomeadamente, os campos respeitantes ao valor do crédito, à data de vencimento e local de pagamento, bem como o campo respeitante à morada do subscritor.

9 - O veículo identificado no aludido contrato foi entregue à executada A. C. & Filhos, Limitada.

10 - Os Executados (A. C. & Filhos, Limitada, A. C. e de R. M.) apenas pagaram 34 prestações e parte da 35ª prestação, das 72 fixadas no contrato.

11 - A Cláusula 7ª das Condições Gerais do Contrato estabelece que:

«(…)
a) Em caso de mora do Cliente, a Y cobrará sobre o montante em débito, e durante o tempo de mora, juros de mora à taxa contratual em vigor acrescidos a título de cláusula penal de quatro pontos percentuais. Os juros de mora e a cláusula penal poderão ser capitalizados em conformidade com os usos das instituições bancárias.
b) O disposto na alínea anterior não prejudica o direito da Y a considerar antecipadamente vencidas todas as prestações emergentes do contrato e exigir o cumprimento imediato, caso ocorra o não cumprimento de qualquer obrigação.
(…)»

12 - A Exequente (X - Instituição Financeira de Crédito, S.A.) remeteu aos Executados (A. C. & Filhos, Limitada, A. C. e de R. M.) cartas registadas com aviso de recepção, datadas de 9 de Maio de 2007, conforme documentos que são fls. 148 a 151 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, que foram recepcionadas, e nas quais nomeadamente se lia:

«(…)
A contar da data de recepção desta carta, vamos ainda conceder um prazo suplementar de 8 dias para procederem à liquidação das importâncias em atraso, acrescidas de juros de mora, no total de € 4.886,00.
Se decorrido tal prazo o pagamento ora solicitado não se considerar efectuado, o contrato considera-se automaticamente resolvido, com as legais e convencionais consequências, nomeadamente o accionamento de todas as garantias ao nosso dispor nos termos contratualmente previstos.
(…)»

13 - Os Executados (A. C. & Filhos, Limitada, A. C. e de R. M.) entregaram à Exequente (X - Instituição Financeira de Crédito, S.A.) o veículo em 11 de Junho de 2007.

14 - A Exequente (X - Instituição Financeira de Crédito, S.A.) logrou vender o veículo pelo valor de € 22.258,32€, tendo abatido à dívida o valor de apenas € 21.238,00, tendo ainda suportado despesas com a recuperação, o reboque, o parqueamento e a venda do veículo que ascenderam a € 844,97, conforme documento que é fls. 138 e 139 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

15 - A Exequente (X - Instituição Financeira de Crédito, S.A.) remeteu aos Executados (A. C. & Filhos, Limitada, A. C. e de R. M.) novas cartas, datadas de 9 de Julho de 2007, desta vez a informar do valor em dívida e dando-lhes conhecimento de que havia procedido ao preenchimento da livrança no valor de € 10.294,43 e de que o seu vencimento ocorreria a 30 de Julho de 2007, concedendo-lhes tal prazo para a liquidação voluntária de tal quantia, conforme documento que é fls. 20 a 21 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
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3.2. Factos não provados

Na mesma decisão, o Tribunal de 1ª Instância considerou que não «se provaram quaisquer outros factos com interesse para a boa decisão da causa, designadamente»:

. que o veículo foi vendido a Y - Sociedade de Financiamento de Vendas a Crédito, S.A.;

. que os Executados (A. C. & Filhos, Limitada, A. C. e de R. M.) tenham pago o montante de € 31.516,29 referente a 41 prestações, e que depois da resolução contratual tenham pago mais 18 prestações de € 13.863,42, ficando apenas 13 pendentes;

. e que as cláusulas 7ª, 10ª e 11ª do contrato celebrado entre a Exequente (X - Instituição Financeira de Crédito, S.A.) e a Sociedade executada (A. C. & Filhos, Limitada) tenham o teor alegado nos artigos 16º, 17º, 27º e 28º, da petição inicial da oposição.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Livrança em branco - Preenchimento abusivo

4.1.1.1. Livrança – Obrigados

Lê-se no no art. 75º da Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças (L.U.S.L.L.) que a livrança é um título à ordem, sujeito a certas formalidades, pelo qual uma pessoa se compromete, para com outra, a pagar-lhe determinada importância em certa data.
Trata-se, pois, de «uma promessa de pagamento que o emitente deve cumprir» (Abel Delgado, Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças Anotada, 6ª edição, Livraria Petrony, Lda., Lisboa, 1990, p. 362).

Mais se lê, no art. 77º do mesmo diploma, que «são aplicáveis às livranças, na parte que não sejam contrárias à natureza deste escrito, as disposições relativas às letras e respeitantes a: (...) Direito de acção por falta de pagamento (arts. 43º a 50º e 52º a 54º); (...) São também aplicáveis às livranças as disposições relativas ao aval (arts. 30º a 32) (...)».

Relativamente ao subscritor de uma livrança, lê-se no art. 78º que ele «é responsável da mesma forma que o aceitante de uma letra», sendo que no art. 28º se dispõe que «o sacado obriga-se pelo aceite a pagar a letra à data do vencimento».

Esta obrigação nasce exclusivamente do acto formal da sua assinatura, prometendo por ela executar a promessa de pagamento que no título se contem: deve o montante da livrança, e deve-o por efeito da promessa directa que fez ao tomador, firmando a livrança com a sua assinatura.

Por outras palavras, o emitente da livrança, tal como o aceitante da letra, é o devedor principal, e isto porque é ele que assume o compromisso de efectuar o pagamento do título, no seu vencimento.

Deverá assim, oportunamente, proceder ao pagamento do montante inscrito na livrança, dos juros devidos desde a data do seu vencimento, dos avisos dados e de outras despesas, sem necessidade de fazer comprovar por acto formal, o protesto, a falta de pagamento no vencimento (arts. 48º e 53º, ambos do diploma citado).

Contudo, o pagamento do subscritor de uma livrança pode «ser no todo ou em parte garantido por aval», ficando o dador de aval «responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada» e mantendo-se a sua obrigação, «mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma» (arts. 30º, §1º e 32º, §1º e §2º, respectivamente, da L.U.L.L., neste último se consagrando os princípios da equiparação - § 1º -, e da acessoriedade formal - § 2º, parte final).

O aval é, pois, um acto jurídico cambiário, unilateral e completo, que se comporta como negócio abstracto e mediante o qual se garante objectivamente o pagamento da letra, constituindo para o avalista uma obrigação substancialmente autónoma, mas formalmente acessória da obrigação avalizada, que opera como garantia adicional.

Com efeito, «trata-se de uma obrigação materialmente autónoma, embora dependente da última quanto ao lado formal», uma vez que nos artigos 32º, § 1º e § 2º da L.U.L.L. se «estabelece o princípio de que a obrigação do avalista se mantém, ainda que a obrigação garantida seja nula - e abre uma única excepção a este princípio para o caso de a nulidade desta segunda obrigação provir de “um vício de forma”» (Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial – Letra de Câmbio, III, Universidade de Coimbra, 1956, p. 207).

Logo, e nos termos dos arts. 43º e 47º, ambos da L.U.L.L., o portador de uma livrança pode exercer os seus direitos de acção, não só contra os respectivos subscritores, como ainda contra os outros co-obrigados no vencimento - como os eventuais avalistas - , sendo todos solidariamente responsáveis para com ele.
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4.1.1.2. Livrança em branco

Lê-se no art. 77º da L.U.S.L.L. que «são aplicáveis às livranças, na parte que não sejam contrárias à natureza deste escrito, as disposições relativas às letras e respeitantes a: (...) «à letra em branco (art. 10º)».

A propósito da letra em branco, lê-se no art. 10º da L.U.S.L.L. que «se uma letra [leia-se agora, livrança] incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má fé‚ ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave».

Admite-se, assim, a existência de letra ou livrança em branco, isto é, «documento, incompleto nos seus elementos essenciais, que contenha pelo menos uma assinatura extrinsecamente regular e capaz de obrigar o seu subscritor, acompanhada de uma autorização expressa ou tácita» de preenchimento (José Manuel Vieira Conde Rodrigues, A Letra Em Branco, A.A.F.D.L., 1989, p. 17).
Logo, «para haver uma letra em branco é necessário: a) Que lhe falte algum requisito; b) Que, nela, haja pelo menos, uma assinatura, a qual tanto pode ser do sacador, como do aceitante, do avalista, como do endossante; c) Que esta assinatura conste de um título que contenha a designação impressa e expressa de “letra”; d) Que tal assinatura tenha sido feita com intenção de contrair uma obrigação cambiária» (Abel Delgado, Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças Anotada, 6ª edição, Livraria Petrony, Lisboa, 1990, p. 71).

As «letras em branco ou, mais genericamente, todos os títulos em branco são de uso frequente e desde longa data, quer na actividade comercial quer mesmo fora desta, no domínio dos negócios civis.

Com efeito, o cliente que obtém um crédito no comércio bancário entrega frequentemente ao banco credor, e logo de início e como garantia do seu débito, uma letra por ele assinada, com indicação do montante ou sem ela. Este título usá-lo-á o banco conforme aos acordos estipulados» (José Manuel Vieira Conde Rodrigues, op. cit., p. 24).

Logo, numa livrança há que distinguir duas realidades: o negócio cartular e o negócio subjacente.

O negócio cartular exprime-se num crédito pecuniário, do qual é sujeito activo o legítimo portador do título e sujeito passivos todos os intervenientes no mesmo. Em consequência, o saque de uma letra ou a emissão de uma livrança constitui sempre uma atribuição patrimonial enquanto «deslocação patrimonial de uma pessoa para outra» (Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial – Títulos de Crédito, A.A.F.D.L., 1990, p. 3).

Tal direito cartular caracteriza-se: pela literalidade da obrigação cambiária (que se reconstitui pela simples inspecção do título, sendo que a sua existência, validade e persistência não podem ser contestadas com o auxílio de elementos estranhos ao título, sendo o conteúdo, a extensão e as modalidades da obrigação cartular aqueles que a declaração objectivamente defina e revele); pela abstracção da obrigação a cambiária (uma vez que é independente da "causa debendi", já que o negócio cambiário pode preencher uma diversidade de funções económico-jurídicas - não tem uma causa própria, tipificada legalmente - e é independente, em cada caso concreto, da sua causa, da função determinada que visa); e pela autonomia do direito do portador, que é considerado como um credor originário, isto é, independentemente da titularidade do antecessor (A. Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial. Letra de Câmbio, Vol. III, Universidade de Coimbra, 1966, p. 40 a 75).

Contudo, subjacente ao saque de uma letra ou à emissão de uma livrança, existe sempre um negócio que determinou a sua emissão, o dito negócio subjacente (que constitui a causa daquela mesma emissão).

Assim, entre os intervenientes no título, que sejam simultaneamente partes no negócio subjacente, é sempre estabelecido acordo quanto à função que a atribuição patrimonial desempenha relativamente o negócio subjacente, sendo tal acordo denominado pela doutrina de «convenção executiva» (a que estabelece a relação entre o negócio cartular e o negócio subjacente).

E assim, se no domínio das relações imediatas (entre um subscritor e o sujeito cambiário imediato, em que ambos são concomitantemente sujeitos cambiários e sujeitos das convenções extracartulares) tudo se passa como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstracta, já no domínio das relações mediatas (entre um subscritor e um possuidor do título estranho às convenções extracartulares) aquele não pode opor a este as excepções derivadas das relações pessoais mantidas com outros portadores anteriores da letra (conforme art. 17º da L.U.S.L.L.).
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4.1.1.3. Pacto de preenchimento

Contudo, «quando seja passada em branco, a letra [ou livrança] pode ser preenchida posteriormente e deve sê-lo antes de apresentada a pagamento.

O preenchimento posterior da letra [ou livrança] deve ser feito de acordo com o convencionado. Sempre que é emitida uma letra em branco tem que ter havido prévia ou simultaneamente à emissão um acordo quanto ao critério de preenchimento. Este acordo é uma convenção extracartular e designa-se por pacto de preenchimento.
O pacto de preenchimento é uma convenção obrigacional e informal. Tem como conteúdo a obrigação de preencher a letra de acordo com o critério estipulado e só é oponível entre as partes. Pode ser verbal ou meramente consensual, embora seja aconselhável que revista a forma escrita para evitar dificuldades de prova» (Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, Títulos de Crédito, A.A.F.D.L., 1990, p. 105).
Logo, a autorização de preenchimento será uma manifestação de vontade, expressa ou tácita, no sentido de colmatar as lacunas cuja presença prejudique a eficácia do documento. O contrato de preenchimento é, assim, «o acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a sede de pagamento, a estipulação de juros, etc.» (Abel Delgado, obra citada, p. 73).

Este «poder jurídico (distinto do direito cartular que deriva da letra já preenchida) tendo por conteúdo a possibilidade de se aperfeiçoar a obrigação do subscritor, integrando os elementos faltosos», corresponde a «um poder de natureza extracartular. E o seu conteúdo não faz parte da literalidade do documento, estando, sim, dependente da relação subjacente. No entanto, esta natureza extracartular não nos deve induzir a pensar que a sua transmissão acarreta a transferência dos direitos extracartulares, emergentes da respectiva relação fundamental. Quando alguém adquire um título por preencher não fica titular das relações subjacentes que envolvem a sua criação, tal como, não ficará titular do direito cambiário que só surgirá com o preenchimento da letra» (José Manuel Vieira Conde Rodrigues, op. cit., p. 60).

Compreende-se, pois, que se, numa letra ou numa livrança em branco, o contrato de preenchimento (o acordo pelo qual as partes ajustaram os termos em que deveria definir-se a obrigação cambiária, nomeadamente o seu montante e a respectiva data de vencimento) for violado, não pode essa violação ser oposta a um terceiro estranho ao mesmo contrato, desde que aquele não tenha actuado de má fé, nem haja cometido uma falta grave.

Já se a violação do contrato de preenchimento ocorrer no âmbito das relações imediatas - isto é, o título foi preenchido pelo seu primeiro adquirente -, poderá o preenchimento abusivo ser invocada como excepção ao pagamento reclamado, uma vez que a letra não entrou sequer em circulação.

Com efeito, quem emite um título de crédito em branco (v.g. uma livrança), atribui àquele a quem a entrega o direito de a preencher de acordo com certas cláusulas que entre o subscritor e o tomador hajam sido previamente convencionadas. Tal preenchimento deve pois «obedecer aos termos combinados inicialmente com o devedor e com as demais pessoas que na obrigação tenham porventura intervindo, como aquelas enfim que nela hajam aposto antecipadamente a sua assinatura; importa pois uma delegação de confiança, uma autorização para a integração do título, delegação ou relação de confiança essa que sairá traída se for desrespeitado o conteúdo de preenchimento podendo então falar-se de preenchimento abusivo» (Ferrer Correia, op. cit, pág. 124 a 127, com bold apócrifo).

Logo, no domínio das relações imediatas, «preenchimento abusivo» constitui um facto impeditivo do direito invocado pelo exequente, incumbindo por isso a respectiva prova ao executado, em sede de embargos (art. 342º, nº 2 do C.C.).
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4.1.1.4. Negócio subjacente - Contrato de crédito ao consumo

Lê-se no art. 2º, nº 1, al. a) do Decreto-Lei nº 359/91, de 21 de Setembro (que disciplina o contrato de crédito ao consumo, e aqui aplicável nos termos do art. 12º do C.C.), que contrato de crédito é aquele «por meio do qual um credor concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma de deferimento de pagamento, mútuo, utilização de cartões de crédito ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante».

Este diploma (que procedeu à transposição para o direito interno das Directivas do Conselho das Comunidades Europeias nº 87/102/CEE, de 22 de Dezembro de 1986, e nº 90/88/CEE, de 22 de Fevereiro de 1990), surge precisamente face ao «significativo desenvolvimento do fenómeno do crédito ao consumo, a que corresponde um crescimento notório da oferta e a adopção de novas formas de crédito», visando «instituir regras mínimas de funcionamento, de modo a assegurar o cumprimento do objectivo constitucional e legalmente fixado de protecção dos direitos dos consumidores», conforme esclarece no seu próprio preâmbulo.

Com efeito, na origem do crédito ao consumo «encontramos o fenómeno da popularização da banca e as próprias necessidades de concorrência entre os banqueiros. Os particulares são, assim, facilmente aliciados a contraírem créditos improdutivos – créditos ao consumo – que, depois, terão de ressarcir e de remunerar.

(...) As vantagens são evidentes: ele [crédito ao consumo] permite o acesso das camadas da população economicamente mais débeis a múltiplos bens de equipamento e de consumo. Mas o reverso não o é menos: sobre-exploração financeira dessas mesmas camadas, que podem ser levadas a assumir débitos superiores às suas possibilidades de pagamento.

O crédito ao consumo exige, assim, redobrados deveres de informação: além da sua delicadeza intrínseca ele dirige-se, muitas vezes, a particulares sem experiência de contactos bancários. Há ainda, ainda, que introduzir factores de moderação no próprio ritmo de concessão de crédito (...).» (António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 2ª edição, Almedina, 2001, p. 595 e 596).

Assim se compreende que o Decreto-Lei nº 359/91, de 21 de Setembro, exija que: o contrato de crédito ao consumo seja reduzido a escrito e assinado pelos contraentes, sendo obrigatoriamente entregue um exemplar ao consumidor no momento da respectiva assinatura, sob pena de nulidade, só invocável por este (arts. 6º, nº 1 e 7º, nºs 1 e 4); do contrato conste a T.A.E.G. - taxa anual de encargos efectiva global -, a qual identifica os reembolsos e encargos a suportar pelo consumidor, numa base anual, bem como as condições em que aquela pode ser alterada, e as condições de reembolso do crédito (arts. 4º, 6º, nº 2, als. a), b), c), d), e e), e 7º, nº 4), sob pena de nulidade, só invocável pelo consumidor; e a existência de um período de reflexão, de sete dias úteis subsequentes à respectiva assinatura, em que o consumidor pode revogar a sua declaração negocial (art. 8º).

Caso se trate de contrato de crédito ao consumo que tenha por objecto o financiamento da aquisição de bens ou serviços mediante o pagamento em prestações, terá ainda que conter a descrição do bem ou serviço, a identificação do fornecedor do mesmo, o preço a contado, o valor total das prestações, e o número, montante e data de vencimento das mesmas, sob pena de nulidade (art. 6º, nº 3 do diploma citado).

Sendo o contrato de crédito ao consumo actuado sob a forma de mútuo, importará igualmente atender ao disposto no art. 1142º do C.C., segundo o qual «mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade».

Celebrado o contrato e entregue a coisa ao mutuário (uma vez que aquele tem sido considerado real quoad constitutionem, só produzindo efeitos pela entrega da coisa mutuada), este torna-se proprietário da mesma, conforme art. 1144º do C.C..

O mutuário ficará essencialmente adstrito a pagar a retribuição - juros - quando a ela haja lugar; e a restituir coisa do mesmo género, quantidade e qualidade (arts. 1145º e 1149º, ambos do C.C.).
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4.1.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)

Concretizando, verifica-se que A. C. & Filhos, Limitada, executada nos autos principais, apôs a sua assinatura, subscrevendo-o como cliente, num contrato escrito de crédito ao consumo, sob a forma de mútuo (e não de aluguer de longa duração, conforme sustentado pelos Embargantes/Executados, nas suas alegações de recurso), celebrado com a aqui Embargada/Exequente (X - Instituição Financeira de Crédito, S.A.), tendo-lhe esta entregue, como mutuante, e aquela recebido, como mutuária, a quantia de € 42.750,00, destinada à aquisição de um veículo automóvel; e que os Embargantes/Executados (A. C. e R. M.), também o assinaram, enquanto avalistas.

Mais se verifica que, mercê do mesmo contrato, a Sociedade executada nos autos principais se obrigou a pagar à Embargada/Exequente a importância do empréstimo e os juros acordados, em setenta e duas prestações mensais, sucessivas.

Verifica-se ainda que, para garantia do cumprimento das suas obrigações, a Sociedade executada nos autos principais subscreveu uma livrança em outros dizeres, avalizada pelos Embargantes/Executados, constando expressamente do contrato de financiamento em causa que estes últimos declararam «que aceito(amos) ser avalista(s) do cliente(s) deste empréstimo e de ter sido informado(s) por este do montante da dívida a contrair, bem como das cláusulas deste contrato, que declaro(amos) conhecer e aceitar, avalizando, para o efeito, a Livrança de caução em branco anexa ao contrato, podendo a Y, Sociedade de Financiamento e Vendas a Crédito, SA, em caso de incumprimento do cliente, proceder à cobrança dos montantes em dívida e à execução cambiária no caso de incumprimento, para o que expressamente dou/damos o meu/nosso acordo a que a Y a preencha, designadamente no que se refere à data de vencimento, local de pagamento e aos valores, até ao limite das responsabilidades assumidas pelo cliente perante a Y, por força do presente contrato, e em dívida na data de vencimento, acrescidos de todos e quaisquer encargos com a selagem dos títulos».

Logo, a livrança que se executa nos autos principais consubstanciou, no momento da sua emissão, uma livrança em branco, tendo as partes acordado, por escrito, os termos do seu preenchimento futuro, mercê do pacto de preenchimento respectivo consagrado no próprio clausulado do contrato de financiamento cuja bom cumprimento garantia (que consubstanciava a relação subjacente ao título).

Importa, por isso, verificar se o montante aposto no título, ao qual os Embargantes/Executados (A. C. e R. M.) reagem - as prestações vincendas, à data da resolução do contrato - eram, ou não, legalmente exigíveis.
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4.2. Resolução - Prestações vincendas

4.2.1.1. Incumprimento

Lê-se no art. 781º do C.C. que se a obrigação em causa «puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas».
Mais se lê, no art. 798º do C.C., que «o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor», a ele incumbindo provar «que a falta de cumprimento (...) da obrigação não procede de culpa sua» (ainda art. 799º, nº 1 do mesmo diploma).
Lê-se ainda, Cláusula 7ª das Condições Gerais, do contrato de financiamento em causa, que: «(…) a) Em caso de mora do Cliente, a Y cobrará sobre o montante em débito, e durante o tempo de mora, juros de mora à taxa contratual em vigor acrescidos a título de cláusula penal de quatro pontos percentuais. Os juros de mora e a cláusula penal poderão ser capitalizados em conformidade com os usos das instituições bancárias. b) O disposto na alínea anterior não prejudica o direito da Y a considerar antecipadamente vencidas todas as prestações emergentes do contrato e exigir o cumprimento imediato, caso ocorra o não cumprimento de qualquer obrigação».
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4.2.1.2. Resolução

Lê-se no art. 432º, nº 1 do C.C. que «é admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção».

«A resolução consiste no acto de um dos contraentes dirigido à dissolução do vínculo contratual, colocando as partes na situação que teriam se o contrato não houvesse sido celebrado» (Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4ª Edição, Coimbra Editora, p. 211).

Contudo, só pode haver resolução nos casos em que a ineficácia do acto não resulta de um vício que o afecte ab initio, mas sim da verificação de um facto superveniente que ilude as legítimas expectativas que uma das partes nela depositava (Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II Volume, A.A.F.D.L., 1983, p. 516-7).

O direito de resolução fundado na lei em geral resulta de um de quatro tipos de situação de inadimplência, tendo todas elas em comum a natureza de incumprimento definitivo: impossibilidade parcial e definitiva não imputável ao devedor (art. 793º, nº 2 do C.C.); impossibilidade total e definitiva imputável ao devedor (art. 801º, nº 2 do C.C.); impossi­bilidade parcial e definitiva imputável ao devedor (art. 802º do C.C.); e mora, sempre que esta se venha a converter em incum­primento definitivo (art. 808º, nº 1 do C.C.).
Também a cláusula resolutiva expressa constante de um contrato não poderá ter um conteúdo meramente genérico, devendo fazer referência explícita e precisa às obrigações cujo incumprimento dará direito à resolução, identificando-as, pois só a inadimplência específica da obrigação prevista é não apenas fundamento mas também pressuposto indispensável da resolução.

Ora, «a declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida», considerando-se também «eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida» (art. 224º, nº 1 e nº 2 do C.C.).
Uma vez recebida ou conhecida pelo destinatário respectivo, a declaração de resolução torna-se irrevogável (art. 230º, nº 1 do C.C.).

Operada então a resolução, e «na falta de disposição especial, (...) é equiparada, quando aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico» (art. 433º do C.C.).
Em conformidade, «a resolução tem efeito retroactivo, salvo se a retroactividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução», muito embora «nos contratos de execução continuada ou periódica (...) não abrange as prestações já efectuadas, excepto se entre estas e a causa da resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas» (art. 434º, nº 1 e nº 2 do C.C.).
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4.2.1.3. Indemnização

Lê-se no art. 801º, nº 2 do C.C. que, tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro».

Compreende-se que assim seja, uma vez que o mesmo evento desvinculante do contrato (que permitiu a resolução) quase sempre o dará origem a prejuízos para o titular do direito, derivados do comportamento ilícito e culposo do devedor, radicados na ruptura contratual decorrente do incumprimento, enquanto pressuposto normal da resolução.
Mas se a possibilidade de se cumular o direito à resolução do contrato (por incumprimento culposo do devedor) com indemnização não é contestada por ninguém, resta ainda a controvérsia doutrinal e jurisprudencial, sobre a delimitação do conteúdo ou do objecto de tal obrigação de indemnização.

Com efeito, enquanto que uns defendem que tal indemnização visa o ressarcimento dos danos positivos, isto é, a indemnização do interesse do cumprimento (a indemnização colocará o credor na situação em que estaria se o contrato tivesse cumprido - interesse contratual positivo, ou dano in contractu), outros defendem que visa o ressarcimento dos danos negativos, isto é, a indemnização do dano de confiança (a indemnização compensará o credor das desvantagens sofridas com a conclusão do contrato - interesse contratual negativo, ou dano in contrahendo).

Tem sido esta última orientação a largamente dominante, na doutrina e na jurisprudência nacionais, desde a publicação do Código Civil de 1966 (conforme superiormente historiado no Ac. do STJ, de 15.02.2018, Tomé Gomes, Processo nº 7461/11.0TBCSC.L1.S1, de consulta imprescindível nesta temática).

Acentua-se, para o efeito, que não é possível, face à lei, cumular a resolução do contrato e a indemnização por incumprimento, por só assim se validarem os efeitos retroactivos da resolução (o dever de cumprir desapareceu juridicamente do passado, em consequência da retroactividade da resolução); e seria incoerente e contraditória a posição daquele que, depois de ter optado por extinguir o contrato por resolução, se baseia nesse mesmo contrato para obter uma indemnização correspondente ao interesse no seu cumprimento.

Logo, e em caso de resolução, só restaria ao contratante cumpridor optar pela indemnização dos prejuízos que, a título de danos emergentes ou de lucros cessantes, resultaram da violação do seu interesse contratual negativo, ou seja: os prejuízos que não teria se não tivesse celebrado o contrato frustrado, nomeadamente os lucros que, por tal, deixou de obter pela não celebração de outros negócios alternativos.

(Neste sentido, v.g. Francisco Pereira Coelho, Obrigações – Sumários das Lições ao Curso de 1966-1967, edição policopiada, Coimbra, 1967, p. 230; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, 4ª edição, Coimbra Editora, 1997, p. 58, nota 3; Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 4ª edição, Coimbra Editora, 1982, pp. 368; Carlos Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, Almedina, 1982, p. 412, nota (1): Vasco Lobo Xavier, «Venda a prestações. Algumas notas sobre os artigos 934.º e 935.º do Código Civil», RDES, Ano 21.º, 1977, pp. 199-266 (262); Fernando Pessoa Jorge, Direito das Obrigações, Vol. I, Universidade de Lisboa, 1971/1972, p. 656; Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição, Almedina, 2009, p. 1044-1047; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume II, Almedina, p. 109; Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, 1990, pp. 694; Calvão da Silva, Responsabilidade Civil do Produtor, Almedina, 1990, p. 248; e Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, 10ª edição, Almedina, 2017, p. 259
.
Na jurisprudência, Ac. do STJ, de 12.02.2009, João Bernardo, Processo n.º 08B4052, Ac. do STJ, de 15.12.2011, Álvaro Rodrigues, Processo n.º 1807/08.6TVLSB.L1.S1, Ac. do STJ, de 12.03.2013, Alves Velho, Processo n.º 1097/09.3TBVCT.G1.S1, Ac. do STJ, de 04.06.2015, António Silva Gonçalves, Processo n.º 4308/10.9TJVNF.G1.S1, ou Ac. do STJ, de 08.09.2016, Lopes do Rego, Processo n.º 21769/10.9T2SNT.L1.S1.)

Contudo, as vozes antes dissonantes, defendendo a tese oposta, vêm sendo cada vez mais.
(Neste segundo e crescente sentido, Vaz Serra, «Anotação ao acórdão do STJ, de 30/06/1970», RLJ, Ano 104, pp. 204-208 (207); Inocêncio Galvão Telles, na 7.ª edição, de 1997, de Direito das Obrigações, em nota de rodapé (1), a p. 463, admite que «o julgador, além dos danos negativos, atenda também aos positivos se, no caso concreto, essa solução se afigurar mais equilibrada segundo as circunstâncias»; Baptista Machado, «Pressupostos da Resolução por Incumprimento – referência ao “direito à indemnização” cumulável com a resolução», Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor J. J. Teixeira Ribeiro, II Iuridica, Coimbra, 1979, pp. 393-401; Ana Prata, Cláusulas de Exclusão e Limitação da Responsabilidade Contratual, Almedina, 1985, pp. 479-495; Ribeiro de Faria, «A natureza do direito de indemnização cumulável com o direito de resolução dos arts. 801.º e 802.º do Código Civil», Direito e Justiça, Vol. VIII, 1994, Tomo 1, pp. 57-89, e «A natureza da indemnização no caso de resolução do contrato – Novamente a Questão», Estudos em comemoração dos cinco anos (1995-2000) da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Coimbra, 2001, pp. 11-62; Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Almedina, Volumes II e II, Coimbra Editora, 2008, e «Comentário ao Acórdão do STJ, de 21.10.2010», RLJ, ano 140, p. 315 e ss.; Nuno Pinto Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, 1.ª Edição, 2011, pp. 882 e segs. (890); Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, Almedina, 3ª edição, 2017, pp. 195-204; e António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Direito das Obrigações, Tomo IX, Almedina, 3ª edição, 2017, pp. 937-949.
Acentuam, para o efeito, que a opção por uma ou outra tese acaba, em grande medida, por ser tributária do conceito/função que se atribui à resolução: se se lhe concede exclusivamente um desiderato destruidor da relação contratual, uma função puramente repristinatória do satus quo ante, dado o seu efeito ex tunc equiparado ao da invalidade, por via de regra, retroactivo, justifica-se a tese que não permite a indemnização pelo interesse no cumprimento; mas se se concede à resolução também uma finalidade reintegradora dos interesses em jogo, o ressarcimento do interesse contratual positivo ou interesse de cumprimento justifica-se plenamente.
Precisam ainda, os defensores desta mais recente corrente, que a equiparação legal dos efeitos da resolução à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, apesar do seu peso literal, não pode significar uma total identificação da «liquidação resolutiva» aos efeitos da invalidade negocial.

Com efeito, «uma irrestrita retroactividade da resolução poria em causa, não só o fundamento de uma indemnização por não cumprimento, como, mesmo, o fundamento da resolução, isto é, a existência de um não cumprimento, já que o parâmetro contratual teria desaparecido ex tunc. É, com efeito, a própria fundamentação do direito de resolução no não cumprimento que já pressupõe uma limitação da retroactividade pelo fundamento da resolução» (Paulo da Mota Pinto, op. cit., Vol. II, p. 1645 e 1646).

Logo, a resolução e a indemnização constituem distintos remédios para o inadimplemento contratual: «o primeiro, com origem no sinalagma das prestações, permitindo a restituição do prestado; o segundo com fins ressarcitórios, conduzindo ao ressarcimento dos prejuízos (sendo que existe, evidentemente, interferência do primeiro no segundo por com o cumprimento das obrigações de restituição ficar reduzido o dano)» (Paulo Mota Pinto, op. cit., Vol. II, p. 1648, com bold apócrifo).

Compreende-se, por isso, que se afirme que a «resolução possibilita ao credor afastar as consequências, no plano qualitativo, do inadimplemento, obtendo a restituição da sua contraprestação, sem, porém, pôr o credor perante a alternativa de ter de renunciar ao lucro cessante do contrato - sendo certo, aliás, que as referidas dimensões (o lucro económico do contrato e o interesse na prestação que lhe era devida em espécie) não estavam colocadas em alternativa no programa do contrato não cumprido, antes este proporcionava às partes a satisfação simultânea de ambas (e que é apenas por causa do não cumprimento que tal satisfação é impossibilitada)» (Paulo Mota Pinto, ob. cit., Vol. II, p. 1649, com bold apócrifo).
Concluindo, e «considerando o sentido e alcance da retroactividade da resolução e a função e finalidade, como reacção sinalagmática a uma situação de não cumprimento, (…) nada obsta ente nós (e já de jure constituto) a que o credor que resolve o contrato reclame igualmente uma indemnização pelo interesse positivo, no cumprimento, numa posição que constitui também um incentivo à protecção do credor e à circulação, permitindo àquele libertar-se do contrato sem ter para tal que renunciar aos lucros frustrados pelo não cumprimento» (Paulo Mota Pinto, op. cit., p. 1654).

A jurisprudência vem, também, inflectindo a sua posição original e tradicional (conforme, mais significativamente, Ac. do STJ de 21.10.2010, Barreto Nunes, Processo n.º 1285/07.7TJVNF.P1.S1, Ac. do STJ de 24.01.2017, Pinto de Almeida, Processo n.º 1725/13.6TVLSB.C1.S1, e Ac. do STJ, de 15.02.2018, Tomé Gomes, Processo nº 7461/11.0TBCSC.L1.S1).
Propende, por isso, a considerar ser hoje, «em tese, admissível aquela cumulação [da resolução, com a indemnização do interesse contratual positivo], na linha do que foi ponderado no acórdão do STJ de 21/10/2010, proferido no processo n.º 1285/07.7TJVNF.P1.S1, sem prejuízo da ponderação casuística a fazer, à luz do princípio da boa fé, no concreto contexto dos interesses em jogo, mormente em função do tipo de contrato em causa, de modo a evitar situações de grave desequilíbrio na relação de liquidação ou de benefício injustificado por parte do credor lesado».

Enfatiza-se, porém, que, «no atual panorama da jurisprudência», é «mais curial prosseguir por via da ponderação de caso a caso, sem a condicionar, de forma apriorística, ao critério abstrato de regra-exceção»; e conclui-se «que:

a) – Do preceituado no artigo 801.º, n.º 2, do CC, no respeitante à ressalva do direito a indemnização, em caso de resolução de contratos bilaterais, nenhum argumento interpretativo substancialmente decisivo se pode extrair no sentido de excluir o direito de indemnização pelos danos positivos resultantes do incumprimento definitivo desde que não se encontrem cobertos pelo aniquilamento resolutivo das prestações que eram devidas;
b) – Por isso mesmo, impõe-se equacionar a solução na perspetiva da finalidade e função da resolução, enquadrada no plano mais latitudinário do programa negocial, multidimensional, envolvente e da relação de liquidação em que, por virtude dessa resolução, se transfigura a relação contratual originária;
c) – Nesse quadro, deve ser reconhecido o primado do princípio geral da obrigação de indemnizar o credor lesado, consagrado no artigo 562.º do CC, segundo o método da teoria da diferença acolhido pelo artigo 566.º, n.º 2, do mesmo diploma, como escopo fundamental reintegrador dos interesses atingidos pelo incumprimento do contrato;
d) – Nessa medida, tendo em conta a “diversidade ontológica” da invalidade e da resolução, deve ser relativizada a eficácia retroativa atribuída a esta pelos artigos 433.º e 434.º, n.º 1, por equiparação aos efeitos daquela estatuídos nos artigos 289.º e 290.º do CC, em termos de salvaguardar a vertente da tutela ressarcitória (a par da tutela restituitória ou recuperatória), quanto aos danos positivos resultantes do incumprimento que serviu de fundamento à mesma resolução e não abrangidos pelo obliteração resolutiva das prestações que eram devidas, assim se ressalvando a finalidade da resolução (que se tem por restrita) a que se refere a parte final do citado artigo 434.º, n.º 1;
e) – Consequentemente, ao contraente fiel, perante o incumprimento definitivo imputável ao outro contraente, assistirá a faculdade de optar, em simultâneo, pela resolução do contrato de forma a libertar-se do respetivo dever típico de prestar ou a recuperar a prestação já por si efetuada, e pelo direito a indemnização dos danos decorrentes daquele incumprimento não satisfeitos pelo valor económico das prestações atingidas pela resolução;
f) – Todavia, em caso de resolução, poderá ser ainda assim desatendida a indemnização pelos danos positivos, quando esta revele desequilíbrio grave na relação de liquidação ou se traduza em benefício injustificado para o credor, ponderado, à luz do princípio da boa fé, o concreto contexto dos interesses em jogo, atento o tipo de contrato em causa, sem prejuízo, nessas circunstâncias, do direito a indemnização em sede do interesse contratual negativo nos termos gerais».

Por fim, relembra que «esse é o modelo de solução por que se pauta a larga maioria dos ordenamentos jurídicos estrangeiros próximos do nosso, bem como o acolhido nos instrumentos internacionais como são a Convenção de Viena sobre os Contratos de Venda Internacional de Mercadorias; os Princípios Unidroit sobre Contratos Comerciais Internacionais; os Princípios de Direito Europeu dos Contratos» (Ac. do STJ, de 15.02.2018, Tomé Gomes, Processo nº 7461/11.0TBCSC.L1.S1).
*
4.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)

Concretizando, verifica-se que, mercê do contrato de financiamento, sob a forma de mútuo, celebrado entre a Sociedade executada nos autos principais, como mutuária, a Embargada/Exequente (X - Instituição Financeira de Crédito, S.A.), como mutuante, e os Embargantes/Executados (A. C. e R. M.), e do recebimento por aquela primeira de um crédito de € 42.750,00, entregue pela segunda, os Executados dos autos principais se obrigaram a restituí-lo, em setenta e duas prestações, mensais e sucessivas; e que apenas pagaram trinta e quatro prestações, e parte da trigésima quinta.

Mais se verifica que, face à respectiva mora, a Embargada/Exequente dirigiu-lhes uma interpelação admonitória, para que lhe pusessem termo, sob pena de se converter em incumprimento definitivo, o que, pela respectiva inércia, veio de facto a suceder.

Verifica-se ainda que, estabelecido o mesmo, a Embargada/Exequente optou por resolver o contrato, o que efectuou por meio de carta registada com aviso de recepção dirigida aos Executados, e por eles recebida.

Face à resolução, e uma vez que já realizara integralmente a sua prestação (isto é, entregara a totalidade do capital mutuado para possibilitar a aquisição do veículo automóvel pretendido pela Sociedade executada nos autos principais), assistia-lhe, não só o direito de exigir todas as prestações vencidas, incluindo nestas o capital e os respectivos juros remuneratórios, como ainda todas as prestações vincendas, mas nestas excluindo os respectivos juros remuneratórios, sua capitalização e imposto de selo (conforme Acórdão Uniformizador do S.T.J. n.º 7/2009, de 25 de Março de 2009, publicado no Diário da República n.º 86/2009, Série I, de 05 de Maio de 2009), e desde que ainda computasse nelas o valor do veículo automóvel entretanto entregue a si (como, de facto, fez), sob pena de injustificado enriquecimento seu.

Deste modo, e independentemente da querela respeitante ao dano contratual (positivo ou negativo) abrangido na indemnização cumulável com a resolução (uma vez que, no caso dos autos, a concreta solução decorre do art. 801º, nº 2, in fine, do C.C. e do AUJ nº 7/2009), é a Embargada/Exequente colocada na situação em que estaria se não tivesse celebrado o contrato de crédito ao consumo, sob a forma de mútuo, em causa nos autos.

Sufraga-se, assim, inteiramente o juízo de mérito constante da sentença recorrida, nomeadamente quando na mesma se escreveu:

«(…)
Mas a isto – à restituição da quantia mutuada que ainda não foi restituída e à indemnização/remuneração respeitante à quantia que ainda não foi restituída – se tem que cingir o preenchimento quantitativo da livrança.
Quantia mutuada que, evidentemente, foram/são os € 42.750,00 e não os € 55.694,90 que englobam, além daquela primeira quantia, os juros remuneratórios e demais encargos e despesas; não atingindo sequer a quantia mutuada que ainda não foi restituída tais € 42.750,00, uma vez que uma parte de tal montante já foi restituído à medida que foram sendo pagas as 34 primeiras prestações (e parte da 25ª prestação).
Haverá, pois, que não olvidar no caso o Acórdão Uniformizador n.º 7/2009 (In Acórdãos Uniformizadores, CJ, p. 98), segundo o qual “nos contratos de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo da cláusula de redacção conforme ao art.º 781º do Cód. Civil, não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios neles incorporados”; isto é, que decidiu (alicerçado nos art.ºs 10º e 11º do DL 446/85, e nos art.ºs 236º e ss e 781º e 561º do Cód. Civil) que o “vencimento imediato” diz tão só respeito à parte de capital mutuado contida nas prestações e não também à parte que cada prestação incorpora de juros remuneratórios.
Assim sendo, a exequente teria direito ao valor total das prestações vencidas e não pagas até à resolução do contrato, bem como ao valor das 31 prestações que se venceriam posteriormente, deduzidas dos respectivos juros remuneratórios (e ainda a parte referente a capitalização desses juros e ao imposto de selo).
Teria ainda direito a exequente, nos termos da cláusula 8ª do contrato às despesas que suportou com a recuperação, reboque, parqueamento e venda do veículo.
A esse valor global terá, contudo, como reconhecem as partes, que ser abatido a quantia obtida com a venda do veículo no montante de € 22.258,32 (sendo que no preenchimento da livrança só foi tido em consideração o valor de € 21.238,00).
*
Importa ainda dizer que, não obstante o ora referido, é entendimento uniforme que o preenchimento de livrança por montante superior ao convencionado no pacto de preenchimento, não inutiliza o título, reduzindo-se este aos limites acordados.

Como se refere nos acs. do STJ de 24.05.2005, Proc. 05A1347 e de 12.02.2009, Proc. 08B039, ambos disponíveis em www.dgsi.pt/jstj, «no domínio das relações imediatas o preenchimento duma livrança feito pelo tomador por valor superior ao resultante do contrato de preenchimento não torna a livrança nula; esta mantém a sua validade relativamente ao montante resultante do mesmo contrato, quer quanto ao tomador, quer quanto aos subscritor e respectivo avalista».

No âmbito das relações imediatas, a obrigação cartular está sujeita ao regime comum das obrigações e, nos termos do art.º 292º do Cód. Civil, a nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada.

Assim, o preenchimento da livrança por montante superior ao devido não a inutiliza como título executivo. Este mantém-se válido mas confinado aos limites do preenchimento acordado.
Deste modo, a execução apensa terá que prosseguir para cobrança da livrança, mas nos termos acima explanados, procedendo parcialmente a presente oposição à execução.
(…)»
*
V – DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelos Embargantes/Executados (A. C. e R. M.), e, em consequência, em:

· Confirmar integralmente a sentença recorrida.
*
Custas da apelação pelos respectivos Recorrentes (art. 527º, nº 1 do C.P.C.).
*
Guimarães, 15 de Novembro de 2018.

Maria João Marques Pinto de Matos;
José Alberto Martins Moreira Dias;
António José Saúde Barroca Penha.