Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1406/21.7T8BRG-B.G1
Relator: PEDRO MAURÍCIO
Descritores: INVENTÁRIO
SEGREDO BANCÁRIO
RECUSA DE AUTORIZAÇÃO DO CLIENTE
PENDÊNCIA DE INCIDENTE DE QUEBRA DO SEGREDO BANCÁRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – No âmbito de processo judicial, quando o próprio Tribunal a quo entende e considera que documentos/informações, relevantes para a prova de certos factos, estão sujeitos ao dever de segredo bancário estatuído no art. 78º do RGICSF e procurou ultrapassar a existência desse segredo, através da obtenção da autorização da parte (cliente) que se encontra expressamente prevista no nº1 do art. 79º do RGICSF, mas este recusou tal autorização, não pode proceder, de imediato, à notificação da entidade bancária para tal documentação e informação.
II - Perante tal “quadro”, não há nem pode haver lugar à realização da primeira fase do incidente de quebra (dispensa) de sigilo profissional, consistente na apreciação da questão da ilegitimidade/legitimidade de (uma futura) escusa da entidade bancário (cfr. art. 135º/2 do C.P.Penal e art. 417º/4 do C.P.Civil de 2013), uma vez que o próprio Tribunal a quo já considerou a revelação dos elementos em causa constitui matéria abrangida pelo segredo bancário.
III - Haverá lugar de imediato ao procedimento da segunda fase do incidente, consistente na apreciação da existência ou não de justificação para que seja quebrado/dispensado o sigilo profissional, ficando o Tribunal a quo perante a seguinte alternativa: ou aguarda que a parte, a quem interessa a prova dos factos cobertos por tal sigilo, deduza e desencadeie o respectivo incidente a ser apreciado e decidido pelo Tribunal Superior, ou o próprio Tribunal a quo suscita oficiosamente esse mesmo incidente (cfr. art. 135º/3, in fine, do C.P.Penal e art. 417º/4 do C.P.Civil de 2013).
IV - Tendo o Tribunal a quo proferido despacho a ordenar que «os autos aguardassem por 10 dias até que tal incidente fosse suscitado» e tendo o mesmo sido efectivamente deduzido pela parte (o que tornou desnecessário que o mesmo fosse suscitado oficiosamente), é ilegal a decisão do Tribunal a quo determinou que a entidade bancária preste a documentação/informação que o mesmo considerar ser matéria abrangida pelo segredo bancário e relativamente à qual está pendente aquele incidente.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES,
* * *
1. RELATÓRIO
1.1. Da Decisão Impugnada

Na data de 16/03/2021, AA instaurou contra BB inventário para partilha dos bens do seu dissolvido casal.
O Requerido BB foi nomeado Cabeça-de-casal.
Através de requerimento datado de 07/06/2021, o Cabeça-de-casal apresentou a relação de bens.

Na data de 07/09/2021, a Requerente apresentou reclamação contra a relação de bens, na qual consignou (para além do mais):
“… Da falta de relacionamento de bens da herança:
1. Além dos bens relacionados, fazem parte do património do extinto casal outros bens que não constam da relação de bens, a saber:
1.1. Dinheiro; Títulos e/ou produtos financeiros titulados em nome do Cabeça-de-casal e em poder do Cabeça-de-casal:
a) acções da ..., associadas a uma conta do Banco 1..., conta essa aberta em nome do Cabeça-de-casal [em número e valor que a requerente/interessada desconhece, mas que, aparentemente, poderá corresponder a 1860 Ações da ..., depositadas na Conta de Ativos Financeiros ...01, alojada na conta da Banco 1... nº...00, titulada em nome do Cabeça-de-casal, que em 31.3.2021 tinham o valor total de €9.058,20, com a cotação de 4,8700€]…”.
Notificado para responder à aludida reclamação, através de requerimento datado de , o Cabeça veio declarar (para além do mais):
“… Da falta de relacionamento de bens da herança:
1.1 a)
1. Todas as acções ..., associadas à Conta Banco 1... de que o cabeça de casal juntou o respectivo extracto, foram entregues ao cabeça-de-casal pela própria ..., como prémio de produtividade enquanto funcionário.
2. Todas essa acções foram entregues ao cabeça-de-casal, pela sua entidade patronal, como prémio de produtividade após a dissolução do matrimónio.
3. Aliás, honra seja feita à Requerente tão pouco foi capaz de descrever como e quando tais acções entraram na sua posse ou na sua titularidade, ou na posse e titularidade do extinto casal,
4. Pois, como muito bem sabe, nunca tais acções lhe pertenceram ou fizeram parte do acervo matrimonial, como, aliás, resulta da própria Relação Especificada dos Bens Comuns que a aqui requerente juntou no seu articulado inicial.
5. Aliás, a Requerente limita-se aproveitar a documentação bancária que o cabeça-de-casal juntou (e podia não ter juntado ou até mesmo truncado a informação) para se arrogar titular do que sabe não ser seu!...”.
Na data de 14/12/2021, foi proferido despacho que, para além do mais, designou data para «declarações de parte de ambos, oficiosamente determinadas, e inquirição de testemunha», como diligência probatória sobre «os bens que a reclamante afirma que faltam relacionar (os indicados nos pontos 1.1., 1.2. e 1.3)».
Na acta da diligência realizada na data de 26/04/2022, está consignado (para além do mais):
“Após a audição das partes concluiu-se que: (…)
Relativamente às ações da ..., a Reclamante afirma que os dividendos entraram na conta bancária aberta em nome do Cabeça de Casal em data posterior à data da propositura da ação de divórcio, mas tais ações são anteriores a tal data e como tal foram adquiridas na pendência do matrimónio.
Acrescenta que não lhe é possível juntar prova documental das mesmas, por se tratar de conta aberta apenas em nome do Cabeça de Casal.
Neste momento foi questionado o Cabeça de Casal se dava autorização a que tais elementos fossem solicitados às entidades bancárias, tendo o mesmo respondido negativamente.
Pela Reclamante foi dito que pretende suscitar o incidente de sigilo bancário, relativamente às ações da ... (…)”.
Na parte final diligência realizada na data de 26/04/2022, foi proferido o seguinte despacho (o qual se transcreve na parte que aqui releva):
“(…) Uma vez que a Reclamante afirma que pretende suscitar o incidente do Sigilo Bancário, relativamente às ações da ..., aguardem os autos por 10 dias até que tal incidente seja suscitado. Notifique”.
Na data de 06/05/2022, nos autos que constituem o apenso A, a Requerente deduziu o referido incidente de dispensa/levantamento de sigilo contra o Cabeça-de-Casal, pedindo que «seja decretada a dispensa e/ou levantamento de sigilo, autorizando-se e ordenando-se que a Banco 1... junte aos presentes autos extracto referente ao período compreendido entre 6.4.2009 e a presente data da conta bancária nºnº...00, com informação da carteira de títulos/acções (... e outros) associada à conta de ativos fianceiros nº...01, em nome do requerido, informando a data da respectiva aquisição desses títulos, número de acções e valorização actual».

Na data de 11/05/2022, foi proferido o seguinte despacho (ora impugnado):
“Antes de mais, notifique a Banco 1... para juntar aos autos extracto referente ao período compreendido entre 06.04.2009 e a presente data da Conta Bancária nº...00, com informação da carteira de títulos/acções (... e outros) associada à conta de activos financeiros nº ...01, em nome do cabeça de casal, informando a data da respectiva aquisição desses títulos, número de acções e valorização actual. Prazo: dez dias”.
*
1.2. Do Recurso do Cabeça-de-Casal

Inconformado com este despacho, o Cabeça-de-Casal interpôs recurso de apelação, pedindo que «o recurso seja julgado procedente, por provado, e, em consequência, ser a decisão recorrida revogada e desentranhados os documentos juntos pela entidade bancária», e formulando as seguintes conclusões no final das respectivas alegações:
«I. O Recorrente apresenta o recurso de apelação tendo em conta o deferimento da junção aos autos do meio de prova “extracto referente ao período compreendido entre 06.04.2009 e a presente data da Conta Bancária nº ...00, com informação da carteira de títulos/acções (... e outros) associada à conta de activos financeiros nº ...01, em nome do cabeça de casal, informando a data da respectiva aquisição desses títulos, número de acções e valorização actual “ na medida em que o aqui
Recorrente e titular da mencionada conta bancária expressamente não autorizou que fosse tal extracto junto aos autos, o que fere de manifesta ilegalidade e inconstitucionalidade o despacho em crise (vide art. 78º do RGICSF e 26º da CRP), sendo que o despacho a subsequente junção pela entidade bancária provocou prejuízo sério no direito à intimidade
privada do Recorrente, o que o legitima a requerer, como requer, o efeito suspensivo dos presentes autos, sem prejuízo de outras medidas cautelares e de outra natureza que tenham de ser tomadas a fim de parar a violação intolerável de direitos constitucionalmente tutelados do Recorrente.
II. A 11 de maio de 2022, foi proferido o seguinte Despacho e do qual se recorre: “Antes de mais, notifique a Banco 1... para juntar aos autos extracto referente ao período compreendido entre 06.04.2009 e a presente data da Conta Bancária nº ...00, com informação da carteira de títulos/acções (... e
outros) associada à conta de activos financeiros nº ...01, em nome do cabeça de casal, informando a data da respectiva aquisição desses títulos, número de acções
e valorização actual. Prazo: dez dias. Após junção aos autos de tais documentos e notificação às partes, abra conclusão.”
III. Ora, em diligência de inquirição de testemunhas ocorrida a 26.04.2022, o cabeça-de-casal instado pela Meritíssimo Juiz titular dos autos, declarou o seguinte: “Relativamente às ações da ..., a Reclamante afirma que os dividendos entraram na conta bancária aberta em nome do Cabeça de Casal em data posterior à data da propositura da ação de divórcio, mas tais ações são anteriores a tal data e como tal foram adquiridas na pendência
do matrimónio. Acrescenta que não lhe é possível juntar prova documental das mesmas, por se tratar de conta aberta apenas em nome do Cabeça de Casal. Neste momento foi questionado o Cabeça de Casal se dava autorização a que tais elementos fossem solicitados às entidades bancárias, tendo o mesmo respondido negativamente. (negrito e sublinhado nossos) Pela Reclamante foi dito que pretende suscitar o incidente de sigilo bancário, relativamente às ações da ....”
IV. Por força da posição do cabeça-de-casal foi proferido o Despacho seguinte: “A seguir pela M.mª Juiz foi proferido o seguinte: DESPACHO; Em conformidade com o hoje  declarado e supra exposto, determino que sejam aditados à Relação de Bens os seguintes bens: 1) saldos das duas contas bancárias ...00 e ...00 à data da propositura da ação de divórcio - 06-04-2009, no valor de €1.297,92 e €1.669,87 respetivamente; 2) o valor de €200,00, referente à venda do veículo automóvel; 3) os bens móveis mencionados no ponto 1.3, al. a), c), d), e), f) e g) da reclamação à relação de bens.
* Uma vez que a Reclamante afirma que pretende suscitar o incidente do Sigilo Bancário,
relativamente às ações da ..., aguardem os autos por 10 dias até que tal incidente seja
suscitado. Notifique. * * * De imediato foram todos os presentes devidamente notificados, os quais disseram ficar bem cientes, declarando de seguida a M.mª Juiz encerrada a diligência, pelas 15:10 horas. Para constar se lavrou a presente ata que, depois de lida e achada conforme, é assinada.”
V. A 06.05.2022, a Requerente AA, apresentou o articulado inicial relativo ao mencionado incidente, tendo o mesmo dado origem ao Apenso A anexo aos presentes autos.
VI. O Despacho recorrido não fundamenta de nenhuma forma a circunstância de ter sido ultrapassada a necessária autorização do cabeça-de-casal, enquanto titular da conta bancária em causa, que já havia manifestado nos autos, e de forma expressa e até perante o próprio Juiz titular, que não prescindia do sigilo bancário que impende sobre a Conta Bancária nº ...00, com informação da carteira de títulos/acções (... e outros) associada à conta de activos financeiros nº ...01.
VII. Não existe qualquer justificação para que o Tribunal ordene a junção de informação bancária de mais de 12 anos e, tão pouco, existe fundamento legal para que a entidade bancária procedesse a tal junção.
VIII. O Recorrente vê, assim, a sua vida privada e as informações constantes dos extractos bancários solicitados (de mais de doze anos reitera-se) a ser devassada nos presentes autos,
IX. Além do mais, o período a que se refere o mencionado extracto reporta- se a período em que Recorrente e Recorrida já nem sequer se encontravam casados!
X. Aliás, mais incompreensível se torna o douto Despacho em causa, quando na Ata se refere que: “Uma vez que a Reclamante afirma que pretende suscitar o incidente do Sigilo Bancário, relativamente às ações da ..., aguardem os autos por 10 dias até que tal incidente seja suscitado. Notifique.”
XI. Ora, em vez dos autos aguardarem os 10 dias e a apresentação do mencionado Incidente, foi proferido o Despacho de 11 de maio!
XII. Pelo que, termos que concluir que o despacho em crise e a junção que se lhe seguiu viola, sem causa justificativa, o disposto no art. 78º e 79º do Dec. Lei nº 298/92, de 31 de dezembro e no art. 26º da CRP, como, de igual modo, sucede quanto à sequente entrega dos documentos ao Tribunal pela entidade bancária respectiva, o que se invoca, o que implica que esses mesmo documentos tenham de ser desentranhados e devolvidos à entidade bancária, sem prejuízo das responsabilidades legais que ao caso caibam, incluindo o facto de os documentos em causa não poderem ser atendidos como prova».
Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido, a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
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2. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR

Por força do disposto nos arts. 635º/2 e 4 e 639º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (as conclusões limitam a esfera de actuação do Tribunal), a não ser que se tratem de matérias sejam de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, ou que sejam relativas à qualificação jurídica dos factos (cfr. art. 608º/2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº2, in fine, e 5º/3, todos do C.P.Civil de 2013).
Mas o objecto de recurso é também delimitado pela circunstância do Tribunal ad quem não poder conhecer de questões novas (isto é, questão que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis”[1] (pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida[2]).
Neste “quadro legal” e atentas as conclusões do recurso interposto pela Insolvente, é uma a questão a apreciar e a decidir: perante a não autorização do cabeça-de-casal e a pendência de incidente de quebra de sigilo profissional (bancário), podia o Tribunal a quo ter notificado a entidade bancária para juntar aos autos dos documentos/informações bancárias em causa?
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3. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que revelam para a presente decisão são os que se encontram descritos no relatório que antecede.
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4. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

No que respeita ao sigilo profissional, mais concretamente ao dever de segredo bancário, interessa ter presente o entendimento sufragado no Acórdão (uniformizador de jurisprudência) do STJ nº2/2008, de 13/02/2008[3]: O segredo bancário pretende salvaguardar uma dupla ordem de interesses. Por um lado, de ordem pública: o regular funcionamento da actividade bancária, baseada num clima generalizado de confiança, sendo o segredo um elemento decisivo para a criação desse clima de confiança, e indirectamente para o bom funcionamento da economia, já que o sistema de crédito, na dupla função de captação de aforro e financiamento do investimento, constitui, segundo o modelo económico adoptado, um pilar do desenvolvimento e do crescimento dos recursos. Por outro lado, o segredo visa também a protecção dos interesses dos clientes da banca, para quem o segredo constitui a defesa da discrição da sua vida privada, tendo em conta a relevância que a utilização de contas bancárias assume na vida moderna, em termos de reflectir aproximadamente a «biografia» de cada sujeito, de forma que o direito ao sigilo bancário se pode ancorar no direito à reserva da intimidade da vida privada, previsto no art. 26º, nº1 da Constituição da República Portuguesa. Porém, esse direito ao sigilo, embora com cobertura constitucional, não é um direito absoluto, até porque, pela sua referência à esfera patrimonial, não se inclui no círculo mais íntimo da vida privada das pessoas, embora com ele possa manter relação estreita. Pode, pois, ter que ceder perante outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, cuja tutela imponha o acesso a informações cobertas pelo segredo bancário” (os sublinhados são nossos).
O segredo bancário encontra-se actualmente no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Dec.-Lei nº298/92, de 31/12.

Estatui o art. 78º do RGICSF (sob a epígrafe “Dever de Segredo”):

“1. Os membros dos órgãos de administração ou fiscalização das instituições de crédito, os seus colaboradores, mandatários, comissários e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços. 2. Estão designadamente, sujeitos a segredo o nome dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias”.
Decorre deste normativo que o segredo bancário é tratado como segredo profissional, vinculando todos aqueles que, por via do exercício da profissão, têm acesso às informações identificadas.
Mas o segredo bancário cessa nos casos previstos no art. 79º do RGICSF (sob a epígrafe “Excepções ao dever de segredo”): “1. Os factos ou elementos das relações do cliente com a instituição podem ser revelados mediante autorização do cliente, transmitida à instituição. 2. Fora do caso previsto no número anterior, os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados: a) Ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições; b) À Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, no âmbito das suas atribuições; c) À Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, no âmbito das suas atribuições; d) Ao Fundo de Garantia de Depósitos, ao Sistema de Indemnização aos Investidores e ao Fundo de Resolução, no âmbito das respetivas atribuições; e) Às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal; f) Às comissões parlamentares de inquérito da Assembleia da República, no estritamente necessário ao cumprimento do respetivo objeto, o qual inclua especificamente a investigação ou exame das ações das autoridades responsáveis pela supervisão das instituições de crédito ou pela legislação relativa a essa supervisão; g) À administração tributária, no âmbito das suas atribuições; h) Quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo”.
Decorre deste normativo que a sua cessação ocorre, desde logo, quando exista autorização do cliente (o correspondente direito é livremente disponível, o que indica que o legislador o concebe, essencialmente, como forma de protecção do direito fundamental à reserva da vida privada), mas ainda cessa nas situações em que interesses relevantes de ordem pública o impõem, em razão do princípio constitucional da concordância entre valores constitucionais conflituantes (cfr. nº2 do art. 18º da C.R.Portuguesa).
Explica-se no Ac. da RC de 17/12/2014[4] que  “O segredo bancário insere-se no âmbito do direito da reserva da intimidade da vida privada consagrado nos art.ºs 26º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 80º, do Código Civil (CC), desempenhando igualmente um papel de relevo na confiança do público no sistema bancário e financeiro, tão importante para a captação das poupanças (art.º 101º, da CRP), indispensável ao desenvolvimento económico e social do país - estão em causa, principalmente, os interesses individuais dos clientes dos bancos e o interesse colectivo da confiança no sistema bancário. O bem jurídico tutelado pela protecção do segredo bancário, como segredo profissional, é, em primeira linha, o da confiança dos clientes, na discrição dos seus interlocutores nas informações familiares, pessoais e patrimoniais, em vertente de defesa privada simples relativa, porque concernente ao apuramento de dados envolventes de situações patrimoniais… A possibilidade do seu levantamento por simples autorização do cliente revela estarmos perante um segredo fundamentalmente estabelecido para protecção de interesses particulares e como tal disponível, daí decorrendo que a confiança a manter radica, em última análise, no cliente do banco. Tal direito ao sigilo, embora com cobertura constitucional, não é um direito absoluto, até porque, pela sua referência à esfera patrimonial, não se inclui no círculo mais íntimo da vida privada das pessoas, embora com ele possa manter relação estreita. Pode, pois, ter que ceder perante outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, cuja tutela imponha o acesso a informações cobertas pelo segredo bancário” (os sublinhados são nossos).
Porque não revela para a apreciação e decisão do recurso em apreço, dispensamo-nos de analisar quer a metodologia da resolução dos conflitos e colisões entre direitos, liberdades e garantias, quer a ponderação do confronto entre, por um lado, o direito ao sigilo bancário e, por outro lado, o interesse público da boa administração da justiça e o direito à tutela jurisdicional efectiva e a um processo equitativo.
Como é sabido, o dever de cooperação para a descoberta da verdade encontra-se consagrado no art. 417º/1 do C.P.Civil de 2013 que dispõe: “Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados”. No nº2 deste normativo estatuem-se as sanções pela violação deste dever.
Mas, nas diversas alíneas do nº3 do mesmo normativo, o legislador consagrou legalmente algumas situações de legitima recusa de cumprimento deste dever de cooperação, relevando aqui a situação em que a recusa ocorre quando a «obediência importa a violação do sigilo profissional» - cfr. alínea c).
Porém, conforme decorre do nº4 ainda do mesmo normativo, quando a escusa de cumprimento for deduzida com fundamento na violação do sigilo profissional», é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.
Remete-se, desta forma, para o normativo que integra o art. 135º do C.P.Penal que prescreve (na parte que aqui releva): 2 - Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento. 3 - O tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado, ou, no caso de o incidente ter sido suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o pleno das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento”.
No que respeita ao procedimento e respectivo regime deste incidente, o supra aludido Acórdão do STJ nº2/2008, de 13/02/2008[5] fixou Jurisprudência no seguinte sentido: “1. Requisitada a instituição bancária, no âmbito de inquérito criminal, informação referente a conta de depósito, a instituição interpelada só poderá legitimamente escusar-se a prestá-la com fundamento em segredo bancário. 2. Sendo ilegítima a escusa, por a informação não estar abrangida pelo segredo, ou por existir consentimento do titular da conta, o próprio tribunal em que a escusa for invocada, depois de ultrapassadas eventuais dúvidas sobre a ilegitimidade da escusa, ordena a prestação da informação, nos termos do nº 2 do art. 135º do Código de Processo Penal. 3. Caso a escusa seja legítima, cabe ao tribunal imediatamente superior àquele em que o incidente se tiver suscitado ou, no caso de o incidente se suscitar perante o Supremo Tribunal de Justiça, ao pleno das secções criminais, decidir sobre a quebra do segredo, nos termos do nº 3 do mesmo artigo” (os sublinhados são nossos).
O incidente de quebra (dispensa) de sigilo profissional está conformado em duas fases, conferindo-se competência para decidir a questão da legitimidade da escusa ao tribunal de primeira instância e competência para decidir a questão da justificação da escusa apenas ao tribunal superior, as quais foram intencionalmente separadas pelo legislador e que são estanques, por razões de conformidade constitucional (cfr. acórdãos do TC nºs. 7/87 e 589/2005).
Porque discrimina de forma muito concreta e clara o iter procedimental deste incidente, convoca-se aqui o Ac. desta RG de 17/12/2020[6]: “1. Requerida, por uma das partes, para prova ou contraprova de factos alegados num processo, a prestação de informações ou entrega de documentos por certa instituição bancária e solicitadas as mesmas pelo respectivo juiz, pode aquela, para justificar o incumprimento de tal ordem judicial e do dever legal de cooperação (artº 417º, nº 1, CPC), invocar que a revelação dos pretendidos elementos lhe está vedada por entender tratar-se de matéria abrangida pelo sigilo bancário – artºs 78º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro (RGICSF), e artº 417º, nº 3, do CPC. 2. Perante tal recusa, compete ao juiz do processo apreciar a sua legitimidade, caso não obtenha autorização dos titulares da conta – artº 79º, nº 1, RGICSF. 3. Para o efeito, e caso se lhe suscitem dúvidas fundadas sobre a invocação, compete-lhe, em primeiro lugar, proceder às averiguações necessárias para as esclarecer – artº 417º, nº 4, CPC, e 135º, nº 2, do Código Processo Penal (CPP). 4. Uma vez removidas, de duas uma: a) Se concluir pela ilegitimidade da recusa, ordena à entidade recusante a prestação dos elementos solicitados e condena-a em multa se considerar injustificada e censurável a sua conduta – artºs 135º, nº 2, do CPP, e artº 417º, nºs 2 e 4, do CPC.
b) Se concluir pela legitimidade da recusa, declara-a e julga-a justificada. 5. Desta decisão, pode recorrer a entidade bancária visada, na primeira hipótese; e pode recorrer a parte interessada requerente dos elementos probatórios em causa, na segunda, discutindo a validade e a legalidade do respectivo despacho e pedindo a sua alteração. 6. Naquele mesmo despacho pode, ainda, o tribunal respectivo, se julgar justificada a recusa, suscitar, oficiosamente, ao tribunal superior que, não obstante tal legitimidade, aprecie e decida, tendo em conta a natureza dos interesses em causa no processo civil, se deve ser dispensado ou quebrado o dever de sigilo invocado, caso tal se mostre justificado segundo o princípio da prevalência do interesse mais preponderante, tendo em conta os valores ligados àquele e o da descoberta da verdade – artºs 135º, nº 3, do CPP, 417º, nº 4, do CPC, e 79º, nº 2, alínea d), do RGICSF. 7. O pedido de intervenção oficiosa por iniciativa do tribunal perante o qual é deduzida a recusa, no entanto, é facultativo e alternativo à iniciativa nesse sentido que a parte pode por si assumir mediante requerimento – artº 135º, nº 3, in fine, do CPP. 8. O exercício dessa faculdade pelo juiz será mais de ponderar nos casos em que o pedido dos elementos de prova tenha já partido da sua iniciativa oficiosa e no âmbito dos seus poderes inquisitórios, já que, no processo civil, diferentemente do penal, prepondera o princípio dispositivo, o da disponibilidade do objecto do processo e dos meios de prova e, ainda, os respectivos ónus (de prova e de contraprova), com que a dita iniciativa tem de se harmonizar. 9. Caso esta faculdade não seja exercida, deve a parte interessada requerer que seja desencadeado e processado o incidente e encaminhado este para o tribunal superior. 10. Não é no despacho que aprecia a legitimidade ou ilegitimidade da recusa que tem lugar a ponderação dos interesses em jogo, a opção pelo mais preponderante e a consequente decisão sobre se deve ser ou não quebrado o sigilo. 11. Este juízo compete apenas ao tribunal superior e é proferido no âmbito do especial incidente referido”.
Revertendo ao caso em apreço, os autos principais respeitam a uma acção especial de inventário para partilha dos bens do seu dissolvido casal, no âmbito da qual a Requerente (ora Recorrida) apresentou reclamação contra a relação de bens apresentada pelo Cabeça-de-casal (ora Recorrente), alegando a falta de relacionamento de «acções da ..., associadas a uma conta do Banco 1..., conta essa aberta em nome do Cabeça-de-casal [em número e valor que a requerente/interessada desconhece, mas que, aparentemente, poderá corresponder a 1860 Ações da ..., depositadas na Conta de Ativos Financeiros ...01, alojada na conta da Banco 1... nº...00, titulada em nome do Cabeça-de-casal, que em 31.3.2021 tinham o valor total de €9.058,20, com a cotação de 4,8700€]…”].
Tendo o Cabeça-de-casal negado que tais acções constituam bens comuns, o Tribunal a quo determinou a realização de diligência probatória, no âmbito da qual se verificou que: a Requerente invocou «não lhe ser possível juntar prova documental dessas acções, por se tratar de conta aberta apenas em nome do Cabeça-de-casal»; questionado pelo Tribunal a quo, o Cabeça-de-Casal «negou dar autorização que tais elementos fossem solicitados às entidades bancárias»; e a Requerente declarou «pretender suscitar o incidente de sigilo bancário». Nesta sequência e ainda no âmbito da diligência, o Tribunal a quo determinou que «os autos aguardassem por 10 dias até que tal incidente fosse suscitado» (como, aliás, se refere nas conclusões III e IV).
Apesar da Requerente ter deduzido o referido incidente de dispensa/levantamento de sigilo dentro de tal prazo (como se refere na conclusão V), o Tribunal a quo proferiu, logo de seguida, o despacho ora impugnado, determinando a notificação da entidade bancária em causa (Banco 1...) «para juntar aos autos extracto referente ao período compreendido entre 06.04.2009 e a presente data da Conta Bancária nº...00, com informação da carteira de títulos/acções (... e outros) associada à conta de activos financeiros nº ...01, em nome do cabeça de casal, informando a data da respectiva aquisição desses títulos, número de acções e valorização actual».
Em sede de recurso, o Cabeça-de-casal/Recorrente defende, essencialmente, que: «o Despacho recorrido não fundamenta de nenhuma forma a circunstância de ter sido ultrapassada a necessária autorização do cabeça-de-casal, enquanto titular da conta bancária em causa, que já havia manifestado nos autos, e de forma expressa e até perante o próprio Juiz titular, que não prescindia do sigilo bancário que impende sobre a Conta Bancária nº ...00, com informação da carteira de títulos/acções (... e outros) associada à conta de activos financeiros nº ...01; mais incompreensível se torna o Despacho, quando na Ata se refere que “Uma vez que a Reclamante afirma que pretende suscitar o incidente do Sigilo Bancário, relativamente às ações da ..., aguardem os autos por 10 dias até que tal incidente seja suscitado. Notifique”; em vez dos autos aguardarem os 10 dias e a apresentação do mencionado Incidente, foi proferido o Despacho de 11 de maio; e o despacho em crise e a junção que se lhe seguiu viola, sem causa justificativa, o disposto no art. 78º e 79º do Dec. Lei nº 298/92, de 31 de dezembro e no art. 26º da CRP» (cfr. conclusões VI, VII e X a XII).
Entendemos que lhe assiste inteira razão. Concretizando.
Não está aqui em causa saber se existe ou não fundamento para a quebra (dispensa) do segredo bancário: tal questão tem que ser exclusivamente apreciada e decidida no âmbito do incidente de dispensa/levantamento de sigilo já deduzida pela Requerente (aqui Recorrida) no âmbito do Apenso C.
O que revela, no âmbito deste recurso, é apurar se o Tribunal a quo podia, perante a expressa não autorização do Cabeça-de-casal/Recorrente e independentemente da decisão a tomar naquele incidente, logo determinar a notificação da entidade bancária para prestar os documentos (as informações) a que respeitam precisamente àquela «não autorização» e àquele «incidente», sendo que a resposta tem que ser, no pressente caso, necessariamente negativa.
Dúvidas não existem que tais documentos e informações constituem meios probatórios relevantes para a decisão da reclamação deduzida contra a relação de bens, no que especificamente respeita à divergência entre as partes sobre se as acções da ... integram, ou não, o património comum do dissolvido casal.
Ora, perante a produção de prova realizada e a invocada impossibilidade de a Requerente apresentar tais documentos/informações por serem relativas a «conta aberta apenas em nome do Cabeça-de-casal», foi o próprio Tribunal a quo a suscitar perante Cabeça-de-casal/Recorrente se deva ou não autorização a que os mesmos fossem solicitados à respectiva entidade bancária, donde resulta, de forma clara e inequívoca, que entendeu e considerou que, por um lado, tais documentos/informações estavam sujeitos ao dever de segredo bancário estatuído no referido art. 78º do RGICSF (e frise-se de que não existe qualquer dúvida que estão) e, por outro lado, procurou ultrapassar a existência do concreto segredo bancário, através da obtenção da autorização do cliente (pessoa que se visa proteger através de tal dever de segredo) que se encontra expressamente prevista no nº1 do art. 79º do RGICSF.
Tendo logo entendido que se estava perante uma situação de segredo bancário (mesmo sem ter sido suscitado pela respectiva entidade bancária) e não tendo obtido autorização do cliente, afigura-se-nos estar vedado ao Tribunal a quo proceder à notificação da entidade bancária para revelar documentação e informação coberta por aquele segredo, porque tal determinação sempre configuraria uma violação do disposto nos arts. 78º e 79º/1, a contrario, do RGICSF.
Perante tal “quadro”, não há nem pode haver lugar à realização da primeira fase do incidente de quebra (dispensa) de sigilo profissional, consistente na apreciação da questão da ilegitimidade/legitimidade de (uma futura) escusa da entidade bancário (cfr. art. 135º/2 do C.P.Penal e art. 417º/4 do C.P.Civil de 2013), uma vez que o próprio Tribunal a quo já considerou a revelação dos elementos em causa constitui matéria abrangida pelo segredo bancário.
E, assim sendo, haverá lugar de imediato ao procedimento da segunda fase do incidente, consistente na apreciação da existência ou não de justificação para que seja quebrado/dispensado o sigilo profissional, ficando o Tribunal a quo perante a seguinte alternativa: ou aguarda que a parte, a quem interessa a prova dos factos cobertos por tal sigilo, deduza e desencadeie o respectivo incidente a ser apreciado e decidido pelo Tribunal Superior, ou o próprio Tribunal a quo suscita oficiosamente esse mesmo incidente (cfr. art. 135º/3, in fine, do C.P.Penal e art. 417º/4 do C.P.Civil de 2013).
E foi precisamente este o “caminho” prosseguido pelo Tribunal a quo, no caso em apreço, já que, perante a não autorização do Cabeça-de-casal/Recorrente, proferiu, de imediato, despacho a ordenar que «os autos aguardassem por 10 dias até que tal incidente fosse suscitado».
Sucede que, de forma absolutamente contraditória com o sentido de tal despacho e apesar da Requerente ter (ainda dentro de tal prazo) suscitado o incidente de quebra (dispensa) de sigilo profissional (o que tornou desnecessário que o mesmo fosse suscitado oficiosamente), sem qualquer fundamentação, o Tribunal a quo determinou, através do despacho impugnado, que a entidade bancária prestasse a documentação/informação constitui a matéria abrangida pelo segredo bancário que o mesmo entendeu existir e relativamente ao qual está pendente aquele incidente, pelo que a decisão recorrida é contrária ao disposto nos arts. 78º e 79º/1 e 2 do RGICSF, art. 135º/3 do C.P.Penal, e art. 417º/4 do C.P.Civil de 2013, e, por via disso, consubstancia uma decisão ilegal.
Nestas circunstâncias e sem necessidade de outras considerações, a resposta à presente questão, que no âmbito do recurso incumbe a este Tribunal ad quem apreciar, é necessariamente no sentido de que, perante a não autorização do cabeça-de-casal e a pendência de incidente de quebra de sigilo profissional (bancário), o Tribunal a quo não podia ter notificado a entidade bancária para juntar aos autos os documentos/informações bancárias que estavam a coberto desse sigilo.
Consequentemente, porque a decisão recorrida é ilegal, conclui-se que a mesma deve ser revogado e deverão ser desentranhados todos os documentos e informações juntos e prestadas nos autos na sequência de tal decisão, mas tudo sem prejuízo do decidido no âmbito do Apenso C relativo ao incidente de quebra de sigilo profissional (bancário) deduzido pela Requerente.
Perante a resposta alcançada na resolução da questão supra apreciada, deverá julgar-se procedente o recurso interposto pelo Cabeça-de Casal/Recorrente.
Procedendo o recurso e não tendo havido contra-alegações, as custas do presente recurso ficarão a cargo do Cabeça-de Casal/Recorrente que dele tirou proveito - art. 527º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013.
* *
5. DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo Cabeça-de Casal/Recorrente contra BB e, consequência, revoga-se o despacho recorrido proferido em 11/05/2022 e determina-se o desentranhamento dos documentos e informações juntos e prestadas nos autos na sequência de tal despacho, mas tudo sem prejuízo do decidido no âmbito do Apenso C relativo ao incidente de quebra de sigilo profissional (bancário) deduzido pela Requerente.
Custas pelo Cabeça-de Casal/Recorrente.
* * *
Guimarães, 11 de Maio de 2023.
(O presente acórdão é assinado electronicamente)
 
Relator - Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício;
1ºAdjunto - José Carlos Pereira Duarte;
2ºAdjunto - Maria Gorete Roxo Pinto Baldaia de Morais.



[1]António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ªedição actualizada, Almedina, p. 139.
[2]Ac. STJ de 07/07/2016, Juiz Conselheiro Gonçalves da Rocha, proc. nº156/12.0TTCSC.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[3]Publicado no DR de 31/03/2008.
[4]Juiz Desembargador Fonte Ramos, Proc. nº 464/12.0TBTND-C.C1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.
[5]Publicado no DR de 31/03/2008.
[6]Juiz Desembargador José Amaral, Proc. nº205/20.8YRGMR, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.