Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3853/18.2T8VCT.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
SOCIEDADES COLIGADAS
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
JUSTA CAUSA
SALÁRIOS EM ATRASO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – Em conformidade com o previsto no art.º 334.º do CT responde solidariamente com o empregador a sociedade que com este esteja coligada numa das modalidades enunciadas no art.º 482º do C.S.C., por crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencido há mais de 3 meses.

II - O facto da sede da sociedade dominante se situar em Portugal ou fora do nosso país não constitui fundamento material suficiente para legitimar o tratamento diverso e menos favorável relativamente aos trabalhadores de empresas dominadas por sociedades sediadas no estrangeiro que, desta forma, não gozariam do mesmo nível de proteção dos créditos laborais dos trabalhadores de empresas dominadas por sociedades sediadas em Portugal, razão pela qual acompanhamos o juízo de inconstitucionalidade proferido pelo tribunal constitucional no Acórdão n.º 227/2015.

III - Nada impede que existindo já créditos vencidos ou não há mais de três meses, a acção seja proposta contra todos os legalmente responsáveis, sendo certo que aqueles, que não o empregador, apenas responderão pelos créditos que se mostrarem vencidos há mais de três meses aquando da prolação da sentença, considerando assim que a sua obrigação está sujeita a termo.

IV – A falta de pagamento ao trabalhador da retribuição por prazo igual ou superior a 60 dias, conduz à presunção inilidível de que a falta de pagamento pontual pelo empregador é culposa.

V - Constitui justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador a falta de pagamento continuado de retribuições mensais, por período superior a 60 dias, por não se tratar de um atraso pontual, por tempo excessivo, o que acarreta a impossibilidade prática e imediata de manutenção do contrato de trabalho.

Vera Sottomayor
Decisão Texto Integral:
APELANTE: X,S.A.R.L.
APELADO: M. M.
Tribunal da Comarca de Viana do Castel, Juízo do Trabalho de Viana do Castelo, Juiz 1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

M. M., residente na Rua …, em Viana do Castelo, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra:

“Y – SGPS, S.A.”, com sede na Rua …, Edifício … Lisboa;
“X, S.A.R.L.”, com sede na Rue …, Luxemburgo;
“W – TECNOLOGIAS DE CAMINHOS DE FERRO, S.A.”, sociedade comercial com sede na Rua …, Edifício … Lisboa; e
“G. – FUNDAÇÕES E GEOTÉCNICA, LTª.”, com sede na Rua …, Edifício … Lisboa,
peticiona o seguinte:

- que a 1ª R. seja condenada a reconhecer que o A. resolveu o contrato de trabalho com justa causa e a pagar-lhe a quantia de €29.148,78 a título de indemnização pela resolução com justa causa; a quantia de €15.772,54 de retribuições em falta; a quantia de €868,88 de despesas; a quantia de €787,50 a título de formação não ministrada, tudo acrescido dos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%;
- que as restantes RR. sejam condenadas, em regime de solidariedade, condenadas a pagar todos os montantes supra identificados, que se encontrem vencidos há mais de três meses aquando da prolação da sentença.

Alega em síntese, que foi admitido ao serviço da 1ª Ré em 14/05/1996, para exercer as funções de arvorado, ultimamente tinha a categoria de encarregado de 1ª e auferia mensalmente a retribuição base de €1.300,00, acrescida da isenção de horário de trabalho, no valor de €325,00.
Desde 2016 que a 1ª Ré passou a liquidar a retribuição do autor com irregularidade razão pela qual este em 15 de Outubro de 2018 enviou uma carta registada com aviso de recepção à 1ª Ré manifestando a sua intenção de por termo ao contrato alegando justa causa com fundamento na falta de pagamento na falta de pagamento pontual da retribuição por um período superior a 60 dias sobre a data do seu vencimento, pois estavam por lhe liquidar, além do mais, os salários respeitantes aos meses de Junho (parcial), Julho, Agosto e Setembro de 2018
Mais alega que nos últimos três nos de vigência do contrato não lhe foi ministrada qualquer formação profissional.
As Rés fazem parte de um grupo estruturado de empresas liderado pela 3ª Ré, mantendo uma estrutura organizativa comum, participando no capital umas das outras.
As Rés contestaram, por excepção e por impugnação alegando a ilegitimidade da 3ª Ré, a impossibilidade de responsabilização das 2ª, 3ª, 4ª e 5ª Rés pelo pagamento dos créditos não vencidos há mais de 3 meses atento o disposto no art.º 334.º do CT e a inexistência de comportamento culposo, no que respeita aos atrasos no pagamento do salário do autor, concluindo não ser devida ao autor a indemnização peticionada ou caso assim no se entenda então tal indemnização não deverá exceder os 15 dias de remuneração por cada ano de antiguidade
O Autor respondeu às deduzidas excepções, concluindo pela sua improcedência.

Os autos prosseguiram a sua normal tramitação e por fim foi proferida sentença pela Mmo. Juiz, que terminou com o seguinte dispositivo:

“Julgar a presente acção procedente, por provada, e em consequência, condenar a R. “Y – Engenharia” a reconhecer a justa causa da resolução do contrato de trabalho operada pelo A. e a pagar-lhe:
- a quantia de liquida €29.148,78 a título de indemnização pela resolução com justa causa;
- a quantia ilíquida de €15.772,54 de retribuições em falta a que há que descontar a quantia liquida de €2.542,27;
- a quantia de €868,88 de despesas;
- a quantia de €787,50 a título de formação não ministrada;
- tudo acrescido dos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%;
Condenar solidariamente as restantes RR. No pagamento das quantias supra referidas.
Custas pelas RR.
Registe e notifique.”
*
Inconformada com esta sentença, dela veio a Ré “X, S.A.R.L.” interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que depois de aperfeiçoadas terminam mediante a formulação das seguintes conclusões:

“A. O presente recurso é interposto da sentença proferida em 7 de Junho de 2019, que julgou totalmente procedente a acção apresentada, por provada, condenando, assim, a 1ª Ré a, por um lado, reconhecer que o Recorrido resolveu o contrato de trabalho com justa causa, bem como, por outro lado, a proceder ao pagamento dos valores peticionados, acrescidos dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa de 4%, num total de € 44.195,53 (quarenta e quatro mil, cento e noventa e cinco euros e cinquenta e três cêntimos).
B. A decisão recorrida condenou solidariamente as demais Rés, onde se inclui a Recorrente, ao pagamento daquelas quantias, condenação com a qual a Recorrente não se pode conformar, desde logo, em virtude de não ser parte legítima nos autos a quo.
C. Assim, o objecto do presente recurso consiste na apreciação da ilegitimidade passiva da Recorrente nos autos a quo, da qual decorre que não poderá ser condenada, na qualidade de responsável solidária da 1.ª Ré., bem como da inexistência da obrigação de indemnização da 1.ª Ré
D. Quanto ao primeiro, considera a Recorrente que o Tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação e aplicação das disposições legais aplicáveis, nomeadamente dos artigos 334.º do Código do Trabalho e 481.º do Código das Sociedades Comerciais (“CSC”).
E. Isto porque, por força do regime legal vigente, por não ter sede em Portugal, a Recorrente encontra-se excluída do âmbito de aplicação do Título V do CSC e, por conseguinte, do regime de responsabilidade solidária previsto no artigo 334.º do Código do Trabalho.
F. A Recorrente não concorda com o teor do Acórdão n.º 227/2015 do Tribunal Constitucional, invocado pelo Recorrido para fundamentar a responsabilidade solidária da Recorrente.
G. Sumariamente, entendeu aquele Tribunal que “(…) a interpretação conjugada das normas contidas no artigo 334.º do Código do Trabalho e no artigo 481.º, n.º 2, proémio, do Código das Sociedades Comerciais, na parte em que impede a responsabilidade solidária da sociedade com sede fora de território nacional, em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo com uma sociedade portuguesa, pelos créditos emergentes da relação de trabalho subordinado estabelecida com esta, ou da sua ruptura, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º, da CRP(…)”.
H. Parece claro à Recorrente que o Tribunal Constitucional não ponderou o facto de o legislador ordinário ter, sem suporte legal, estendido a aplicabilidade da sua lei material a sociedades sedeadas no estrangeiro – contra o disposto no proémio do n.º 2 do artigo 481.º do CSC - às quais deverá antes ser aplicada, nos termos das normas de conflitos vigentes, a lei da sua sede.
I. Deverá ser tomado em conta o conteúdo dos votos de vencido do referido Acórdão, de onde resulta a conclusão de não violação do princípio da igualdade, uma vez que a desigualdade de tratamento “(…) é uma decorrência da aplicação da norma de conflitos, não dos regimes em si.”
J. O referido acórdão não contém qualquer referência à interpretação dos artigos 3.º, n.º 1 do CSC e 33.º, n.º 2 do Código Civil, os quais estabelecem que às sociedades estrangeiras, nomeadamente em matéria de responsabilidade, lhes é aplicável a respectiva lei pessoal (e tais normas, diga-se, nunca foram votadas a um juízo de inconstitucionalidade!)
K. Do disposto naquelas normas resulta a inaplicabilidade a sociedade estrangeira (i.e., sem sede em Portugal) do regime de responsabilidade solidária previsto no artigo 334.ºdoCódigo do Trabalho, atenta a inaplicabilidade antecedente do regime previsto nos artigos 481.º e ss do CSC.
L. À luz do quadro legal vigente, não restam dúvidas de que a Recorrente não é parte legítima na presente acção, sendo a ilegitimidade processual passiva uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da Ré da instância, nos termos conjugados do disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea d), 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, alínea e) e 578.º, todos do Código de Processo Civil.
M. Por este motivo, a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente da instância.
N. Sem prescindir, cumpre referir que o regime do artigo 334.º do Código do Trabalho é claro no sentido da extensão da responsabilidade para lá da esfera jurídica do empregador, mas apenas “[p]or crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencido há mais de três meses (…)” (sublinhado e realce nossos).
O. O que equivale a dizer que, ainda que se admitisse que a Recorrente é parte legítima, a Recorrente apenas poderia responder solidariamente pelos valores, que à data da propositura dos autos a quo, se encontrassem vencidos há mais de três meses, isto é, em data anterior a 09.11.2018.
P. Por fim, no que diz respeito à responsabilidade da 1ª Ré , a verdade é que, ainda que a falta de pagamento da retribuição possa ser considerada fundamento de justa causa de resolução do contrato de trabalho, a inexistência de culpa daquela Ré afasta a obrigação de indemnização prevista no artigo 396.º do Código do Trabalho.
Q. De facto, a falta de liquidez vivida pela 1.º Ré à data da resolução do contrato do Recorrido – e que se mantém na presente data - é consequência de factores externos e complemente alheios àquela Ré, impedindo-a de cumprir pontualmente com a totalidade das suas obrigações para com os seus trabalhadores.
R. A 1.ª Ré tudo tem feito para combater e contrariar a situação actual de crise, razão pela qual qualquer incumprimento contratual para com o Recorrido não decorre de culpa sua.
S. Ainda que assim não fosse, o grau da eventual culpa da 1.ª Ré é reduzido designadamente porque resultante de todos os condicionalismos externos que lhe são completamente alheios, mas que foram os únicos responsáveis pela actual situação de crise vivida no seu seio.
T. Consequentemente, qualquer indemnização que possa entender-se ser devida ao Recorrido por força da resolução do seu contrato de trabalho com justa causa – o que apenas por mera hipótese e dever de patrocínio se admite – sempre deverá ser fixada no montante mínimo previsto no artigo 396.º do Código do Trabalho.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deverá o presente julgado ser julgado procedente e, em consequência, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por outra que absolva a Recorrente da instância e que absolva a 1.ª Ré do pagamento de qualquer indemnização ao Recorrido ou, caso assim não se entenda, que tal indemnização seja calculada com base no mínimo previsto no artigo 396.º do Código do Trabalho, só assim se fazendo JUSTIÇA!”

O autor contra alegou pugnando pela improcedência do recurso, acrescentando que caso proceda a excepção da ilegitimidade da Recorrente a título subsidiário deverá este Tribunal, em sede de reenvio prejudicial requerer ao Tribunal de Justiça, que nos termos do art.º 19.º, n.º 3 al. b) do TUE E ART. 267.º §2 do TUE se pronuncie sobre se o art. 18.º do TUE deve ser interpretado no sentido que se opõe ao n.º 2 do art.º 481 do Código das Sociedades Comerciais, conjugado com o art.º 334.º do Código do Trabalho, que rejeita a responsabilidade solidária da sociedade, com sede noutro estão membro, por créditos emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, detidos por trabalhador de sociedade com a qual se encontra em relação de participações recíprocas de domínio ou de grupo, por oposição à afirmação da responsabilidade solidária da sociedade com sede em Portugal, por créditos de trabalhadores de sociedade com a qual se encontra em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, assim, diminuindo as garantias dos créditos dos trabalhadores apenas porque a sociedade para que prestam a actividade é controlada por uma sociedade sediada noutro Estado-membro.
Foi proferido despacho que admitiu o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida e foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87º n.º 3 do C.P.T., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido parecer a fls. 213, no sentido da improcedência da apelação.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II – OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nele não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, no recurso interposto pela Ré/Apelante sobre a sentença recorrida, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:

- Da ilegitimidade da Ré X;
- Da responsabilização da 3ª Ré pelo pagamento dos créditos não vencidos há mais de 3 meses;
- Da justa causa de resolução do contrato de trabalho da iniciativa do trabalhador, por falta de pagamento de salário por período superior a 60 dias;
- Da inexistência do direito de indemnizar;
- Do valor da indemnização.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância deram-se os seguintes factos como provados:

1 – O A. foi admitido ao serviço da Ré “Y Engenharia” – então denominada “… – Obras Públicas e Cimento …, S.A.” – em 14/05/1996, mediante contrato de trabalho a termo incerto, para desempenhar as funções de Arvorado, sob as ordens, direcção e fiscalização desta e mediante retribuição.
2 - Actualmente, o A. tinha a categoria de Encarregado de 1.ª e auferia mensalmente a retribuição base, no valor de €1.300,00, e isenção de horário de trabalho, no valor de €325,00.
3 - Porque o A. desenvolvia a sua actividade em diversos locais do país, encontrando-se ultimamente afecto à obra sita em …, Espinho, para onde se deslocava de sua casa, em Viana do Castelo, e de onde regressava, pelo menos uma vez por semana, recebia ainda €26,75 por cada dia efectivo de trabalho, a título de ajudas de custo.
4 - A 1.ª Ré reembolsava ainda o A. das despesas por este efectuadas com tais deslocações, nomeadamente de combustíveis e portagens, através de documentos denominados “Declaração de reembolso de despesas – deslocações e estadas”, os quais eram preenchidos, instruídos com os documentos justificativos de tais despesas, validados pelo Director de Obra e remetidos para a 1.ª Ré, para pagamento.
5 - O A. recebia ainda o correspondente a 50% dos subsídios de férias e de Natal em duodécimos, respectivamente, no valor mensal de € 67,71 cada.
6 – A 1ª R. não procedeu ao pagamento da totalidade do subsídio de férias de 2017, encontrando-se em dívida o montante ilíquido de €812,50.
7 – Em 20/8/2018, para pagamento dos montantes devidos referentes ao mês de Junho de 2018, a 2ª R. efectuou uma transferência para a conta do A. no montante líquido de €1.050,00.
8 - No mês de Junho de 2018, o A. trabalhou 20 dias úteis, tendo ainda gozado um dia de férias; no mês de Julho de 2018, o A. trabalhou todos os dias úteis (22); no mês de Agosto de 2018, o A. trabalhou 10 dias úteis, tendo ainda gozado 12 dias de férias; em 2018, o A. gozou, na totalidade, 17 dias de férias.
9 – No dia 17 de Setembro de 2018, o A., por intermédio do seu mandatário, enviou à 1ª R. uma carta registada com a/r, interpelando-a para o pagamento das retribuições em dívida (documento de fls. 16-verso e 17, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
10 – No dia 15 de Outubro de 2018, o A. enviou à 1º R. uma carta registada com a/r, resolvendo o contrato de trabalho com justa causa, por retribuições em atraso (documento de fls. 17-verso a 18-verso, que aqui se dá por integralmente reproduzida), carta recebida por esta R. a 16/10/2018.
11 – Nesta data, para além do referido em 6) e 7), a 1º R. nada havia pago ao A. referente aos meses de Julho, Agosto, Setembro e Outubro.
12 – Em 19/10/2018, a 1ª R., por intermédio da 5ª R. “G.” procedeu a transferência para conta do A. da quantia líquida de €1.492,27.
13 - Apesar de terem sido validadas pelo Director de Obra, a 1.ª Ré não pagou ao A. as despesas em que este incorreu nos meses de Janeiro a Outubro de 2018, respectivamente, no valor de €55,73, €60,12, €104,24, €71,67, €103,83, €89,33, €130,70, €112,56, €56,28 e € 84,42 - no valor global de € 868,88.
14 – Nos últimos três anos de vigência da relação laboral, a 1ª R. não prestou ao A. qualquer formação profissional.
15 - As RR. fazem parte de um grupo estruturado de empresas, liderado pela 3.ª Ré “X”: a 3.ª Ré “X” detém 100% do capital social da 2.ª Ré, “Y, SGPS”, a qual, por sua vez, é titular de 4.892.672 acções da 1.ª Ré “Y Engenharia, SA”, correspondentes a 97,82% do capital social desta; por sua vez, a 4.ª Ré “W, SA” é detida, a 100%, pela 1.ª Ré “Y Engenharia, SA”; finalmente, a 1.ª Ré e a 4.ª Ré são, respectivamente, titulares de uma quota no valor nominal de € 300,00 e de uma quota no valor nominal de € 200,00, no capital social da 5.ª Ré “G.,Lda.”, correspondentes, respectivamente, a 60% e a 40% do capital social desta.

IV - APRECIAÇÃO DO RECURSO

1. Da ilegitimidade da Ré X

Insurge a recorrente pelo facto de ter sido condenada solidariamente no pagamento da quantia devida ao recorrido, alegando que pelo facto de ser uma sociedade de direito estrangeiro (sediada no Luxemburgo e constituída ao abrigo das leis ali vigentes), não lhe é aplicável o previsto no artigo 334.º do Código do Trabalho (doravante CT.), por força da exclusão prevista no n.º 2 do art.º 481.º do Código das Sociedades Comerciais (doravante CSC.)

Vejamos:

Da factualidade provada resulta desde logo que as Rés fazem parte de um grupo estruturado de empresas, que é liderado pela 3ª Ré, a ora aqui recorrente, que assume assim o papel de sociedade dominante – cfr 15º ponto de facto 15.º da factualidade provada- sociedade esta que está sediada no Luxemburgo.
As disposições legais com relevo para a apreciação a questão suscitada prescrevem o seguinte:

TITULO VI

Artigo 481.º CSC
Âmbito de aplicação deste Título

1. O presente título aplica-se a relações que entre si estabeleçam sociedades por quotas, sociedades anónimas e sociedades em comandita por ações.
2. O presente título aplica-se apenas a sociedades com sede em Portugal, salvo quanto ao seguinte:
a) A proibição estabelecida no artigo 487.º aplica-se à aquisição de participações de sociedades com sede no estrangeiro que, segundo os critérios estabelecidos pela presente lei, sejam consideradas dominantes;
b) Os deveres de publicação e declaração de participações por sociedades com sede em Portugal abrangem as participações delas em sociedades com sede no estrangeiro e destas naquelas;
c) A sociedade com sede no estrangeiro que, segundo os critérios estabelecidos pela presente lei, seja considerada dominante de uma sociedade com sede em Portugal é responsável para com esta sociedade e os seus sócios, nos termos do artigo 83.º e, se for caso disso, do artigo 84.º;
d) A constituição de uma sociedade anónima, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 488.º, por sociedade cuja sede não se situe em Portugal.

Artigo 482.º CSC
Sociedades coligadas

Para os efeitos desta lei, consideram-se sociedades coligadas:
a) As sociedades em relação de simples participação;
b) As sociedades em relação de participações recíprocas;
c) As sociedades em relação de domínio;
d) As sociedades em relação de grupo.

Artigo 334.º CT
Responsabilidade solidária de sociedade em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo
Por crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencido há mais de três meses, respondem solidariamente o empregador e sociedade que com este se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nos termos previstos nos artigos 481.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais.
Daqui resulta desde logo que responde solidariamente com o empregador a sociedade que com este esteja coligada numa das modalidades enunciadas no art.º 482º do CSC., por crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencido há mais de 3 meses.
Contudo da interpretação destas disposições do Código das Sociedades Comerciais também resulta claro que, no caso da sociedade dominante ter sede no estrangeiro não lhe serão aplicáveis as normas previstas no Título VI do CSC.
Reportando esta interpretação conjugada com o art.º 334.º com o n.º 2 do CT., no que respeita aos créditos emergentes de contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessação vencidos há mais de três meses temos por certa uma dualidade de regimes de garantia de créditos laborais incompreensível e injustificável, consoante a sede da empresa dominante do empregador português se situe em Portugal ou num outro País.
Por força deste regime só os trabalhadores ao serviço de sociedades coligadas dominadas por uma sociedade com sede em Portugal poderiam reclamar e efetivar contra esta a responsabilidade relativa aos seus créditos laborais resultantes da relação mantida com o seu empregador emergente da relação laboral estabelecida com a sua entidade patronal.
Na verdade, perante duas situações comparáveis no plano dos créditos emergentes de contrato de trabalho – no caso de dois trabalhadores portugueses, ao serviço de empresas portuguesas integrando cada uma delas grupos económicos, exercendo funções ambos em Portugal, mas em que um dos trabalhadores trabalhasse numa empresa cuja dominante era sediada em Portugal e o outro trabalhasse numa empresa cuja dominante fosse sediada fora de Portugal teríamos tratamento diferenciado no que respeita ao regime de garantia dos créditos laborais dos trabalhadores, apenas pelo facto da sede da sociedade que dominava a sociedade empregadora ter sede no estrangeiro. Este seria o único factor de diferenciação.
O princípio da igualdade não impõe uma identidade coincidente antes impõe que se dê tratamento igual aquilo que for essencialmente igual e que se trate diferente o que for essencialmente diferente, não permitindo que haja diferenciações injustificadas.
Ora, esta indiferenciação parece-nos injustificável, sendo notoriamente discriminatória, quer do ponto de vista interno, quer do ponto de vista comunitário, pois entre trabalhadores em situação comparável ficarão desprotegidos aqueles que por circunstâncias, que até podem desconhecer, pois estão fora do seu controlo, contratem com um empregador português dominado por uma sociedade sediada no estrangeiro.
Assim sendo, considerarmos que o facto da sede da sociedade dominante se situar em Portugal ou fora do nosso país não constitui fundamento material suficiente para legitimar o tratamento diverso e menos favorável relativamente aos trabalhadores de empresas dominadas por sociedades sediadas no estrangeiro que, desta forma, não gozariam do mesmo nível de proteção dos créditos laborais dos trabalhadores de empresas dominadas por sociedades sediadas em Portugal.
Acompanhamos o juízo de inconstitucionalidade proferido pelo tribunal constitucional no Acórdão n.º 227/2015 ao decidir “julgar inconstitucional a interpretação conjugada das normas contidas no artigo 334.º do Código do Trabalho e no artigo 481.º, n.º 2, proémio, do Código das Sociedades Comerciais, na parte em que impede a responsabilidade solidária da sociedade com sede fora de território nacional, em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo com uma sociedade portuguesa, pelos créditos emergentes da relação de trabalho subordinado estabelecida com esta, ou da sua rutura, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º, da CRP”, recusando assim a sua aplicação, quer por violação do princípio da não discriminação em razão da nacionalidade previsto no art.º 12.º do Tratado de Roma, quer por violação do princípio da igualdade de tratamento plasmado no art.º 13.º da CRP.

Como escreve Rita Garcia Pereira, ainda que a propósito do disposto no art.º 378.º do CT 2003 (correspondente ao actual artigo 334.º do CT 2009) in “A garantia dos créditos Laborais no Código do Trabalho”, Questões Laborais, n.º 24, pág. 208 ”a ratio legis do preceito legal é justamente dotar os trabalhadores de maiores garantias dos seus créditos pecuniários, não se vislumbra que na letra da lei laboral – que não na remissão para a legislação comercial – qualquer impedimento a que um trabalhador demande apenas a sociedade com sede em Portugal, deixando de fora, por exemplo, a sua própria entidade patronal. Entender o oposto era, aliás discriminar duas vezes; a primeira no que concerne à dicotomia grupos nacionais/estrangeiros, uma vez que só os primeiros seriam visados pela lei portuguesa, violando de forma clara o princípio da igualdade consagrado constitucionalmente no art.º 13.º; a segunda, pelos mesmos motivos, no que se refere ao princípio comunitário da não discriminação com fundamento da nacionalidade, positivado no art.º 7.º do Tratado de Roma.”

Improcede a questão da ilegitimidade substantiva suscitada pela Recorrente e improcedem as conclusões C) a O) das alegações de recurso.

2. Da responsabilização da 3ª Ré pelo pagamento dos créditos não vencidos há mais de 3 meses

Defende a recorrente que poderia vir apenas a responder solidariamente pelos valores que à data da propositura da acção se encontrassem vencidos há mais de três meses, ou seja antes de 9/11/2018, o que não sucedeu, uma vez que veio ser condenada no pagamento de todas as quantias alegadamente devidas pela 1ª Ré ao Autor, em violação ao disposto no art.º 334.º do CT.
Importa desde já salientar que o autor pediu a condenação das restantes Rés, que não a ré empregadora, em regime de solidariedade, “a pagar todos os montantes supra identificados, que se encontrem vencidos há mais de três meses aquando da prolação da sentença.”.
Decorre do transcrito art.º 334.º do CT que a responsabilidade solidária da sociedade que se encontre em relação de domínio com o empregador, relativamente aos créditos emergentes de contrato de trabalho ou da sua rotura, vencidos há mais de três meses.
Esta disposição legal permite que os créditos laborais possam ser satisfeitos por outros patrimónios que não apenas o do seu empregador, consagrando assim o reforço da tutela dos créditos laborais do trabalhador, vencidos há mais de três meses.
Desde que se trate de crédito pecuniário vencido há mais de três meses, pode o trabalhador demandar directamente outras sociedades desde que se verifiquem alguma das situações de coligação societária referidas no Código das Sociedades Comerciais. Nestes casos, o trabalhador pode, caso assim o entenda, accionar directamente qualquer uma das empresas pertencentes ao grupo, apesar de não serem os seus empregadores e sem passar previamente pelo seu próprio empregador.
A ratio desta exigência como se escreve Joana Vasconcelos, in Código do Trabalho Anotado, 4ª edição revista, pág.623, 624 em anotação ao artigo 378.º do CT 2003 “parece residir na necessidade de limitar o âmbito desta responsabilidade solidária das sociedades coligadas com a sociedade – empregadora, que, se irrestritamente consagrada, redundaria, não apenas em prejuízo dos respectivos credores – expostos, sem mais, ao concurso sobre o património social, dos trabalhadores de outra sociedade - , mas num benefício injustificado para os próprios trabalhadores – sobretudo nos casos em que é ténue a relação intersocietária que funda esta solidariedade.”

Esta solução visa assim que pelo menos dentro do prazo estabelecido de três meses o trabalhador procure obter o pagamento do seu crédito junto do seu empregador, não se dirigindo de imediato aos restantes.
Contudo, nada impede que existindo já créditos vencidos há mais de três meses, juntamente com estes, seja peticionada a condenação das Rés solidariamente responsáveis, que não o seu empregador, sendo certo que para que tal pedido obtenha êxito, tais créditos terão de se mostrar vencidos há mais de três meses aquando da prolação da sentença, considerando assim que a sua obrigação está sujeita a termo.
O requisito referente ao crédito vencido há mais de três meses constitui pressuposto da condenação solidária das Rés, designadamente da recorrente e não requisito da sua legitimidade, pois trata-se de questão substancial e não processual, que caso não se verifique conduzirá necessariamente à absolvição do pedido.
Em concordância com a posição defendida por Rita Garcia Pereira, plasmada no citado escrito, pág. 210, nota 83 a propósito da desarticulação dos créditos de que o trabalhador seja titular com o decurso do prazo de três meses para reclamar o seu pagamento junto dos responsáveis solidários defende-se o seguinte: “uma das formas possíveis de resolução desta desarticulação é admitir ab initio a inclusão na instância das sociedades solidariamente responsáveis, nos termos do art. 472.º do Código de Processo Civil (art. 557.º do C.P.C. vigente), aplicável ex vie art. 1.º, n.º1, al. a) do Código de Processo do Trabalho, pese embora só venham a responder pelos créditos vencidos há mais de três meses, considerando-se que a sua obrigação está sujeita a termo.”

Acresce dizer que o disposto no art.º 610.º do CPC. sempre permitiria ao juiz a condenação “in futurum” ou seja a decisão pode obrigar o réu a satisfazer determinada prestação, a partir do momento em que se saiba que a obrigação está vencida, o que se pode vir a verificar-se na pendência da acção, desde que o réu tenha tido a possibilidade de a contestar. Evita-se assim que o autor seja obrigado a propor outra acção, quando a questão pode desde logo ficar resolvida, em clara concretização do princípio da economia processual.

Como se refere a propósito da condenação “in futurum” referente a relação creditória já constituída, mas cuja prestação ainda não é exigível, no Ac. do STJ de 27/09/2012, proc. n.º 663/09.1TVLSB.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt “…importa referenciar os casos em que a condenação in futurum tem como objecto uma relação creditória actual, já constituída no ordenamento jurídico, mas reportada a prestação ainda não exigível, nomeadamente por o respectivo vencimento estar dependente de termo, ainda não verificado aquando da propositura da acção – sendo inquestionável que, neste caso, por via do estatuído no art. 662º, os valores da celeridade e da economia processual prevalecem, implicando a prolação de uma sentença de condenação, mesmo que o vencimento e a exigibilidade apenas se verifiquem posteriormente ao momento mais recente que puder ser atendido pelo tribunal.”

Neste sentido ver ainda entre outros o ac. do STJ de 24-01-2013, Proc. n.º 2424/073. TBVCD.P1S1, www.dgsi.pt, a propósito do artº. 662º do CPC, que actualmente correspondente ao art.º 610.º do CPC. e Ac. RL de 27 de Junho de 2019, Proc. nº 721/16.6T8MTJ.L1-6, disponíveis in www.dgsi.pt.
Subescrevemos assim a posição assumida pelo juiz a quo ”…os trabalhadores podem desde logo propor a acção contra todos os legalmente responsáveis, sendo que estes apenas responderão caso os créditos devidos não venham a ser pagos no decurso do prazo de três meses”.
Ora, tendo as rés, nas quais se inclui a recorrente, contestado a existência dos créditos, encontrando-se estes vencidos há mais de três meses contados da data da prolação da sentença (acção foi proposto em 9/11/2018 e a sentença foi proferida em 10/05/2019), não existe qualquer impedimento para que as Rés não fossem solidariamente responsáveis pelo seu pagamento, sendo assim de concluir que o artigo 334.º do CT não foi violado.

Improcedem as conclusões P e Q da alegação de recurso

3. Da justa causa de resolução do contrato de trabalho da iniciativa do trabalhador, por falta de pagamento de salário por período superior a 60 dias.

Não pondo a Recorrente em causa a validade da resolução do contrato pelo recorrido com justa causa e fundamento na falta de pagamento pontual da retribuição por um período superior a 60 dias, insurge-se relativamente ao facto do comportamento da 1ª Ré ter sido considerado culposo, uma vez que resulta de toda a factualidade que a 1ª Ré tudo fez para combater e contrariar a situação de crise económica, razão pela qual qualquer incumprimento não decorreu de sua culpa, não havendo assim lugar ao pagamento da indemnização prevista no art.º 396.º do CT.

Vejamos se lhe assiste razão.

Como é sabido, no contexto duma relação de trabalho o pagamento pontual da retribuição configura um dos deveres essenciais que impende sobre o empregador- cfr. art.º 127º, n.º1, al. b), do CT, conferindo o seu incumprimento a faculdade de o trabalhador fazer cessar o vínculo laboral – art.º 323.º n.º 3 do CT.
Nesta lógica, a lei considera tal facto como constituindo justa causa para a resolução do contrato distinguindo a falta culposa da falta não culposa de pagamento pontual – cfr. art.º 394.º n.ºs 2, al. a), e 3, al. c), do CT, só no primeiro caso terá o trabalhador direito a receber indemnização pela cessação contratual por si promovida, a calcular nos termos previstos no art.º 396.º do CT.
Por outro lado o n.º 4 do citado art.º 394.º do CT determina que a justa causa deve ser apreciada tendo em conta o quadro de gestão da empresa, o grau de lesão dos interesses do trabalhador, o carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes, ou seja deve ser apreciada em conformidade com o disposto no n.º 3 do art.º 351º do CT, com as necessárias adaptações.
Subjacente ao conceito de justa causa está assim a impossibilidade definitiva da subsistência do contrato de trabalho, tal como é empregue no âmbito do despedimento promovido pelo empregador.
Por fim, prescreve o art.º 395.º n.º 1 do CT que o trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos, só podendo ser atendidos, para efeito de apreciação da ilicitude da resolução, os factos constantes de tal comunicação - art.º 398º n.º 3 do CT).
Há ainda a referir uma outra regra que não pode ficar esquecida, que resulta do preceituado no nº 5 do referido art.º 394.º do CT., a saber: “considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo”.
Do enquadramento legal acima descrito, decorre que o não pagamento pontual da retribuição se presumirá sempre como sendo culposo, em face do princípio acolhido no art.º 799º, nº 1, do Código Civil do qual resulta que incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o incumprimento defeituoso da prestação não procede de culpa sua. Essa presunção será porém inilidível quando a mora se prolongue por mais de 60 dias, pois é esse o único sentido útil que poderá extrair-se da autonomização da norma consignada no citado art.º 394º, nº 5 do CT. Fica assim estabelecida uma ficção legal de culpa do empregador na falta do pagamento pontual da retribuição, presunção esta que não admite prova em contrário. Trata-se de uma presunção iure de iure e não uma presunção júris tantum como tem sido uniformemente defendido quer pela jurisprudência, quer pela doutrina.

Em suma, no caso da falta de pagamento pontual da retribuição para que o incumprimento do empregador seja considerado culposo, sem possibilidade de prova em contrário, basta que que o mesmo se verifique por um período superior a 60 dias.

A factualidade relevante apurada sobre esta matéria é a seguinte:

– A 1ª R. não procedeu ao pagamento da totalidade do subsídio de férias de 2017, encontrando-se em dívida o montante ilíquido de €812,50.
– Em 20/8/2018, para pagamento dos montantes devidos referentes ao mês de Junho de 2018, a 2ª R. efectuou uma transferência para a conta do A. no montante líquido de €1.050,00.
- No mês de Junho de 2018, o A. trabalhou 20 dias úteis, tendo ainda gozado um dia de férias; no mês de Julho de 2018, o A. trabalhou todos os dias úteis (22); no mês de Agosto de 2018, o A. trabalhou 10 dias úteis, tendo ainda gozado 12 dias de férias; em 2018, o A. gozou, na totalidade, 17 dias de férias.
– No dia 17 de Setembro de 2018, o A., por intermédio do seu mandatário, enviou à 1ª R. uma carta registada com a/r, interpelando-a para o pagamento das retribuições em dívida (documento de fls. 16-verso e 17, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
– No dia 15 de Outubro de 2018, o A. enviou à 1º R. uma carta registada com a/r, resolvendo o contrato de trabalho com justa causa, por retribuições em atraso (documento de fls. 17-verso a 18-verso, que aqui se dá por integralmente reproduzida), carta recebida por esta R. a 16/10/2018.
– Nesta data, para além do referido em 6) e 7), a 1º R. nada havia pago ao A. referente aos meses de Julho, Agosto, Setembro e Outubro.

Apurada que está que à data da rutura contratual promovida pelo trabalhador – Outubro de 2018, é de concluir que ocorria o incumprimento por período superior a 60 dias da retribuição referente aos meses de Junho (parcial) e Julho de 2018, sendo certo que a 1ª Ré também nada havia liquidado ao autor no que respeita às retribuições dos meses de Agosto e Setembro de 2018.
Nessa medida e no caso concreto é de considerar necessariamente culposo o não pagamento atempado ao Autor de tais retribuições, pois foi o que aquele invocou para resolver o contrato, já que o atraso subsistia há mais de 60 dias quando essa resolução foi promovida.
Verifica-se assim a presunção inilidível, sendo por isso de considerar de irrelevante e desnecessária, para o efeito de afastamento da culpa, toda a alegação da Recorrente no sentido de se determinarem as razões que conduziram ao incumprimento do pagamento da retribuição devida ao recorrido.

Como refere o Tribunal da Relação de Évora no Acórdão de 9/06/2016, proferido no Proc. n.º 390/15.0T8TMR.E1 (relator Moisés Silva), ”O trabalhador vive do seu salário, que constitui a contrapartida do que tem para vender: a sua força de trabalho. Quando o pagamento da retribuição é sistematicamente atrasada ou o não pagamento se prolonga por 60 ou mais dias, entende o legislador que tal situação é inaceitável para o trabalhador, pois é susceptível de colocar em causa a sua dignidade enquanto ser humano. Quer-se garantir que o trabalhador tenha em cada momento da sua vida um montante pecuniário disponível de modo a que estejam garantidas as suas necessidades básicas: saúde, alimentação e habitação. O atraso de 60 dias no pagamento da retribuição pode colocar o trabalhador numa situação de incumprimento face a fornecedores de eletricidade, água, gás, que são bens essenciais á vida, bem como a aquisição de bens alimentares e o pagamento de eventual renda ou prestação de casa a entidade bancária, levando a que o seu incumprimento se estenda a too um sem fim de credores que, por sua vez, terão mais dificuldade em pagar aos seus devedores e por aí diante, criando-se um círculo vicioso de incumprimento que a todos prejudica”.

Em suma, estando assente o facto de ter ocorrido falta culposa do pagamento pontual da retribuição devida ao trabalhador/recorrido, improcedem as conclusões R a T da alegação de recurso.

4. Da inexistência do direito de indemnizar.

Estando assente que ocorreu falta culposa no pagamento pontual da retribuição devida ao trabalhador, para podemos concluir que a mesma integra o conceito de justa causa por resolução para contrato, com direito a indemnização, importa agora avaliar se, no caso concreto, o comportamento culposo da 1ª Ré é de tal modo grave e danoso que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.
Quanto à inexigibilidade na manutenção da relação laboral, face à falta de pagamento atempado da retribuição por período superior a 60 dias, como se refere no nº 4 do mesmo art.º 394º do CT, “a justa causa é apreciada nos termos do nº 3 do artigo 351º, com as necessárias adaptações”. Ou seja, deverá sempre atender-se ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes, e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.
Entendemos porém que a similitude assim estabelecida pela lei com a justa causa para despedimento, promovido pelo empregador por comportamento culposo do trabalhador, não pode deixar de operar-se com as devidas cautelas, precisamente porque são muitas as “adaptações” que se mostra necessário fazer. Basta atentar que o empregador, no uso do seu poder disciplinar, dispõe de um leque de medidas sancionatórias que pode e deve adequar à gravidade da conduta culposa do trabalhador, enquanto o trabalhador, perante uma violação culposa dos seus direitos e garantias contratuais, a lei apenas lhe confere a faculdade de resolver o contrato.

Em suma, à justa causa de resolução do contrato de trabalho da iniciativa do trabalhador não podem nem devem ser aplicados exactamente os mesmos critérios de valoração da justa causa para despedimento, já que o despedimento se insere num conjunto de medidas disciplinares colocadas à disposição do empregador para sancionar o trabalhador, enquanto a este, perante uma violação culposa dos seus direitos e garantias contratuais, a lei apenas confere a faculdade de resolver o contrato.
Assim sendo, consideramos que não existe um absoluto paralelismo de situações a implicar valoração semelhante dos factos pertinentes à verificação da justa causa para despedimento, nomeadamente quando, como no caso em apreço, está em causa a falta de pagamento atempado de retribuição.
Daí que só em casos de culpa reduzida do empregador e com danos que sejam também relativamente diminutos, poderá ter-se por excluída a justa causa para a resolução do contrato, ou seja só em situações muito excepcionais, o que não se verifica no caso em apreço.
Na generalidade dos casos, em que também se insere a hipótese dos autos, não é exigível ao trabalhador manter o contrato de trabalho quando há quebra da confiança entre as partes, o que se traduz no continuado não pagamento de várias retribuições mensais, tendo presente que em regra o trabalhador delas necessita para fazer face às suas despesas mensais com alimentação, vestuário, habitação e saúde, assim assegurando a sua sobrevivência e dos demais de que de si dependam.

No caso dos autos é de concluir pela verificação da justa causa de resolução do contrato de trabalho da iniciativa do trabalhador, já que a falta de pagamento continuado de retribuições mensais, por período superior a 60 dias, por não se tratar de um atraso pontual, por tempo excessivo, acarreta sem margem para dúvida a impossibilidade prática e imediata de manutenção do contrato de trabalho.
Tal como conclui o Tribunal a quo “…estava criado o clima de tensão entre o trabalhador e o empregador que tornava intolerável a continuação da relação laboral.”
Demonstrado que está o comportamento culposo que motivou a imediata resolução do contrato de trabalho e verificada a justa causa para a resolução do contrato tal como estatui o já referido art.º 394º, ns.º 2, al. a e 5) do CT, tem o recorrido direito à indemnização como estatui o artigo 396.º n.º 1 do CT, pelo que nessa medida improcedem as conclusões U a Y da alegação de recurso.

5. Do valor da indemnização

Por fim importa analisar da graduação do número de dias a atender por cada ano, para efeito de fixação da indemnização a atribuir ao recorrido, uma vez que a Recorrente defende que a indemnização deve ser fixada no montante mínimo previsto no art.º 396.º do CT.
Decorre do art.º 396.º do CT. que a resolução do contrato nos termos previstos no n.º 2 do art.º 394.º confere ao trabalho um indemnização, a determinar entre 15 a 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade fracção, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a 3 meses.
Analisando os factos constatamos que o Recorrido auferia a retribuição base de €1.300,00 e pôs termo ao contrato de sua iniciativa com fundamento na falta de pagamento de retribuição por período superior a 60 dias, não tendo resultado provado qualquer facto que nos permita concluir que o comportamento do empregador é merecedor de um menor grau de ilicitude. E por outro lado, tendo presente a harmonia do sistema jurídico não nos parece adequado fixar a indemnização em montante inferior àquele que lhe seria devido ao trabalhador a título de compensação caso estivéssemos na presença de uma situação de despedimento lícito Neste último caso, o empregador atenta a antiguidade do trabalhador (22 anos 5 meses e 2 dias) e o regime transitório resultante do disposto do art.º 5.º da Lei n.º 69/2013, de 30 de Agosto, teria de pagar de imediato uma compensação que não ficaria muito longe dos 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo. Caso seguíssemos um critério do qual resultassem um montante inferior a este seria uma forma de beneficiar o infractor e levar a que as entidades empregadoras saíssem mais beneficiadas quando não cumprissem a lei do que quando a cumprissem.
Assim sendo, mais não resta do que concordar com o montante fixado na sentença recorrida, que se nos afigura ser o adequado às circunstâncias do caso.
Improcede a conclusão AA) das alegações do recurso sendo de manter a decisão recorrida.

V - DECISÃO

Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 87º do C.P.T. e 663º do C.P.C., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso de apelação interposto da sentença por X, S.A.R.L., confirmando-se na íntegra a sentença recorrida.
Custas a cargo da Recorrente/Apelante.
Guimarães, 5 de Março de 2020

Vera Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Veiga