Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2622/19.7T8VNF-B.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: INCIDENTE DE QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA
ABERTURA DO INCIDENTE
PREENCHIMENTO DA PRESUNÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/09/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).

1- O incidente da qualificação de insolvência como culposa não está dependente de qualquer pedido para que seja aberto esse incidente, sequer nele o juiz se encontra limitado aos factos alegados pelos interessados, sequer em sede de efeitos dessa declaração, o juiz está adstrito a qualquer pedido, uma vez que a abertura do incidente está unicamente dependente de terem sido recolhidos nos autos de insolvência, na altura da prolação da sentença declaratória da insolvência, de indícios em como a insolvência é culposa; o juiz encontra-se, em sede de factos e de prova, sujeito ao princípio do inquisitório; e os efeitos da declaração da insolvência decorrem diretamente do art. 189º, n.º 2 do CIRE, cabendo apenas ao juiz decretá-los e determinar a respetiva extensão.
2- A violação daquele art. 189º, n.º 2 do CIRE quanto aos efeitos da declaração da insolvência como culposa sobre a pessoa afetada por essa declaração, consubstancia erro de julgamento, e não causa determinativa de nulidade da sentença, designadamente, por condenação ultra petitum em relação ao pedido que tinha sido formulado pelo Ministério Público no parecer que emitiu quanto à qualificação da insolvência, onde pediu que se qualificasse essa insolvência como culposa, que fosse afetada por essa declaração a gerente da devedora, e que essa afetada fosse condenada em determinados efeitos (os previstos no art. 189º, n.º 2), que elencou, mas que não foram integralmente observados na sentença, uma vez que nela não se estabeleceu que a responsabilizada pessoal da gerente prevista na al. e) do n.º 2 tinha como limite o património pessoal desta.
3-A data de vencimento de um crédito contende com a sua exigibilidade e não com a constituição desse crédito, a qual ocorre no momento em que é celebrado o negócio que lhe serve de base e em que este é executado (data da celebração do contrato de compra e venda, quanto à constituição do crédito do vendedor ao preço sobre o comprador; data da prestação do trabalho pelo trabalhador ao empregador, no contrato de trabalho, quando à constituição do crédito do trabalhador sobre o empregador em relação aos créditos salariais, de férias e subsídios de férias e de natal).
4- Preenche a presunção inilidível da al. a) do n.º 2 do art. 186º do CIRE, o gerente da sociedade devedora/insolvente que, em nome desta, vende o pavilhão industrial onde aquela sociedade exercia a sua atividade industrial a uma sociedade terceira e, bem assim toda a maquinaria com que esta exercia essa sua atividade industrial a uma outra sociedade, de modo que a sociedade devedora/insolvente fica impossibilitada de exercer o seu giro industrial e de manter as relações de trabalho que mantinha com os seus trabalhadores, e que deposita o produto dessas vendas numa conta aberta em nome da sociedade devedora/insolvente e que paga, com parte do produto dessas vendas, os débitos dessa sociedade a determinados credores, que escolhe, em detrimento de outros credores, a quem nada paga (os trabalhadores da sociedade), dando destino desconhecido ao restante produto dessas vendas e quando apenas vem a ser apreendido para a massa insolvente escassas centenas de euros e uma máquina de bordar.
5- Para que se preencha a presunção inilidível da al. d) do nº 2 do art. 186º do CIRE é necessário que nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, o administrador, de direito ou de facto, da devedora/insolvente: a) pratique atos de disposição (no sentido de transferência da propriedade ou do mero gozo), b) de bens do devedor/insolvente e c) que esses atos sejam realizados em proveito pessoal do administrador ou de terceiro, isto é, em benefício pessoal destes e em detrimento/prejuízo da devedora/insolvente.
6- É insuficiente ao preenchimento dessa presunção da al. d), a prova em como a gerente da sociedade devedora/insolvente, nos três anos que antecederam o início do processo de insolvência, vendeu o pavilhão industrial em que a primeira exercia a sua atividade industrial a uma sociedade terceira, por um determinado preço e, bem assim vendeu a uma outra sociedade a totalidade da maquinaria utilizada pela sociedade devedora/insolvente no exercício dessa atividade industrial, por um determinado preço, sem que se tenha apurado que o preço dessas vendas seja inferior ao valor de mercado dos bens objeto dessas vendas.
7- Na base da presunção inilidível da al. h) do n.º 2 do art. 186º do CIRE está o incumprimento pelo administrador, de direito ou de facto, do devedor/insolvente, dos deveres específicos que impendem sobre os comerciantes de manterem contabilidade organizada, que reflita a real situação patrimonial e financeira do devedor/insolvente (art. 18º do Cód. Com) e o incumprimento dos deveres gerais dos insolventes prescritos no art. 83º do CIRE, além da consideração dos interesses relevantes que subjazem ao cumprimento desses deveres e as dúvidas que se suscitam no espírito do legislador perante o incumprimento desses deveres, que o levam a presumir, de forma inilidível, independentemente desses incumprimentos terem criado ou não a situação de insolvência do devedor ou terem causado ou não o agravamento da insolvência deste, que o administrador criou culposamente a situação de insolvência do devedor ou agravou o estado de insolvência deste e o nexo causal entre esses comportamentos do administrador e a criação ou o agravamento do estado de insolvência do devedor.
8- A responsabilidade pessoal da pessoa afetada pela declaração da insolvência como culposa prevista na al. e), do n.º 2 do art. 189º do CIRE é uma responsabilidade insolvência extracontratual, em relação à qual se encontram preenchidos todos os pressupostos do art. 483º, n.º 1 do CC, presumindo a lei, de forma inilidível, nos casos do n.º 2 do art. 186º do CIRE, a culpa e o nexo causal.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

RELATÓRIO.

Recorrente: M. M.

A. S., residente na Rua …, N. F., residente na Av. …, M. T., residente na Rua …, e C. F., residente na Rua …, instauraram a presente ação especial de insolvência contra Bordado … – Sociedade Unipessoal, Lda., com sede no Lugar de ..., Pavilhão .., …, pedindo que se declare a insolvência desta.

Citada a requerida não deduziu oposição.

Por sentença proferida em 27/05/2019, declarou-se a insolvência da requerida Bordados ... - Sociedade Unipessoal, Lda., fixou-se residência à gerente desta, M. M., designou-se administrador de insolvência e, além do mais, designou-se data para a realização da assembleia de credores a fim de apreciar o relatório a elaborar pelo administrador de insolvência a que alude o art. 155º do CIRE.

O administrador de insolvência elaborou o relatório a que alude o art. 155º do CIRE em que conclui que “a sociedade insolvente não tem qualquer capacidade de apresentar aos credores um plano de recuperação que preveja a manutenção da sua atividade”. Propõe aos credores o seguinte:
“9.1- Sejam resolvidos todos os contratos de trabalho que, nesta data, ainda se encontram em vigor, com referência à data da declaração da insolvência;
9.2- Encerramento da atividade do estabelecimento da sociedade insolvente, com comunicação oficiosa pelo tribunal à Administração Tributária, em conformidade com o disposto no n.º 3 do art. 65º do CIRE, reportada à data da declaração da insolvência, ou seja, 28 de maio de 2019;
9.3- Uma vez que a massa insolvente se afigura insuficiente para suportarem as custas do processo e restantes dívidas da massa, o Administrador de insolvência, desde já, dá conhecimento desse facto à Senhora Juiz de Direito, para efeitos do disposto na al. d), do n.º 1, do art. 230º e/ou art. 232º do CIRE, devendo, no entanto, prosseguir a liquidação da sociedade nos termos jurídicos dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais;
9.4- Prosseguir a liquidação da sociedade nos termos jurídicos dos procedimentos administrativos de dissolução e liquidação de entidades comerciais”.

Em 25/07/2019 teve lugar a assembleia de credores de apreciação do referido relatório, em que o administrador de insolvência reafirmou o teor deste e propôs que os autos prossigam para liquidação, bem como o encerramento formal do estabelecimento comercial da devedora e comunicação ao serviço das finanças, nos termos do art. 65º, n.º 3 do CIRE.

Essa proposta foi votada favoravelmente pelos credores da insolvente, pelo que, por despacho então proferido, determinou-se que os autos prossigam “para liquidação do ativo, designadamente, com vista à eventual resolução em benefício da massa dos atos praticados pela insolvente”.

Posteriormente, o Juiz a quo determinou que fosse declarado aberto o incidente de qualificação de insolvência, com caráter pleno.

No prazo legalmente previsto, nenhum credor veio apresentar alegações nos termos do artigo 188º, nº 1 do C.I.R.E.
O administrador de insolvência emitiu e juntou aos autos o seu parecer, em obediência ao disposto no artigo 188º, nº 2, do C.I.R.E.
Nesse parecer pronuncia-se pela qualificação da insolvência como culposa, afetando M. M. por essa declaração, sustentando que a sociedade insolvente não cumpriu com o dever de assegurar a elaboração e manutenção da contabilidade em devida ordem, através do lançamento de todas as operações e transações realizadas, pelo que considerando as razões subjacentes aos mesmos, impossibilitou, e impossibilita, a compreensão da situação financeira e patrimonial da empresa explorada pela insolvente;
Mais sustenta que apesar de organizada de acordo com o NC-ME, a contabilidade da sociedade insolvente não reflete a imagem verdadeira da situação patrimonial e financeira dessa empresa, pelas razões que concretiza nesse parecer.

Tendo tido vista nos autos, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da qualificação da insolvência como culposa, nos termos do artigo 186º, nº1, nº 2, alíneas a), d), f) e h) e i) do CIRE, devendo ser afetada pela qualificação da insolvência como culposa, M. M., sua sócia e gerente, e ser fixado o período em que esta fica inibida para o exercício do comércio, entre 2 a 10 anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa.
Mais considera dever determinar-se a perda de quaisquer créditos de M. M. sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente por si detidos, a existirem, e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos; serem os afetados condenados a indemnizar os credores da devedora declarada insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respetivo património; e ser a inibição para o exercício do comércio registada na Conservatória do Registo Civil e, quando as pessoas afetadas forem comerciantes em nome individual, também na Conservatória do Registo Comercial, com base na comunicação eletrónica ou telemática da secretaria, acompanhada de extrato da sentença - artigo 189º, nº 3 do CIRE e 69º, nº1, al. l) Código Registo Civil.

Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 188º, nº6 CIRE, tendo a insolvente e M. M. sido, respetivamente, notificada e citada para se oporem, querendo, quanto à qualificação da insolvência como culposa e quanto aos fundamentos para tanto invocados pelo administrador de insolvência e pelo Ministério Público.

M. M. veio oferecer articulado de oposição a fls. 107 e ss., alegando desconhecer as razões de na conta da contabilidade da insolvente existir um saldo no valor de 70.215,26 euros, dinheiro esse que sustenta não existir, tratando-se de um valor meramente indicativo, isto porque, atendendo ao uso que é dado frequentemente à conta da caixa, tal indicador, por si só, não indicia a existência de uma contabilidade fictícia;
Aceita os factos alegados no ponto 1º do parecer do Ministério Público mas advoga que daí não se pode concluir terem sido beneficiados alguns credores em detrimentos de outros;
Alega que há vários anos não exerce a gerência de facto da sociedade insolvente, sendo essa gerência de facto exercida por P. S., limitando-se aquela a assinar a documentação que este último lhe apresentava para assinar, razão pela qual não pode ser afetada pela qualificação da insolvência como culposa.

O Ministério Público requereu então, perante a enunciada defesa de M. M., a intervenção principal provocada de P. S., com vista à condenação solidária deste com M. M. nos efeitos da qualificação da insolvência como culposa.
Nenhum interveniente processual se opôs ao referido incidente.
Por decisão proferida em 15/11/2019, deferiu-se a intervenção principal provocada de P. S. e ordenou-se a citação deste para deduzir, querendo, oposição.
O interveniente P. S. deduziu oposição, impugnando que tivesse alguma vez sido gerente de direito ou de facto da sociedade insolvente, sustentando ter sido mero trabalhador dessa sociedade, na qual exercia as funções de chefe de secção.
Conclui pedindo que seja absolvido do incidente de qualificação da insolvência como culposa.

Proferiu-se despacho fixando o valor do presente incidente de qualificação da insolvência em 30.000,01 euros.
Mais se proferiu despacho saneador tabelar, fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova, que não foram alvo de reclamação, e conheceu-se dos requerimentos de prova apresentados pelas partes e designou-se data para a realização de audiência final.

Realizada audiência final proferiu-se sentença, qualificando a insolvência como culposa e como pessoa afetada por essa declaração M. M., constando essa sentença da seguinte parte dispositiva:

“Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decido:
a) Qualificar como culposa a insolvência de Bordados ... - Sociedade Unipessoal, Lda., declarando afetada pela mesma M. M.;
b) Fixar em 6 (seis) anos o período da inibição de M. M. para administrar patrimónios de terceiros, o exercício do comércio, ocupação de cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, bem como para administrar patrimónios de terceiros.
c) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por M. M. e condená-la na restituição de eventuais bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos;
d) Condenar, ainda, a requerida M. M. a pagar aos credores o montante correspondente ao total dos créditos reconhecidos na lista apresentada pelo Administrador da Insolvência nos termos do art. 129º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que não forem liquidados pelo produto da liquidação do ativo, ou seja, o montante dos créditos que fiquem por liquidar, valor a fixar em liquidação de sentença.
e) Absolvo P. S. do pedido contra si formulado.
Fixo o valor do incidente em €30.000,01.
Custas pela requerida M. M. - artigo 527º, nº1 CIRE”.

Inconformada com essa decisão, M. M. interpôs o presente recurso de apelação, em que apresenta as seguintes conclusões:

I) Ao condenar a Recorrente, nos presentes autos, no montante dos créditos que fiquem por liquidar, sem o limite legal e imperativamente estabelecido das forças do património da afetada, há, prima facie, uma condenação diversa da peticionada pelo M.P. na sua promoção. Ocorre assim, a nulidade da sentença, porquanto a condenação da al. d) da parte decisória, configura um vício de extrapetição que determina a nulidade da sentença por condenação em objeto diverso do pedido, nos termos da 2º parte da alínea e) do nº 1 do art. 615º do C.P.C.
II) Em 16 dos factos provados foi dada por assente a seguinte matéria:
Numa altura em que a sociedade insolvente era já devedora perante diversos credores, a sua sócia e gerente M. M. utilizou aqueles valores para pagar arbitrariamente a credores, designadamente à Autoridade Tributária e Aduaneira e à Segurança Social, desconhecendo-se o valor entregue e a natureza dos créditos a reclamar por tais credores”.
Ora, como resulta das declarações do Sr. AI, a sociedade só ficou a dever aos funcionários, tendo sido apenas estes que reclamaram créditos. Contudo, no momento em que foi vendido o imóvel e o equipamento, os funcionários não eram credores.
Na verdade, inexistindo qualquer credor, para além dos funcionários, a Meritíssima Juíza a quo não podia dar como provado que, na altura das vendas, a insolvente era já devedora perante diversos credores.
Assim, a matéria vertida em 16 dos factos provados deverá ser eliminada e, em sua substituição, considerar-se provado que: “ na altura das vendas referidas em 12 e 13 supra, os funcionários da devedora, únicos reclamantes de créditos na insolvência, ainda não eram credores”.
III) Quanto à alínea h) do nº 2 do art. 186º:
Prescreve esta norma que considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores tenham incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantendo uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticando irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor.
Ora, para que a presunção do artigo 186º nº 2 alínea h) do CIRE se encontre preenchida, é necessário verificar-se que as irregularidades contabilísticas sejam propositadamente feitas para mascarar a realidade económica da empresa insolvente, não se considerando suficiente para preencher a presunção normativa referida qualquer incumprimento ou irregularidade contabilística.
Sucede que, como consta dos autos, a insolvente tinha a sua contabilidade organizada, procedendo-se sempre à aprovação e depósito das contas anuais. A situação espelhada nessas contas é uma situação de desequilíbrio económico-financeiro. Inexiste, portanto, qualquer propósito de iludir credores - que nem sequer existiam à data da declaração de insolvência - por parte da afetada.
IV) A Recorrente, ao contrário do que se diz na sentença em apreço, não fez a insolvente praticar qualquer irregularidade que impedisse a compreensão cabal da sua situação patrimonial e financeira, até porque a desconformidade dos saldos de caixa, não resultava de um acumulado de anos anteriores, pelo que não houve qualquer obstrução à avaliação da alegada dissipação de património que, advirta-se, também não existiu.
V) A realidade da empresa insolvente estava assim evidenciada sem mascaras nos documentos públicos de prestação de contas acessíveis a qualquer interessado, pelo que não vemos que possa considerar-se preenchida a previsão da alínea h) do nº 2 do artigo 186º do CIRE.
VI) No que concerne à alínea a) do nº 2 do art. 186º:
Estatui o art. 186º nº 2 al. a) do CIRE que se considera sempre culposa a insolvência do devedor que não seja pessoa singular quando os seus administradores de direito ou de facto tenham ocultado ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor.
Considera-se, na douta sentença recorrida, que com as vendas realizadas em 13/2/2019 e 21/2/2019 a Recorrente “fez desaparecer da empresa parte considerável do seu património ”. Entendemos que não. Ora vejamos:
Por um lado, a previsão que se encontra tipificada nesta alínea é apenas a de ações que incidam direta e imediatamente sobre as coisas que integram o património do devedor, em consequência das quais este sofre pelo menos considerável afetação, e não uma atuação dirigida à alteração da situação jurídica do bem.
VII) Por outro lado, apenas se encontra provada, no que concerne às vendas, a matéria assente em 12, 13, 14 e 15 e embora se possa afirmar que a massa insolvente ficou substancialmente reduzida com tais vendas, daí não se segue que a prática de tais atos se tenham traduzido numa ocultação ou desaparecimento de bens ou, sequer, diminuído, frustrado, dificultado, posto em perigo ou retardado a satisfação dos credores da insolvente.
Efetivamente, para que assim fosse era necessário que estivesse provado, desde logo, que os valores pelos quais tais bens foram vendidos não foram recebidos pela insolvente, ou não entraram no seu património e provou-se exatamente o inverso, que tais montantes integraram as contas da devedora/insolvente.
VIII) Acresce que, a Lei exige que a conduta culposa do administrador tenha por objeto todo ou parte considerável do património do devedor, o que implicaria descortinar o valor a atribuir aos bens transmitidos. Ora, o elenco factual é completamente omisso a este respeito, não possuindo a Meritíssima Juíza a quo elementos que lhe permitissem concluir - como fez - que os bens em causa representavam uma parte considerável do património da insolvente.
IX) Diga-se ainda não se entender como pode a sentença recorrida perfilhar o conceito de desaparecimento do património, quando se tratam de alienações refletidas na contabilidade da insolvente e cujos preços integraram o seu património, como se provou.
X) No que diz respeito à alínea d) do nº 2 do art. 186º:
Nos termos da alínea d) do nº 2 do art. 186º do CIRE considera-se sempre culposa a insolvência do devedor quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros.
Diz-se na sentença recorrida que a Recorrente “…dispôs dos bens da insolvente em proveito de terceiro.”

No âmbito da alínea d) do art. 186º do CIRE, ter-se-ão de apurar factos de onde decorra que a gerente da insolvente realizou:

1) Atos de disposição;
2) De bens do devedor;
3) Em proveito pessoal (da gerente) ou de terceiros.

Ora, compulsada a factualidade dada como provada, constata-se que o 3º requisito não se encontra preenchido. Já que, apesar de se ter apurado que foram realizados atos de disposição de bens da devedora, a verdade é que não consta da matéria de facto provada que tais atos tenham sido realizados em proveito pessoal da afetada ou dos terceiros aquirentes.
XI) Por outro lado, para se defender - como faz a sentença apelada - que os atos de disposição foram realizados em proveito de terceiros, necessário se tornava que estivesse demonstrado que os valores das vendas não correspondiam aos valores reais dos bens, ou seja que estes haviam sido vendidos por preços inferiores aos seus valores de mercado. Ora, tal prova não foi feita, pelo que está afastado o requisito de tais atos de disposição terem produzido proveito a terceiros.
XII) Assim, por não se encontrar verificado nenhum dos pressupostos elencados nas alíneas a), d) e h) do art. 186º nº 2 do CIRE, deverá ser qualificada a insolvência como fortuita, o que desde já se invoca e requer.
XIII) De todo o modo sempre a qualificação da insolvência como culposa não poderia comportar a penalização aplicada na sentença recorrida. Isto porque, a indemnização prevista na alínea e) do nº 2 do art. 189º do CIRE tem três limites, a saber:
1º) O total dos créditos reconhecidos;
2º) O montante dos créditos não satisfeitos; e
3º) A força do património do responsável.

Sucede que a sentença apelada olvidou-se do terceiro limite, isto é, condenou a Recorrente no valor dos créditos reconhecidos na parte que não tiverem sido pagos pelo produto da liquidação do ativo, esquecendo-se, contudo, de que tal indemnização tinha o limite da força do património da afetada.
Pelo que sempre teria de ser revogada a condenação da línea d) da decisão, substituindo-se por outra determinando que a indemnização teria sempre como limite as forças do património da afetada.
XIV) Discorda-se por completo da interpretação literal que é feita pela douta sentença do disposto no art. 189º nº 21 al. e) e nº 4, que consiste em considerar que a pessoa afetada fica obrigada a indemnizar os credores pela totalidade dos valores dos créditos não satisfeitos pela massa, no pressuposto que no património daquela existam bens suficientes para tal. É inaceitável por ser demasiado severa e desproporcional, e daí inconstitucional, pois, no limite poderia conduzir à insolvência das pessoas afetadas pela insolvência.
XV) Se é incontroverso que a declaração de insolvência culposa não prescinde da existência de um nexo causal relativo à atuação do devedor, também a indemnização aos credores é indissociável de uma tal causalidade, exigindo-se o mesmo nexo causal entre a atuação do devedor e o montante dos créditos não satisfeitos, sendo certo que não se pode extrair da lei a existência de qualquer presunção relativa ao nexo de causalidade. A não ser assim, estaríamos perante uma responsabilidade objetiva, sem culpa, que, como é consabido, apenas pode existir nos casos expressamente previstos na lei, sob pena de subversão de todo o sistema ressarcitório, punindo-se o devedor pela verificação de danos que não lhe são imputáveis.
XVI) Inexistindo qualquer nexo causal entre a atuação da afetada e o montante dos créditos não satisfeitos, nenhuma indemnização deveria ser arbitrada. Na verdade, não foi estabelecido na douta sentença qualquer nexo causal entre a atuação da afetada e os créditos reclamados, porquanto não podemos ignorar que à data das vendas do imóvel e do equipamento, os ora credores nenhum crédito detinham sobre a insolvente.
XVII) Por outro lado, a Meritíssima Juíza a quo, para fundamentar a condenação no pagamento da indemnização, limita-se a mencionar “a culpa mediana/alta da requerida”, ficando sem se saber a que factualidade se reporta, sendo certo que não se encontrando demonstrado o valor dos danos causados pelo alegado comportamento da afetada, nenhuma indemnização poderia ser arbitrada.
XVIII) Assim, a douta sentença apelada fez errada aplicação e interpretação das alíneas a), d) e h) do nº 2 do art. 186º e do art. 189º nº 2 al. e ) e nº 4, ambos do CIRE, pelo que deverá ser revogada, com todas as consequências legais.

Termos em que deverá ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por douto acórdão que julgue a insolvência fortuita.

Apenas o Ministério Público contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação, apresentando, nas suas contra-alegações, as conclusões que se seguem:

1. Não foi dado cumprimento ao ónus a que alude o artº 640º, nº 2, al. a), do Código de Processo Civil, face à impugnação da matéria de facto, pelo que o recurso deverá ser rejeitado nesta parte;
2. A apelante confessou em julgamento a prática dos factos que lhe eram imputados, que foram cristalizados na sentença esquadrinhada e que ora questiona;
3. A sua versão dos factos serviu para que o Tribunal a quo desresponsabilizasse o outro requerido, a quem curiosamente aquela veio a atribuir a qualidade de gerente de facto na apresentação da sua oposição escrita;
4. Inexiste qualquer nulidade da decisão sindicada, nomeadamente por ter condenado para além do peticionado pelo Ministério Público, pois que a expressão em falta “até às forças do respetivo património” tem a virtualidade oposta àquela a que a apelante quis arribar;
5. De facto, ali se pretende esclarecer que todo o património pessoal dos culpados fica sujeito à responsabilidade que lhes é imputada, sem necessidade de a adjetivar de ilimitada;
6. De qualquer forma, aqui vigora o princípio do inquisitório e é indiferente o que as partes aleguem para efeitos quer da fixação da matéria de facto quer da própria condenação;
7. Na altura das vendas a que aludem os factos dados como provados em 12. e 13., não contraditados, havia já créditos laborais constituídos, o que era do conhecimento da apelante (“Admite que não conseguiu pagar o tempo de serviço aos empregados, que estavam na empresa desde o começo, em 1991/1992”);
8. Se assim não fosse, os 150.373,24 € reclamados pelos trabalhadores e reconhecidos na lista a que alude o artº 129º, nº 1 e nº 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, apenas se tinham constituído após a declaração de insolvência (ou pelo menos após as aludidas vendas), o que é evidentemente errado;
9. Como o produto das vendas foi canalizado ao pagamento de outros credores (que não trabalhadores), o que também não é contraditado, antes confessado, existe naturalmente um privilégio de credores;
10. Se submetido a rateio, o valor dos créditos reconhecidos em 8. seria praticamente satisfeito com o valor das vendas de bens (130.045,00 €) identificadas nos factos dados como provados em 12. e 13.;
11. Foi (comprovadamente) vendida a totalidade do património da sociedade devedora a terceiros e o valor das vendas não reverteu para a massa insolvente, onde deveria ser utilizado para pagamento dos créditos que viessem a ser reclamados de acordo com as regras legais fixadas pelo legislador e não segundo critérios de oportunidade, a serem definidos arbitrariamente por quem procede aos pagamentos;
12. Ademais, desconhece-se em absoluto qual o valor dos créditos efetivamente pagos e se aqueles 130.045,00 € foram integralmente canalizados para pagamentos a credores;
13. A contabilidade da insolvente estava substancialmente desorganizada pois que:
1. na conta 1.1. existia um saldo de “caixa” no valor de 70.215,26 €, que não foi apreendido para a massa insolvente por se desconhecer o seu paradeiro;
2. na conta 1.2. existia um saldo de depósitos à ordem no montante de 14.932,63 €, sendo que apenas foi possível apreender para a massa a quantia de 20,71 € existente numa conta da Caixa ... e M. M. admitiu que tal valor não existia;
3. na conta 2.1.1.1.1. o saldo de clientes no montante de 3.968,02 €, que seria devido por terceiros, apenas o era efetivamente em 326,68 €, conforme respostas fornecidas pelos alegados devedores ao administrador de insolvência;
14. Da quantia global de 130.045,00 € obtida com as vendas apenas foi demonstrado que 14.707,86 € foram para pagar à Caixa ..., SA, desconhecendo-se o destino dos restantes 115.337,14 € e que terá sido usado em proveito pessoal da apelante;
15. Os credores que foram pagos com o produto das referidas vendas não tiveram necessidade de reclamar os seus (alegados, nunca comprovados) créditos, não foi possível a outros (designadamente aos próprios trabalhadores) impugnarem a sua existência (total ou parcial) e, como tal, foram evidentemente beneficiados pois que não se submeteram às regras do rateio, onde os créditos laborais são garantidos e são preferidos nos termos dos arts. 172º e segs. do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
16. Está assim preenchido o circunstancialismo previsto no artº 186º, nº 2, als. a), d) e h), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – presunções inilidíveis da qualificação da insolvência como culposa;
17. Tratando-se de presunções inilidíveis, quando se preencha algum dos factos elencados no artº 186º, nº 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a única forma de escapar à qualificação da insolvência como culposa será a prova, pelo visado, de que não praticou o ato elegível e suscetível de figurar no referido elenco, o que não sucedeu;
18. A condenação no pagamento dos créditos não satisfeitos através da liquidação não incorpora uma qualquer decisão inconstitucional, por violadora dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justiça, mostrando-se ao invés legal e devidamente fundamentada;
19. A apelante é a única sócia e gerente da devedora desde a data da sua constituição (07 de dezembro de 2001), é desconhecido o paradeiro de parte do produto da venda (concretamente de 115.337,14 €) e a contabilidade da devedora reflete a existência de um saldo de “caixa” superior a 70.000,00, que não foi apreendido para a massa insolvente, quantias que seriam suficientes para pagar os créditos por liquidar;
20. Estando verificados os cinco pressupostos da responsabilidade em causa (facto voluntário, culpa, dano, nexo de causalidade e ilicitude), a obrigação de indemnizar apenas poderia ser fixada nos termos em que o foi.
Termos em que se conclui no sentido supra exposto, julgando-se o recurso improcedente.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.

No seguimento desta orientação, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste tribunal são as seguintes:

a- se a sentença sob sindicância é nula por condenação em pedido diverso do deduzido pelo Ministério Público, ao ter condenado a apelante nos montantes dos créditos que não vierem a ser liquidados pelo produto da liquidação do ativo, cujo montante relegou para liquidação de sentença, sem o limite legal e imperativamente estabelecido das forças do património da afetada;
b- se essa sentença padece de erro de julgamento da matéria de facto ao julgar como provada a facticidade do ponto 16º, e se uma vez revisitada e reponderada a prova produzida, se impõe concluir pela prova da facticidade que se segue:

“Na altura das vendas referidas em 12º e 13º supra, os funcionários da devedora, únicos reclamantes de crédito na insolvência, ainda não eram credores”.

A propósito da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pela apelante, suscita-se a questão prévia de se saber se esta cumpriu com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto previstos no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. b) do CPC, uma vez que essa questão é suscitada pelo apelado Ministério Público, que sustenta que a mesma não cumpriu com o ónus impugnatório enunciado na al. a), do n.º 2 do art. 640º e quando, independentemente dessa alegação, trata-se de questão que é do conhecimento oficioso do tribunal ad quem, sem o que não é viável ao último entrar na sindicância do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância que vem impugnado pela apelante;
c- se a sentença recorrida padece de erro de direito ao:
c.1- qualificar a insolvência como culposa, quando não se encontram preenchidos os pressupostos legais para o efeito e
c.2- ao condenar a apelada a satisfazer a indemnização a que alude o art. 189º, n.º 2, al. e) do CIRE, sem estabelecer o limite fixado nesse dispositivo legal e quando essa condenação se revela severa e desproporcional, pois, no limite, poderá conduzir à própria insolvência da pessoa afetada pela insolvência e quando não se provou a existência de qualquer nexo causal entre a atuação da apelante e o montante dos créditos que vierem a não ser satisfeitos pelas forças da massa insolvente e quando, na referida sentença, o tribunal a quo se limita a concluir pela existência de “culpa alta da requerida”, sem se saber a que factualidade a que se reporta.
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A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade:
1- A sociedade Bordados ... - Sociedade Unipessoal, Lda., foi declarada insolvente por sentença de ..-5-2019, que transitou em julgado.
2- A insolvente, pessoa coletiva contribuinte ……, com sede no Lugar de ..., pavilhão .., Vila Nova de Famalicão, tem por objeto a indústria de bordados, confeção e acabamentos.
3- M. M., residente na Rua … Vila Nova de Famalicão, foi sempre a única gerente da insolvente até à declaração de insolvência.
4- M. M. era quem decidia que negócios encetar e os seus termos, acordando quais as relações comerciais que mantinha com terceiros, com quem tratava, emitindo cheques e contactando com bancos, quando necessário.
5- M. M. era a responsável pela gestão, administração e representação de toda a atividade exercida, cabendo-lhe também a decisão de afetação dos seus recursos financeiros à satisfação das respetivas necessidades e sobre os pagamentos aos fornecedores e credores da sociedade insolvente, a contratação de funcionários, a emissão de cheques, a assinatura de documentos e a entrega daqueles que serviam de base à elaboração da contabilidade.
6- Na conta 1.1 da contabilidade da insolvente existia um saldo de “caixa” no valor de € 70.215,26.
7- Este montante não foi apreendido para a massa insolvente por se desconhecer o seu paradeiro.
8- Na conta 1.2 existia um saldo de depósitos à ordem no montante de € 14.932,63, sendo que, na sequência das diligências encetadas pelo administrador de insolvência apenas foi possível apreender para a massa a quantia de € 20,71 existente numa conta da Caixa ....
9- Confrontada verbalmente pelo administrador de insolvência, M. M. corroborou que a quantia de € 14.932,63 espelhada na contabilidade da sociedade insolvente não tinha correspondência com a realidade.
10- Resulta ainda da contabilidade da devedora na conta 2.1.1.1.1 o saldo de clientes no montante de € 3.968,02 que seria devido por terceiros.
11- Mas apenas foi possível cobrar a quantia de € 326,68 tendo os credores informado o administrador de insolvência que nada devem ou que já pagaram.
12- A insolvente no dia 13-2-2019, pelo montante de € 120.000,00 vendeu à sociedade X - Imobiliária, Lda., o prédio urbano composto por rés do chão e andar, destinado a pavilhão industrial e escritório, com logradouro, sito no Lugar de ..., ..., Vila Nova de Famalicão, inscrito na matriz sob o artigo ..., da União de Freguesias de ... e ..., proveniente do extinto artigo ... da Freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ... (imóvel onde aquela exercia o seu objeto social).
13- No dia 21-2-2019, a insolvente vendeu a totalidade dos equipamentos que eram por si utilizados no exercício da sua atividade à sociedade Y - Unipessoal, Lda., pelo montante de € 10.045,00.
14- O montante referido em 12 foi pago através de cheque bancário com o nº 342 169 182 1, sacado sob o Banco ..., SA, que foi creditado numa conta da sociedade insolvente domiciliada na Caixa ..., SA.
15- O montante referido em 13 foi pago através de transferência bancária do Banco ..., SA. e creditado numa conta da sociedade insolvente domiciliada na Caixa ..., SA.
16- Numa altura em que a sociedade insolvente era já devedora perante diversos credores, a sua sócia e gerente M. M. utilizou aqueles valores para pagar arbitrariamente a credores, designadamente à Autoridade Tributária e Aduaneira e à Segurança Social, desconhecendo-se o valor entregue e a natureza dos créditos a reclamar por tais credores.
17- A insolvente utilizou parte daquele valor para pagar € 14.707,86 à Caixa ..., SA, através da liquidação antecipada do financiamento 711.510 915 9, operada no dia 25-2-2019.
18- Em virtude daquelas vendas não existem quaisquer bens apreendidos para a massa insolvente com exceção de uma máquina de bordar vendida à Y, aguardando-se o termo da ação de impugnação da resolução da venda referida em 13 no apenso E destes autos.
19- P. S. foi trabalhador da insolvente, exercendo funções de chefe de secção, tendo sempre cumprido as ordens e orientações da gerente.
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Por sua vez, a 1ª Instância julgou como não provada a facticidade que se segue:
A- Que a M. M. não exercia há anos a gerência de facto da sociedade.
B- Que quem exercia a gerência de facto era um ex-funcionário da insolvente, P. S..
C- Que a M. M. desconheceu sempre o rumo que a insolvente tomava, acreditando que o senhor P. S. geria a sociedade da melhor forma, e que os negócios corriam bem.
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B- FUNDAMENTAÇÃO JURIDICA

B.1- Nulidade da sentença por condenação em objeto diverso do pedido.

Sustenta a apelante que a sentença recorrida é nula em virtude de nela a 1ª Instância a ter condenado em objeto diverso do pedido formulado pelo Ministério Público, ao condená-la “a pagar aos credores o montante correspondente ao total dos créditos reconhecidos na lista apresentada pelo administrador da insolvência, nos termos do art. 129º do CIRE, que não forem liquidados pelo produto da liquidação do ativo, ou seja, o montante dos créditos que fiquem por liquidar, valor a fixar em liquidação de sentença”, sem o limite legal e imperativamente estabelecido na al. e), do n.º 2 do art. 189º do CIRE das forças do património desta, mas antecipe-se, desde já, sem razão.

Vejamos:

Os vícios da nulidade da sentença encontram-se taxativamente elencados no art. 615º do CPC (a que se referem todos os dispositivos legais sem menção em contrário) e reportam-se a vícios formais da sentença, despacho (art. 613º, n.º 3) ou acórdão (art. 666º, n.º 1) em si mesmos considerados, decorrentes de neles não terem sido respeitadas as normas que regulam a sua elaboração ou estruturação ou as que balizam os limites da decisão neles proferida (o campo de cognição do tribunal fixado pelas partes e de que este podia conhecer oficiosamente não foi respeitado, ficando a decisão aquém ou indo além do thema decidendum), tratando-se, por isso, de defeitos de atividade ou de construção da própria decisão em si mesma considerada, isto é, vícios formais que a afetam de per se ou os limites à sombra dos quais é proferida(1).
Uma das causas determinativas de invalidade da decisão é quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido (al. e), do n.º 1 do art. 615º).
Trata-se de uma causa invalidatória que se relaciona com o disposto no art. 609º do CPC, onde se estabelece que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir (n.º 1).
Na verdade se por força do princípio do dispositivo, o processo tem de se iniciar por iniciativa insubstituível do autor, pois só a ele cabe solicitar a tutela jurisdicional, que não pode ser oficiosamente concedida (art. 3º, n.º 1 do CPC), e se esse processo se inicia com a apresentação da petição inicial (art. 259º), em que o autor terá de alegar os factos constitutivos da situação que quer fazer valer ou negar em juízo, ou integrantes do facto ou cuja existência ou inexistência afirma, isto é, os factos constitutivos da causa de pedir, e onde terá de formular a pretensão de tutela judiciária que pretende que o tribunal lhe reconheça com fundamento nessa concreta causa de pedir que alega, isto é, o pedido, quer o pedido, quer a causa de pedir invocados pelo autor em sede de petição inicial e, bem assim as exceções invocadas pelo réu na contestação e as contra-exceções que o autor oponha a essas exceções, conformam necessariamente o objeto do processo e condicionam o âmbito de cognição dentro do qual o tribunal se pode mover e, consequentemente, a decisão de mérito a ser por ele proferida.
Deste modo, é que o juiz, na sentença, “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceto aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”, não podendo “ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” (art. 608º, n.º 2) – o que se prende com os fundamentos (causa de pedir e exceções) - e “não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir (art. 609º, n.º 3) – o que já se relaciona com a pretensão (pedido).
Sempre que o tribunal viole aqueles limites do seu poder cognitivo que lhe foram traçados pelas partes incorre em nulidade, por violação dos princípios do dispositivo e do contraditório.
Essa violação pode decorrer da circunstância de o juiz ter ultrapassado os limites fixados pelas partes quanto à causa de pedir e exceções ou quanto ao pedido.
Quando o tribunal condena o réu ou o autor-reconvindo em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, posterga os limites do poder jurisdicional que lhe está conferido, infringindo o princípio do dispositivo e, noutra vertente, o princípio do contraditório (art. 3º, n.º 3), na medida em que condena a parte contrária (o réu ou o autor-reconvindo) em pedido em relação ao qual não teve oportunidade de se defender e de influir ativamente na decisão que acabou por ser proferida, pelo que essa sentença é nula na parte em que ocorre o excesso cometido em relação ao pedido formulado (art. 615º, n.º 1, al. e)).
Esse excesso de condenação pode ser quantitativo ou qualitativo, sendo que, no primeiro caso, verifica-se o vício da condenação “em quantidade superior”, também designado de condenação “extra vel ultra petitum”, enquanto, no segundo, verifica-se o vício da condenação em objeto diverso do pedido.
Conforme decorre do que se vem enunciando, o vício da condenação ultra petitum e em objeto diverso do pedido não se confunde com o vício determinativo da nulidade da sentença por omissão ou excesso de pronúncia a que alude o art. 615º, n.º1, d) do CPC.
Na verdade, o vício da nulidade por omissão ou por excesso de pronúncia reporta-se aos fundamentos da ação, isto é, à causa de pedir em que o autor faz assentar o pedido, ou das exceções ou das contra exceções invocadas pelas partes para impedir, modificar ou extinguir o efeito jurídico que a sua contraparte visa alcançar.
Já o vício da nulidade da decisão judicial por condenação ultra petitum reporta-se ao pedido, isto é, o tribunal condena em pretensão quantitativamente superior à que tinha sido formulada pelo autor na petição inicial ou pelo réu-reconvinte na reconvenção ou em pedido qualitativamente diverso desses pedidos.
Em síntese, se o tribunal condena no pedido, mas utiliza um fundamento (causa de pedir ou exceções não invocados pelas partes e de que não lhe era lícito conhecer oficiosamente) excede os seus poderes de conhecimento. Esta hipótese cabe na nulidade prevista no art. 615º, n,º 1, al. d) do CPC – excesso de pronúncia. Mas se o tribunal, mesmo utilizando os fundamentos admissíveis (causa de pedir e/ou exceções invocadas pelas partes ou de que lhe era lícito conhecer oficiosamente), condena em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, o caso inclui-se na previsão do art. 615º, n.º 1, al. e) do CPC – condenação ultra petitum (2).
Assentes nessas premissas, sustenta a apelante que, no caso, ocorre nulidade da sentença por nela a 1ª Instância a ter condenado em objeto diverso do pedido formulado pelo Ministério Público, em que este último tinha solicitado que o tribunal qualificasse a insolvência da sociedade “Bordados ... – Unipessoal, Lda.” como culposa, se declarasse a sócia e gerente desta, isto é, a apelante M. M., afetada por essa declaração e, além do mais, se condenasse a última a indemnizar os credores da sociedade insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respetivo património, isto porque, nessa sentença, a 1ª Instância condenou-a a pagar aos credores da sociedade insolvente o total dos créditos reconhecidos na lista apresentada pelo administrador da insolvência nos termos do art. 129º do CIRE, que não forem liquidados pelo produto da liquidação do ativo, ou seja, o montante dos créditos que fiquem por liquidar, valor a fixar em liquidação de sentença, mas sem limitar a responsabilidade em que a condenou pessoalmente às forças do respetivo património.
A esse respeito diremos que efetivamente o Ministério Público, no parecer que apresentou, pediu a condenação da apelante a indemnizar os credores da sociedade insolvente no montante dos créditos que não viessem obter satisfação na sequência da liquidação da massa insolvente, até às forças do respetivo património, quando na sentença recorrida, a 1ª Instância qualificou a insolvência da sociedade “Bordados ... – Unipessoal, Lda.”, como culposa e declarou a apelante, na qualidade de única sócia e gerente dessa sociedade, afetada por essa declaração e condenou-a naquele pedido, mas sem limitar essa condenação “até às forças do património” desta.
Dir-se-á, no entanto, que a ser certa a posição da apelante segundo a qual a ausência desse limite consignado na sentença sob sindicância, que limita a responsabilidade da mesma, enquanto pessoa afetada pela declaração da insolvência como culposa da sociedade de que era sócia e gerente, até às forças do seu património, determina a nulidade dessa sentença, essa nulidade não decorre do tribunal a ter condenado em objeto diverso do pedido formulado pelo Ministério Público, mas antes por a ter condenado em quantidade superior ao pedido formulado pelo Ministério Público, isto porque o último, no pedido que deduziu, limitara o pedido de condenação daquela a indemnizar os credores da insolvente pelos créditos dos credores da sociedade insolvente que viessem a não obter satisfação na sequência da liquidação da massa insolvente, até às forças do património da apelante, quando o tribunal a quo, na sentença recorrida, condenou-a nesse pedido, mas sem estabelecer esse limite.
Logo, a condenação da apelante constante da sentença é qualitativamente igual àquela que consta do pedido formulado pelo Ministério Público no parecer que emitiu, mas o que se afirma é uma condenação da apelada em montante, isto é, em quantidade, superior àquela que figura no pedido formulado pelo Ministério Público - este último limitara a responsabilidade pessoal da apelante às forças do seu património e na sentença recorrida o tribunal a quo não limitou a condenação pessoal da apelante a esse limite, sequer a limite algum.
No entanto, embora se reconheça que na sentença recorrida o tribunal não limitou a responsabilidade pessoal da apelante às forças do património desta, limite esse que constava do pedido formulado pelo Ministério Público e que, conforme realça a própria apelante, é um limite que decorre imperativamente da al. e), do n.º 2 do art. 189º do CIRE, salvo o devido respeito por entendimento contrário, não há no caso qualquer nulidade por condenação ultra petitum, sequer faz qualquer sentido falar-se em condenação ultra petitum e invocar as causas da nulidade da sentença enunciadas no art. 615º do CPC, quando se está em sede de um incidente do processo de insolvência, que é um processo especial e que, enquanto processo especial que é, se encontra sujeito a um formalismo processual próprio e específico, em que, uma vez iniciado o processo de insolvência e declarada a insolvência da devedora, automaticamente, há lugar (ou poderá haver lugar) a um conjunto de concretos e específicos incidentes, os quais decorrem da lei e que o juiz do processo tem, por imperativo legal, de observar, independentemente de qualquer impulso processual das partes nesse sentido e de qualquer pedido formulado pelos interessados, pelo administrador de insolvência ou pelo Ministério Público, não ficando, por conseguinte, o juiz de insolvência sujeito aos limites do pedido que decorrem dos arts. 609º e 615º, n.º 1, al. e) do CPC, mas antes às regras processuais fixadas no CIRE e, por conseguinte, ao princípio da legalidade.

Vejamos:

O processo de insolvência é um processo especial, uma vez que se trata de um processo especialmente concebido para a tutela dos direitos do devedor, dos credores e de outros sujeitos na situação de insolvência do primeiro, em que a singularidade desse processo reside no perigo de não realização, ou não realização plena, dos direitos desses sujeitos.
“Por causa deste perigo, o processo de insolvência é composto de providências que são estranhas às formas ordinárias de tutela jurisdicional” como os que têm em vista “garantir os interesses dos credores e, em particular, o seu tratamento igualitário (por exemplo, os efeitos executivos, os efeitos sobre o créditos, os efeitos sobre os negócios em curso ou a resolução em benefício da massa) bem como outros, preordenados à salvaguarda dos interesses do devedor (por exemplo, a exoneração do passivo restante)” (3).

O processo de insolvência encontra-se sem dúvida alguma sujeito ao princípio geral enunciado no n.º 1 do art. 3º do CPC, uma vez que o tribunal não pode dar início a esse processo especial sem que o próprio devedor ou quem for legalmente responsável pelas dívidas deste, ou qualquer credor do mesmo, ou o Ministério Público (art. 20, n.º 1 do CIRE), instaurem o processo de insolvência.
No processo de insolvência, sem dúvida alguma que existe igualmente uma causa de pedir e um pedido, os quais têm de ser formulados imperativamente pelo requerente na petição inicial em que é requerida a insolvência.
Essa causa de pedir é constituída pelos factos concretos demonstrativos da situação de insolvência em que se encontra o requerente (quando seja o próprio devedor a instaurar a ação de insolvência, requerendo que seja declarado insolvente – art. 18º, n.º 1 do CIRE) ou o requerido (quando o processo de insolvência seja instaurado por quem for legalmente responsável pelas dívidas deste, por qualquer credor ou pelo Ministério Público – art. 20º, n.º 1 do CIRE) ou demonstrativos dos factos índices ou presuntivos de insolvência elencados no art. 20º do CIRE.
No processo de insolvência o pedido é a declaração de insolvência do devedor.
No entanto, dir-se-á que contrariamente ao que acontece no processo declarativo comum, em que o tribunal se encontra limitado à causa de pedir invocada pelo requerente na petição inicial e às exceções invocadas pelas partes nos respetivos articulados, no processo de insolvência o tribunal não se encontra submetido a esses constrangimentos fácticos, na medida em que nele vigora o princípio do inquisitório, podendo no processo de insolvência, embargos e incidente de qualificação de insolvência, a decisão do juiz fundar-se em factos que não tenham sido alegados pelas partes (art. 11º do CIRE), o que significa que este pode, por sua iniciativa, investigar livremente os factos, bem como recolher as provas e informações que entender convenientes e fundar a sua decisão nesses factos não alegados, mas que se vierem a provar, na sequência da indagação oficiosa que fez e da prova oficiosamente determinada, não estando, consequentemente, o juiz adstrito ou limitado aos factos alegados pelas partes nos respetivos articulados.
Aliás, dir-se-á que, neste aspeto, o processo de insolvência é igual e aproxima-se dos processos de jurisdição voluntária (art. 986º, n.º 2 do CPC).
Depois, caso o tribunal venha a declarar a insolvência, automaticamente deve encetar uma série de procedimentos legalmente estabelecidos com vista à tutela dos direitos do devedor insolvente, dos seus credores e de outros interessados, independentemente de qualquer promoção processual ou pedido formulado nesse sentido. É o caso do incidente da qualificação da insolvência.
Na verdade, caso disponha de elementos que justifiquem a abertura do incidente de qualificação da insolvência, cumpre ao juiz o ónus legal de logo, na sentença em que declara a insolvência do devedor, declarar aberto o incidente de qualificação (al. i) do n.º 1 do art. 36º do CIRE).
Significa isto que a abertura do incidente de qualificação da insolvência não está dependente de qualquer pedido formulado nesse sentido, mas apenas da circunstância de, no momento da prolação da sentença declarando a insolvência, o processo apresentar ou não elementos que, na perspetiva do juiz, justifiquem, por indiciarem que a insolvência é culposa, a abertura do incidente de qualificação.
Conforme ponderam Carvalho Fernandes e João Labareda, contrariamente ao que acontecia na versão originária do CIRE, em que era imperativo para todos os processos de insolvência, a abertura do incidente de qualificação da insolvência, agora, aquando da prolação da sentença que declare a insolvência, o tribunal vê-se confrontado “perante uma alternativa: ou o processo, na fase da prolação da sentença oferece já elementos que justificam a abertura – isto é, que indiciam a existência de culpa na insolvência, por parte de alguém elegível – e, nesse caso, a sentença deve, desde logo, declará-la; ou sucede o contrário, e, se assim for, deverá abster-se (…) mas o “facto de a sentença declaratória da insolvência se abster da abertura do incidente não exclui que ele venha a ser posteriormente desencadeado, precisamente segundo o que o n.º 1 do referido art. 188º estatui” (4).
No caso do juiz não determinar a abertura do incidente de qualificação da insolvência logo na sentença em que declara a insolvência do devedor, poderá assim posteriormente determinar essa abertura perante os factos que qualquer interessado ou o administrador de insolvência venham a alegar, por escrito, até 15 dias após a realização da assembleia de credores para apreciação do relatório do administrador (art. 188º, n.º 1 do CIRE).
Precise-se que a abertura do incidente de qualificação comporta, simplesmente, a possibilidade da insolvência vir a ser qualificada como culposa, mas não a determina, pelo que o simples facto do juiz determinar a abertura desse incidente, quer na sentença em que declara a insolvência, quer posteriormente, na sequência da referida alegação dos interessados ou do administrador de insolvência, não introduz qualquer modificação na esfera jurídica de quem quer que seja, designadamente, daqueles que, a final, possam ser afetados pela qualificação, e daí que a parte da sentença declaratória da insolvência em que o juiz ordena a abertura do incidente de qualificação ou em que posteriormente o declara aberto, seja irrecorrível (n.º 2 do art. 188º do CIRE) (5).
Tal significa que para efeitos de abertura do incidente da qualificação da insolvência como culposa ou fortuita, o juiz da insolvência não está dependente de qualquer pedido dos interessados ou do Ministério Público solicitando a abertura desse incidente, uma vez que a abertura do incidente em causa apenas está dependente da recolha pelo tribunal de elementos que justificam essa abertura, isto é, que indiciam a existência de culpa na insolvência, por parte de alguém elegível, sequer está dependente dos factos alegados pelas partes para efeitos de qualificá-la como culposa ou fortuita, sequer ainda está dependente de qualquer pedido, uma vez que os efeitos da declaração da insolvência como culposa encontram-se taxativamente enunciados no n.º 2 do art. 189º do CIRE, isto é, os efeitos emergentes da qualificação da insolvência como culposa decorrem diretamente da lei, cabendo ao juiz decretá-los e, sendo o caso, determinar a sua extensão (6).
Por conseguinte, contrariamente ao entendimento sufragado pelo apelante, em sede de efeitos decorrentes da qualificação da insolvência como culposa, o tribunal a quo não se encontrava limitado a qualquer pedido que tenha sido deduzido pelos interessados, pelo administrador de insolvência ou pelo Ministério Público, o qual, de resto, não formulou nos presentes autos qualquer pedido, mas limitou-se a emitir o parecer a que alude o n.º 4 do art. 188º do CIRE, pelo que independentemente daqueles interessados, o administrador de insolvência ou o Ministério Público requererem ou não que a insolvência venha a ser declarada como culposa, com os efeitos enunciados no n.º 2 do art. 189º do CIRE, ou do Ministério Público emitir ou não o mencionado parecer, cumpre ao tribunal, ex oficio, independentemente da posição daqueles, determinar a abertura desse incidente, logo na sentença ou, posteriormente, nos termos atrás enunciados, sempre que essa abertura seja justificada ou, dito por outras palavras, quando os elementos fácticos recolhidos no processo de insolvência indiciem que esta é culposa, isto é, sempre que estejam recolhidos elementos factuais dos quais decorram indícios em como se encontram preenchidos os pressupostos legais enunciados no art. 186º do CIRE para a qualificação da insolvência como culposa.
Acresce que uma vez aberto esse incidente de qualificação, sempre que o tribunal recolha elementos factuais de onde decorra estarem preenchidos os pressupostos legais previstos no art. 186º do mesmo Código que imponham a qualificação da insolvência como culposa, o juiz terá de declará-la como tal, com os efeitos decorrentes diretamente da lei enunciados no n.º 2 do art. 189º, efeitos esses que o tribunal apenas tem de decretar e determinar a respetiva extensão, reafirma-se, independentemente de qualquer pedido formulado nesse sentido.
Aliás, quando a devedora, o administrador de insolvência, os interessados ou o Ministério Público formulem pedido de abertura do incidente de condenação e peçam que por via dessa declaração sejam afetados determinados sujeitos e que estes últimos sejam condenados em determinados efeitos jurídicos, esses pedidos não limitam a atividade do tribunal, o qual, neste âmbito, não se encontra limitado pelo princípio do pedido enunciado nos arts. 609º e 615º, n.º 1, al. e) do CPC, mas apenas pelo princípio da legalidade, nomeadamente, quanto aos efeitos da qualificação da insolvência como culposa, cujos efeitos se encontram elencados no n.º 2 do art. 189º do CIRE.
Claro está que se na fixação dos efeitos da declaração da insolvência como culposa, o tribunal da insolvência não respeitar os limites fixados no n.º 2 do art. 189º, diversamente do pretendido pelo apelante, não se trata de qualquer nulidade da sentença, por condenação ultra petitum ou por condenação em pedido qualitativamente diverso, uma vez que, reafirma-se, o tribunal não se encontra, em sede de processo de insolvência, incluindo no incidente de qualificação desta, submetido ao princípio do pedido, mas apenas ao princípio da legalidade e como tal, infringido esse princípio, o mesmo incorre em erro de direito (error iuris), decorrente de ter violado o disposto no art. 189º, n.º 2 do CIRE.
Decorre do que se vem dizendo, que em sede de qualificação da insolvência como culposa, o tribunal não está submetido ao pedido formulado pelos interessados, administrador de insolvência ou pelo Ministério Público para efeitos de abertura desse incidente, sequer quanto aos efeitos dessa declaração, sequer ainda se encontra limitado aos factos por eles alegados nessa sede, pelo que não limitando o parecer do Ministério Público a atividade jurisdicional do tribunal, a circunstância do tribunal, em sede de efeitos da qualificação da insolvência, não ter limitado a responsabilidade pessoal da apelante, afetada pela declaração da insolvência da sociedade de que é sócia e gerente, como culposa, às forças do património desta, conforme vinha requerido naquele parecer pelo Ministério Público e decorre da al. e), do n.º 2 do art. 189º do CIRE, não configura qualquer causa de nulidade de sentença, designadamente, por condenação ultra petitum (e muito menos, por condenação em objeto diverso do pedido), mas erro de direito, o qual terá de ser apreciado na sede própria, isto é, em sede de mérito.
Aqui chegados, impõe-se concluir pela improcedência da nulidade da sentença recorrida, suscitada pela apelante, com fundamento em pretensa condenação ultra petitum ou em objeto diverso do pedido, o que se decide.

B.2- Impugnação do julgamento da matéria de facto – ónus impugnatórios.

A apelante impugna o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância quanto à facticidade julgada provada no ponto 16º da sentença sob sindicância, pretendendo que uma vez revisitada e reponderada a prova produzida, se conclua pela prova da seguinte facticidade: “Na altura das vendas referidas em 12º e 13º, supra os funcionários da devedora, únicos reclamantes de crédito na insolvência, ainda não eram credores”.
O Ministério Público requer que se rejeite a impugnação do julgamento da matéria de facto operada pela apelante, sustentando que esta não cumpriu com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto previstos na al. a), do n.º 2 do art. 640º do CPC.
Por conseguinte, urge verificar se a apelante cumpriu com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto enunciados no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC, uma vez que independentemente daquela posição do apelado Ministério Público, trata-se de questão que é do conhecimento oficioso do tribunal, sem cujo cumprimento não é admitido ao tribunal ad quem conhecer da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pela apelante.
A propósito da impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, dir-se-á que, na sequência das alterações legislativas introduzidas ao CPC pelos Decretos-Leis n.ºs 39/95, de 15/02 e 329-A/95, de 12/12, o legislador introduziu o registo da audiência final, com a gravação integral da prova produzida, e conferiu às partes o duplo grau de jurisdição em sede de julgamento da matéria de facto, de modo que a alteração da matéria de facto, que no anterior regime processual era excecional, passou a ser uma função normal da Relação.
Nessa operação foi propósito do legislador que o tribunal de 2ª instância realize um novo julgamento em relação à matéria de facto impugnada, assegurando um efetivo duplo grau de jurisdição, sendo isto que resulta expressamente do estabelecido no art. 662º, n.º 1 do CPC, na redação introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, que é a versão aplicável aos presentes autos (a que se referem todas as disposições do CPC infra identificadas, sem menção em contrário), quando estabelece que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (7).
Deste modo é que perante as regras positivas vigentes na atual lei processual civil, tendo o recurso por objeto a impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, o Tribunal da Relação deve proceder a um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada pelo recorrente, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, devendo, nessa tarefa, considerar os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda pertinentes, tudo da mesma forma como o faz o juiz da primeira instância, embora, nessa tarefa, esteja naturalmente limitado pelos princípios da imediação e da oralidade.
Nesse novo julgamento, como verdadeiro tribunal de substituição, a Relação aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão (art. 607º, n.º 5).
Nessa sua livre apreciação a Relação não está condicionada pela apreciação e fundamentação do tribunal recorrido, uma vez que o objeto da apreciação em 2ª instância é a prova produzida, tal como na 1ª, e não a apreciação que esta fez dessa mesma prova, podendo, na formação dessa sua convicção autónoma recorrer a presunções judiciais ou naturais nos mesmos termos em que o faz o juiz da primeira instância (8).
No entanto, incumbe precisar que apesar da Relação dever efetuar um novo julgamento em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª instância, não foi propósito do legislador que o julgamento a realizar por aquela se transformasse na repetição do realizado na 1ª Instância, uma vez que conforme se escreve no Preâmbulo do D.L. n.º 329-A/95, de 12/12, a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto “nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência”, mas apenas “detetar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento”, e daí que tenha rodeado o recurso da impugnação do julgamento da matéria de facto à imposição ao recorrente de determinados ónus que enuncia no art. 640º do CPC, com vista a obstar que o julgamento a realizar se transforme na repetição do antes efetuado em 1ª Instância e a evitar recursos genéricos.
É assim que com vista a atingir esses desideratos, o legislador optou “por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de factos controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”, pelo que se mantém o entendimento que, como tribunal de 2ª Instância que é, este deverá ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto (9), estando subtraída ao seu campo de cognição a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação.
Depois, tal como se impõe ao juiz a obrigação de fundamentar as suas decisões, também ao recorrente é imposto, como correlativo do princípio da auto responsabilidade e dos princípios estruturante da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais, a obrigação de fundamentar o seu recurso, demonstrando o desacerto em que incorreu o tribunal a quo em decidir a matéria de facto impugnada em determinado sentido, quando se impunha decisão diversa, devendo no cumprimento desses ónus, indicar não só a matéria de facto que impugna, como a concreta solução que, na sua perspetiva, reclama que tivesse sido proferida, os concretos meios de prova que ancoram essa solução diversa, com a respetiva análise crítica, isto é, com a indicação do porquê dessa prova impor decisão diversa daquela que foi julgada pelo tribunal a quo.
Na verdade, “à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para delimitar o objeto do recurso”, conforme o determina o princípio do dispositivo (10), e como decorrência desse princípio, mas também do contraditório, terá o recorrente de indicar qual a concreta decisão fáctica que se impõe extrair da prova produzida em relação à matéria de facto que impugna, as concretas provas que alicerçam esse julgamento diverso que propugna e as concretas razões pelas quais essa prova em que funda o recurso afastam os fundamentos probatórios invocados pelo tribunal a quo para motivar o julgamento de facto que realizou, mas antes impõem o propugnado pelo recorrente.
Deste modo é que o art. 640º, n.º 1 do CPC, estabelece que “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Depois, caso os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (al. a), do n.º 2 do art. 662º).
Precise-se que cumprindo a exigência de conclusões nas alegações de recurso a missão essencial de delimitação do objeto do recurso, fixando o âmbito de cognição do tribunal ad quem, é entendimento jurisprudencial maioritário, praticamente pacífico, que, nas conclusões, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que impugna e a concreta resposta que, na sua perspetiva, deve ser dada a essa matéria impugnada.
Já quanto aos demais ónus, os mesmos, porque não têm aquela função delimitadora do objeto do recurso, mas se destinam a fundamentar o último, não têm de constar das conclusões, mas sim das motivações.
Sintetizando, à luz deste regime, seguindo a lição de Abrantes Geraldes (11), sempre que o recurso de apelação envolva matéria de facto, terá o recorrente: a) em quaisquer circunstâncias indicar sempre os concretos factos que considere incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d)…; e) o recorrente deixará expressa, na motivação (segundo a jurisprudência de longe maioritária do STJ, nas conclusões), a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus da alegação, por forma a obviar à interposição de recurso de pendor genérico ou inconsequente.
O cumprimento dos referidos ónus, conforme adverte Abrantes Geraldes, tem a justificá-lo a enorme pressão, geradora da correspondente responsabilidade de quem, ao longo de décadas, pugnou pela modificação do regime da impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliasse os poderes da Relação, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitia corrigir; a consideração que a reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida; a ponderação de que quem não se conforma com a decisão da matéria de facto realizada pelo tribunal de 1ª instância e se dirige a um tribunal superior, que nem sequer intermediou a produção da prova, reclamando a modificação do decidido, terá de fundamentar e justificar essa sua irresignação, sendo-lhe, consequentemente, imposto uma maior exigência na impugnação da matéria de facto, mediante a observância de regras muito precisas, sem possibilidade de paliativos, sob pena de rejeição da sua pretensão e, bem assim o princípio do contraditório, habilitando a parte contrária de todos os elementos para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações, uma vez que só na medida em que se conhece especificamente o que se encontra impugnado e qual a lógica de raciocínio expandido pelo recorrente na valoração e conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita o recorrido de todos os elementos que lhe permitam contrariar essa impugnação em sede de contra-alegações.
A apreciação do cumprimento das exigências legalmente prescritas em sede de impugnação da matéria de facto deve ser feita à luz de um “critério de rigor” como decorrência dos referidos princípios de auto responsabilização, de cooperação, lealdade e boa-fé processuais e salvaguarda cabal do princípio do contraditório a que o recorrente se encontra adstrito, sob pena da impugnação da decisão da matéria de facto se transformar numa “mera manifestação de inconsequente inconformismo” (12).
Como consequência, impõe-se a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto quando ocorra: “a) falta de conclusões sobre a impugnação da matéria de facto (art. 635º, n.º 4 e 6411º, n.º 2, al. b) do CPC); b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a) do CPC); c) falta de especificação na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d) falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e e) falta de posição expressa, na motivação (segundo o STJ, nas conclusões), sobre o resultado pretendido a cada segmento da impugnação” (13).
Esta posição tem sido a que tem sido seguida, de forma praticamente uniforme, pela jurisprudência do STJ, que, como referido, tem sustentado de forma largamente maioritária que a decisão que, na perspetiva do apelante, deve ser proferida quanto à concreta matéria de facto que impugna, deve, também, constar das conclusões (14).
Acresce precisar que essa instância superior tem operado uma distinção entre: a) ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto do recurso em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto, onde os requisitos impostos à parte se encontram ligados com o mérito ou demérito do recurso; e b) ónus secundários, que se prendem com os requisitos formais.
Quanto aos requisitos primários ou fundamentais de delimitação do objeto do recurso, onde se inclui a obrigação do recorrente de formular conclusões e nestas especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas e, bem assim, a falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados que, na sua perspetiva, sustentam esse julgamento diverso da matéria de facto que impugna, requisitos esses sobre que versa o n.º 1 do art. 640º do CPC, a jurisprudência, sem prejuízo do que infra se dirá, tem considerado que aquele critério de rigor se aplica de forma estrita, não admitindo quaisquer entorses, pelo que sempre que se verifique o incumprimento de qualquer um desses ónus, se impõe rejeitar o recurso da matéria de facto na parte em que se verifica a omissão.
Já no que respeita aos ónus da impugnação secundários, que são os enunciados no n.º 2 daquele art. 640º, em que se consagra a obrigação do recorrente, quando os meios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas que tenha sido gravada, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, considera-se que embora a observância desse ónus deva ser apreciado à luz do enunciado critério de rigor, não convém exponenciar esse rigor ao ponto de ser violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador” (15).
Argumenta-se que se está perante meros requisitos de forma, destinados a facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência, pelo que o cumprimento desse ónus tem de ser “interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não se justificando a imediata e liminar rejeição do recurso quando, apesar da indicação do recorrente não for totalmente exata e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento” (16).
No entanto, impõe-se precisar que mesmo em relação aos ónus de impugnação primários tem-se assistido ultimamente, ao nível do STJ, a um aliviar do enunciado critério de rigor, admitindo-se a apreciação do recurso ainda que as conclusões sejam omissas quanto à referência expressa dos concretos pontos da matéria de facto que o apelante impugna, desde que os factos impugnados resultem claramente identificados nas antecedentes alegações (17).
Assente nos enunciados critérios orientadores que se impõem à apelante em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, analisadas as alegações de recurso, é indiscutível que a mesma cumpriu com os ónus de impugnação primários elencados no art. 640º, n.º 1, na medida em que indica, nas conclusões de recurso, o concreto ponto da matéria de facto que impugna (o ponto 16º dos factos julgados provados na sentença) e a concreta resposta que, na sua perspetiva deve recair sobre essa matéria que impugna (sufragando que face à prova produzida e à análise critica que faz dessa mesma prova, se impõe concluir pela prova da seguinte facticidade: “Na altura das vendas referidas em 12º e 13º supra, os funcionários da devedora, únicos reclamantes de crédito na insolvência, ainda não eram credores) e, finalmente, indica, na motivação de recurso (e inclusivamente, sem necessidade, nas conclusões de recurso), os concretos meios de prova em que funda essa sua impugnação (declarações do administrador de insolvência, teor do parecer deste de fls. 3 dos autos, relatório de fls. 55, declarações de fls. 21 e 22, teor da escritura de venda do imóvel e da fatura de venda do equipamento e, bem assim meios de prova que determinaram que se desse como provados os pontos 3º e ss. dos factos provados na sentença), o que nem sequer é colocado em crise pelo apelado Ministério Público.
O apelado limita-se a colocar em crise que a apelante tivesse cumprido com o ónus impugnatório secundário da al. a), do n.º 2 do art. 640º, mas, na nossa perspetiva, sem razão, quando se verifica que a única prova gravada em que a apelante funda a sua impugnação são as declarações prestadas pelo administrador de insolvência em audiência final em relação às quais indica o início e o termo, mas transcreve os concretos excertos dessas declarações que considera relevantes e em que funda a impugnação do julgamento da matéria de facto, cujo início de tais excertos inclusivamente também indica.
Perante essa forma de proceder da apelante não vislumbramos, pois, como possa o Ministério Público pretender estar incumprido o ónus da al. a) do n.º 2 do art. 640º, sequer desconhecer quais os concretos meios probatórios e lógica de raciocínio que a partir deles foi seguida pela apelante para fundar a impugnação do julgamento da matéria de facto, estando em pretensa crise a salvaguarda do princípio do contraditório que lhe assiste, o que não colhe qualquer arrimo legal em face do que se acaba de dizer.
Destarte, contrariamente ao pretendido pelo Ministério Público, a apelante cumpriu cabalmente com o ónus impugnatório secundário previsto na al. a) do n.º 2 do art. 640º, sem que se olvide que quanto ao cumprimento desse ónus, vigora o princípio da proporcionalidade, não se justificando a imediata e liminar rejeição do recurso mesmo que a apelante não tivesse procedido, conforme procedeu, à transcrição dos excertos das declarações prestadas pelo administrador de insolvência em audiência final em que funda a sua impugnação, ficando-se pela indicação do início e do termo dessas declarações e pela indicação do início dos excertos dessas declarações em que funda a impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância.
Termos em que, sem mais, por desnecessárias considerações, improcede a questão prévia suscitada pelo Ministério Público e declara-se estarem cumpridos pela apelante os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto previstos no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a).

B-2.1- Impugnação do julgamento da matéria de facto julgada provada no ponto 16º
A 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade:
“16- Numa altura em que a sociedade insolvente era já devedora perante diversos credores, a sua sócia e gerente M. M. utilizou aqueles valores para pagar arbitrariamente a credores, designadamente à Autoridade Tributária e Aduaneira e à Segurança Social, desconhecendo-se o valor entregue e a natureza dos créditos a reclamar por tais credores”.
A apelante impugna o julgamento dessa concreta matéria de facto, advogando que perante as declarações prestadas pelo administrador de insolvência em audiência final, onde este afirmou que a apelante quis encerrar a empresa e proceder à alineação de todo o património imobilizado da sociedade, e com isso, liquidar as dívidas desta, tendo o produto dessas vendas entrado para a conta da sociedade insolvente e foi utilizado pela apelante para pagar a outros credores da sociedade insolvente, que não os trabalhadores desta, os quais, no momento em que foram realizadas aquelas vendas, ainda não eram credores da sociedade insolvente, declarações essas que serão corroboradas pelo teor do parecer do administrador de fls. 3 dos autos, pelo teor do relatório por ele elaborado, junto aos autos a fls. 55, pelas declarações de fls. 21 e 22, pelo teor da escritura de venda do imóvel e da fatura de venda do equipamento e, bem assim pelos meios de prova que determinaram que se desse como provados os factos enunciados nos pontos 3º e seguintes da sentença, não consente que a 1ª Instância concluísse pela prova daquela concreta facticidade que julgou provada, mas antes impõe que se conclua pela prova da seguinte matéria fáctica: “Na altura das vendas referidas em 12º e 13º supra, os funcionários da devedora, únicos reclamantes do crédito na insolvência, ainda não eram credores”.
Analisados os enunciados argumentos aduzidos pela apelante, dir-se-á frontalmente que em audiência final, conforme decorre da audição das declarações prestadas pelo administrador de insolvência e dos próprios excertos dessas declarações transcritas pela apelante, aquele limitou-se a confirmar aquilo que já decorre do teor do relatório a que alude o art. 155º do CIRE, junto aos autos de insolvência em 17/07/2019, da lista provisória da créditos por si reconhecidos e não reconhecidos, apresentada em 19/07/2019, na reclamação de créditos, do teor do parecer que apresentou em sede de incidente de qualificação da insolvência como culposa e, bem assim aquilo que resulta assacado da prova objetiva junta aos autos, que é a prova documental.
Mais se precise que a crítica que a apelante aduz ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância assenta inegavelmente na circunstância da mesma ter desconsiderado, quiçá desvalorizado, os factos que decorrem dessas declarações, da prova documental junta aos autos e, inclusivamente, dos factos julgados provados na sentença e que não foram por si impugnados e daí que se encontrem, em definitivo, provados nos autos, além de confundir facto constitutivo dos créditos detidos pelos credores sobre a sociedade insolvente com data de vencimento desses mesmos créditos, o que já se prende com a respetiva exigibilidade e não com a constituição e existência desses mesmos créditos.

Vejamos:

Nos pontos 12º a 15º e 17º a 19º dos factos provados na sentença sob sindicância encontra-se, em definitivo, assente a seguinte facticidade, cujo julgamento de facto não vem impugnado pela apelante e que, de resto, é corroborada pela prova objetiva que se encontra junta aos autos, que é a prova documental consubstanciada, designadamente, no teor da escritura de compra e venda do imóvel e da fatura de venda do equipamento:
12- A insolvente no dia 13-2-2019, pelo montante de € 120.000,00 vendeu à sociedade X - Imobiliária, Lda., o prédio urbano composto por rés do chão e andar, destinado a pavilhão industrial e escritório, com logradouro, sito no Lugar de ..., ..., Vila Nova de Famalicão, inscrito na matriz sob o artigo ..., da União de Freguesias de ... e ..., proveniente do extinto artigo ... da Freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ... (imóvel onde aquela exercia o seu objeto social).
13- No dia 21-2-2019, a insolvente vendeu a totalidade dos equipamentos que eram por si utilizados no exercício da sua atividade à sociedade Y - Unipessoal, Lda., pelo montante de € 10.045,00.
14- O montante referido em 12 foi pago através de cheque bancário com o nº 342 169 182 1, sacado sob o Banco ..., SA, que foi creditado numa conta da sociedade insolvente domiciliada na Caixa ..., SA.
15- O montante referido em 13 foi pago através de transferência bancária do Banco ..., SA. e creditado numa conta da sociedade insolvente domiciliada na Caixa ..., SA.
17- A insolvente utilizou parte daquele valor para pagar € 14.707,86 à Caixa ..., SA, através da liquidação antecipada do financiamento 711.510 915 9, operada no dia 25-2-2019.
18- Em virtude daquelas vendas não existem quaisquer bens apreendidos para a massa insolvente com exceção de uma máquina de bordar vendida à Y, aguardando-se o termo da ação de impugnação da resolução da venda referida em 13 no apenso E destes autos.
Perscrutada essa facticidade, encontra-se, em definitivo, assente que a sociedade insolvente, de que a apelante era a única e exclusiva sócia e gerente, vendeu o imóvel em que laborava e onde exercia a sua atividade industrial a uma sociedade terceira em 13/02/2019, e vendeu a totalidade dos seus equipamentos, que eram utilizados nessa sua atividade industrial, a uma outra sociedade em 21/02/2019.
Daqui deriva que com a venda daquele imóvel em 13/02/2019, a uma sociedade terceira, sem que a apelante, sócia e gerente da insolvente, tivesse cuidado em manter a detenção desse imóvel ou arranjar outro imóvel onde a sociedade insolvente pudesse continuar a desenvolver a sua atividade industrial, e através dela obter os meios económico-financeiros que permitisse continuar a exercer o seu giro industrial e assim obter proventos que lhe permitisse pagar os seus débitos aos seus credores, incluindo, aos seus trabalhadores e manter a relação de trabalho destes, caso a sociedade insolvente não se encontrasse, antes de 13/02/2019, numa situação de insolvência ou quase insolvência (o que não se encontra evidenciado pela matéria quedada como provada), com esses negócios de compra e venda, em que sociedade insolvente, através da apelante, acordou com essa sociedade compradora que o imóvel apenas ficaria na sua detenção por cinco meses, a contar da celebração da escritura de compra e venda, tendo de ser entregue, livre de pessoas e bens até ao dia 15/07/2019 (cfr. teor da escritura de compra e venda, junta em anexo ao relatório do administrador de insolvência a que alude o art. 155º do CIRE), mas entregando-o a essa sociedade compradora logo no dia 08/04/2019 (cfr. teor da carta datada de 08/04/2019, junta em anexo a esse mesmo relatório), a insolvência dessa sociedade passou a ser um facto certo e inevitável.
Essa situação de insolvência em que a apelante colocou inevitavelmente a sociedade de que era única sócia gerente, com a venda do imóvel em 13/02/2019 e ao não pagar a totalidade dos débitos desta (conforme infra se demonstrará), foi por ela aprofundada e intensificada com a venda do equipamento que a sociedade insolvente utilizava no exercício da sua atividade industrial, realizada em 21/02/2019, à sociedade “Y – Unipessoal, Lda.”, transferindo para esta última a propriedade desse equipamento, sem que mais uma vez, tivesse tido cuidado em celebrar com essa compradora qualquer negócio que lhe permitisse manter a detenção desse equipamento ou tivesse adquirida nova maquinaria, por forma a que a sociedade insolvente pudesse continuar a exercer a sua atividade industrial, que lhe permitiam obter proventos económicos e financeiros para satisfazer os seus débitos para com os seus credores, incluindo, os seus trabalhadores e manter os contratos de trabalho destes.
De resto, a corroborar o que se acaba de dizer, provou-se que em consequência daquelas vendas, não foram apreendidos para a massa insolvente quaisquer bens, com exceção de uma máquina de bordar, também ela vendida à sociedade Y (ponto 18º dos factos provados), o que corrobora não só que a sociedade insolvente, reafirma-se, de que a apelante era única e exclusiva sócia e gerente, procurou desfazer-se, e desfez-se, de todos os seus meios produtivos, transferindo a respetiva propriedade e detenção para as sociedades terceiras, compradoras do edifício em que laborava e da maquinaria utilizada nessa laboração, tanto assim que, aquando da apreensão do património da insolvente, não foram encontrados quaisquer meios produtivos na sua posse ou detenção, à exceção da dita máquina de bordar, que igualmente vendeu, mas que permanecia nas instalações onde a sociedade antes exercia a sua atividade industrial e daí que essa máquina, contrariamente ao que aconteceu com a restante maquinaria, propriedade da sociedade insolvente e por ela utilizada na sua atividade industrial, mas por ela vendida, tivesse acabado por ser apreendida para a massa insolvente.
Daqui deriva que com as identificadas vendas, a sociedade insolvente, através da sua sócia-gerente, isto é, da apelante, despojou-se de todos os meios produtivos necessários ao exercício do seu giro industrial, pelo que, reafirma-se, caso essa sociedade não se encontrasse antes de 13/02/2019 numa situação de insolvência ou pré-insolvência técnica (reafirma-se, situação esta que apenas se aventa, dado que essa hipotética situação de insolvência ou pré-insolvência não é evidenciada pela facticidade provada), em consequência dessas transações a sociedade insolvente ficou inevitavelmente desprovida de todos os seus meios necessários à continuação da sua atividade industrial e votada a uma situação de insolvência.
De resto, a realização dessas vendas, que teve por objeto a totalidade dos meios produtivos da sociedade insolvente, corrobora as declarações prestadas pelo administrador de insolvência em sede de audiência final, bem como o teor do relatório a que alude o art. 155º do CIRE, junto aos autos de insolvência em 17/07/2019, em que se refere ter sido propósito da apelante, enquanto sócia e gerente única da sociedade insolvente, encerrar a unidade industrial da sociedade insolvente, facto esse que é igualmente corroborado pelo teor das cartas juntas em anexo à petição inicial de insolvência, datadas de 08/04/2019, enviadas aos trabalhadores da sociedade insolvente, requerentes da declaração da insolvência, onde esta lhes comunica “a extinção do posto de trabalho” destes, sem que, no entanto, tivesse dado cumprimento ao procedimento previsto no Código do Trabalho para o efeito, sequer colocado à ordem desses trabalhadores a indemnização a que têm direito por via dessa pretensa extinção do seu posto de trabalho, o que equivale a um despedimento ilícito desses trabalhadores, onde se lê: “A empresa entrou em colapso económico-financeiro (…).Os principais clientes começaram a reduzir as encomendas que efetuaram à empresa tendo esta reduzido as suas margens de lucro (…) acabando a sociedade por assistir a um estrangulamento da sua capacidade financeira. A empresa passou a chegar aos fins dos meses com carência de meios financeiros, o que a impossibilita de proceder ao pagamento atempado das suas obrigações fiscais, à segurança social e aos fornecedores (…) esta irá encerrar definitivamente (…)” – sublinhado nosso.
Sustenta a apelante que à data daquelas vendas, em 13/02/2019 (venda do imóvel) e 21/02/2019 (venda da totalidade do equipamento utilizado no exercício da atividade industrial pela sociedade), esta última não tinha quaisquer débitos, nomeadamente para com os trabalhadores reclamantes, os quais, na altura, ainda não eram seus credores, concluindo que o tribunal a quo não podia ter dado como provado que a sociedade insolvente já fosse devedora perante diversos credores e, bem assim que a apelante, enquanto sócia e gerente desta, tivesse utilizado o produto dessas vendas para pagar arbitrariamente a credores, designadamente à Autoridade Tributária e Aduaneira e à Segurança Social, desconhecendo-se o valor e a natureza dos créditos a reclamar por tais credores, posição esta que, no entanto, antecipe-se desde já, não tem qualquer arrimo possível à luz da prova produzida, incluindo dos factos que se deram provados na sentença recorrida e que não foram por ela impugnados.
Note-se que a matéria de facto que se deu como provada no enunciado ponto 16º da sentença sob sindicância é dada como provada por referência à data em que foram feitos os pagamentos pela apelante, enquanto sócia e gerente da sociedade insolvente, à Autoridade Tributária e Aduaneira e à Segurança Social, e não por referência à data em que foram realizadas as vendas.
Logo, dir-se-á que se a sociedade insolvente, através da apelante, sua única sócia-gerente, efetuou os mencionados pagamentos a que se alude nesse ponto 16º à Autoridade Tributária e Aduaneira e à Segurança Social (pagamentos esses que não são colocados em crise pela apelante, que antes os confirma), utilizando para o efeito dinheiro proveniente das mencionadas vendas é apodítico, por um lado, que dedicando-se a sociedade insolvente à atividade industrial, que esses débitos para com aquela autoridade e a segurança social, apenas podem emergir do exercício pela mesma da sua atividade industrial e, por outro, que a sociedade insolvente era devedora das quantias pagas posto que, de contrário, naturalmente que aquela não teria efetuado esses pagamentos, sequer a Autoridade Tributária e Aduaneira e/ou a Segurança Social, que se encontram submetidas ao princípio da legalidade, teriam recebido os mesmos caso a sociedade insolvente não fosse efetivamente devedora das quantias que pagou.
Note-se que se desconhece as concretas datas em que foram efetuados esses pagamentos, apenas se podendo concluir perante a facticidade que se encontra apurada que os mesmos tiveram lugar impreterivelmente após 21/02/2019, data em que a sociedade insolvente vendeu a totalidade dos seus equipamentos que eram por si utilizados no exercício da sua atividade industrial à sociedade “Y – Unipessoal, Lda.”, uma vez que foi com parte do produto da venda desse equipamento e, bem assim do produto da venda antes efetuada do edifício onde a mesma tinha instalada a sua unidade industrial, que efetuou os mencionados pagamentos à Autoridade Tributária e Aduaneira e à Segurança Social.
Contudo, põe-se em destaque que a circunstância de se desconhecer a data em que foram efetuados esses pagamento, a natureza dos créditos pagos e o valor concretamente pago pela sociedade insolvente, através da apelante, à Autoridade Tributária e Aduaneira e à Segurança Social tem como única explicação possível a circunstância da apelante, enquanto sócia-gerente daquela sociedade não ter tido o cuidado, como era sua obrigação legal fazer, de lançar esses débitos da sociedade insolvente na respetiva contabilidade, onde os mesmos, respetiva natureza e data de vencimento tinham de imperativamente de se encontrarem registados, o mesmo se diga quanto ao pagamento desses débitos que veio a efetuar, onde por imperativo legal tinha de ser registada a data do pagamento e a quantia paga para liquidação dos débitos da sociedade insolvente perante aquelas entidades, resultando por aqui, desde logo, comprovado que a contabilidade da sociedade insolvente não reflete efetivamente a verdadeira situação económica e financeira desta, o que sem dúvida alguma a apelante pretender desconsiderar ou desvalorizar, só assim se compreendendo as críticas que assaca à decisão de mérito proferida na sentença sob sindicância.
Destarte, à data em que efetuou aqueles pagamentos à Autoridade Tributária e Aduaneira e à Segurança Social, cuja natureza, valor e data de pagamento se desconhece por motivo unicamente imputável à própria apelante, enquanto sócia gerente da sociedade insolvente, que não cuidou em espelhar esses dados na contabilidade dessa sociedade, é indiscutível que a sociedade insolvente era devedora de créditos que sobre ela eram detidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira e pela Segurança Social.
Acresce que à data em que efetuou as supra mencionadas vendas da totalidade dos seus meios de produção, a sociedade insolvente era ainda devedora à Caixa ..., S.A., da quantia de 14.707,86 euros, emergente de um contrato de financiamento que com aquela tinha celebrado, e que pagou antecipadamente em 25/02/2019, utilizando para o efeito parte do produto das vendas realizadas (ponto 17º dos factos provados).
A este propósito impõe-se precisar que uma coisa é a existência do débito da sociedade insolvente para com a Caixa ..., S.A., o qual emerge da celebração do contrato de financiamento celebrado entre ambas, e outra, bem diversa, é a data de vencimento desse crédito sobre a sociedade insolvente.
A data de vencimento de um crédito contende com a exigibilidade do mesmo pelo credor (Caixa ...) perante a devedora (sociedade insolvente) e não com a respetiva constituição.
A existência do crédito da Caixa ..., S.A., sobre a sociedade insolvente existe e encontra-se constituído a partir do momento em que esta celebrou com a Caixa o contrato de financiamento, mediante o qual a última lhe emprestou determinada quantia monetária, nas condições contratuais que ambas acordaram no mencionado contrato de financiamento que celebraram e em que, por conseguinte, a sociedade insolvente reconheceu ser devedora das obrigações estabelecidas nesse contrato de financiamento perante a Caixa, ainda que o vencimento desse débitos para com a Caixa ..., S.A, tivesse ocorrido em data posterior às vendas dos seus bens produtivos às supra identificadas sociedades terceiras, compradoras, o que tem a ver com a exigibilidade desse débito da sociedade insolvente para com a Caixa e não com a existência do mesmo.
Deste modo é indiscutível que à data em que a sociedade insolvente vendeu os seus meios produtivos, aquela era devedora para com a Caixa … das obrigações contratuais decorrentes daquele contrato de financiamento que com ela celebrou.
Acresce que conforme decorre do teor do relatório do administrador de insolvência a que alude o art. 155º do CIRE, conjugado com o teor da petição inicial apresentada pelos trabalhadores A. S., N. F., M. T. e C. F., em que requerem que se declare a insolvência da sociedade “Bordados ... – Sociedade Unipessoal, Lda.”, sua entidade empregadora, e teor da lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos pelo administrador de insolvência, junta ao incidente de reclamação de créditos em 19/07/2019, este administrador reconheceu créditos salariais dos trabalhadores da insolvente no montante global de 150.373,24 euros, créditos esses que são privilegiados e que respeitam a créditos por indemnização por despedimento ilícito dos seus trabalhadores operado pela sociedade insolvente, subsídio de férias e de natal de 2018 não pagos e, bem assim subsídios de férias e de natal proporcionais ao tempo de serviço prestado pelos trabalhadores à sociedade insolvente em 2019, também eles não pagos, sendo certo que a apelante, sobre quem impendia o ónus da prova desse pagamento, nem sequer questiona esse não pagamento.
Os subsídios de férias e de natal do ano de 2018, não pagos pela sociedade insolvente aos seus trabalhadores, reporta-se ao trabalho prestado pelos mesmos àquela ao longo do ano de 2018 (arts. 237º, n.ºs 1 e 2, 264º, n.ºs 1 e 2 e 263º, n.º 1 do Cód. Trabalho – CT -, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/02).
O subsídio de férias relativo ao trabalho prestado em 2018 venceu-se em 01/01/2019 e tem de ser pago pela sociedade insolvente antes do início do gozo das férias pelos trabalhadores, credores desse subsídio, férias essas que estes gozariam, salvo acordo escrito em contrário (o que nem sequer vem alegado) durante o ano de 2019 (arts. 237º, n.º 1 e 264º, n.º 3 do CT).
Por sua vez, o subsídio de natal de 2018, reporta-se ao trabalho prestado pelos trabalhadores à sociedade insolvente ao longo do ano de 2018 e tem de ser pago por esta aos trabalhadores, credores desse subsídio, até 15/12/2018 (art. 263º, n.º 1 do CT).
Daqui deriva que respeitando os subsídios de férias e de natal respeitantes ao trabalho prestado no ano de 2018, à medida que os trabalhadores foram trabalhando para a sociedade insolvente, sua entidade empregadora, ao longo do ano de 2018, nasceu na sua esfera jurídica o crédito a esses subsídios sobre a sociedade insolvente, proporcionais ao tempo de serviço prestado no ano de 2018, tanto assim que caso o contrato de trabalho dos mesmos cessasse durante o ano de 2018, esses trabalhadores teriam direito a receber da sociedade insolvente subsídio de férias e de natal proporcionais ao tempo de serviço prestado em 2018 (arts. 245º, n.º 1 e 263º, n.º 1, al. b) do CT).
Destarte, apesar do subsídio de natal relativo ao trabalho prestado ao longo do ano de 2018 apenas dever ser pago pela sociedade insolvente aos seus trabalhadores em 15/12/2018, e do subsídio de férias relativo ao trabalho prestado ao longo do ano de 2018, apenas se vencer em 01/01/2019 e dever ser pago pela sociedade insolvente aos seus trabalhadores no início das férias que os mesmos iriam gozar no ano de 2019, o prazo de vencimento e o momento em que a sociedade insolvente, enquanto entidade empregadora, tem de pagar esses subsídios aos seus trabalhadores, tem a ver com a exigibilidade desses créditos e não com a constituição dos mesmos sobre a sociedade insolvente.
A constituição do crédito dos trabalhadores perante aquela sua entidade empregadora a subsídio de férias e de natal relativo ao trabalho prestado no ano de 2018, constitui-se na esfera jurídica dos trabalhadores à medida que estes foram prestando o seu trabalho em 2018 à sociedade insolvente.
O que se acaba de dizer em relação aos subsídios de férias e de natal respeitante ao trabalho prestado no ano de 2018 é igualmente válido quanto aos subsídios de férias e de natal proporcionais ao tempo de serviço prestado em 2019.
Com efeito, os subsídios de férias e de natal proporcionais ao tempo de serviço prestado em 2019, isto é, no ano da cessação da relação de trabalho que ligava os trabalhadores identificados na relação provisória de créditos reconhecidos pelo administrador de insolvência à sociedade insolvente, em consequência de despedimento ilícito daqueles operado pela última, porque não precedido de processo disciplinar, apesar de deverem ser pagos pela entidade empregadora aquando da cessação dos contratos de trabalho (art. 245º, n.º 1, al. b) e 263º, al. b) do CT), tal facto tem a ver unicamente com o vencimento e a consequente exigibilidade desses créditos salariais e não com a sua constituição.
A constituição do crédito dos trabalhadores sobre a sociedade insolvente respeitante a subsídios de férias e de natal relativos ao trabalho prestado em 2009 (ano da cessação do contrato de trabalho) opera-se à medida em que esses trabalhadores foram prestando o seu trabalho à entidade empregadora (sociedade insolvente) ao longo do ano de 2019.
Logo, quando a sociedade insolvente vendeu em 13/02/2019, à sociedade “X – Imobiliária, Lda.” o prédio urbano onde a primeira exercia a sua atividade industrial e quando em 21/02/2019 vendeu à sociedade “Y – Unipessoal, Lda.” a totalidade dos equipamentos que eram por si utilizados no exercício dessa sua atividade industrial e quando, posteriormente, com parte do produto dessas vendas, pagou os seus débitos à Autoridade Tributária e Aduaneira, à Segurança Social e à Caixa ..., esta era devedora aos seus trabalhadores do subsídio de natal relativo ao trabalho que estes lhe tinham prestado ao longo do ano de 2018 (subsídio de natal esse que, inclusivamente, já se tinha vencido em 15/12/2018 e que a mesma não lhes tinha pago), além da totalidade do subsídio de férias relativo ao trabalho prestado em 2018 e o subsídio de férias e de natal proporcionais ao tempo de serviço prestado ao longo do ano de 2019 até à realização daquelas vendas e pagamentos que efetuou, apesar destes ainda não serem exigíveis, mas que já configuravam um direito de crédito dos seus trabalhadores perante a sociedade insolvente.
Deriva do que se vem dizendo que a alegação da apelante, segundo a qual, na altura em que a sociedade insolvente, através da sua pessoa, sua única sócia e gerente, realizou as vendas atrás mencionadas, os seus trabalhadores ainda não eram credores da sociedade insolvente, sua entidade empregadora, não tem qualquer arrimo possível à luz do Cód. Trab., confundindo indiscutivelmente a apelante a questão da constituição desses créditos com o do seu vencimento, isto é, da respetiva exigibilidade.
Destarte, quando a sociedade insolvente realizou as vendas atrás mencionadas, desfazendo-se dos seus meios de produção, esta era devedora do subsídio de natal respeitante ao trabalho prestado pelos seus trabalhadores em 2018, estando este crédito, inclusivamente, vencido em 15/12/2018 e sendo, por isso, exigível, além de que era devedora do subsídio de férias relativo ao trabalho prestado por esses seus trabalhadores ao longo do ano de 2018 e, bem assim dos subsídios de férias e de natal proporcionais ao tempo de serviço prestado pelos mesmos ao longo do ano de 2019, créditos esses que apesar de não serem exigíveis à data da realização daquelas vendas, já se encontrava constituídos na esfera jurídica desses trabalhadores – o crédito a subsídio de férias do ano de 2018 e dos subsídios de férias e de natal de 2019 foi-se constituindo, reafirma-se, à medida que os trabalhadores lhe foram prestando trabalho.
Aqui chegados, verifica-se que quando a sociedade insolvente, representada pela apelante, fez aquelas vendas e com o parte do produto dessas vendas procedeu aos pagamentos à Autoridade Tributária e Aduaneira, à Segurança Social e à Caixa ..., aquela, para além de ter esses débitos para com essas três entidades, também tinha débitos para com os seus trabalhadores relativos a subsídios de natal e de férias respeitante ao trabalho prestado no ano de 2018 e proporcionais ao tempo de serviço prestado por estes àquela ao longo do ano de 2019.
Acontece que, conforme acima se referiu e demonstrou, com as mencionadas vendas a sociedade insolvente, através da apelante, sua sócia-gerente, desfez-se de todos os seus meios produtivos, delineando e conduzindo toda a sua atividade no sentido de encerrar a empresa, estratégia essa que concretizou, vendendo o prédio em 13/02/2019, onde a sociedade apelante exercia a sua atividade industrial a uma sociedade terceira e vendendo, em 21/02/2019, a totalidade dos equipamentos que eram por si utilizados no exercício dessa sua atividade industrial, levando a uma total paralisia dessa sociedade e, consequentemente, impossibilitando-a de obter proventos necessários à satisfação daqueles débitos perante os seus credores, que privou da garantia patrimonial dos respetivos créditos, ao efetuar aquelas vendas.
Como se disse, caso antes da efetivação das vendas desses meios produtivos a sociedade insolvente não se encontrasse numa situação de insolvência ou de pré-insolvência (reafirma-se, não evidenciada pela facticidade provada nos autos), é inegável que as vendas do seu património produtivo, necessário para que pudesse continuar a desenvolver a sua atividade industrial, desacompanhada da aquisição de novos meios produtivos que possibilitassem essa continuação, era apta a colocar, como colocou, a sociedade insolvente numa situação de insolvência, o que tudo a apelante não ignorava, sequer podia ignorar, uma vez que dedicando-se a sociedade de que era sócia-gerente à atividade industrial apenas o exercício dessa atividade podia permitir que esta obtivesse os meios económico-financeiros necessários ao pagamento dos respetivos créditos perante todos os seus credores, incluindo os seus trabalhadores, cujos contratos não podiam subsistir sem esses meios produtivos, o que também a apelante não desconhecia, sequer podia desconhecer.
Acontece que a apelante, enquanto sócia-gerente da sociedade insolvente, optou por em 13/02/2019, vender o prédio onde a sociedade exercia o seu objeto social e em 21/02/2019, por vender a totalidade dos equipamentos que eram utilizados no exercício da sua atividade industrial, colocando inelutavelmente a sociedade numa situação de insolvência ou, pelo menos, agravando a eventual situação de insolvência em que aquela pudesse já se encontrar à data dessas vendas (hipótese de insolvência ou pré-insolvente, que apenas se aventa) e optou por pagar, com parte do produto dessas vendas, os débitos da sociedade insolvente para com a Caixa ..., S.A., a Administração Tributária e à Segurança Social, sem que tivesse feito o pagamento dos créditos que os seus trabalhadores já detinham sobre a mesma relativos a subsídios de natal e férias respeitantes ao trabalho prestado em 2018 e proporcionais ao tempo de serviço prestado no ano de 2019.
A apelante, enquanto sócia-gerente da sociedade insolvente, tal como concluiu a 1ª Instância, agiu indiscutivelmente de forma arbitrária, escolhendo os débitos da sociedade que seriam pagos – os da Caixa ..., S.A., a Administração Tributária e Aduaneira e a Segurança Social (lá saberá porquê, embora à luz das regras da experiência comum é manifesto que a essa decisão não foi alheia a responsabilidade criminal em que incorreria caso não pagasse os débitos à Administração Tributária e Aduaneira e à Segurança Social, e os prejuízos ao nível do seu bom nome que sofreria caso não pagasse à Caixa ..., correndo o risco desta a incluir, mais à sociedade insolvente, na base de dados do Banco de Portugal de incumprimentos, com as inerentes consequências jurídicas, nomeadamente na obtenção de crédito) - e aqueles que não seriam pagos – os dos trabalhadores -, agindo numa clara atitude violadora do princípio da igualdade entre credores, em detrimento para com os seus trabalhadores, cujos créditos não liquidou apesar de não poder desconhecer que os mesmos eram privilegiados e que, inclusivamente, por via da sua descrita conduta, privou a sociedade dos meios para que pudesse continuar a desenvolver a sua atividade industrial, votando-a a uma situação de insolvência, com a necessária extinção dos contratos de trabalho que a sociedade tinha celebrado com os seus trabalhadores, até porque, por via dessas vendas, inexistindo unidade industrial e maquinaria com que estes pudessem continuar a prestar a sua prestação de trabalho, essas relações de trabalho não podiam subsistir, o que sem dúvida alguma configura uma atuação ilegal e arbitrária da apelante, enquanto gerente da sociedade insolvente, violadora do princípio par conditio creditorum, que para além de não ter pago aos trabalhadores os créditos salariais relativos aos subsídios de férias e de natal do ano de 2018 e proporcionais ao tempo de serviço prestado em 2019, privou-os do seu posto de trabalho e da garantia patrimonial dos seus créditos, incluindo, dos atinentes à indemnização pelo despedimento ilícito de que foram alvo, não obstante esses créditos indemnizatórios serem igualmente privilegiados.
Aqui chegados, dir-se-á que longe da prova produzida não consentir que se conclua pela verificação da facticidade julgada provada no ponto 16º da sentença recorrida, essa mesma prova, tal como decidido pela 1ª Instância, impõe que se conclua pela prova dessa concreta facticidade.
Termos em que na improcedência da impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância operado pela apelante, mantém-se inalterada a facticidade julgada provada no ponto 16º da sentença sob sindicância.

B.3- Mérito.

B.3.1- Pressupostos para a qualificação da insolvência como culposa.

A 1ª Instância concluiu que em face do quadro fáctico apurado estão preenchidos os pressupostos legais de qualificação da insolvência como culposa da sociedade “Bordados ... – Sociedade Unipessoal, Lda.” previstos nas als. a), d) e h) do nº 2 do art. 186º do CIRE, com o que não se conforma a apelante, sustentando que nenhum desses requisitos legais se encontra preenchido e propugnando no sentido de se qualificar a insolvência como fortuita.
Vejamos se assiste razão à apelante nas críticas que assaca à decisão de mérito proferida na sentença sob sindicância, que qualificou a insolvência da “Bordados ... – Sociedade Unipessoal, Lda.” como culposa e a apelante, enquanto única gerente dessa sociedade, afetada por essa declaração.
Como é sabido, o incidente de qualificação da insolvência é uma figura nova introduzida na ordem jurídica nacional pelo CIRE, inspirada na legislação concursal espanhola e que tem como fundamento a maior responsabilização do devedor que, com culpa, tenha criado a situação de insolvência em que se encontra ou que tenha contribuído para o agravamento dessa situação.
Neste sentido lê-se no ponto 40º do Preâmbulo do DL. n.º 53/2004, de 18/03, que aprovou o CIRE, que: “Um objetivo da reforma introduzido pelo presente diploma reside na obtenção de uma maior e mais eficaz responsabilidade dos titulares de empresas e dos administradores de pessoas coletivas. É essa a finalidade do novo «incidente de qualificação da insolvência». As finalidades do processo de insolvência e, antes ainda, o próprio propósito de evitar insolvências fraudulentas ou dolosas, seriam seriamente prejudicados se aos administradores das empresas, de direito ou de facto, não sobreviessem quaisquer consequências sempre que estes hajam contribuído para tais situações. A coberto do expediente técnico da personalidade jurídica coletiva, seria possível praticar incolumemente os mais variados atos prejudiciais para os credores. (…). O tratamento dispensado ao tema pelo novo Código (inspirado, quanto a certos aspetos, na recente Ley Concursal espanhola), que se crê mais equânime – ainda que mais severo em certos casos – consiste, no essencial, na criação do «incidente de qualificação da insolvência»”.
O incidente da qualificação da insolvência destina-se, pois, a qualificar a insolvência como culposa ou fortuita (art. 185º do CIRE).
Na versão originária do CIRE, o incidente de qualificação da insolvência era oficiosamente aberto, com a declaração de insolvência, em todos os processos, exceto no caso de apresentação de um plano de pagamentos aos credores (art. 259º, n.º 1, 2ª parte), mas por via das alterações legislativas operadas pela Lei n.º 16/2012, de 20/04, esse incidente deixou de ter caráter obrigatório, na medida em que o juiz apenas declara aberto o incidente, na sentença declaratória da insolvência, quando disponha de elementos que justifiquem essa abertura, isto é, quando apure indícios que apontem no sentido de que a insolvência é culposa (cfr. art. 36º, n.º 1, al. i) do CIRE) (18).
No entanto, nos casos em que o juiz, na sentença em que declara a insolvência, não declare aberto o incidente, este poderá ser aberto posteriormente, a requerimento do administrador da insolvência ou de qualquer interessado, até 15 dias após a realização da assembleia de apreciação do relatório, ou no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos desse relatório (art. 155º do CIRE), mediante requerimento escrito, em que alegue o que tiver por conveniente para efeitos de qualificação da insolvência como culposa e indicando as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação (art. 188º, n.º 1 do CIRE) e o juiz, na sequência dessa alegação e dos demais elementos recolhidos no processo de insolvência, conclua que existem efetivamente indícios em como a insolvência é culposa.
Tal significa que na atual versão do CIRE, o incidente de qualificação da insolvência pode chegar a não ser aberto, bastando para tanto que o juiz, na sentença em que declare a insolvência, não determine a abertura do incidente e que, posteriormente, o administrador de insolvência ou os interessados não requeiram a abertura deste dentro dos prazos atrás enunciados, ou que fazendo-o, o juiz conclua que não existem recolhidos indícios de insolvência culposa, indeferindo a abertura do incidente, e essa decisão de indeferimento não seja impugnada em sede de recurso ou, sendo-o, venha a ser confirmada por decisão transitada em julgado.
Quando o incidente de qualificação da insolvência não chega a ser aberto, naturalmente que a insolvência não pode deixar de ser fortuita (19).
O incidente de qualificação pode ser limitado (art. 191º) ou pleno (art. 188º) e trata-se de incidente do processo de insolvência, que corre por apenso ao processo principal (art. 188º, n.º 1), encontrando-se, por isso, abrangido pelo art. 9º do CIRE, tendo, por conseguinte, caráter urgente, e pelo seu art. 11º, em que se consagra o princípio do inquisitório, não se encontrando, conforme atrás já enunciado, o juiz, em sede de qualificação da insolvência, limitado aos factos alegados pelas partes.
O incidente destina-se a apurar, sem efeitos em sede penal e da responsabilidade civil, se a insolvência é fortuita ou culposa.
Precise-se que o CIRE não dá uma definição de “insolvência fortuita”, mas apenas, no art. 186º, n.º 1, dá uma definição de “insolvência culposa”, e estabelece no seu nº 2 presunções de insolvência culposa e no n.º 3 presunções de culpa, de onde se segue que serão fortuitas todas as situações de insolvência que não se enquadrem nas várias hipóteses enunciadas naquele art. 186º
A qualificação da insolvência como fortuita ou culposa tem graves consequências para o insolvente, caso seja uma pessoa singular, ou para os seus administradores de direito ou de facto, caso seja uma pessoa coletiva ou um património autónomo.
Com efeito, caso a insolvente seja uma pessoa coletiva ou um património autónomo, considera-se para efeitos de CIRE que são seus administradores aqueles a quem incumbe a administração ou liquidação da entidade ou património em causa, designadamente, os titulares do órgão social competente para o efeito (art. 6º, n.º 1, al. a) do CIRE), quer sejam administradores de direito ou de facto da sociedade ou do património autónomo (20).
Já sendo o insolvente uma pessoa singular, são considerados administradores do insolvente os seus representantes legais e mandatários com poderes gerais de administração (art. 6º, n.º 1, al. b) do CIRE).
Essas pessoas, caso a insolvência seja qualificada como culposa, ficam sujeitos, por imposição legal, às graves consequências elencadas no art. 189º, n.º 2 do CIRE, onde se contam: a inibição para o exercício do comércio durante um período de 2 a 10 anos, bem como para ocupar qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa - al. c); perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente e/ou a condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desse créditos - al. d); e a condenação a indemnizarem os credores do insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respetivos patrimónios – al. e) (21).
Sintetizando, o incidente em análise tem por escopo determinar se a insolvência foi fortuita ou culposa e, neste último caso, sancionar, no que respeita às pessoas coletivas ou patrimónios autónomos, os seus administradores, de direito ou de facto, sujeitando-os às graves consequência acima referidas caso tenham contribuído para a situação de insolvência ou o agravamento dessa situação da devedora, contrariamente ao que acontece com o insolvente, pessoa singular, que poderá, também ele ficar sujeito a essas graves consequências a par dos seus representantes legais e/ou dos seus mandatários com poderes gerais de administração.

Preceitua o art. 186º do CIRE que:

1- A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da autuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.
2- Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores de direito ou de facto, tenham:
a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor;
b) ;
c) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros;
h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor;
(…)
3- Presume-se a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto do devedor que não seja pessoa singular, tenha incumprido:
a) O dever de requerer a declaração de insolvência;
b) A obrigação de elaborar contas anuais, no prazo legal, de submete-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial,

Conforme resulta das previsões legais acabadas de transcrever, o n.º 1 fixa a noção geral de insolvência culposa, noção essa que vale indistintamente para qualquer insolvente, seja pessoa singular ou coletiva.
De acordo com essa noção geral, a insolvência é classificada como culposa quando a sua criação ou agravamento resulte de um comportamento doloso, ou com culpa grave do devedor e/ou dos seus administradores (de facto ou de direito), nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência. Se os factos ocorrerem num período anterior àqueles três anos, as condutas não são passíveis de punição via incidente de qualificação (22).
Significa isto, serem requisitos legais cumulativos à qualificação de uma insolvência como culposa, de acordo com a noção geral vertida naquele art. 186º, n.º 1: a) que exista uma conduta do devedor ou dos seus administradores de direito ou de facto; b) que essa conduta tenha ocorrido nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência; c) que essa conduta seja dolosa ou por eles levada a cabo com culpa grave; e d) que em consequência direta e necessária dessa conduta tenha sido criado o estado de insolvência do devedor ou o agravamento do estado de insolvência deste.
Por sua vez, tal como resulta da expressão “considera-se sempre culposa a insolvência”, e é entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência que o n.º 2 do art. 186º estabelece uma presunção inilidível e, por conseguinte, iuris et de iure, de insolvência culposa, impondo que a insolvência seja sempre classificada como culposa quando os administradores de direito ou de facto, do devedor, que não seja, pessoa singular, pratiquem os factos descritos numa das alíneas a) a i), do n.º 2 desse normativo.
Note-se que o mencionado n.º 2 do art. 186º, não estabelece apenas uma presunção inilidível de culpa, mas também de existência do nexo de causalidade entre a atuação dos administradores do devedor e a criação ou agravamento do estado de insolvência deste (23).
Consequentemente, a mera prova da prática de um dos atos previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do art. 186º, com os intuitos ou as consequências enunciadas nessas alíneas, impõe ao juiz, ope legis, sem admissão de prova em contrário, a obrigação de qualificar a insolvência como culposa (24).
Por sua vez, o n.º 3 do art. 186º, contem situações de presunção ilidíveis (iuris tantum) de culpa grave respeitantes aos comportamento nele enunciados dos administradores, de direito ou de facto de devedores que não sejam pessoas singulares.
Para além de se tratar de uma presunção de culpa grave ilidível mediante prova em contrária, o n.º 3 do art. 186º não presume a existência do nexo causal, pelo que à qualificação da insolvência do devedor como culposa, nas situações que se subsumam a uma das alíneas a) e b) do enunciado n.º 3, é necessário que se prove a verificação dos restantes requisitos legais acima enunciados de cuja verificação está dependente a qualificação da insolvência culposa, isto é, a verificação do nexo causal entre a atuação com culpa grave (presumida) e a criação ou agravamento da situação de insolvência do devedor (25).

B.3.1.1- Insolvência culposa com fundamento no art. 186º, n.º 2, al. a) do CIRE.

Revertendo ao caso em análise, considerou o tribunal a quo que nele se encontra preenchida a presunção iuris et de iure de insolvência culposa elencada na al. a), do n.º 2 do art. 186º do CIRE, entendimento esse com o qual não se conforma a apelante, que advoga que para que se verifique o preenchimento dessa presunção é necessário que ocorra uma ação que incida, direta e imediatamente, sobre as coisas que integram o património da devedora, em consequência das quais esta sofra, pelo menos, considerável afetação desse património e não uma atuação dirigida à alteração da situação jurídica do bem.
Mais sustenta que da facticidade dada como provada nos pontos 12º, 13º, 14º e 15º não decorre que as vendas que realizou em nome da sua representada (a sociedade insolvente) se tenham traduzido numa ocultação ou desaparecimento de bens da última ou que se tenham consubstanciado numa diminuição, frustração, dificultação do património daquela ou no colocar em perigo ou retardamento da satisfação dos credores da insolvente, posto que para que assim fosse, seria necessário que os valores das vendas dos bens vendidos não tivessem sido recebidos pela insolvente ou que não tivessem entrado no património desta, o que não se provou, mas antes o inverso.
Aduz finalmente que para que se pudesse concluir pelo preenchimento dessa presunção de insolvência, era necessário que a conduta daquela tivesse por objeto todo ou parte considerável do património do devedor, o que implicaria descortinar o valor a atribuir aos bens vendidos, quando do elenco dos factos provados é totalmente omisso quanto ao valor desses bens.
A propósito da presunção iuris et de iure prevista na mencionada al. a), do n.º 2 do art. 186º, o funcionamento daquela tem como pressuposto: a) a destruição, danificação, inutilização, ocultação ou o fazer desaparecer de património do devedor; b) e que esse património assim destruído, danificado, inutilizado, ocultado ou feito desaparecer constitua a totalidade do património do insolvente ou uma parte considerável desse património; c) e que esses atos sejam praticados nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.

Decorre do exposto que ao preenchimento dessa presunção não basta que nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência ocorra uma qualquer situação de destruição, danificação, inutilização, ocultação ou fazer desaparecer dos bens (sejam imóveis, móveis ou direitos) que integram o património do devedor/insolvente, mas é indispensável que esses bens constituam a totalidade do seu património ou uma “parte considerável” desse seu património, isto é, uma parte significativa, “com relevo patrimonial significativo” (26) desse património.
Por outro lado, o termo “ocultado” utilizado no normativo em referência carece de ser interpretado em sentido amplo, posto que se assim não fosse, nunca poderia haver uma situação de “ocultação de imóveis”, uma vez que estando estes, por natureza, integrados no solo, não são suscetíveis de serem ocultados em termos físicos.
Para efeitos da al. a), do n.º 2 do art. 186º do CIRE o termo “ocultar” significa “retirar os bens da esfera jurídica do devedor”, “um descaminho” desses bens, “que pode impedir, ou pelo menos – o que é o bastante para satisfazer a ratio legis -, dificultar, o acesso e o acionamento desses bens por parte do credor. A lei não exige a ocultação total no sentido de se tornar impossível o seu acesso ou conhecimento, mas apenas parcial no sentido de vontade, concretizada, de subtrair o bem ao direito/conhecimento do credor e à respetiva ação legal, pelo que, e precisamente por isso, não exige ocultação no sentido físico, mas apenas no aspeto da situação jurídica do bem. No termo “ocultação” estão assim incluídas as situações de venda de bens a sociedade controlada direta ou indiretamente pelo alienante/insolvente, como a “hipótese de alienação de património a familiares chegados – filhos, pais, irmãos ou sobrinhos (…), em que o alienante/insolvente continua a deter o poder de facto sobre o património imobiliário”, como aqueles “outros exemplos clássicos, em que o alienante vende o imóvel e faz desaparecer o preço em dinheiro recebido ou transforma o preço em títulos ao portador” (27).
Em síntese e dito por outras palavras, na previsão da al. a), do n.º 2, está abrangida a “prática de atos que determinem a perda ou subtração de parte considerável dos bens que constituam o património do comerciante em quebra” (28).
Assente nessas premissas é indiscutível que a alegação da apelante segundo a qual na presunção contida na al. a) do n.º 2 não estão abrangidas alterações da situações jurídicas dos bens não tem qualquer arrimo possível à luz do ordenamento jurídico, posto que uma das formas de “ocultar” ou fazer “desaparecer” o património da insolvente é precisamente alterando a situação jurídica desse património, transferindo a propriedade que incide sobre o mesmo para terceiros, privando, por essa via, os credores da garantia patrimonial do seu crédito e colocando a devedora numa situação em que deixa de ter meios produtivos para continuar a desempenhar o seu giro comercial e/ou industrial e de assim poder continuar a obter proventos para satisfazer as suas dívidas perante os seus credores, de molde a tornar a situação de insolvência desta inevitável, situação essa que é precisamente a que se verifica nos presentes autos.
Na verdade, apurou-se que a sociedade “Bordados ... – Sociedade Unipessoal, Lda.” foi declarada insolvente por sentença proferida em 27/05/2019 e que esta tinha por objeto social a indústria de bordados, confeção e acabamentos, de que a apelante era única gerente (cfr. pontos 1º a 5º dos factos apurados).
Mais se provou que em 12/02/2019, a sociedade insolvente vendeu a uma sociedade terceira, pelo preço de 120.000,00 euros, o pavilhão industrial onde exercia o seu objeto social e em 21/02/2009, vendeu a totalidade dos equipamentos que eram por si utilizados nessa sua atividade industrial a uma outra sociedade terceira, pelo preço de 10.045,00 euros, pagando com parte do produto dessas vendas, numa altura em que já era devedora perante diversos credores, arbitrariamente a credores, designadamente à Autoridade Tributária e Aduaneira e à Segurança Social, e antecipadamente, à Caixa ..., S.A., o financiamento que tinha contraído junto desta (cfr. pontos 12º, 13º, 16º e 17º dos factos apurados).
Finalmente apurou-se que em consequência das mencionadas vendas, não existem quaisquer bens apreendidos para a massa insolvente, com exceção de uma máquina de bordar, também ela vendida àquela sociedade terceira a quem vendeu a totalidade dos seus equipamentos (cfr. ponto 18º dos factos apurados).
Dir-se-á que em face da facticidade apurada, nos três anos anteriores ao início do presente processo de insolvência da “Bordados ... – Sociedade Unipessoal, Lda.”, a apelante, em nome dessa sociedade” vendeu a sociedades terceiras a totalidade do património imobilizado desta, necessário ao exercício da sua atividade industrial, isto é, o pavilhão em que a sociedade, sua representada, desenvolvia a sua atividade industrial e, bem assim todas as máquinas com que esta desenvolvia essa sua atividade, fazendo-o “desaparecer” da propriedade e disponibilidade da sociedade e passando-o para a propriedade e disponibilidade de terceiras sociedades, a quem o vendeu, impedindo totalmente a sociedade insolvente de continuar a exercer a sua atividade industrial e de assim obter proventos para satisfazer os seus débitos para com os seus credores.
Contrariamente ao pretendido pela apelante, a mesma, com as enunciadas vendas, realizadas nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, não fez desaparecer parte considerável do património da insolvente, mas independentemente de o ter vendido ou não pelo preço de mercado (conforme pretende ter acontecido) e de nos autos não se encontrar apurado qual o concreto valor de mercado desses bens que vendeu, a conclusão que a facticidade apurada consente é apenas uma única possível: a apelante, enquanto única gerente da apelante, fez desparecer, com aquelas vendas praticamente a totalidade do património da sociedade insolvente e, inclusivamente diremos, colocou essa sociedade numa situação de insolvência inevitável, ao não liquidar todos os débitos desta para com os seus credores, mas apenas liquidando aqueles que bem entendeu, numa clara atitude arbitrária e violadora do princípio da igualdade e do privilégio de que beneficiavam os créditos dos trabalhadores, não obstante com as identificadas vendas não ignorar, sequer poder ignorar, que com essas vendas imobilizava totalmente a atividade industrial da sociedade devedora/insolvente e que a colocava numa situação de insolvência inevitável.
Na verdade, conforme decorre da factualidade apurada, apenas veio a ser apreendido para a massa insolvente escassas centenas de euros e uma máquina de bordar.

Contrariamente ao sustentado pela apelante, a essa conclusão não obsta a circunstância de se ter efetivamente apurado que o produto dessas vendas entrou nas contas abertas em nome da sociedade devedora/insolvente junto da Caixa ..., S.A. (cfr. pontos 14º e 15º dos factos apurados), quando se desconhece o destino dado a esse dinheiro, já que o mesmo não foi encontrado e apenas foi apreendida para a massa insolvente escassas centenas de euros e uma máquina, sabendo-se apenas que com parte desse produto das vendas foi pago à Autoridade Tributária e Aduaneira e à Segurança Social, quantia não concretamente apurada para pagamentos de créditos cuja natureza se desconhece e a quantia de 14.707,86 euros à Caixa ..., para liquidação antecipada das obrigações decorrentes para a sociedade insolvente dos débitos emergentes do contrato de financiamento que com esta celebrou (cfr. pontos 6º a 11º, 17º a 18º dos factos apurados).

De resto, a alegação da apelante, invocando o depósito do produto das vendas nas contas da sociedade insolvente para afastar o funcionamento da presunção da al. a), do n.º 2 do art. 186º do CIRE, além de, salvo o devido respeito por entendimento contrário, ser engenhosa, cínica e fraudulenta, desconsiderando, em absoluto, que mediante essas vendas a mesma desfez-se de todo o ativo imobilizado da sociedade insolvente, impedindo-a de continuar a exercer a sua atividade industrial, com os quais obtinha proventos para liquidar as suas obrigações perante os seus credores, liquidando os débitos da sociedade insolvente que bem entendeu, em seu livre juízo e entendimento (naturalmente, segundo o juízo que era mais conveniente à satisfação dos seus interesses) e deixando por liquidar os restantes, isto é, o dos trabalhadores da sociedade devedora/insolvente, apesar destes serem privilegiados, e ignorando ou desvalorizando que deu o destino a esse produto da venda desse património que bem entendeu, não tem qualquer arrimo legal à luz do art. 186º, n.º 2, al. a) do CIRE, posto que se assim fosse, para afastar a presunção inilidível de culpa, bastaria aos legais representantes da insolvente, como fez a aqui apelante, vender a quase totalidade do património da sociedade de que são representantes, impedindo-a, inclusivamente, de poder continuar a exercer o seu objeto social por via dessas vendas, levando-a à total paralisia, dar posteriormente entrada do produto dessas vendas nas contas da sua representada e depois dar-lhe o destino que bem entendeu, numa atitude preordenada e fraudulenta de vir depois argumentar que a previsão da al. a) do art. 186º do CIRE não se encontra preenchida, pelo simples facto de que não fez desaparecer a quase totalidade do património da sua representada porque deu entrada do produto dessa venda nas contas da última, quando lhe deu o destino que bem entendeu e apenas se logrou apreender para a massa insolvente escassas centenas de euros e uma máquina.

Termos em que sem mais, por desnecessárias considerações, improcede este fundamento de recurso, sufragando-se inteiramente a decisão da 1ª Instância, nos termos da qual, no caso, encontra-se preenchida a presunção de insolvência da al. a), do n.º 2 do art. 186º do CIRE.

B.3.1.2- Insolvência culposa com fundamento no art. 186º, n.º 2, al. d) do CIRE.

Imputa a apelante erro de direito à decisão de mérito proferida na sentença recorrida, na parte em que considera estar preenchida a presunção de insolvência culposa da al. d), do n.º 2, do art. 186º, sustentando que para que se pudesse concluir pelo preenchimento dessa presunção era necessário que se tivessem apurado factos dos quais decorresse que a mesma praticou atos de disposição de bens da sociedade devedora/insolvente em seu proveito pessoal ou de terceiros, quando não se provou qualquer facticidade nesse sentido, além de que seria necessário que se encontrasse demonstrado que os valores das vendas realizadas não correspondiam aos valores reais de mercado desses bens.
Que dizer?
Nos termos da al. d) do n.º 2 do art. 186º, considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiro.
A propósito dessa presunção é pacífico o entendimento que a “disposição de bens do devedor” a que alude essa previsão legal abrange todos os comportamentos dos administradores, de direito ou de facto, da devedora/insolvente que tenham por efeito a saída dos bens do património desta (com acontece, por exemplo, na venda, dação em cumprimento, doação de bens, etc.), como os que não obstante não implicarem necessariamente a saída dos bens do património da devedora/insolvente, retiram-lhe a disponibilidade sobre os mesmos, colocando-os na disponibilidade do próprio administrador ou de terceiro (ex: comodato).
Esse ato de disposição no sentido que se acaba de enunciar, tem de ser realizado, contudo, pelo administrador, de direito ou de facto, da devedora em “proveito pessoal” do próprio administrador ou de terceiro.
Esse proveito pessoal do administrador ou de terceiro compreende, assim, não só as situações em que “por negócio jurídico a titularidade do direito sobre os bens da insolvente é transferida para o administrador ou terceiro, mas também quando independentemente disso é consentido que estes usem os bens, que deles retiram proveito ou utilidade em benefício próprio e sem qualquer retorno para a insolvente e esta fica, na prática, numa situação equivalente a não proprietária desses bens ou de não ter qualquer direito de gozo dos mesmos” (29).
Deste modo, para que se encontre preenchida a presunção inilidível da al. d) do n.º 2 é necessário o apuramento de factos de onde decorra que os administradores, de facto ou de direito, da devedora/insolvente realizaram nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência a) atos de disposição; b) de bens do devedor/insolvente), e c) que esses atos de disposição sobre esses bens tenham sido realizados em proveito pessoal dos administradores ou de terceiros (30), isto é, em benefício pessoal destes últimos e em detrimento da devedora/insolvente.
Acresce que conforme se pondera no Ac. RP. de 07/12/2006, atrás já citado, “embora a previsão da al. d) não faça qualquer referência à importância económica dos bens objeto dessa atuação e à necessidade de o seu relevo patrimonial ser significativo – ao contrário da al. a) -, isso é assim porque, cremos, a preocupação subjacente à previsão legal já não é diretamente a preservação do património da devedora (indiretamente sim), mas antes evitar que esse património que deverá ser afeto à satisfação dos credores redunde afinal em benefício ilegítimo dos próprios proprietários ou de terceiros. Todavia, julgamos que em qualquer circunstância esses bens têm de ter algum relevo económico, não nos parecendo conforme à ordem jurídica qualificar uma insolvência como culposa e imputar aos gerentes as consequências dessa qualificação apenas porque um dos administradores ou um terceiro se apropriou de um bem da insolvente de escasso valor económico, cujo interesse para o funcionamento da devedora nas condições à data não fosse significativo”.
Deste modo, na esteira do que se acaba de enunciar, para que se possa concluir pelo preenchimento da presunção em análise, não basta que o administrador, de direito ou de facto, da devedora/insolvente, transfira o direito de propriedade sobre bens que integram o património da devedora para si ou para um terceiro, ou que transfira a disponibilidade sobre esses bens da devedora/insolvente para si ou para o terceiro, mas é ainda necessário que aquele pratique esses atos de disposição em seu benefício pessoal ou de terceiro e em prejuízo da devedora/insolvente e, bem assim que esse benefício tenha um relevo patrimonial significativo.
Revertendo ao caso em análise, conforme bem realça a apelante, para que se pudesse concluir pelo preenchimento da presunção da al. d), do n.º 2 do art. 186º, não basta que se tivesse apurado que a apelante realizou as concretas vendas que se encontram identificadas nos pontos 12º e 13º dos factos apurados na sentença recorrida, mas era ainda necessário que se tivesse apurado que essas vendas foram realizadas em benefício pessoal da própria apelante (por exemplo, para que esta obtivesse proventos, em consequência dessas vendas, a fim de os dissipar em proveito próprio ou que tivesse vendido esses bens a sociedades por um preço inferior ao seu valor de mercado, quando essas sociedades eram por ela controladas) ou de terceiros, nomeadamente, pelas terceiras compradoras desses bens, por os terem comprado por um valor inferior de mercado e, além disso, que esse benefício pessoal retirado pela apelante ou pelos terceiros tivesse um valor patrimonial significativo.
Acontece que compulsada a matéria fáctica apurada, porque a mesma não evidencia que a apelante tivesse realizado aquelas vendas do património da sua representada (sociedade devedora/insolvente) em benefício pessoal da própria apelante, sequer das sociedades compradoras dos mesmos, tanto mais que não se apurou que a vendas desses bens tivessem sido realizadas por um preço inferior ao respetivo valor de mercado, é inegável que a facticidade que se quedou apurada é de todo insuficiente para que se possa concluir pelo preenchimento da presunção da al. d), do n.º 2 do art. 186º do CIRE, impondo-se, consequentemente, concluir pela procedência da apelação nesta parte e revogar a sentença recorrida na parte em que conclui pelo preenchimento da presunção em análise.

Procede este fundamento de recurso.

B.3.1.2- Insolvência culposa com fundamento no art. 186º, n.º 2, al. h) do CIRE.

A apelante imputa erro de direito à sentença recorrida, quando nela se conclui encontrar-se preenchida a presunção da al. h) do n.º 2 do art. 186º, alegando que para que se concluísse pelo preenchimento dessa concreta presunção era necessário que as irregularidades contabilísticas verificadas ao nível da contabilidade da sociedade devedora/insolvente tivessem sido propositadamente feitas para mascarar a realidade económica dessa empresa, quando não é o caso, uma vez que não existiu da sua parte qualquer propósito de iludir os credores dessa sociedade, os quais nem sequer existiam à data da declaração de insolvência, além de que as irregularidades verificadas ao nível da contabilidade não impedem a compreensão cabal da situação patrimonial e financeira desta, até porque a desconformidade dos saldos da caixa não resulta de um acumulado de anos anteriores, pelo que não houve qualquer obstrução à alegada dissipação do património da insolvente, dissipação essa que não existiu.

Apreciando:

A al. d), do n.º 2 do art. 186º estabelece um presunção inilidível de que a insolvência é culposa nos casos em que nos três últimos anos anteriores ao início do processo de insolvência os administradores, de direito ou de facto, da insolvente tenham incumprido em termos substanciais a obrigação de manter a contabilidade organizada, tiverem mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor.
Deste modo são pressupostos legais ao preenchimento da mencionada presunção que nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, os administradores, de direito ou de facto, da devedora/insolvente tenham adotado uma das seguintes condutas típicas: a) não manterem a contabilidade organizada, incumprindo essa obrigação legal em termos substanciais, isto é, relevantes; b) manterem uma contabilidade fictícia; c) manterem uma dupla contabilidade; ou d) praticarem irregularidade ao nível dessa contabilidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor.
Destarte, contrariamente ao entendimento da apelante, em nenhum dos enunciados comportamentos típicos se exige que estes tenham sido cometidos pelo administrador, de direito ou de facto, da devedora/insolvente, com o propósito, isto é, com a intenção de mascarar a realidade económica e financeira desta.
O pressuposto do “prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor” apenas é exigível em relação à última conduta típica atrás identificada - a da al. d) – mas não quanto às restantes – as supra elencadas nas als. a), b) e c).
Acresce que quanto a esta última conduta típica – cometimento de irregularidades contabilística ao nível da elaboração da contabilidade da devedora/insolvente -, afirmar-se-á o preenchimento da presunção da al. h), do n.º 2, sempre que essa irregularidade se projete na contabilidade da devedora/insolvente, causando (em termos objetivos) prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira desta, independentemente do administrador ter agido ou não com o propósito de causar esse prejuízo, isto é, de visar ou não mascarar a realidade patrimonial e financeira da devedora/insolvente.
Conforme se lê no acórdão da Relação de Coimbra de 22/05/2012 (31), citando Catarina Serra, o que está basicamente em causa nas alíneas h) e i) do n.º 2 e nas als. a) e b) do n.º 3 do art. 186º “é o incumprimento/violação dos deveres específicos dos comerciantes (v.g. art. 18º do CCom) e/ou dos deveres gerais dos insolventes (cfr. art. 83º do CIRE); é a violação de tais deveres legais que leva a lei a determinar a aplicação do regime (da insolvência culposa) (…), nas alíneas h) e i) só muito remotamente alguns dos factos/atos podem ser considerados causa de insolvência ou mesmo do seu agravamento. Constituindo, por um lado, a violação de um dever específico do comerciante e, por outro lado, a violação de um dever elementar de todo o insolvente, é legítimo supor que houve culpa qualificada do sujeito – a culpa qualificada no ato praticado ou omitido e não na insolvência, como é exigido pela norma geral do n.º 1. E, no entanto, desencadeiam os mesmos efeitos da insolvência culposa. O legislador terá entendido submetê-los também ao regime da insolvência culposa não porque eles pudessem ser causa (real ou presumível) da insolvência, mas porque a probabilidade de o sujeito ter praticado ato ilícito gravemente censurável justificava submetê-los também a esse regime. Na base desta opção legal está, portanto, como se disse, uma valoração diferente daquela que terá estado na origem da disciplina. Deve, por isso, considerar-se que a lei estabeleceu, nestes dois pontos, não presunções, mas – passe o paradoxo – verdadeiras ficções (…) trata-se de um intuito repressivo (punitivo) e simultaneamente preventivo e pedagógico em que os deveres legais em questão saem reforçados (…). As sanções de natureza civil sempre tiveram uma justificação prática: conseguir a efetividade dos deveres impostos.
Na base desta presunção está, pois, o incumprimento dos administradores, de direito ou de facto, da devedora/insolvente, dos deveres legais que lhe são impostos pelos arts. 13º, n.º 2, 18º, 20º, 40º, n.º 1 e 62º do Cód. Comercial, de manterem contabilidade organizada que reflita a verdadeira e efetiva situação patrimonial e financeira da devedora/insolvente, tendo em consideração os interesses relevantíssimos por esta desempenhada e as dúvidas que o incumprimento desses deveres suscita, que levam o legislador a presumir de forma inilidível que a insolvência é culposa sempre que se verifiquem as situações elencadas na al. h), independentemente de por trás dessas situações estarem ou não casos que geraram a insolvência ou o agravamento da insolvência da devedora/insolvente.
Conforme pondera Pires Cardoso, em “Noções de Direito Comercial”, pág. 114, “a contabilidade, através da escrituração, revela ao comerciante a sua situação económica e financeira em determinado momento. E assim como lhe revela os erros da sua atuação em certos aspetos do seu comércio, permitindo-lhe modificá-la, também lhe mostra os benefícios trazidos pela sua orientação em outros aspetos, animando-o a continuá-la. (…). Mas além disto, a escrituração mercantil é também uma garantia para quem contrata com os comerciantes, pois nela muitas vezes se fundam reclamações das pessoas que se sentem lesadas, e é nos seus lançamentos que vai buscar-se a prova para fazer valer em juízo ou fora dele, essas mesmas reclamações. (…) Mas ainda: A escrituração é também obrigatória no interesse geral do público porque demonstra a maneira de negociar do comerciante, o seu procedimento honesto ou a sua má fé nas transações, sobretudo nos casos de falência em que se tem que reconstituir a sua vida mercantil, para averiguar se houve negligência, fraude ou culpa”.
No mesmo sentido pronuncia-se Menezes Cordeiro (32), ao ponderar que “a escrituração terá começado por servir os interesses do próprio comerciante (…). Mas além disso, desde cedo se verificou que servia, também, os interesses dos credores e isso a um duplo título: incentivando o comércio cuidado e ordenado, a escrituração conduz a práticas que põem os credores (mais) ao abrigo de falências e bancarrotas; permitindo conhecer a precisa situação patrimonial e de negócios, a escrituração faculta informações e determina responsabilidades. A partir daí, reconheceu-se que a escrituração servia toda a comunidade, facultando ainda ao Estado atuar, com fins de polícia, de fiscalização ou de supervisão. A contabilidade assume, assim, particular relevância para aferir se a atividade da sociedade respeitou as normas que protegem os terceiros que com ela contratam, permite controlar e evitar a concorrência desleal e assim proteger as outras empresas do mesmo setor, os próprios sócios da sociedade, não gerentes, para que estes possam controlar a atividade da sociedade e os interesses gerais da comunidade, designadamente possibilitar ao Estado arrecadar os impostos legalmente fixados”.
Assentes nas mencionadas premissas se é certo que os factos que se apuraram sob os pontos 10º e 11º da sentença recorrida não permitem concluir que exista qualquer irregularidade contabilística ao nível da escrituração comercial da insolvente, uma vez que para que assim fosse era necessário que o saldo de 3.968,02 euros, registado na conta 2.2.2.2.2, não fosse efetivamente devido pelos clientes da insolvente (não bastando para o efeito a mera informação desses clientes prestada ao administrador de insolvência que nada devem e que já pagaram, para que se conclua que assim é, efetivamente, e se conclua pela ocorrência de irregularidade ao nível dessa contabilidade), com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira da devedora e se conclua pela verificação da presunção da al. h), do n.º 2 do art. 186º, já a facticidade apurada sob os pontos 6º a 9º e 16º evidencia a ocorrência de graves irregularidades cometidas ao nível da contabilidade da devedora/insolvente, com efetivo prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira desta, ao ponto de se desconhecer qual o destino que foi dado a parte substancial do seu património.
Como dito, a apelante, enquanto gerente da sociedade insolvente é responsável pela elaboração da contabilidade da sociedade devedora/insolvente e por nela espelhar todos os movimentos a crédito e a débito, por forma a que esta espelhe a real situação económica e financeira dessa sociedade.
Acontece que se apurou que na conta 1.1 da contabilidade da sociedade devedora/insolvente existia um saldo de “caixa” no valor de 70.215,26 euros, que não foi apreendido para a massa insolvente por se desconhecer o seu paradeiro (cfr. pontos 6º e 7º dos factos apurados), o que significa que esse dinheiro, que devia encontrar-se na caixa, lá não existia, pelo que se está perante uma irregularidade contabilística, que assume prejuízo relevante para a compreensão da situação financeira e patrimonial da insolvente, dado que impede que se apure o destino que foi dado à quantia considerável de 70.215,26 euros, de nada valendo à apelante vir argumentar que fruto dos constantes movimentos da caixa, tal irregularidade inexiste, uma vez que esse argumento não tem em devida consideração que, no caso, não se está perante escassas dezenas ou centenas euros, mas perante a considerável quantia de 70.215,26 euros, que segundo a contabilidade da sociedade insolvente devia existir em caixa e que nela não existe.
Essa quantia é tanto mais impressiva quando apenas se logrou apreender para a massa insolvente escassas centenas de euros e uma máquina.
Acresce que na conta 1.2 existia registado um saldo à ordem, no montante de 14.932,63 euros, dos quais apenas veio a ser apreendida a quantia de 20,71 euros, tendo a própria apelante alegado junto do administrador de insolvência que essa quantia espelhada na contabilidade da apelante não tem correspondência com a realidade (cfr. pontos 7º a 9º). Logo, é indiscutível estar-se perante mais uma irregularidade verificada ao nível da contabilidade da sociedade devedora/insolvente, que impede que se apure o destino dado à impressiva quantia de 14.932,63 euros e, consequentemente, a compreensão da situação patrimonial e financeira desta.
Finalmente, apurou-se que em 13/02/2019, a apelante vendeu o imóvel onde a sociedade devedora/insolvente exercia a sua atividade industrial, pelo preço de 120.000,00 euro, e em 21/02/2019 vendeu a totalidade dos equipamentos que eram utilizados na atividade industrial dessa sociedade, pelo preço de 10.045,00 euros, valores esses que foram depositados numa conta da sociedade insolvente, com parte do qual a apelante pagou 14.707,86 euros à Caixa ... para liquidação antecipada de um financiamento que a insolvente tinha contraído junto dessa instituição bancária, e pagou dívidas dessa sociedade, sua representada, à Autoridade Tributária e Aduaneira e à Segurança Social, desconhecendo-se o valor entregue a essas entidade e a natureza dos créditos pagos (cfr. pontos 12º a 15º, 17º e 16º dos factos apurados), assim como o destino do remanescente do preço dessas vendas, tanto assim que apenas se logrou apreender para a massa insolvente as quantias de 20,71 euros e de 326,68 a que se alude nos pontos 8º e 11º dos factos apurados e, bem assim a máquina de bordar identificada no ponto 18º desses factos, o que significa que se está na presenças de irregularidades contabilísticas que impendem, de forma relevantíssima, o apuramento do destino que foi dado àquele dinheiro que constitui o remanescente do preço das vendas efetuadas, o apuramento de qual seja esse saldo remanescente, incluindo, qual a quantia dos débitos pagos à Autoridade Tributária e Aduaneira e à Segurança Social, sua natureza e data em que foi efetuado o pagamento.
Essas irregularidades decorrem da circunstância de não terem sido registados as mencionadas vendas na contabilidade da sociedade devedora/insolvente, sequer o recebimento do respetivo preço, sequer ainda os débitos dessa sociedade perante a Autoridade Tributária e Aduaneira e Segurança Social, sequer a data em que foi efetuado os respetivos pagamentos, tudo dados que, por imperativo legal, tinham de constar registados na contabilidade daquela sociedade e cuja omissão obsta naturalmente à compreensão da situação patrimonial e financeira dessa sociedade.
Destarte, contrariamente ao pretendido pela apelante, bem andou a 1ª Instância ao concluir que no caso se encontra preenchida a presunção inilidível de insolvência culposa a que alude a al. h) do n.º 2 do art. 186º do CIRE, não se verificando os erros de direito que imputa à sentença recorrida quando assim conclui.

Improcede este fundamento e recurso.

B.3.1.2- Efeitos da insolvência culposa.

Na sentença sob sindicância condenou-se a apelante “a pagar aos credores o montante correspondente ao total dos créditos reconhecidos na lista apresentada pelo Administrador da Insolvência nos termos do art. 129º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que não forem liquidados pelo produto da liquidação do ativo, ou seja, o montante dos créditos que fiquem por liquidar, valor a fixar em liquidação de sentença”.
Imputa a apelante erro de direito ao assim decidido por três fundamentos, a saber: a) a sentença olvidou o limite prescrito na al. e), do n.º 2 do art. 189º do CIRE, que restringe a sua responsabilidade pessoal pela satisfação desses créditos até às forças do seu património; b) a interpretação do art. 189º, n.ºs 2, al. e) e 4 no sentido de que a pessoa afetada pela insolvência fica obrigada a indemnizar os credores da totalidade dos valores dos créditos não satisfeitos pela massa é inaceitável, por demasiado severa e desproporcional e daí inconstitucional, pois que, no limite, poderia conduzir à insolvência das pessoas afetadas pela insolvência; e c) a condenação da apelante na satisfação daquela indemnização exige que se verifique o nexo causal entre a sua atuação e o montante dos créditos não satisfeitos, sob pena se se incorrer numa responsabilidade objetiva, sem culpa, a qual tem natureza excecional, quando na sentença recorrida não se estabelece esse nexo causal, além de que para fundamentar a condenação no pagamento da indemnização, a Meritíssima Juiz limita-se a mencionar “a culpa mediana/alta requerida”, ficando sem se saber a que factualidade se reporta.
A propósito deste último fundamento, cumpre referir que a culpa se afere de todo o quadro factual que se quedou apurado, uma vez que é a partir dele que se impõe aferir a dimensão de culpa, mal se compreendendo, por isso, a alegação da apelante quando pretende desconhecer a que factualidade a que se reporta o tribunal a quo quando qualificou a culpa com que a mesma atuou de mediana/alta.
Passando ao primeiro fundamento, dir-se-á que efetivamente a al. e) do n.º 2 do art. 189º limita a responsabilidade pessoal do afetado pela declaração da insolvência como culposa até às forças do património deste.
Mediante a fórmula legal utilizada pelo legislador “até às forças do respetivos patrimónios”, quer-se significar que a pessoa afetada pela declaração da insolvência como culposa responde pessoalmente pelo remanescente dos créditos dos credores da insolvente que tenham sido verificados e graduados na sentença de verificação de créditos e que fiquem por pagar, na medida em que as forças da massa os não consigam satisfazer, com todo o seu património pessoal (33).
Esse limite é uma decorrência da lei e significa que os afetados pela insolvência não respondem pela satisfação dos créditos remanescentes para além das forças do seu património, o que naturalmente tem significado jurídico, uma vez que conforme refere a apelante, caso o património pessoal desta, afetada pela declaração da insolvência da sociedade “Bordados ... – Sociedade Unipessoal, Lda.” como culposa, seja inexistente ou insuficiente para satisfazer os créditos verificados e graduados, uma vez liquidada a massa da sociedade insolvente, os credores da insolvente que vejam os seus créditos insatisfeitos não poderão requerer a insolvência da própria apelante (34).
Decorre do exposto, que ao condenar-se na sentença recorrida a apelante M. M. a pagar aos credores da sociedade insolvente o montante correspondente ao total dos créditos reconhecidos na lista apresentada pelo Administrador da Insolvência nos termos do art. 129º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que não forem liquidados pelo produto da liquidação do ativo, ou seja, o montante dos créditos que fiquem por liquidar, valor a fixar em liquidação de sentença, sem se fazer menção que essa responsabilidade pessoal da apelante fica limitada às forças do património pessoal desta, essa sentença padece do erro de direito que a apelante lhe assaca.
Nestes termos, na procedência do enunciado fundamento de recurso, impõe-se consignar na alínea d) da parte decisória da sentença, que essa condenação da requerida M. M. fica limitada às forças do património pessoal desta.
Passando ao segundo fundamento de recurso aduzido pela apelante, pretende esta que a interpretação da al. e), do n.º 2 do art. 189º do CIRE no sentido de que a pessoa afetada pela insolvência fica obrigada a indemnizar a totalidade dos valores dos créditos não satisfeitos pela massa, é inaceitável, por demasiado severa e desproporcional, padecendo essa interpretação do vício da inconstitucionalidade material, pois que, no limite, poderia conduzir à insolvência das pessoas afetadas pela declaração da insolvência como culposa.
A esse propósito incumbe precisar que a apelante não identifica qual o pretenso princípio constitucional que a interpretação do referido art. 189º, n.º 2, al. e) do CIRE alegadamente violará.
Acresce que o argumento aduzido segundo o qual essa interpretação pretensamente seguida pelo tribunal a quo daquele preceito, poderia, no limite, levar à própria declaração da insolvência da pessoa afetada pela declaração da insolvência do devedor como culposa, não colhe fundamento legal, uma vez a responsabilidade desta última encontra-se, ope legis, limitada ao seu património pessoal, pelo que esse risco inexiste, a não ser que o afetado se desfaça desse seu património pessoal.
No entanto, esclarece-se que na esteira da jurisprudência que vem identificada pela apelante e da posição sufragada por Carvalho Fernandes e João Labareda, entendemos que o n.º 4 do art. 188º do CIRE, permite “ao juiz referenciar fatores que, designadamente em razão de circunstâncias do processo, devem mitigar o recurso, puro e simples operações aritméticas de passivo menos resultado do ativo”, havendo “espaço para uma reflexão atinente ao grau de culpa atribuído aos atingidos pela qualificação da insolvência” (35) e em função desse grau de culpa determinar a duração das inibições a que o afetado pela declaração da insolvência como culposa fica sujeito e eventualmente restringir o limite da sua responsabilidade pessoal pelos créditos da insolvência insatisfeitos em função desse grau de culpa, o qual, como referido, tem como limite máximo as forças do património pessoal do afetado por essa declaração, restringindo-se esse limite mais aquém.
Nesta mesma linha se pronuncia a Relação de Coimbra, no seu aresto de 16/12/2015 (36), onde pondera que tendo em conta a solução da lei Concursal Espanhola, inspiradora do CIRE, da qual decorre que “o montante da condenação há-de ser fixado em função da incidência que a apurada conduta, que determinou a qualificação da incidência como culposa e determinou a sua afetação, teve na criação ou agravação da situação de insolvência”, e “porque o severo regime que emerge da aplicação conjugada dos arts.186º e 189º vincula a uma interpretação que salvaguarde precisamente o princípio da proporcionalidade, conjugando o teor das als. a) e e), do n.º 2 e o n.º 4 do art. 189º, entendemos que encontra acolhimento no texto legal o entendimento de que na fixação do montante indemnizatório deve ser ponderada a culpa do afetado, que deverá responder na medida em que o prejuízo possa/deva ser atribuído ao ato ou atos determinantes dessa culpa”.
Precise-se que não podemos deixar de subscrever esse entendimento uma vez que a condenar-se os afetados pela qualificação da insolvência como culposa em montantes indemnizatórios que excedessem o contributo dos atos ilícitos e culposos que perpetraram para a situação de insolvência do devedor ou para o agravamento dessa situação de insolvência, não só se violaria o princípio constitucional da proporcionalidade, como o comando do art. 71ºdo Cód. Penal, que no âmbito do Direito Penal determina que a medida da pena seja determinada, dentro dos limites da lei, tendo como limite a culpa do agente, assim como se postergaria os princípios que norteiam a responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, os quais, conforme emerge do art. 483º, n.º 1 do CC, condicionam qualquer direito indemnizatório à ilicitude e ao comportamento culposo do lesante.
Note-se que esse nosso entendimento não se mostra contrário às presunções de culpa e de existência do nexo de causalidade estabelecidos no n.º 2 do art. 186º do CIRE, posto que se é certo que nos casos em que se encontram preenchidas as situações elencadas nas diversas alíneas desse n.º 2 desse art. 186º, o legislador presume, de modo inilidível, que o administrador, de direito ou de facto, da devedora/insolvente criou ou agravou culposamente a insolvência da sua representada e, bem assim presume inilidivelmente o nexo causal entre a atuação desse administrador e a criação ou agravamento do estado de insolvência do devedor, essa culpa, apesar de presumida iuris et de iure, pode assumir (e em regra, assume) diversos graus de intensidade, graus esses que devem determinar não só o tempo de duração das inibições da pessoa afetada pela declaração da insolvência como culposa, como podem e devem justificar que esta veja limitada a sua responsabilidade pessoal fixada na al. e) do n.º 2 do art. 189º.
Acontece que compulsada a facticidade apurada, não se descortina que o grau de culpa com que a apelante atuou e que vem espelhada nesses factos permita reduzir a sua responsabilidade pessoal a limites inferiores aos que decorrem da al. e) do n.º 2 d art. 189º, que limita essa sua responsabilidade pessoal pela satisfação dos créditos insatisfeitos ao seu património pessoal.
Na verdade, a apelante vendeu o pavilhão industrial onde a devedora/insolvente, de que era gerente, exercia o seu objeto social e, bem assim vendeu toda a maquinaria utilizada pela devedora/insolvente no exercício desse seu objeto social – a indústria –, levando a uma total paralisia do giro industrial dessa sociedade, que lhe permitia granjear meios económicos e financeiros, necessários à satisfação dos seus compromissos perante os seus credores, ou seja, colocando essa sociedade numa situação de inevitável insolvência, e colocando os trabalhadores da mesma numa situação em que a relação de trabalho que mantinham com aquela não se poderia manter, levando facticamente ao despedimento ilícito desses trabalhadores, numa altura em que essa sociedade, sua entidade empregadora, já tinha, mediante as vendas efetuadas pela apelante, sido desapossada de todo o seu património, privando esses trabalhadores da garantia patrimonial em relação aos seus créditos privilegiados que tinham sobre a sociedade insolvente (já constituídos, à data das vendas – vide fundamentos supra) e, bem assim, quanto aos que, entretanto, se constituíram, por via do trabalho que desde então prestaram à sociedade, sua empregadora, e do despedimento ilícito de que foram alvo, também eles privilegiados.
Acresce que a apelante, não satisfeita, com parte do produto das vendas do pavilhão industrial e da maquinaria da sociedade devedora/insolvente, pagou os débitos da sua representada, que muito bem entendeu, não liquidando, os créditos que esta era já devedora perante os seus trabalhadores, quando os mesmos eram privilegiados, apesar de com a sua conduta ter colocado esses seus trabalhadores numa situação material de despedimento ilícito, desprovidos de qualquer garantia patrimonial dos seus créditos, incluindo, indemnizatório, não obstante este ser igualmente privilegiado, e quando criou um situação fáctica de impossibilidade de manutenção da relação de trabalho desses trabalhadores e de insolvência da sociedade empregadora.
Acresce ainda, que a apelante praticou as irregularidades supra descritas ao nível da contabilidade da sociedade devedora/insolvente, as quais são impeditivas do apuramento da situação patrimonial e financeira desta, designadamente, o destino que deu, além do mais, ao restante preço daquelas vendas que efetuou.
Neste contexto, o grau de culpa evidenciado pela apelante reclama que esta tenha de responder pelos créditos sobre a insolvente que venham a ficar insatisfeitos uma vez liquidada a massa insolvente, até aos limites do seu património pessoal, nos termos estabelecidos na al. e), do n.º 2 do art. 189º do CIRE, sem que nessa condenação pessoal se descortine qualquer desproporcionalidade.
Passando ao último fundamento de recurso, pretende a apelante que sob pena de se incorrer numa situação de responsabilidade objetiva, a qual tem natureza excecional, impõe-se afirmar um nexo causal entre a sua atuação e o montante dos créditos insatisfeitos, mas sem razão.
Com efeito, o nexo causal que se impõe afirmar é o nexo de causalidade entre a atuação da apelante criadora, com culpa, da situação de insolvência em que se encontra a sociedade devedora, sua representada, ou o agravamento culposo da situação de insolvência desta, de que derivam ope legis, nos termos do art. 189º, n.º 2 do CIRE, as consequências para aquela, previstas nesse preceito legal.
Ora, quanto a esse nexo causal, esse é presumido, de forma inilidível, pelo n.º 2 do art. 186º.
Neste sentido pronuncia-se Maria do Rosário Epifânio, em que após ponderar que a responsabilidade da pessoa afetada pela declaração da insolvência como culposa se enquadra na responsabilidade insolvencial extracontratual, conclui que, nessa tipo de responsabilidade, se encontram preenchidos todos os factos constitutivos da responsabilidade extracontratual do art. 483º, n.º 1 do CC, ao escrever que o “facto voluntário (é o facto que serviu de fundamento à qualificação da insolvência como culposa); a culpa (art. 186º, n.º 1, faz depender a qualificação da insolvência como culposa, expressamente, do dolo ou da culpa grave; a culpa presume-se nos nºs 2 e 3); dano (não satisfação dos créditos no processo de insolvência), nexo de causalidade entre o facto e o dano (criação ou agravamento da situação de insolvência em consequência da atuação – art. 186º, n.º 1, presumido no nº 2); ilicitude (os factos que agravam ou criam a situação de insolvência são ilícitos porque violam disposições legais destinadas a proteger interesses alheios, nos termos do art. 483º, n.º 1 do CC)” (37).
Decorre do exposto, improceder este fundamento de recurso.
Resulta de tudo o quanto acima se expandiu proceder parcialmente a presente apelação, impondo-se revogar a sentença recorrida, na parte em que julgou encontrar-se preenchida a presunção de insolvência culposa prevista na al. d), do n.º 2 do art. 186º do CIRE e, no que respeita à condenação da apelante prevista na al. d) da parte decisória dessa sentença, consignando que a responsabilidade pessoal da apelante fica limitada às forças do património pessoal desta, improcedendo os restantes fundamentos de recurso invocados pela apelante.
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Decisão:

Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar a presente apelação parcialmente procedente e, em consequência:

a- revogam a sentença recorrida na parte em que julga encontrar-se preenchida a presunção de insolvência culposa prevista na al. d), do n.º 2 do art. 186º do CIRE, absolvendo a apelada quanto a essa presunção;
b- quanto à alínea d) da parte decisória da sentença, consignam que a condenação da requerida M. M. a pagar aos credores o montante correspondente ao total dos créditos reconhecidos na lista apresentada pelo Administrador da Insolvência nos termos do art. 129º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que não forem liquidados pelo produto da liquidação do ativo, ou seja, o montante dos créditos que fiquem por liquidar, valor a fixar em liquidação de sentença, fica limitada às forças do património pessoal da identificada M. M..
c- no mais, confirmam a sentença recorrida.
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Custas pela apelante na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 90%, não se condenado o apelado Ministério Público nas custas na parte em que decaiu, uma vez que delas se encontra isento (arts. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC e 4º, n.º 1, al. a) do RCP).
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Guimarães, 9 de julho de 2020
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:

Dr. José Alberto Moreira Dias (relator)
Dr. António José Saúde Barroca Penha (1º Adjunto)
Dr. José Manuel Alves Flores (2º Adjunto)


1. Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 669.
2. Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 223.
3. Catarina Serra, “Lições de Direito da Insolvência”, Almedina, 2018, págs. 47 e 48.
4. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 255
5. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., págs. 255 e 686 a 687.
6. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit,, pág. 695
7. Ac. STJ. de 14/02/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.G1.S1, in base de dados da DGSI.
8. Ac. RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BGC.C1, in base de dados da DGSI.
9. António Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, pág. 153.
10. António Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 228.
11. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 155.
12. Abrantes Geraldes, in ob. cit., pág. 159. Ac. RC, de 11.07.2012, Proc. n.º 781/09, in base de dados da DGSI, onde se lê que este “especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor”, constituindo “simples decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última extremidade, a seriedade do próprio recurso”. No mesmo sentido vide Acs. S.T.J. de 18/11/2008, Proc. 08A3406; 15/09/2011, Proc. 1079/07.0TVPRT.P.S1; 04/03/2015, Proc. 2180/09.0TTLSB.L1.S2; 01/10/2015, Proc. 824/11.3TTLSB. L1. S1; 26/11/2015, Proc. 291/12.4TTLRA.C1; 03/03/2016, Proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1; 11/02/2016; Proc. 157/12.8TUGMR.G1.S1, todos in base de dados da DGSI.
13. Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 158 e 159.
14. Acs. do STJ de 26/09/2018, Proc. 141/17.5T8PTM.E1-S1; 05/09/2018, Proc. 15787/15.8T8PRT.P1-S2; 01/03/2018, Proc. 85/14.2TTMAI.P1.S1; de 06/06/2018, Proc. 4691/16.2T8LSB.L1.S1; 06/06/2018, Proc. 1474/16.38CLD.C1.S1; 06/06/2018, Proc. 552/13.5TTVIS.C1.S1; e de 16/05/2018, Proc. 2833/16.7T8VFX.L1.S1, todos in base de dados da DGSI.
15. Abrantes Geraldes, in ob. cit., págs. 160 e segs.
16. Acs. STJ. 29/10/2015, Proc. n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1; de 15/02/2018, Proc. 134116/13.2YIPRT.E1.S1; de 21/03/2019, Proc. 3683/16.6T8CBR.C1.S2, in base de dados da DGSI.
17. Neste sentido, Acs. do STJ, de 08/02/2018, Processo nº 765/13.0TBESP.L1.S1; de 08/02/2018, Processo nº 8440/14.1T8PRT.P1.S1; de 06/06/2018, Processo nº 552/13.5TTVIS.C1.S1, e de 13/11/2018, Processo nº 3396/14, este último ainda inédito e os restantes in base de dados da DGSI.
18. Catarina Serra, “Lições de Direito da Insolvência”, Almedina, pág. 302; Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 676.
19. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 678.
20. Maria do Rosário Epifânio, “Insolvência e Processo de Revitalização – O incidente de qualificação da insolvência”, CEJ, pág. 69.
21. Note-se que a al. a) do n.º 2 do art. 189º do CIRE, foi declarado inconstitucional, com força obrigatória geral, por violação dos arts. 26º e 18º, n.º 2 da CRP, na medida em que impõe que o juiz, na sentença que qualifique a insolvência como culposa, decrete a inabilitação do administrador de sociedade comercial, por Ac. TC n.º 173/2009, DR I Série, de 04/05/2009.
22. Luís M. Martins, “Processo de Insolvência”, 2016, 4ª ed., Almedina, pág. 449.
23. Luís M. Martins, ob. cit., pág. 450; Ac. Tribunal Const. de 26/11/2008, DR, 2ª Série, n.9, de 14/01/2009, RC de 04/05/2010, Proc 427/07.7TBAGD-G.C1, in base de dados DGSI.
24. Neste sentido, Acs. RC. de 14/01/2014, Proc. 785/11.9TBLRA-A.C1; de 18/10/2011, Proc. 549/10.7TBPBL-A.C1; e RE. de 10/07/2014, Proc. n.º 18/12.0TBMTL-C.E1, todos in base de dados da DGSI, lendo-se neste último que: “Em incidente de qualificação da insolvência, as várias alíneas do n.º 2 do art. 186º do CIRE encerram uma presunção iuris et de jure – por definição, inilidível e irrefutável – de culpa grave da parte dos administradores/gerentes na criação ou agravamento de uma situação de insolvência. Mas, antes, terá que se fazer a prova de que, no caso concreto e em relação a eles, tais situações abstratas ali descritas efetivamente se verificaram”.
25. Neste sentido, Acs. RP. de 07/07/2016, Proc. 353/09.5TYVNG-E.P1; 26/01/2010, Proc. 110/08.6TBAND-D.C1; 04/05/2010, Proc. 427/07.TAGD-G.C1 15/03/2007, Proc. 0730992; 13/09/2007, Proc. 0731516; 22/05/2007, Proc. 0722442; RC. de 14/11/2006, Proc. 1002/04.3TBTNV-C.C1; RG. de 12/07/2001, Proc. 503/10.9TBPTL-H.G1, onde se pondera: “Ainda que provada a culpa grave (nos casos do n.º 3 do art. 186º do CIRE), tal não tem como consequência direta e necessária a qualificação da insolvência como culposa. Para que a insolvência possa ser tida como culposa, é ainda necessário que se demonstre a existência de um nexo de causalidade entre a conduta incumpridora dos administradores e a situação de insolvência do devedor”. Na doutrina, Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., págs. 679 a 682; Luís M. Martins, ob. cit., págs. 449 a 456; e Catarina Serra, ob. cit., pág. 304.
26. Ac. RP. de 07/12/2016, Proc. 262/15.9T8AMT-D.P1, in base de dados da DGSI.
27. Ac. RC. de 28/05/2013, Proc. 102/12.0TBFAG-B.C1, in base de dados da DGSI.
28. Ac. RC. de 23/11/2010, Proc. 1088/06.6TBPMS-A.C1, in base de dados da DGSI.
29. Acs. RP. de 07/12/2016, Proc. 262/15.9T8AMT-D.P1; RG. de 01/06/2017, Proc. 1046/16.2T80GMR-B.G1; de 09/02/2012, Proc. 1124/10.1TBGMR-F.G1, in base de dados da DGSI.
30. Ac. RG. de 01/06/2017, Proc. 1046/16.2T8GMR-B.G1, base de dados da DGSI.
31. Ac. RC de 22/05/2012, Proc. 1053/10.9 TJCBR.K.C1; no mesmo sentido RC de 20/09/2016, Proc. 612/14.5TBVIS-B.C1, ambos in base de dados da DGSI.
32. Menezes Cordeiro, “Manual de Direito Comercial”, vol. I, págs. 297 e 298.
33. Carvalho Fernandes e João Labareda, in ob. cit., pág. 697.
34. Menezes Leitão, “Direito da Insolvência”, 8ª ed., Almedina, págs. 292 e 293, onde sufraga o entendimento de que os administradores não podem ser declarados insolventes por não poderem cumprir integralmente essa obrigação indemnizatória.
35. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 698.
36. Ac. R.C. de 16/12/2015, Proc. 1430/13.3TBFIG-C.C1, in base de dados da DGSI.
37. Maria do Rosário Epifânio, “Manual de Direito da Insolvência”, 7ª ed., Almedina, págs. 164 e 165.