Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
26/18.8PAPTL.G1
Relator: CÂNDIDA MARTINHO
Descritores: RECURSO
REGIME DE SUBIDA
SUBIDA DIFERIDA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DO RECURSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/30/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: ALTERAÇÃO DO REGIME DE SUBIDA
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I – Nos termos do artigo 407.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, sobem imediatamente os recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis.
II – Como tem sido uniformemente entendido na jurisprudência, o recurso só se torna absolutamente inútil, por via da subida diferida, quando, a ser provido, o recorrente não possa aproveitar-se da decisão, produzindo a retenção um resultado irreversivelmente oposto ao que se quis alcançar, sendo que a inutilidade respeita ao próprio recurso e não à lide em si.
III – Estando em causa um recurso interposto de despacho que decidiu considerar não prescrito o procedimento criminal, a sua não imediata apreciação, não o torna absolutamente inútil, uma vez que não está em causa a irreversível eficácia dos efeitos da decisão impugnada, ainda que lhe pudesse dar maior utilidade.
IV – Tal recurso subirá diferidamente, e não imediatamente, sendo instruído e julgado conjuntamente com o recurso interposto da decisão que puser termo à causa, conforme previsto no n.º 3 do artigo 407.º do Código de Processo Penal.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. Relatório
1.
No processo comum, com intervenção do tribunal singular, com o número 26/18.8PAPTL, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo Local Criminal de Ponte de Lima, foi proferido despacho em 16/11/2021, nos termos do qual, na sequência de requerimento apresentado pela arguida, foi considerado não se encontrar prescrito o procedimento criminal instaurado contra a mesma.

2.
Não se conformando com o decidido, veio a arguida interpor o presente recurso, extraindo da motivação as seguintes conclusões:

Vem o presente recurso interposto da Decisão que considerou que «não se encontra prescrito o procedimento criminal instaurado contra a arguida», ordenando o prosseguimento dos autos.

O prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado (art.º 119.º, n.º 1 do CP) e, quanto ao crime de injúria, previsto e punido pelo art.º 181º, nº. 1 do C.P, com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias, o procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição logo que sobre a prática do crime tiver decorrido o prazo de dois anos (art.º 118.º, nº 1, al. d) do CP).

A denunciada vem acusada, mediante acusação particular que o MP acompanhou, pela prática, em autoria material, de um crime de injúria, por factos, supostamente, ocorridos a 10 de fevereiro de 2018, completando-se a prescrição do procedimento criminal no dia 9 de fevereiro de 2020.

O n.º 1 do art.º 121.º do Código Penal prevê diversas causas de interrupção da prescrição do procedimento criminal, designadamente a constituição de arguido (al. a), ou com a notificação da acusação (al. b).

Adenunciada, que resideemFrança não foi validamente constituída arguidaantes do dia 09/02/2020 (data em que se completou o prazo de prescrição do procedimento criminal que, no crime de injúria, é de 2 anos) pois a carta rogatória expedida para o efeito veio devolvida, em 22/01/2020, sem a mesma ter sido cumprida (refª 2650514).

A denunciada, que reside em França, não foi notificada da dedução da acusação particular, com o despacho do Ministério Público que a acompanhava, com indicação dos direitos e deveres que lhe assistem na qualidade de arguida, antes do dia 09/02/2020 (data em que se completou o prazo de prescrição do procedimento criminal que, no crime de injúria, é de 2 anos) porquanto
i)a carta registada, com aviso de receção, expedida para França (refª 44986700), com a notificação da acusação particular e rececionada em 01/02/2020, não foi recebida pela denunciada e a assinatura aposta no respetivo aviso de receção não é a dela (refª 3395857);
ii) residindo a denunciada/arguida em França, para notificação desta em morada situada no estrangeiro não é bastante o envio de uma vulgar carta registada com aviso de receção, pois o aviso tem de indicar os procedimentos que os serviços postais deverão observar no caso do destinatário se recusar a assinar, se recusar a receber a carta, ou não ser encontrado;
iii) têm de ser feitas à denunciada/arguida e não apenas ao seu advogado ou defensor nomeado, as notificações “respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil”;
iv) não é pelo simples facto de a I. defensora nomeada à denunciada/arguida, ter apresentado contestação que se pode sustentar que esta foi notificada da acusação particular, com o despacho do Ministério Público que a acompanhava, com indicação dos direitos e deveres que lhe assistem na qualidade de arguida, nos termos do art.º 61.º do CP em 01/02/2020, pois essa/s peça/s processual/is só deram entrada em 19/06/2020 (refªs 2791213 e 2791214);
v) a circunstância de o/a defensor/anomeado/a indicar, no processo, um e-mail não é fundamento para se entender ter existido notificação da acusação à denunciada, ou até mesmo, que esta poderia, por essa via, ser constituída arguida, pois este último acto é de natureza pessoal, nem se pode entender que tais actos se podem considerar praticados na pessoa do/a defensor/a nomeado/a à denunciada, e muito menos sem que esta tenha prestado declaração, expressa, nesse sentido.

A Denunciada não teve conhecimento do acto de notificação da dedução de acusação particular em 01/02/2020, por facto que não lhe é imputável.

O regime da sanação das nulidades por falta ou vício das notificações respeita apenas a notificações diferentes daquelas que dizem respeito a actos que impliquem o direito de defesa e nomeadamente aqueles que impliquem a presença ou intervenção obrigatória dos arguidos. A falta de notificação da acusação particular com o despacho do Ministério Público que a acompanhava, com indicação dos direitos e deveres que lhe assistem na qualidade de arguida, nos termos doart.º 61.º do CP não configura uma irregularidade no procedimento usado para a notificação da acusação à arguida, nos termos do art.º 123.º do CP e sim uma nulidade insanável e viola preceitos constitucionais pois atropela, gravemente, o direito de defesa e o princípio do contraditório.

As nulidades elencadas no Código de Processo Penal são simples vícios processuais, como facilmente se extrai do art.º 118.º do CPP onde se faz expressa referência à “violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal”, o que significa que, para além delas, existem situações em que os actos ou omissões processuais enfermam de nulidade, e assim acontece, em especial, quando são afetados direitos e garantias constitucionalmente consagrados, nomeadamente as garantias de defesa e o direito ao contraditório plasmados no art.º 32.º da CRP.
10º
Mesmo a considerar-se que a denunciada/arguida foi notificada da acusação particular – o que se admite por cautela de patrocínio – essa notificação não ocorreu no dia 1 de fevereiro de 2020, mas, quando muito, no momento em que aquela apresentou a sua defesa, isto é, em 19 de junho de 2020 e nessa ocasião já ocorrera a prescrição do procedimento criminal, que se verificara no dia 9 de fevereiro de 2020 !!!....
11º
Tendo em conta que a denunciada não foi validamente constituída arguida nem foi notificada da acusação particular contra ela deduzida, com o despacho do Ministério Público que a acompanhava, com indicação dos direitos e deveres que lhe assistem na qualidade de arguida, nos termos do art.º 61.º do CP antes do dia 9 de fevereiro de 2020, o presente procedimento criminal encontra-se extinto, por prescrição.
12º
O Despacho recorrido que considerou que «não se encontra prescrito o procedimento criminal instaurado contra a arguida» violou o disposto nos art.ºs 32.º e 18.º, n.º 1 da CRP, nos art.ºs 113.º, n.ºs 3, 6 e 7 e 119.º, al. c) do CPP e nos art.ºs 118.º, nº 1, al. d) e 119.º, n.º 1 do CP.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO APLICÁVEIS DEVE SER ADMITIDO O PRESENTE RECURSO E AO MESMO SER CONCEDIDO PROVIMENTO, REVOGANDO-SE A D. DECISÃO RECORRIDA e EM CONSEQUÊNCIA SER DECLARADO QUE O PRESENTE PROCEDIMENTO CRIMINAL SE ENCONTRA PRESCRITO, COM O QUE SE FARÁ JUSTIÇA!

3.
A Exma Magistrada do Ministério Público na primeira instância respondeu ao recurso, concluindo pela sua improcedência nos seguintes termos:

1.A falta de notificação da acusação ao arguido não integra as nulidades insanáveis previstas no art.°119º do CPP, mas mera irregularidade; apenas assim não seria se viesse a demonstrar-se que, em virtude de tal irregularidade, teriam sido violadas as garantias do processo criminal, conforme consagradas no artigo 32.° da CRP, o que manifestamente não ocorreu no caso.
2.A recorrente assumiu a qualidade de arguida com dedução da acusação particular de fls. dos autos.
3. A acusação particular, acompanhada do despacho do Ministério Público e da comunicação dos seus direitos e deveres foi enviada para a residência da arguida em França, onde foi recebida em 01/02/2020.
4. A acusação e a comunicação dos seus direitos e deveres como arguida foi comunicada à recorrente, que recebeu a carta, que deles teve conhecimento, tanto mais que contestou a acusação e apresentou prova, nomeadamente testemunhas com conhecimento dos factos, como acentuou, e cuja notificação requereu.
5. É objectivo das garantias constitucionais de defesa que o visado tome conhecimento do teor da acusação e dos seus direitos e deveres como arguido, por forma a poder defender-se das imputações que lhe são feitas, sendo por isso irrelevante quem assine o aviso de recepção postal, conquanto o visado tome efectivo conhecimento do teor da acusação e dos seus direitos e deveres, o que manifestamente sucedeu no caso.
6. A recorrente foi validamente constituída como arguida e notificada da acusação em 01/02/2020, ou seja, antes da data em que ocorreria a prescrição do procedimento criminal.
7. A acusação particular deduzida contra a arguida e o despacho do Ministério Público que a acompanhou, com a comunicação dos direitos e deveres que lhe cabem enquanto tal, determinou a suspensão e interrupção do prazo de prescrição do procedimento criminal (art.°s 120°, n.º1, al. b) e 121º, ai. b) do Código Penal).
8. Não e verifica a prescrição do procedimento criminal e, por isso, o douto despacho recorrido não é merecedor de qualquer juízo de censura.

Termos em que, deve ser negado provimento ao recurso interposto e, consequentemente, mantido o douto despacho recorrido.
Vossas Excelências, porém, melhor decidirão e farão, como sempre, a habitual JUSTIÇA

4.
Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, não emitiu parecer.

5.
Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art.419º, nº3, al. b), do diploma citado.

Cumpre decidir.

II. Fundamentação

Constituindo jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso afere-se nos termos do artigo 412º, nº1, do C.P.P, pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, onde deverá sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido, sem prejuízo das matérias do conhecimento oficioso, no caso vertente, atentas as conclusões apresentadas pela arguida/recorrente, a única questão a decidir prende-se em saber se o procedimento criminal instaurado contra a arguida, ora recorrente, se encontra ou não prescrito.
Porém, antes de mais, importa conhecer de uma questão prévia, a qual se prende com o regime de subida do recurso.

Foi do seguinte teor o despacho que admitiu o recurso e fixou o seu efeito e regime de subida, datado de 10/1/2022 – referência nº47989593 (transcrição):

«Dado que foi apresentado em tempo, com observância dos requisitos legais, por quem tem legitimidade e sendo a decisão impugnável, decide-se admitir o recurso interposto pela arguida, o qual subirá imediatamente, em separado e sem efeito suspensivo (cfr. arts.399º,401º,al.a);406º,nº2;407º,nº1,al.c) e 408º,nº1, a contrario, do C.P.Penal).
Notifique a assistente e o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do estatuído no art,413º, nº1, do C.P.Penal (cfr.art.411º,nº6, do C.P.Penal).”

Ora, como já referimos, o recurso tem por objeto o despacho acima transcrito pelo qual se decidiu, na sequência de requerimento apresentado pela arguida, considerar não prescrito o procedimento criminal.
Como resulta do teor do despacho que recebeu o recurso interposto desse mesmo despacho, entendeu-se que o mesmo deveria subir imediatamente e em separado, invocando-se, no respetivo despacho, o disposto nos artigos 407º nº1 e 406º nº 2 do Código de Processo Penal.
De acordo com o artigo 407º, n.º 1, do Código de Processo Penal, sobem imediatamente os recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis, enumerando, por seu turno, o n.º 2 do mesmo preceito alguns recursos que também sobem imediatamente.

Dispõe-se em tal dispositivo legal, reportando-se ao momento da subida dos recursos, que:

«1 – Sobem imediatamente os recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis.
2 – Também sobem imediatamente os recursos interpostos:
a) De decisões que ponham termo à causa;
b) De decisões posteriores às referidas na alínea anterior;
c) De decisões que apliquem ou mantenham medidas de coacção ou de garantia patrimonial;
d) De decisões que condenem no pagamento de quaisquer importâncias, nos termos deste Código;
e) De despacho em que o juiz não reconhecer impedimento contra si deduzido;
f) De despacho que recusar ao Ministério Público legitimidade para a prossecução do processo;
g) De despacho que não admitir a constituição de assistente ou a intervenção de parte civil;
h) De despacho que indeferir o requerimento para a abertura de instrução;
i) Da decisão instrutória, sem prejuízo do disposto no artigo 310.º;
j) De despacho que indeferir requerimento de submissão de arguido suspeito de anomalia mental à perícia respectiva.
3 – Quando não deverem subir imediatamente, os recursos sobem e são instruídos e julgados conjuntamente com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa

Entendeu assim o legislador, a respeito do regime de subida dos recursos, que uns deveriam ter subida imediata e os restantes subida diferida.
Assim, para além dos casos expressamente enumerados de subida imediata dos recursos, previu uma cláusula geral, subsidiária, que permite a subida imediata de outros, quando se concluir que a sua retenção os tornaria absolutamente inúteis.
Não cabendo a decisão recorrida em nenhuma das situações previstas no n.º 2 do artigo 407.º do Código de Processo Penal, resta delimitar o âmbito de previsão do n.º 1 desse mesmo preceito legal, para aferir do correto momento de subida do presente recurso.
Tem sido uniformemente entendido na jurisprudência que o recurso só se torna absolutamente inútil, por via da subida diferida, quando, a ser provido, o recorrente não possa aproveitar-se da decisão, produzindo a retenção um resultado irreversivelmente oposto ao que se quis alcançar, sendo que aquela inutilidade respeita ao próprio recurso e não à lide em si.
Deste modo, como se refere no acórdão da Relação de Évora de 9/10/2012, proferido no âmbito do processo 410/11.8GHSTC, “a inutilidade apenas ocorrerá se o seu reflexo no processo for irrelevante seja qual for a solução que o tribunal superior venha a proferir, ou seja, se não subindo imediatamente, a decisão não tenha qualquer efeito útil no processo e já não quando a consequência da procedência do recurso é, tão só, a anulação dos atos processuais, incluindo até o próprio julgamento.
Não se pode confundir a inutilidade absoluta do recurso com a eventual necessidade de repetição de diligências ou mesmo de anulação do processado, inclusive o próprio julgamento. Ou seja, não se pode confundir a inutilidade do recurso com a inutilidade da lide decorrente da procedência dele.
Dito de outra forma, se a apreciação diferida do recurso e a sua eventual procedência ditar que o efeito pretendido ou o direito que o recorrente pretende ver acautelado irá determinar a anulação de atos processuais, a retenção do recurso torna-o inconveniente em termos de celeridade e economia processual mas não lhe retira, em absoluto, a utilidade, já que a anulação de atos processuais é, tão-só, uma das consequências normais do recurso.
O n.º 1 do artigo 407.º do Código de Processo Penal não abrange os casos em que o provimento do recurso possa conduzir à inutilização ou reformulação de atos processuais entretanto praticados.
Essa é uma realidade que o legislador não desconhecia ao consagrar o regime dos recursos, assumindo o risco inerente à celeridade processual, que é valor consagrado no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
Na situação dos autos, a não subida imediata do recurso e o eventual resultado favorável ao Recorrente de decisão posterior do mesmo pode ter consequências no processo. O que significa que o recurso não perde eficácia, apesar da subida diferida, pois o Recorrente pode tirar benefícios da sua procedência”.
Também no caso vertente, a não imediata apreciação do recurso, ou seja, a sua retenção, não o torna absolutamente inútil, uma vez que aqui não está em causa a irreversível eficácia dos efeitos da decisão impugnada, ainda que lhe pudesse dar maior utilidade.

Como refere Pereira Madeira, in Código de Processo Penal Comentado, 2016, 2ª Ed. Revista, pág.1254, “Questão que tem afadigado a jurisprudência é a de saber quando é que um acto processual é um «acto absolutamente inútil». Tem-se respondido, em geral, que tal só sucede quando tal acto perca toda a utilidade, mas não assim, quando, embora implicando porventura a anulação do processado, entretanto consumado, a decisão do recurso venha a produzir os efeitos pretendidos pelo recorrente, ou, pelo menos, alguns deles.”
A este respeito, adianta também Paulo Pinto de Albuquerque, in Cometário do Código de Processo Penal, 3ªEd. Atualizada, pág.1039 e 1040 “A subida imediata dos recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis não viola a CRP (acórdão do TC nº501/96). Têm subida imediata apenas os recursos de decisões interlocutórias cuja retenção resultaria na inoperância total do recurso, mas não os recursos que teriam o efeito da anulação e repetição de actos processuais. Por isso, há que distinguir inutilidade do recurso de anulação de actos processuais. O risco de anulação de actos processuais é um efeito normal do procedimento de recursos. A inutilidade do recurso é um risco anormal resultante da demora no procedimento do recurso. Exemplo desta inutilidade absoluta da retenção é a que se verifica com o recurso do despacho que mandou seguir a forma de processo comum em vez da forma abreviada (despacho do presidente do TRL, de 10-03-2000, in CJ, XXV, 2, 135). (…) Não obstante a cláusula aberta do nº1, completada pelo elenco fechado e taxativo do nº2, os recursos de subida imediata constituem a excepção. A regra é a subida deferida (…)”.
O Tribunal Constitucional já foi chamado por diversas vezes a pronunciar-se sobre a constitucionalidade da subida diferida de recursos interpostos de decisões interlocutórias, tendo quase sempre concluído pela sua conformidade com os princípios constitucionais. Assim ocorreu, por exemplo, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 435/2000 e 46/2001, quando estava em causa uma decisão recorrida que não acolheu a pretensão do arguido de ver prescrito o procedimento criminal.
Cremos pois que o presente recurso deveria ter sido admitido a subir diferidamente e não imediatamente, como aconteceu.
Na verdade, julgado com o recurso interposto da decisão que venha a pôr termo à causa, o recurso agora em questão, em caso de procedência - mesmo depois da realização da audiência de julgamento e da prolação da sentença - pode provocar a inutilização dos posteriores atos do processo.
Mas tal é, tão-só, a consequência normal do conhecimento, no momento processual adequado, dos recursos com subida diferida.
Pelo que o recurso interposto nos autos tem subida diferida e não pode, por isso e por ora, ser conhecido por esta Relação.
Com efeito, os recursos que não devam subir imediatamente sobem e são instruídos e julgados conjuntamente com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa, conforme previsto no nº3 do artigo 407º do Código de Processo Penal.
Em suma, tratando-se de um recurso interlocutório que não se enquadra em nenhuma das situações previstas no n.º 2 do artigo 407º do Código de Processo Penal, nem tão pouco se verificando a previsão do seu n.º 1, há que proceder à alteração do regime de subida que lhe foi fixado, sendo certo que de acordo com o artigo 414º, n.º 3, do Código de Processo Penal, a decisão que fixou o regime de subida imediata do recurso não vincula este tribunal.
Assim, o presente recurso sobe nos próprios autos e com o recurso interposto da decisão que ponha termo à causa, com o inerente prejuízo para o conhecimento, nesta fase, do objeto do mesmo.

III. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em alterar o regime de subida fixado ao presente recurso, que passará a ser diferida, a subir com o primeiro que vier a ser interposto e subir imediatamente, com o inerente prejuízo para o conhecimento, nesta fase, do objeto do mesmo.

Sem tributação.

(Texto elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP).
Guimarães, 30 de junho de 2022

Desembargadora Relatora
Cândida Martinho
Desembargador Adjunto
António Teixeira
Juiz Presidente da Secção
Fernando Chaves