Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6642/19.3T8BRG.G1
Relator: ROSÁLIA CUNHA
Descritores: ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FIXAÇÃO DA RESIDÊNCIA DA CRIANÇA
REGIME DE CONVÍVIO COM O PROGENITOR NÃO RESIDENTE
CONTRIBUIÇÃO PARA AS DESPESAS DA CRIANÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/30/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O critério último e preponderante na tomada de decisões em sede de regulação das responsabilidades parentais e sempre e só um: o superior interesse da criança.
Os restantes interesses, incluindo os dos progenitores ou outros familiares, por muito importantes, relevantes e legítimos que sejam, quando considerados em si mesmos e de forma autónoma, têm sempre que ceder e ser comprimidos quando no confronto com o superior interesse da criança.
II - O legislador optou, propositadamente, por não definir a noção de superior interesse da criança, recorrendo antes a um conceito amplo e aberto, a preencher casuisticamente, por entender que, dada a variedade e multiplicidade de situações suscetíveis de ocorrerem na vida real, por um lado, e a própria evolução social e cultural, com a consequente alteração de paradigmas, princípios e valores, por outro, seria mais adequado o uso de um conceito aberto e flexível, adaptável a tais situações e evoluções e que permitisse acompanhá-las e integrá-las.
III - Pese embora todas as tentativas de concretização e densificação conceptual do conceito de superior interesse da criança que se possam levar a cabo, a verdade é que tal interesse só pode ser aferido de forma casuística e atual, perante a criança concreta, no confronto com a sua situação pessoal, familiar, escolar e social e com o seu concreto estado de desenvolvimento físico, psíquico e emocional, por forma a verificar qual é a situação ou projeto de vida que oferece melhores garantias para o seu desenvolvimento físico e psíquico, para o seu bem-estar e segurança e para a sã formação da sua personalidade.
IV - Estando ambos os progenitores obrigados ao dever de contribuir para as despesas de saúde e educação relativamente ao filho, devem cumprir tal obrigação na medida das capacidades económicas de cada um, devendo o tribunal valorar, de forma global e abrangente, essa capacidade, atendendo não só aos rendimentos auferidos, mas também às despesas suportadas e valorando ainda o diferente custo de vida dos países onde residem os progenitores.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

RELATÓRIO

O Ministério Público instaurou ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente a M. D., nascido a -.8.2016, contra os seus progenitores J. S. e M. L..
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Em 4.2.2020 realizou-se a conferência de pais a que alude o art. 35º do RGPTC, na qual não foi possível obter o acordo dos progenitores, e, após audição destes e promoção do Ministério Público:

a) foi fixado provisoriamente, nos termos do art. 28º do RGPTC, o regime convivial nos termos propostos pelo Ministério Público, nos termos do qual, para além de outras matérias, a residência do menor foi fixada junto da progenitora que ficou impedida de se ausentar para Inglaterra com o filho, enquanto o regime provisório estivesse em vigor;
b) foi declarada suspensa a conferência pelo período de dois meses e remetidas as partes para a Audição Técnica Especializada nos termos do art.º 38º, alínea b) do RGPTC;
c) foram solicitados relatórios sociais.
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Em 18.05.2020, a progenitora apresentou articulado superveniente (ref. Citius 10067054) no qual pediu a alteração do regime provisório de regulação das responsabilidades parentais no sentido de se alterar a residência habitual do M. D. para a casa onde a mãe passará a residir em Inglaterra (…, Inglaterra), pretensão esta que veio a ser indeferida por despacho proferido em 01.06.2020. (ref. Citius 16832110).
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Em 26.05.2020, o progenitor apresentou requerimento (ref. Citius 10101331) pedindo a alteração do regime provisório do exercício das responsabilidades parentais no sentido de ser fixada a residência alternada da criança, pretensão que foi indeferida por despacho de 09.06.2020 (ref. Citius 168431752).
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Foi realizado exame pericial ao menor, encontrando-se junto aos autos o relatório pericial datado de 24.07.2020 e junto em 27.7.2020 (ref. Citius 10331483).
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Foi elaborada Informação sobre Audição Técnica Especializada datada de 24.07.2020 e junta em 27.7.2020 (ref. Citius 10335614).
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Foi junto aos autos, em 27.07.2020 (ref. Citius 10335614), relatório social relativo ao progenitor datado de 24.07.2020.
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Em 27.10.2020, teve lugar a conferência a que alude o art. 39º, nº 1 do RGPTC, na qual foi fixado um regime provisório de regulação das responsabilidades parentais da criança destinado a regularizar a situação de facto existente à data, visto que a progenitora se encontrava a viver em Inglaterra desde 3 de agosto de 2020, tendo sido fixada a residência do M. D. junto do progenitor. Foi ainda fixado o regime convivial e a contribuição para as despesas da criança.
Mais foi determinada a suspensão da conferência, ficando os autos a aguardar os autos de promoção e proteção bem como a prova solicitada a Inglaterra relativa às condições de vida da progenitora.
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No âmbito do processo de promoção e proteção, que constitui o apenso A, por despacho de 03.11.2020, foi aplicada em benefício de M. D. a medida provisória de apoio junto do pai, com a supervisão da avó paterna, pelo período de seis meses.
Foi realizada perícia psicológica ao menor cujo relatório está datado de 15.06.2021 (cf. e-mail de 18.6.2021 junto no apenso A).
Por despacho de 15.7.2021, proferido no apenso A (ref. Citius 174378318), a medida foi prorrogada pelo prazo de 2 meses e foi determinando que continuasse o acompanhamento da sua execução.
Por despacho de 29.9.2021, proferido no apenso A (ref. Citius 175210090), a medida foi prorrogada pelo prazo de 45 dias.
Por despacho de 17.3.2022, proferido no apenso A (ref. Citius 178240087), considerou-se que a criança já não se encontrava exposta a qualquer situação de perigo, sendo por isso desnecessária a aplicação de qualquer medida de promoção e proteção, e determinou-se o arquivamento dos autos.
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Foi junto aos autos, em 08.06.2021, (e-mail ref. Citius 11578184) relatório social traduzido relativo à progenitora datado de 18.05.2021.
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Em conformidade com o disposto no art. 39º, nº 4 do RGPTC, os progenitores apresentaram alegações e prova.
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Procedeu-se a julgamento e a final foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:

“Pelo exposto, ponderadas as disposições legais supra invocadas, decide-se regular o exercício das responsabilidades parentais do menor M. D. nos seguintes termos:

a) O identificado menor ficará entregue à guarda e cuidados do progenitor, fixando-se a residência do menor junto deste, que exercerá as responsabilidades parentais relativamente aos actos da vida corrente do menor, devendo as questões de particular importância da vida do mesmo ser decididas por ambos os progenitores;
b) O menor e a progenitora deverão contactar por vídeo chamada todos os dias, entre as 19h30m e as 20h30m (sem prejuízo de, por acordo e atendendo às actividades da criança, ser fixado outro horário), valendo também este regime nos dias/férias em que a criança estiver confiada à progenitora relativamente aos contactos com o progenitor;
c) Quando o menor estiver com a/o progenitor/a poderão estar com ela/e ou com pessoas com ela/ relacionadas, nomeadamente a família alargada materna/paterna;
d) O menor passará metade das férias escolares do Natal e da Páscoa e 2/3 das férias de Verão com a progenitora, em Inglaterra ou em território nacional, suportando esta os custos das viagens do menor, na companhia de pessoa da confiança dos progenitores;
- os progenitores combinarão, por email, até final do mês de Maio de cada ano, quais os dias de férias que pretendem (férias de Verão, do Natal e da Páscoa), no caso de desentendimento, nos anos ímpares escolhe o progenitor, nos anos pares escolhe a progenitora, sempre até final do mês de Maio de cada ano, sob pena de o direito de opção reverter para o outro progenitor;
- o menor passará o próximo Carnaval (todas as férias escolares inclusive) e o próximo fim de ano (31 e 1) com o progenitor e a próxima Páscoa e o próximo Natal (24 e 25) com a progenitora, alternando no ano seguinte;
- o progenitor que estiver com o menor deverá ter na sua posse os documentos de identificação do mesmo;
- o progenitor que tiver o menor consigo durante as férias deverá comunicar ao outro os pormenores da viagem (local de estadia, contactos, datas de ida e regresso);
- sendo o aniversário do menor nas férias escolares de Verão, este passará o dia com o progenitor com o qual esteja nesse período;
- os aniversários dos progenitores, assim como o dia do Pai e da Mãe, serão passados com cada um deles, se possível.
e) A progenitora contribuirá, a título de alimentos devidos ao menor, com a quantia mensal de € 220,00 (duzentos e vinte euros), que deverá liquidar até ao dia 8 de cada mês e anualmente actualizável, a partir de Janeiro de 2023, em 5 € (cinco euros), a pagar por depósito ou transferência bancária para o IBAN que o progenitor providenciará, a que acresce a comparticipação em 2/3 nas despesas de saúde e educação do menor, na parte não comparticipada, que deverão ser remetidas por e-mail até 8 dias após o pagamento e liquidadas no prazo de trinta dias após a comprovação das mesmas.
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Custas pela Requerida.
Valor da causa: € 30.000,01.”
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A progenitora não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação.
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O progenitor não apresentou contra-alegações.
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O Ministério Público apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo.
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Foi proferido despacho pela relatora convidando a recorrente a apresentar alegações contendo conclusões sintéticas, na sequência do que a mesma apresentou alegações em que formulou as seguintes conclusões:

1. A Recorrente entende que o Tribunal a quo não valorou ou errou na valoração dada aos elementos probatórios juntos ao presente processo e, em consequência, incorreu em erro de julgamento quer da matéria de facto, quer da matéria de direito, visto que não é possível concluir, tendo em conta aqueles elementos que o progenitor apresenta competências parentais suscetíveis de se fixar a residência do menor junto do mesmo.
2. A Recorrente considera que foram incorretamente julgados os factos dados como provados na douta sentença proferida pelo Tribunal a quo nos pontos 3, 7, 8, 12, 13, 14, 17, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 26, 29, 38, 39, 41, 42, 44, 45, 50, 53, 59, 63, 67 e 69.
3. A aqui Recorrente considera ainda que foram incorretamente julgados os factos dados como não provados na douta sentença proferida pelo Tribunal a quo nos pontos 1, 3, 4, 5, 6 e 7.
4. A Recorrente cumpriu, em sede de alegações, com o disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 640.º e al. a) do n.º 2 do art.º 640.º, ambos do CPC, pelo que nos parágrafos infra irá especificar a decisão relativa à matéria de facto que no seu entender deve ser proferida sobre as questões impugnadas.
5. Começando pelo ponto 3 da matéria de facto dada como provada, entende a Recorrente que deve ser dado como provado que: “A progenitora da criança, após ter permanecido aos cuidados do pai, foi institucionalizada num Lar, onde permaneceu até aos 18 anos de idade, após o que foi viver para um apartamento;”
6. No que respeita ao ponto 7 da matéria de facto dada como provada deve ser aditado ao mesmo a seguinte matéria: “Em abril de 2015, a convite da M. L., o J. S., com o objetivo de estudar enfermagem, e depois de não ter completado o 12.º ano e de ter exercido ilicitamente a atividade de segurança privada, foi viver para Inglaterra, para casa da M. A., onde a M. L. residia, e iniciaram uma relação de namoro em maio desse ano;”
7. O ponto 8 da matéria de facto dada como provada, encontra-se em contradição direta com os pontos 1 e 7 da matéria de facto dada como não provada e, por conseguinte, impõe-se à luz do n.º 1 do art.º 662.º do CPC, que os ditos pontos, sejam retirados da sentença aqui posta em crise.
8. O ponto 12 da matéria de facto dada como provada, encontra-se em contradição direta com o ponto imediatamente seguinte, em consequência, impõe-se proceder à sua correção nos seguintes termos: “A M. L. é médica e, desde a separação e até Junho de 2020, esteve a fazer estágio da especialidade em Medicina Geral e Familiar, em Chaves, para onde se deslocava diariamente, pelo que durante o período que mediou entre janeiro a março de 2019, contou com o apoio do progenitor e da avó paterna que foi diariamente buscar o M. D. ao Colégio ...;”
9. No que importa ao ponto 13 da matéria de facto dada como provada, entende a Recorrente que deve ser dado como provado que “Em março de 2019, a M. L. e a avó paterna do menor desentenderam-se, por razões relacionadas com o desfralde do menor, pelo que, a partir dessa altura, deixaram de falar, e avó paterna deixou de ir buscar o menor ao colégio;”
10. Naquilo que diz respeito ao ponto 14 da matéria de facto dada como provada, deverá retirar-se a expressão “por razões relacionadas com a obtenção de melhores condições de trabalho”, de modo a que seja dado como provado que “Por pretender regressar a Inglaterra, por razões profissionais, pessoais, familiares, e na perspetiva de garantir um melhor nível de vida ao seu filho, a M. L. começou a diligenciar pela sua candidatura a um emprego como médica em Inglaterra, a qual foi apresentada em Novembro de 2019;”
11. No que respeita ao ponto 17 da matéria de facto dada como provada, resulta do acervo probatório, deverá ser dado como provado que “A progenitora esteve em Inglaterra, de 11 a 29 de junho de 2020, em formação profissional, e nesse período ficou entregue aos cuidados do pai, tendo sido entregue à progenitora no dia 1 de julho, após recurso à autoridade policial em virtude de desentendimentos relacionados com o facto de progenitor exigir que a progenitora realizasse previamente teste ao Covid 19 e fizesse quarentena;” acrescentando-se que “Durante este período, que mediou entre 10 de junho de 2020 e 30 de junho de 2020, o progenitor do M. D. omitiu os cuidados, que podia e devia ter adotado, mais elementares subjacentes à segurança, higiene e saúde da criança, tendo resultado, em consequência dessa sua conduta, lesões significativas no corpo da criança, cuja gravidade o progenitor tende ainda hoje relativiza.”
12. O ponto 19 da matéria de facto dada como provada, consiste na transcrição quase integral do referido Relatório de Perícia de Avaliação do Dano Corporal junto aos presentes autos (Apenso A), e dizemos quase visto que no dito ponto quando se adverte que “as alterações na região perianal terão resultado de doença natural”, olvida-se a parte final dessa conclusão, isto é, “relacionada, entre outros, com cuidados de higiene)”.
13. Deve, assim, ser dado como provado no ponto 19 que “Tal suspeita deu origem ao processo de inquérito nº 3056/20.6T9BRG, no âmbito do qual foi elaborado relatório médico-legal, o qual consta do Apenso A e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, nos termos do qual: o menor tinha os dentes com pouca higiene; as unhas dos membros inferiores sujas e apresentava equimose e escoriações em diferentes partes do corpo bem como lesões papulares eritematosas; As equimoses e escoriações localizadas nos membros inferiores e no membro superior esquerdo, pelas suas características, localização e atenta a idade do menor “adequam-se mais frequentemente a uma etiologia acidental” enquanto que as restantes lesões traumáticas (face, pescoço, tórax, abdómen e membro superior direito) adequam-se menos a uma etiologia acidental; e as alterações na região perianal terão resultado de doença natural relacionada, entre outros, com cuidados de higiene; Não foi possível determinar a data de produção das lesões, mas tendo em conta a cor das mesmas, é de supor que foram produzidas enquanto o menor permaneceu entregue aos cuidados do progenitor;”
14. Naquilo que diz respeito ao ponto 20 da matéria de facto dada como provada, deverá constar do mesmo que “Por conta dos eventos ocorridos no período em que o menor permaneceu temporariamente entregue aos cuidados do progenitor, foi aberto o processo de inquérito n.º 3056/20.6T9BRG, onde se investigam factos suscetíveis de integrarem a prática de um crime de maus tratos perpetrado contra o menor, e quem foi o seu autor;”
15. O ponto 22 da matéria de facto dada como provada para além de consistir na transcrição dos factos assentes no Relatório de Perícia Psicológica Forense de 24.07.2020, não teve em consideração aqueles outros factos previstos no Relatório de Perícia Psicológica Forense de 11.06.2021, isto é, realizado cerca de um ano após aquele primeiro.
16. Deve, pois, o ponto 22 da matéria de facto dada como provada ser substituído por outro onde conste que “Em junho de 2021, no âmbito da perícia psicológica ao menor (cfr. relatório pericial datado de 11.06.2021 cujo teor se dá por integralmente reproduzido), verificou-se que:
- Segundo o pai, a intervenção especializada foi iniciativa da mãe;
- O pai parece ter uma atitude mais relaxada e menos preocupada em relação ao controlo das brincadeiras do filho;
- A figura materna demonstra maior preocupação nos cuidados ao M. D.,
- No seu desenho, o menor tende a representar pessoas isoladas ou outras personagens que não pessoas, o que poderá indicar alguma dificuldade atual em perceber o seu contexto familiar e integrar os cuidadores como figuras orientadoras e de segurança;
- É possível interpretar que a criança sentirá insegurança face à ida da mãe para o estrangeiro e ao afastamento de si. Em comparação com a avaliação realizada em julho de 2020, o menor demonstra estar menos comunicativo e menos extrovertido na manifestação da sua vontade;
- com base nos relatos do pai e nos indicadores observados no menor, é possível identificar que este poderá ter sentido como fator de instabilidade emocional, o afastamento da figura materna com a sua ida para o estrangeiro. Este facto parece ter gerado maior insegurança no menor, que poderá sentir a ida da mãe para fora como rejeitante;
- Atualmente, evidenciou-se uma maior insegurança básica, que poderá indicar maior desajustamento emocional, pela forma como foi sentido o afastamento da figura materna. Este afastamento aparece associado pela criança a sentimentos de tristeza. A criança poderá ter sentido que foi rejeitada por não ter ido com a mãe;
- O menor demonstrou uma atitude menos expansiva, mais retraída no contato com a técnica;
- A criança demonstra apego e afeto por ambos os pais. Demonstrou um humor positivo durante a perícia, embora se identificam alguns indicadores de mau estar perante o afastamento da figura materna, associado a sentimentos de tristeza e eventual rejeição, o que poderá futuramente por em causa o ajustamento global do menor.”
17. Deverá ainda ser dado por provado, em novos pontos que:
“– A progenitora do menor logrou, diversamente daquilo que sucedeu com o progenitor, identificar todos as problemáticas ao nível de saúde relacionados com o seu filho, desde tenra idade da criança;
– As intervenções especializadas que o menor iniciou, ocorreram por iniciativa da mãe;
– O progenitor apenas reconheceu a necessidade das intervenções especializadas pelo menor por iniciativa da mãe, quando a criança já tinha praticamente 5 (cinco) anos;
– A avó paterna do menor continua a desvalorizar os problemas que a criança apresenta, assumindo agora uma posição de silêncio relativamente aos mesmos;
– O menor, durante a semana, costuma pernoitar na casa da avó paterna, com esta a responsabilizar-se por assegurar todos os cuidados inerentes às rotinas diárias ao neto;
– O menor, tendo em conta a sua idade, tem capacidade e facilidade de adaptação a um novo país;
– A ausência da mãe na vida do menor constituiu um elemento traumático, suscetível de provocar um impacto emocional no menor, associado a sentimentos de tristeza e eventual rejeição, o que poderá futuramente por em causa o ajustamento global do menor;
– O menor continua a apresentar problemas ao nível do controlo dos esfíncteres, sendo que pelo conhecimento da literatura, este tipo de sintomatologia, quando excluída causa orgânica ou atraso desenvolvimental grave que impeça o desfralde, muitas vezes indicia uma manifestação de sofrimento por parte da criança, de uma maneira internalizante.
– A sintomatologia que o menor apresenta não se encontra relacionada com causa orgânica ou atraso desenvolvimental.
– O menor começou a desenvolver complicações ao nível do controlo dos esfíncteres a partir do momento em que passou a residir com o progenitor, visto que antes dessa data, enquanto residia com a sua mãe, a criança já tinha feito o desfralde;
– Não se verificando qualquer causa orgânica suscetível de provocar a sintomatologia que o menor apresenta, então a mesma tem como causa fatores emocionais intrinsecamente ligados à separação da mãe;
18. No ponto 23 da matéria de facto deve ser dado como provado que “A progenitora entregou o menor aos cuidados da sua avó paterna, por sentir medo e insegurança relativamente às capacidades parentais do progenitor, uma vez que desde o momento em que a criança foi sinalizada por suspeitas de ter sido vítima de um crime de maus tratos perpetrado pelo pai, até ao momento em que a progenitora se ausentou definitivamente para Inglaterra, decorreram cerca de 30 dias”, ainda se acrescentando que “Após prévia comunicação entre os mandatários dos progenitores acerca dos termos em que se ira processar a entrega do menor à sua avó paterna, cuja informação foi transmitida aos seus constituintes, a avó materna enviou SMS à avó paterna, informando-a, em conformidade com aquilo que já tinha conhecimento, de que a progenitora iria passar na sua casa para lhe entregar o menor;”
19. O ponto 24 da matéria de facto dado como provada, deve ser alterado para: ”A progenitora, juntamente com a sua prima e com a avó materna da criança, no dia 2 de agosto de 2020, após se ter dirigido à casa da avó paterna da criança, e depois de todos que ali se encontravam presentes se terem cumprimentado, entregou a criança aos cuidados da avó paterna, tendo para o efeito entregue ainda o leite adaptado da criança, bem como toda a sua roupa que se encontrava acondicionada numa mala;”
20. O ponto 25 da matéria de facto deve ser alterado nos seguintes termos: “Desde o dia 2 de agosto de 2020 em que o menor foi entregue aos cuidados da avó paterna, a progenitora para além de lhe ter enviado no dia seguinte uma mensagem a dar-lhe conhecimento das consultas do M. D., tentou nos dias imediatamente seguintes estabelecer videochamada com a avó paterna para visualizar o seu filho, tendo aquela só atendido à videochamada realizada no dia 6 de agosto de 2020, ás 19:20 horas por um lapso temporal de 1 minuto e 38 segundos, sendo que depois não voltou a aceitar, nem responder, às videochamadas efetuadas pela progenitora até ao dia 11 de agosto de 2020;”
21. Naquilo que diz respeito ao ponto 26 da matéria de facto dada como provada, e salvo o devido e muito respeito por melhor opinião, entende a aqui Recorrente muito humildemente que o mesmo deverá ser alterado nos seguintes moldes: “Em Agosto de 2020, a progenitora começou a trabalhar num Hospital em Inglaterra, tendo o M. D. ficado a residir, em Portugal, com o pai numa habitação que o progenitor chegou a ponderar restaurar na sua totalidade;”
22. No que concerne ao ponto 29 da matéria de facto dada como provada, entende a aqui Recorrente, que o acervo probatório junto aos presentes autos não foi devidamente valorado e, por conseguinte, deve ser alterado para: “O M. D. frequenta o ensino pré-escolar no Colégio ..., mantém uma frequência assídua do colégio e comparece, diariamente, nesse contexto com adequados cuidados de higiene pessoal e com uma apresentação social cuidado, sem prejuízo de já ter comparecido no colégio, desde que passou a residir com o progenitor, com sujidade nas unhas, e com uma nódoa negra no lado esquerdo da perna, o que levou à educadora da criança a questionar os respetivos progenitores sobre o motivo para o efeito, sendo certo que o menor também já terá ficado sem roupa no colégio por conta dos problemas relacionados com a falta de controlo de esfíncteres;”
23. O ponto 38 da matéria de facto dada como provada, resulta da transcrição integral de duas passagens que constam do Relatório de Perícia Psicológica Forense de 16.06.2021 (Apenso A), sendo que desse Relatório resulta idêntica conclusão acerca do progenitor, pelo que deve ser alterado nos seguintes termos: “Tem tendência a exercer uma monitorização/supervisão negativa acerca do comportamento do filho, que condiciona claramente a comunicação e colaboração entre os progenitores, e a insegurança demonstrada nas situações em que o menor está a cargo do pai condicionará a flexibilidade necessária ao bom entendimento entre ambos os pais, uma vez que a mãe estará num estado de alerta permanente face aos cuidados que o pai terá com o menor, o que poderá funcionar como inibidor da promoção dos contactos e da proximidade física e afectiva com o outro progenitor, que importa acautelar. À semelhança da progenitora, foi evidente no progenitor uma tendência a exercer uma monitorização negativa ou supervisão stressante, face ao envolvimento da progenitora com o menor que dificulta o exercício de uma coparentalidade positiva e promotora do ajustamento global do menor.”
24. O ponto 39 da matéria de facto dada como provada, deverá ser alterado nos seguintes moldes: “Foi necessário a criança perfazer quase 5 (cinco) anos de vida para que o progenitor possuísse competências parentais e recursos psicológicos adequados, sendo que à data dos presentes factos tende ainda desvalorizar o poder dever de vigiar o seu filho;”
25. Relativamente ao ponto 41 da matéria de facto dada como provada, entende a aqui Recorrente que o Tribunal a quo perdeu a oportunidade ideal para dar como provado que o Recorrido e a avó paterna dificultam a comunicação da criança com a mãe, não compreendendo não só a importância dessa comunicação, mas também que essa é uma das obrigações inerentes ao progenitor residente.
26. Impõe-se, deste modo, alterar a matéria de facto dado como provada no ponto 41: “Segundo o relatório datado de 11 de junho de 2021, o progenitor apesar de atualmente compreender melhor a necessidade de estimulação e de intervenção junto do menor, continua sem compreender a importância de garantir que o seu filho estabeleça comunicação por videochamada com a sua mãe”, devendo ainda ser acrescentado que o “O progenitor, e a avó paterna, não manifestam disponibilidade para promover as relações habituais mediante videochamada entre filho e mãe, justificando essa falta de disponibilidade com falhas de internet, ou com problemas relacionados com os aparelhos utilizados, sem prejuízo de que quando a criança se encontra em Inglaterra, essas dificuldades não se verificam;”
27. Relativamente ao ponto 42 da matéria de facto dada como provada deverá ser substituída a expressão “avó materna”, para “avó paterna”.
28. No que concerne ao ponto 44 da matéria de facto dada como provada, entende a aqui Recorrente que o Tribunal a quo perdeu a oportunidade ideal não só para dar como provado que o Recorrido continua a desvalorizar e banalizar a gravidade das lesões que o menor sofreu durante o lapso de tempo que permaneceu temporariamente entregue aos seus cuidados, bem como coloca em segundo plano o seu dever de vigiar as brincadeiras da criança, uma vez que prossegue numa atitude de desleixo perante esta factualidade.
29. Portanto, deve ser acrescentado à redação dada como provada no ponto 44 que: “O pai continua sem compreender a importância de garantir que o seu filho estabeleça comunicação por videochamada com a sua mãe, bem como continua a desvalorizar o seu dever de vigiar o menor, ignorando que o incumprimento do seu dever, atendendo à gravidade das lesões que o menor sofreu no período que permaneceu temporariamente aos seus cuidados, poderá previsivelmente colocar a integridade física e saúde do menor numa situação de potencial risco;”
30. Relativamente ao ponto 45 da matéria de facto dada como provada, e tendo em conta a nova prova documental junta aos autos – Documento n.º 1 – impõe-se concluir que o M. D. continua a evidenciar dificuldades ao nível do controlo dos esfíncteres e, por isso, deve esta matéria ser alterada em conformidade.
31. No que concerne ao ponto 50 da matéria de facto dada como provada, a atitude da avó paterna não está mais calma e, em consequência, o ponto 50 da matéria de facto dada como provada deve ser alterado nos seguintes termos: “A colaboração e a atitude do M. D. mudou, a avó evita falar, e o pai manifesta mais interesse;”
32. No que diz respeito ponto 53 da matéria de facto dada como provada, importa concluir no sentido de que seja como for, brincadeiras ou não, quedas acidentais ou não, certo é que os acidentes são muitos, as quedas são muitas, as fotografias capturadas em virtude dos ditos acidentes/quedas/brincadeiras são muitas, e as lesões provocadas no corpo do menor também são desmedidamente significativas e produzidas nos mais variados locais, designadamente no seu braço direito, lábio direito, zona lombar direita, flanco direito das costas e na perna esquerda, e todas, ao que parece, ocorreram na residência do pai da criança.
33. Portanto, e no que a esta matéria importa, o Recorrido não apresenta qualquer evolução positiva, escudando-se sempre no entendimento de que pelo facto do menor viver numa “quinta”, vai correr e magoar-se, por ser “normal” e, por isso, o ponto 53 da matéria de facto deve ser substituído: “O progenitor continua a desvalorizar o seu dever de vigiar o menor, ignorando que o incumprimento do seu dever, atendendo à gravidade das lesões que o menor sofreu no período que permaneceu temporariamente aos seus cuidados, poderá previsivelmente colocar a integridade física e saúde do menor numa situação de potencial risco;”
34. O ponto 59 da matéria de facto dada como provada deve ser alterado nos seguintes termos: “A M. L. continua a manter contactos regulares com as entidades que acompanham o M. D., sendo que à data dos presentes factos os progenitores também comunicam acerca do desenvolvimento destes acompanhamentos;”
35. Entende a Recorrente que o ponto 63 da matéria de facto dada como provada deve ser alterado para: “A casa onde a M. L. actualmente reside é limpa, espaçosa e totalmente adequada a uma criança morar, o M. D. tem o seu próprio quarto, adequado a uma criança da sua idade, sendo que a casa que a M. L. adquiriu com o seu companheiro para residir com o seu filho, é uma casa de quatro quartos, independente e numa localização tranquila na cidade de Norwich que apresenta um ambiente muito agradável para uma criança pequena;”
36. No que concerne à impugnação do ponto 67 da matéria de facto dada como provada, o progenitor afirmou perentoriamente perante o Tribunal a quo, que as comunicações estabelecidas pela mãe da criança com o seu filho “massacram-lhe a cabeça”, em consequência, impõe-se alterar a matéria de facto dado como provada no ponto 67: “A mãe, apesar de todas as dificuldades provocadas por conta do comportamento do pai e da avó paterna da criança, tenta manter contacto regular (de 2 em 2 dias ou dia sim, dia não), por videochamada, com o M. D.;”
37. O ponto 69 da matéria de facto dada como provada, deve ser alterado para dele passar a constar que ”Os períodos de permanência do menor com a progenitora (tanto em Inglaterra como em Portugal) têm decorrido de forma positiva, mantendo o menor contactos telefónicos com o progenitor, sendo que nestes contactos não se verificam as mesmas dificuldades que ocorrem naqueles períodos em que a criança se encontra entregue aos cuidados do progenitor;”
38. Começando agora no ponto 1 e 7 da matéria de facto dada como não provada, a factualidade aqui enumerada, encontra-se em contradição direta com o ponto 8 da matéria de facto dada como provada, por conseguinte, os mesmos devem ser retirados quer da matéria de facto dada como não provada, quer da matéria de facto dada como provada, tudo à luz do n.º 1 do art.º 662.º do CPC.
39. Entende a aqui Recorrente que o acervo probatório produzido em relação a matéria de facto dada como não provada no ponto 3, não foi devidamente valorado, pois o Recorrido adotou comportamentos suscetíveis de colocarem o seu filho numa situação de perigo e, por isso, deve ser alterado nos seguintes termos: “O progenitor adotou comportamentos suscetíveis de colocarem o seu filho numa situação de perigo;”
40. Relativamente ao ponto 4 da matéria de facto dada como não provada, e salvo o devido e muito respeito por melhor opinião, deverá aquele ser extirpado da sentença aqui posta em crise, e substituído por outro, no sentido de que “Durante o período que mediou entre 10 de junho de 2020 e 30 de junho de 2020, o progenitor do M. D. omitiu os cuidados, que podia e devia ter adotado, mais elementares subjacentes à segurança, higiene e saúde da criança, tendo resultado, em consequência dessa sua conduta, lesões significativas no corpo da criança, cuja gravidade o progenitor tende ainda hoje a relativizar.”
41. No que concerne ao ponto 5 da matéria de facto dada como não provada, deverá o mesmo, ser substituído por outro em sede de matéria de facto dada como provada, onde conste que: “O progenitor, e a avó paterna, não manifestam disponibilidade para promover as relações habituais mediante videochamada entre filho e mãe, justificando essa falta de disponibilidade com falhas de internet, ou com problemas relacionados com os aparelhos utilizados, sem prejuízo de que quando a criança se encontra em Inglaterra, essas mesmas dificuldades não se verificam;”
42. Finalmente, deverá retirar-se na sua plenitude o ponto 6 da matéria de facto dada como não provada.
43. Relativamente ao erro do julgamento em matéria de direito, a Recorrente adianta que no seu entendimento, a decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre a residência do menor, violou a al. b) do n.º 1 do art.º 1699.º, n.º 1 do art.º 1878.º, art.º 1882.º, n.º 4 e 5 do art.º 1906.º, todos do CC, o n.º 1 do art.º 40.º do RGPTC e o art.º 18.º da CRP.
44. Nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 1699.º, n.º 1 do art.º 1878.º, e art.º 1882.º, todos do CC, o exercício das responsabilidades parentais são indisponíveis e devem ser exercidas no superior interesse do filho, sendo que os pais não se podem fazer representar e substituir pelos avós naquilo que diz respeito ao exercício daquelas, ao ponto de ser dado como provado que é avó paterna da criança que de “segunda a sexta-feira executa grande parte das tarefas inerentes às rotinas diárias do neto”, visto que o progenitor continua “a delegar na sua mãe a execução de grande parte das tarefas inerentes às rotinas quotidianas do filho”, – Cfr. ponto 43 e 44 da matéria de facto dada como provada.
45. Acresce que a dita delegação é realizada na “avó paterna que, no passado, dizia à frente do neto, que a mãe era a culpada por este fazer xixi nas calças porque a mãe tinha feito o desfralde demasiado cedo; dizia também, na presença do neto, que a mãe era a culpada pelos problemas de linguagem deste, porque o confundia com a língua inglesa” e, por isso, “existem evidências que, pelo menos em fases anteriores deste processo, a avó paterna não se inibia de culpabilizar a mãe na presença do M. D.”.
46. Vale isto por dizer que as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho, designadamente o acompanhamento da criança nas terapias e a própria decisão do local onde a criança pernoita, encontram-se à data dos presentes factos a ser exercidas pela avó paterna da criança, uma vez que, conforme resultou do seu depoimento, é ela que leva e vai buscar o menor ao colégio, que lhe prepara o lanche, que trata da sua higiene, alimentação, que o acompanha em inúmeras consultas e que, ao que parece, ainda assegura o local onde o menor pernoita.
47. E, ainda que se considere, que algumas das matérias referidas no parágrafo precedente consubstanciam questões subjacentes ao exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente da criança que, por seu turno, podem ser delegadas pelo progenitor com quem a criança habitualmente resida, urge salientar que aquela delegação não pode, em caso algum, verificar-se numa pessoa sobre a qual surgem fundadas evidências que pelo menos em fases anteriores deste processo culpabilizou a mãe pelos problemas da criança, pois tal factualidade não poderá deixar de representar uma forma de alienação parental.
48. Vistas as coisas desta perspetiva, torna-se imperioso concluir que o Tribunal a quo ao ter decidido fixar a residência da criança junto do progenitor que delega a execução de grande parte das tarefas inerentes às rotinas quotidianas do filho à avó paterna, sobre a qual existem fundadas evidências de que pelo menos em fases anteriores deste processo, não se inibia de culpabilizar a aqui Recorrente na presença do M. D., por conta dos seus problemas, em detrimento da Recorrente que desde o nascimento do M. D., foi a pessoa que velou pela sua segurança, saúde, provendo ao seu sustento e dirigindo a sua educação e com quem o menor exclusivamente residiu até ao dia 2 de agosto de 2020, violou a al. b) do n.º 1 do art.º 1699.º, n.º 1 do art.º 1878.º, art.º 1882.º e n.º 4 e 5 do art.º 1906.º todos do CC, e o n.º 1 do art.º 40.º do RGPTC.
49. Cumpre ainda salientar que a manutenção da residência da criança junto do seu progenitor em território português, se por um lado implica que ela cresça afastada do seu irmão/irmã, por outro, apresenta um sério risco de que tal não será benéfico para a criança naquilo que diz respeito à manutenção dos contactos com a sua mãe, uma vez que resulta de modo bastante evidente que os contactos que a mãe tenta estabelecer com o seu filho revestem uma dificuldade extrema que, como se evidenciou, têm que ver com os mais variados motivos.
50. No entendimento do Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.04.2018, disponível para consulta em www.dgsi.pt, quando se torna necessário decidir acerca da residência do menor, é necessário ter em consideração o superior interessa da criança, “ponderando todas as circunstâncias relevantes, designadamente, a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro” (artigo 1906º, nº 5 CC)”.
51. Saliente-se que o Recorrido ao não cumprir com o seu dever de promover as relações entre mãe e filho – que consubstancia um subcritério para a concretização daquilo que é o superior interesse da criança – dificultando, por motivos de fácil resolução, a comunicação saudável entre ambos, não pode deixar de constituir uma forma de alienação parental.
52. Mais, resulta do confronto do acervo probatório junto aos presentes autos e até da própria matéria de facto dada como provada, que quem manifesta maior disponibilidade para promover as relações habituais do filho com o outro progenitor, é apenas e tão-só a aqui Recorrente, pelo que, também por estes motivos, o tribunal a quo violou a al. b) do n.º 1 do art.º 1699.º, n.º 1 do art.º 1878.º, art.º 1882.º e n.º 4 e 5 do art.º 1906.º todos do CC, e o n.º 1 do art.º 40.º do RGPTC.
53. O Tribunal a quo logrou ainda fundamentar a sua decisão relativa à fixação da residência da criança numa matéria que terá assumido “especial relevância”, para aquela decisão, e cujos motivos não deixam de provocar o maior espanto, designadamente: “o facto de a alteração da residência para junto da progenitora implicar para o M. D. reviver novamente o afastamento (agora da figura paterna), numa fase em que está a evoluir favoravelmente e numa fase de menor disponibilidade por parte da progenitora, tendo o menor de lidar, para além de toda a situação traumática que lhe foi imposta (nomeadamente o conflito entre os progenitores e o abandono sentido em virtude do afastamento da progenitora), com o nascimento de um irmão e a consequente partilha da atenção da progenitora, sendo previsível, neste quadro, um desajustamento emocional por parte do menor.”
54. Antes de mais, urge asseverar que não se logra identificar junto aos presentes autos qualquer indício suscetível de fundamentar as convicções do Tribunal a quo, pois, aquilo que resulta do acervo probatório junto aos presentes autos, é que a criança, por conta da separação forçada da sua mãe, e por esta assumir-se como figura primária de referência, evidencia “uma maior insegurança básica, que poderá indicar maior desajustamento emocional, pela forma como foi sentido o afastamento da figura materna” e que surge associado “a sentimentos de tristeza”, suscetíveis de “por em causa o ajustamento global do menor”.
55. Por conseguinte, não se pode estranhar que a criança no seu desenho “tende a representar pessoas isoladas ou outras personagens que não pessoas, o que poderá indicar alguma dificuldade atual em perceber o seu contexto familiar e integrar os cuidadores como figuras orientadoras e de segurança”.
56. Daí que também não se possa deixar de sublinhar o Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 04.02.2015, ao decretar que apenas “não deve ser autorizada a mudança de residência quando impacto negativo no equilíbrio psíquico, emocional e afectivo da menor, implicados por essa mudança de residência e afastamento do progenitor seja superior ao impacto negativo que para a menor representaria a ruptura na relação com o progenitor que tem à sua guarda, no caso de a guarda vir a ser transferida para o outro progenitor”, para mais a frente se concluir que isto “considerado e assente, cumprirá referir que se nos não afigura que se possa presumir que a mudança de residência de um país para outro traduza, por si só, um dano significativo na estabilidade das condições de vida da criança, devendo exigir-se a prova efectiva desse dano”.
57. Considerado a idade do menor, não se vislumbra como é que uma mudança geográfica possa ter um acentuado impacto negativo no desenvolvimento da sua personalidade como pretende fazer crer o Tribunal a quo, quando, no âmbito de uma diligência judicial realizada no dia 11 de março de 2021, ficou assente pelo pedopsiquiatra do menor que quanto à possibilidade de o M. D. mudar de país, as crianças da sua idade têm capacidade de adaptação, sendo que a ausência da mãe, essa sim, considerada como elemento traumático, foi suscetível de provocar um impacto emocional na criança.
58. Como se o referido não fosse suficiente, o juízo hipotético formulado pelo Tribunal a quo, encontra-se ainda intrinsecamente ligado a um outro fator que não pode deixar de causar estranheza – até por discriminatório – às mais elementares regras de experiência comum, familiares e humanas designadamente a circunstância da Recorrente se encontrar grávida o que, no entendimento do Tribunal a quo, ao que parece não só implica que a mãe da criança “estará física e psicologicamente menos disponível para receber o M. D. atentas as exigências decorrentes da chegada de um novo membro à família”, como também poderá traduzir o dito “desajustamento emocional por parte do menor, por conta do “nascimento de um irmão e a consequente partilha da atenção da progenitora”.
59. É ponto assente na jurisprudência maioritária que “os irmãos devem crescer juntos, sendo isso relevante para a sua estabilidade emocional e adequada estruturação da personalidade, pelo que a possibilidade de os reunir deve ser ponderada na escolha do progenitor a quem devem ser confiados”. - Ac. da Relação de Guimarães.
60. Deste modo, não se vislumbra, nem se concebe, e muito menos deve colher a argumentação do Tribunal recorrido, não só por não se basear em quaisquer das mais elementares regras da experiência comum, mas também e inclusive por afrontar todas as regras subjacentes às relações familiares, humanas, sociais, científicas e psicológicas, inclusive, assentes na autoridade da jurisprudência superior ao constatar que os irmãos apresentam um relevo importantíssimo para a estabilidade emocional e adequada estruturação de uma qualquer personalidade.
61. De resto, urge asseverar que não se concebe, nem se vislumbra outro e qualquer momento em que a Recorrente não esteja física e psicologicamente mais do que disponível para receber o M. D. do que após o nascimento do seu irmão, visto que para além de determinadas circunstâncias práticas e legais, pois logo após ao nascimento do irmão/irmã do M. D., a Recorrente irá decerto beneficiar de um período de licença de maternidade, que lhe permitirá passar a maior parte do tempo junto do M. D., surgem ou acrescentem razões sentimentais, sociais, psicológicas e até cientificas, na medida em que não existirá outro momento na vida da Recorrente em que ela estará tão ou mais disponível para dar amor e carinho ao M. D..
62. Julgamos que podemos concluir no sentido de que o princípio do superior interesse da criança, utilizado para se aferir acerca da mudança de residência da criança para o estrangeiro na companhia da ora Recorrente, e sem prejuízo dos seus subcritérios, designadamente a figura de referência e capacidade dos progenitores para promoverem relações saudáveis da criança com o outro, deve ser complementado pelo princípio da proporcionalidade, com assento constitucional no n.º 2 do art.º 32.º da CRP.
63. Vistas as coisas desta perspetiva, e salvo o devido respeito por melhor opinião, consideramos ajustado efetuar uma ponderação dos vários fatores que concorrem entre si e que devem influenciar a decisão de mudança de residência do menor, mediante a aplicação de um critério de proporcionalidade, dirigido num sentido em que se mostre adequado, por se revelar idóneo e conveniente.
64. Entendemos, assim, que entre os vários fatores que devem influenciar a decisão de alteração da residência da criança para junto da sua mãe em Inglaterra, por se revelarem justificados e adequados perante o interesse que se pretende acautelar, concorrem, pela sua especial relevância, o seguinte acervo probatório:
- a ausência da mãe entendido pela pedopsiquiatra da criança como um elemento traumático suscetível de provocar um impacto emocional na criança;
- a maior insegurança básica que a criança sente e que poderá indicar maior desajustamento emocional pela forma como foi sentido o afastamento da figura materna, associado a sentimentos de tristeza, suscetíveis de por em causa o ajustamento global do menor;
- identificação na criança de alguns indicadores de mau estar perante o afastamento da figura materna, associado a sentimentos de tristeza e eventual rejeição, o que poderá futuramente por em causa o ajustamento global do menor;
- a circunstância de que no seu desenho, o menor tende a representar pessoas isoladas ou outras personagens que não pessoas, o que poderá indicar alguma dificuldade atual em perceber o seu contexto familiar e integrar os cuidadores como figuras orientadoras e de segurança;
- o retrocesso no controlo dos esfíncteres que se verificou a partir do momento em que o menor foi entregue aos cuidados do pai, e que segundo o conhecimento da literatura, este tipo de sintomatologia, quando excluída causa orgânica ou atraso desenvolvimental grave que impeça o desfralde, muitas vezes indicia uma manifestação de sofrimento por parte da criança, de uma maneira internalizante;
- o facto da Recorrente ser uma mãe atenta e preocupada, sensível ao desenvolvimento do menor e aos indicadores normativos no que diz respeito aos padrões desenvolvimentais, reconhece as áreas de desenvolvimento que necessitam de estimulação por se encontrarem aquém do esperado para a faixa etária do filho, valorizando a necessidade da intervenção e de terapias, nomeadamente a nível da fala e do controlo de esfíncteres;
- o facto da Recorrente ser médica, trabalhar no Serviço Nacional de Saúde Pública de … e, em consequência, pelas próprias regras de experiência comum, apresentar maior aptidão, capacidade e resposta para reconhecer e solucionar os problemas da criança quer através de si, quer através de terceiros, ao promover as intervenções especializadas que o menor ainda hoje frequenta;
- a escolha, por banda da Recorrente, da especialidade de medicina geral e familiar que lhe permite, como à data dos presentes factos sucede, trabalhar a tempo parcial, garantindo um elevado nível de acompanhamento ao M. D.;
- o facto do rendimento do agregado familiar da Recorrente em Inglaterra, por comparação ao nível médio no Reino Unido, ser praticamente o triplo;
- a disponibilidade do agregado familiar da Recorrente em Inglaterra, estar na inteira disponibilidade para a auxiliar nos cuidados do M. D.;
- a circunstância de que a mudança de residência do M. D. para Inglaterra, permitir-lhe crescer junto do seu irmão/ irmã e não separadamente;
- o facto do progenitor, em comparação com as práticas educativas maternas, apresentar uma tendência para ser mais despreocupado e relaxado ao desenvolvimento do menor, e de exercer uma supervisão também ela mais relaxada, a qual inclusive provocou lesões de extrema gravidade no M. D., tendo em conta o facto de contar com a ajuda e colaboração da avó paterna que de segunda a sexta-feira, executa grande parte das tarefas inerentes às rotinas diárias do neto;
- as fortes evidências de que o progenitor em determinado momento descurou os cuidados subjacentes à higiene do M. D., e de ainda hoje relativizar a gravidade das lesões que surgem no M. D., bem como o seu dever de zelar pela segurança do menor;
- o facto do progenitor continuar a delegar na sua mãe a execução de grande parte das tarefas inerentes às rotinas quotidianas do filho durante a semana de trabalho;
- existirem dúvidas acerca do local onde o menor pernoita, se na casa da avó paterna, se com o respetivo progenitor;
- existirem fortes evidências, relatadas pela terapeuta ocupacional do menor no sentido de que a avó paterna não se inibe de culpabilizar a mãe na presença do M. D., acusando-a de ser a principal culpada pela falta do controlo dos esfíncteres e pelos problemas de linguagem; e
- o facto de não ter sido dado como provado que o progenitor e a respetiva avó paterna da criança, consubstanciam as figuras de referência da criança.
65. Por todos estes motivos, deverá concluir-se que a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo para além de ter violado diversas disposições legais, designadamente a al. b) do n.º 1 do art.º 1699.º, n.º 1 do art.º 1878.º, art.º 1882.º, e n.º 4 e 5 do art.º 1906.º, todos do CC, o n.º 1 do art.º 40.º do RGPTC e o art.º 18.º da CRP, não depreendeu o verdadeiro sentido das mesmas por conta de uma incorreta valoração dos elementos probatórios – conforme mencionado supra – subjacentes à cabal aplicação da matéria de direito e que, por isso, incorreu em erro de julgamento da matéria de direito, devendo, em consequência ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, e substituída por outra que deverá, tendo em conta o superior interesse do menor, fixar a residência da criança junto da sua mãe em Inglaterra.
66. Caso assim não se entenda, e o menor continue a residir com o seu progenitor no território português, urge salientar que o regime fixado pelo Tribunal a quo, não se demonstra adequado e proporcional perante as circunstâncias que se pretende acautelar, isto é, fomentar a relação de grande proximidade entre o menor e a sua progenitora.
67. Assim, entende a aqui Recorrente que a decisão proferida pelo tribunal a quo, deverá ser substituída por outra onde o menor passará com a Recorrente não só 2/3 das férias de verão, mas também 2/3 das férias de natal e da páscoa, fixando-se ainda um regime onde sempre que a mãe vier a Portugal poderá estar com o seu filho, e com ele pernoitar.
68. De igual modo, entende a aqui a Recorrente que o Tribunal a quo deveria ter fixado um regime onde o menor poderá viajar para Inglaterra e lá permanecer entregue aos cuidados da progenitora durante um fim de semana por mês.
69. Por outro lado, e visto que também é do interesse do progenitor residente que o menor conviva saudavelmente com o outro progenitor para o seu salutar desenvolvimento, entende a aqui Recorrente que o Recorrido deveria suportar os custos subjacentes às idas (viagens) que o menor realize para Inglaterra naqueles períodos de férias escolares.
70. No que respeita aos alimentos, a decisão proferida pelo tribunal a quo não se revela adequada, pois se por um lado o progenitor vive em casa própria, onde não paga qualquer renda ou empréstimo, não apresentando rendimentos diminutos, por outro, a aqui Recorrente reside em Inglaterra, onde o nível médio de vida é bem mais elevado por comparação a Portugal e, por isso, entende que naquilo que respeita à comparticipação nas despesas de saúde e educação do menor, mostra-se adequado e proporcional que ambos os progenitores comparticipem com metade das despesas de saúde e educação do menor, não comparticipadas.”
*
O progenitor não apresentou resposta.
*
O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso e ser mantida a sentença recorrida.
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Foi admitida a junção aos autos dos documentos e do parecer apresentados com o recurso.
*
Foram colhidos os vistos legais.

OBJETO DO RECURSO

Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.

Neste enquadramento, as questões relevantes a decidir, elencadas por ordem de precedência lógico-jurídica, são as seguintes:

I - saber se a matéria de facto deve ser alterada;
II - saber se a residência da criança deve ser fixada com a progenitora, em Inglaterra;
III - caso se mantenha a fixação da residência com o progenitor, em Portugal, saber se deve ser alterado o regime de convívio e de contribuição para as despesas da criança nos termos propostos pela progenitora.

FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTOS DE FACTO

Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos, que aqui se transcrevem nos seus exatos termos:

1- J. S. e M. L. são os progenitores de M. D., nascido em -.08.2016, na Freguesia de ... e …, … (cfr. assento de nascimento de fls. 3 e 4);
2- Em 2002, encontrando-se a M. L. com 15 anos de idade, a progenitora desta (M. A.) foi viver para Inglaterra, por razões profissionais, tendo aquela ficado entregue aos cuidados do progenitor;
3- Devido a incompatibilidades entre a M. L. e o seu progenitor, a Segurança Social colocou-a num Lar, onde permaneceu até aos 18 anos de idade, após o que foi viver para um apartamento;
4- A M. L. e o J. S. conheceram-se quando ambos foram colegas de turma na Escola Secundária …, em ...;
5- Com 19 anos de idade, após terminar o Ensino Secundário, a M. L. foi viver para Inglaterra, para casa da progenitora, tendo terminado, em Inglaterra, o Curso de Medicina (objectivo por ela definido desde cedo);
6- A M. L. e o J. S. reencontraram-se em 2014, numa das deslocações da M. L. a Portugal;
7- Em Abril de 2015, a convite da M. L., o J. S., com o objectivo de estudar enfermagem, foi viver para Inglaterra, para casa da M. A., onde a M. L. residia, e iniciaram uma relação de namoro em Maio desse ano;
8- Meses depois, devido a desentendimentos com a M. A., o J. S. e a M. L. saíram de casa desta;
9- Em Novembro de 2015, o J. S. e a M. L. decidiram ter um filho e, em 2016, quando a M. L. estava grávida de oito meses regressaram a Portugal e foram viver para uma Quinta pertencente ao J. S.;
10- Em Abril de 2017, a M. L. e o M. D. foram viver para um apartamento, mantendo o relacionamento com o J. S.;
11- A M. L. e o J. S. separaram-se em Outubro de 2018, tendo o M. D. permanecido a residir com a progenitora;
12- A M. L. é médica e, desde a separação e até Junho de 2020, esteve a fazer estágio da especialidade em Medicina Geral e Familiar, em Chaves, para onde se deslocava diariamente, pelo que contava com o apoio do progenitor e da avó materna que, de Janeiro a Março de 2019, foi diariamente buscar o M. D. ao Colégio ...;
13- Em Março de 2019, a M. L. desentendeu-se com a avó paterna do menor, por razões relacionadas com o desfralde do menor, pelo que, a partir dessa altura, deixaram de falar e a M. L. deixou de recorrer à avó paterna para ir buscar o menor ao colégio;
14- Por pretender regressar a Inglaterra, por razões relacionadas com a obtenção de melhores condições de trabalho, em Agosto de 2019, a M. L. começou a diligenciar pela sua candidatura a um emprego como médica em Inglaterra, a qual foi apresentada em Novembro de 2019;
15- Em 04.02.2020, encontrando-se a progenitora a residir em Portugal, foi fixado um regime provisório de Regulação do Exercício das Responsabilidades parentais, o qual consta de fls. 13 e 14 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, tendo sido fixado novo regime provisório, em 27.10.2020, encontrando-se a progenitora a residir em Inglaterra, o qual consta da acta respectiva e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
16- De Fevereiro a Março de 2020 (inicio do confinamento decorrente da Pandemia Covid 19), a progenitora ia buscar diariamente o menor, ao final do dia, a casa da avó paterna;
17- A progenitora esteve em Inglaterra, de 11 a 29 de Junho de 2020, em formação profissional, e nesse período o menor ficou entregue aos cuidados do pai, tendo sido entregue à progenitora no dia 1 de Julho, após recurso à autoridade policial em virtude desentendimentos relacionados com o facto de o progenitor exigir que a progenitora realizasse previamente teste ao Covid 19 e fizesse quarentena;
18- O M. D. foi sinalizado, a -.07.2020, pelo Serviço Social do Hospital de … à CPCJ de ..., na sequência de uma ida ao Serviço de Urgência desse Hospital, no dia 01.07.2020, levado pela mãe que levantou suspeitas de maus-tratos físicos à criança por parte do pai (cfr. informação clínica datada de 02.07.2020 e acta da CPCJ datada de 08.07.2020);
19- Tal suspeita deu origem ao processo de inquérito nº 3056/20.6T9BRG, no âmbito do qual foi elaborado relatório médico-legal, o qual consta do Apenso A e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, nos termos do qual: o menor tinha os dentes com pouca higiene; as unhas dos membros inferiores sujas e apresentava equimose e escoriações em diferentes partes do corpo bem como lesões papulares eritematosas; As equimoses e escoriações localizadas nos membros inferiores e no membro superior esquerdo, pelas suas características, localização e atenta a idade do menor “adequam-se mais frequentemente a uma etiologia acidental” enquanto que as restantes lesões traumáticas (face, pescoço, tórax, abdómen e membro superior direito) poderão ter sido produzidas por traumatismo não acidental “não se podendo apesar disso excluir uma etiologia acidental para a produção das mesmas, não tendo sido descrito qualquer evento que permita enquadrar as mesmas” e as alterações na região peranal terão resultado de doença natural; Não foi possível determinar a data de produção das lesões, as quais terão evolução para cura no prazo de 5 a 7 dias, sem afectação da capacidade de trabalho, não resultando, em condições normais, quaisquer consequências físicas permanentes;
20- Nesse processo de inquérito foi proferido, em 29.01.2021, despacho de arquivamento, o qual foi junto com a certidão datada de 15.02.2021 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
21- O menor ficou a residir com mãe, de 01.07.2020 a 02.08.2020, mantendo contactos com o pai;
22- Em Julho de 2020, no âmbito da perícia psicológica ao menor M. D. (cfr. relatório pericial datado de 24.07.2020, cujo teor se dá por integralmente reproduzido), verificou-se que:
- o M. D. mantinha uma relação positiva com ambos os pais, demonstrando proximidade afectiva, apego e vinculação e ambos os pais respondiam adequadamente às solicitações do filho;
- no que diz respeito ao pai, o facto de viver numa quinta proporcionando ao menor o contacto com animais favorece o gosto do menor em estar em casa do pai;
- a mudança de país e a ausência da figura paterna e respectiva família terá um impacto negativo no bem-estar do menor pois este manifesta gostar do pai e de estar com este na sua casa, com os avós e todos os factores ambientes que tornam o espaço da casa do pai atractiva para o M. D.;
- a permanência em Portugal e a consequente ausência da figura materna poderá significar para a criança uma perda de dimensão superior, tendo em conta que até Julho de 2020 o menor esteve mais tempo aos cuidados da mãe, passando apenas os fins de semana com o pai;
23- No primeiro domingo de Agosto (dia 2) de 2020, horas antes de a progenitora viajar definitivamente para Inglaterra, a avó materna enviou SMS à avó paterna, informando-a que a progenitora iria deixar o menor na sua casa;
24- Nesse dia, a progenitora levou o menor a casa da avó paterna, juntamente com uma mala com duas mudas de roupa, não lhe tendo dirigido qualquer palavra;
25- Nesse dia, às 17h56m, a progenitora enviou SMS ao progenitor informando-o de que teria deixado o filho de ambos em casa da avó paterna e no dia seguinte foi enviada mensagem à avó paterna a dar-lhe conhecimento das consultas do M. D., não tendo a progenitora, desde essa data, contactado telefonicamente a avó paterna;
26- Em Agosto de 2020, a progenitora começou a trabalhar num Hospital em Inglaterra, tendo o M. D. ficado a residir, em Portugal, com o pai numa habitação recuperada, com adequadas condições de habitabilidade e muito espaço exterior;
27- Desde Agosto de 2019 que a M. L. mantém um relacionamento amoroso com J. R. que, até Agosto de 2020, se deslocou a Portugal de 15 em 15 dias para estar com a M. L.;
28- Os progenitores e as respectivas famílias alargadas (avó paterna e avó materna) mantém uma relação de animosidade, existindo entre os progenitores grande conflitualidade na gestão das questões relacionadas com o filho;
29- O M. D. frequenta o ensino pré-escolar no Colégio ..., mantém uma frequência assídua do colégio e comparece, diariamente, nesse contexto com adequados cuidados de higiene pessoal e com uma apresentação social cuidada;
30- O menor demonstra apego e afecto por ambos os progenitores, transmite uma relação positiva com ambos, fazendo referência a dinâmicas e actividades ajustadas e positivas com ambos;
31- Em Junho de 2021, o menor estava menos comunicativo e extrovertido na manifestação da sua vontade do que em Julho de 2020;
32- Evidencia uma maior insegurança básica que poderá indicar maior desajustamento emocional pela forma como foi sentido o afastamento da figura materna que aparece associado pela criança a sentimentos de tristeza pois poderá ter sentido que foi rejeitada por não ter ido com a mãe;
33- Perante o eventual afastamento do pai, a criança manifesta insegurança e tristeza;
34- Ambos os progenitores evidenciam competências parentais para assegurar uma adequada prestação de cuidados ao filho;
35- A progenitora possui as competências parentais e recursos psicológicos adequados, sendo capaz de ser assertiva e competente na interacção com o filho, na imposição de regras e limites e de assegurar e garantir condições de segurança para a sua formação e desenvolvimento;
36- É uma mãe atenta e preocupada, sensível ao desenvolvimento do menor e aos indicadores normativos no que diz respeito aos padrões desenvolvimentais, reconhece as áreas de desenvolvimento que necessitam de estimulação por se encontrarem aquém do esperado para a faixa etária do filho, valorizando a necessidade da intervenção e de terapias, nomeadamente a nível da fala e do controlo de esfíncteres;
37- As práticas educativas usadas na interação com o menor, revelam-se, globalmente positivas e adequadas à sua faixa etária;
38- Tem tendência a exercer uma monitorização/supervisão negativa acerca do comportamento do filho, que condiciona claramente a comunicação e colaboração entre os progenitores, e a insegurança demonstrada nas situações em que o menor está a cargo do pai condicionará a flexibilidade necessária ao bom entendimento entre ambos os pais, uma vez que a mãe estará num estado de alerta permanente face aos cuidados que o pai terá com o menor, o que poderá funcionar como inibidor da promoção dos contactos e da proximidade física e afectiva com o outro progenitor, que importa acautelar;
39- O progenitor possui as competências parentais e recursos psicológicos adequados, sendo capaz de ser assertivo e competente na interacção com o filho, na imposição de regras e limites e de assegurar e garantir condições de segurança para a sua formação e desenvolvimento;
40- Em comparação com as práticas educativas maternas, tenderá a ser mais despreocupado e mais relaxado face ao desenvolvimento do menor, tendendo a normalizar as necessidades valorizadas pela mãe;
41- Actualmente compreende melhor a necessidade de estimulação e de intervenção junto do menor, tendo em conta o atraso de linguagem e a regressão no controlo de esfíncteres do filho, e garante a frequência das terapias iniciadas a pedido da mãe; 42- As práticas educativas usadas na interação com o menor, revelam-se, globalmente positivas e adequadas à sua faixa etária, exercendo uma supervisão mais relaxada tendo em conta o facto de contar com a ajuda e colaboração da avó materna;
43- A avó paterna do menor constitui um grande suporte pois vive num T3 sito na Avª …, tendo adaptado um dos quartos para o neto M. D., e, de segunda a sexta-feira, executa grande parte das tarefas inerentes às rotinas diárias do neto;
44- Apesar de o pai continuar a delegar na sua mãe a execução de grande parte das tarefas inerentes às rotinas quotidianas do filho durante a semana de trabalho, nos últimos meses tem havido uma evolução bastante positiva na forma como se envolve no acompanhamento ao filho e nos assuntos que lhe dizem respeito (acompanhamento da situação do filho no colégio, envolvimento nas diferentes terapias que o M. D. usufruiu) e na forma como este tem vindo a dar mais relevância, comparativamente à fase inicial do acompanhamento em sede protectiva, às necessidades especiais do M. D.;
45- No que concerne às dificuldades que o M. D. tem vindo a evidenciar ao nível do controlo dos esfíncteres tem-se registado, pelo menos, desde Setembro de 2021 uma evolução favorável pois desde o dia 01.09.2021 que não houve, no estabelecimento de ensino frequentado pelo menor, qualquer episódio de micção ou dejeção nas calças por parte da criança;
46- Não obstante o menor continuar a necessitar de um apoio muito individualizado por parte da educadora para se manter nas tarefas que lhe são atribuídas e continuar a necessitar de muito reforço ao nível da linguagem, a criança tem evoluído favoravelmente, inclusive ao nível da linguagem, área identificada como estando aquém do que seria esperado para a sua idade, e, comparativamente a fases anteriores, dos anos lectivos transatos, o M. D., em contexto escolar, tem-se mantido mais regulado em termos emocionais e comportamentais pois, no presente ano lectivo, não há registos da ocorrência de episódios de descontrolo emocional ou comportamental do M. D. no colégio;
47- O menor mantém o acompanhamento no Centro Materno-Infantil do Norte (CMIN)- Centro Hospitalar do ..., o acompanhamento em psicologia, com a Dra. M. L. Toste que, devido à evolução significativa no que concerne às competências de relação e regulação emocional, suspendeu o processo de intervenção directa, e em pedopsiquiatria, com o Dr. P. P.;
48- O progenitor tem tido a iniciativa de chegar ao contacto com os especialistas que acompanham o M. D. no Centro Hospitalar, no sentido de dar continuidade aos acompanhamentos iniciados;
49- O menor mantém o acompanhamento no Centro Terapêutico ..., continuando a usufruir de sessões de Terapia da Fala (às terças-feiras, às 19h:30m) e Terapia Ocupacional (às segundas-feiras; às 8h:45m) com pontualidade, é acompanhado a maior parte das vezes pelo pai e, ocasionalmente, pela avó paterna;
50- A colaboração e a atitude do M. D. mudou e as evoluções têm sido visíveis, a atitude da avó está mais calma e o pai manifesta cada vez mais interesse;
51- O M. D. mantém também o acompanhamento na USF …, tendo tido a última consulta médica e de enfermagem, nesta USF, em Agosto passado, tendo feito a vacinação prevista no Plano Nacional de Vacinação (PNV) para os 5 anos;
52- O pai do M. D. tem mantido contactos regulares com a educadora do M. D. e tem-na informado acerca das terapias de que o filho usufrui, tem vindo a manter uma postura colaborante com a educadora do filho e tem vindo a assegurar a continuidade de todos acompanhamentos especializados que o M. D. iniciou (quer os acompanhamentos iniciados por iniciativa da mãe, quer os que foram iniciados por si próprio, por aconselhamento do pedopsiquiatra que acompanha o filho);
53- O pai evoluiu na postura de desvalorização das problemáticas identificadas ao menor pois passou a valorizar mais e a envolver-se mais nos acompanhamentos especializados ao filho pelo que tem havido uma evolução favorável na capacidade evidenciada pelo pai em compreender as necessidades especiais do filho e um envolvimento crescente por parte do pai nas intervenções dirigidas às caraterísticas desenvolvimentais específicas do M. D.;
54- O progenitor é electricista e subempreiteiro na área da electricidade, aufere mensalmente entre € 1.100,00 e € 1.200,00 e tem despesas mensais correntes relativas à alimentação, vestuário e despesas domésticas bem como com a mensalidade do colégio do filho (€ 128,00) e com o pagamento de um crédito pessoal (€ 137,00);
55- Vive com o M. D. em ... numa casa que herdou dos avós e que se trata de uma construção rústica recuperada, com boas condições de habitabilidade, integrada num terreno, parte dele ocupado com um pequeno cultivo de vinha e outra parte ajardinada e cimentada, proporcionando uma agradável vivência ao ar livre, quer de adultos quer de crianças;
56- Mantém um relacionamento de namoro com uma sua vizinha, conhecida do M. D. desde que este era pequeno, C. R., de 27 anos, auxiliar de acção educativa;
57- O J. S. demonstra conhecer bem o seu filho, as suas brincadeiras, os seus heróis preferidos e as suas necessidades;
58- Ao fim de semana, o M. D. brinca com os vizinhos que são da mesma idade e visita familiares e amigos do progenitor que têm filhos com idades próximas da sua;
59- A M. L. tem vindo a manter contactos menos regulares com as entidades que acompanham o M. D. (por exemplo, com o Centro Terapêutico ..., com a educadora do filho);
60- Reside com o J. R. em casa da mãe dela (onde também vive o companheiro desta B. P., de nacionalidade holandesa);
61- A M. L. está grávida, estando o nascimento previsto para 31.05.2022, e tem casamento marcado para 2022;
62- Trabalha no Sistema Nacional de Saúde, onde está a concluir a especialização em Clínica Geral, encontrando-se actualmente a trabalhar em part time, e o namorado J. R. é consultor financeiro, sendo o rendimento conjunto de £ 83.000 e o rendimento anual da M. L. cifra-se em £ 39.467 equivalente a € 45.961,72, tendo ambos as despesas correntes normais de qualquer pessoa a viver em Inglaterra;
63- A casa onde a M. L. actualmente reside é limpa, espaçosa e totalmente adequada a uma criança morar, o M. D. tem o seu próprio quarto, adequado a uma criança da sua idade;
64- Existe bom relacionamento entre a M. L. e a M. A. que trabalha numa empresa farmacêutica e está disposta a ajudar a cuidar do M. D., inclusive pedindo redução de horário;
65- A M. L. e o J. R. compraram uma casa situada perto da casa da avó materna do menor, com quatro quartos, com jardim e com uma localização tranquila, próxima do estabelecimento de ensino que a M. L. escolheu para o M. D., tendo também identificado um serviço local de terapia ocupacional a ser frequentada pelo M. D.;
66- Existe bom relacionamento entre o J. R. e o M. D. e os pais do J. R., ambos reformados, estão disponíveis para apoiar o casal nos cuidados ao M. D.;
67- A mãe continua a manter contacto regular (de 2 em 2 dias ou dia sim, dia não), por videochamada, com o M. D.;
68- A progenitora tem-se deslocado a Portugal para visitar o menor, tendo estado em Portugal no final do mês de Agosto de 2020 (uma semana), em Outubro de 2020 (uma semana), em Maio de 2021 (uma semana) e em Julho de 2021 (12 dias), tendo o M. D. passado o Natal de 2020 (permaneceu em Inglaterra durante uma semana) e o fim de ano de 2021 (a avó materna veio busca-lo no dia 27 de Dezembro, levou-o para Inglaterra e o regresso está marcado para 9 de Janeiro de 2022) com a progenitora;
69- Os períodos de permanência do menor com a progenitora (tanto em Inglaterra como em Portugal) têm decorrido de forma positiva, mantendo o menor contactos telefónicos com o progenitor;
70- Caso o menor vá residir com a progenitora para Inglaterra esta afirmou estar disposta a trazê-lo todos os meses a Portugal para que ele conviva com o progenitor.
*
Na 1ª instância foram considerados não provados os seguintes factos, que aqui se transcrevem nos seus exatos termos:

1. A saída de casa da M. A., em 2015, deveu-se a desentendimentos entre esta e o J. S.;
2. O progenitor não demonstrava nem demonstra qualquer preocupação em conviver ou se relacionar com o seu filho;
3. Tem um comportamento intempestivo, marcado por episódios sucessivo de violência susceptíveis de colocarem o seu filho em situação de perigo;
4. No período de 11 a 30 de Junho de 2020, o progenitor agrediu fisicamente o M. D.;
5. O progenitor e a avó paterna dificultam os contactos telefónicos entre a progenitora e o M. D.;
6. A progenitora tem dado prioridade aos interesses do M. D.;
7. A saída de casa da M. A., em 2015, deveu-se a desentendimentos entre esta e a M. L.;
8. A progenitora e a avó materna do menor mantêm uma relação marcada por vários momentos de conflito.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

Cumpre apreciar e decidir.

I – Alteração da matéria de facto

Dispõe o artigo 662º, n.º 1, do C.P.C. que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A norma em questão alude a meios de prova que imponham decisão diversa da impugnada e não a meios de prova que permitam, admitam ou apenas consintam decisão diversa da impugnada.

Por seu turno, o art.º 640.º do C.P.C. que tem como epígrafe o “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe que:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

Como se escreveu no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 19.6.2019, Relatora Vera Sottomayor, (in www.dgsi.pt):

Importa referir que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade do julgador ou da prova livre, consagrado no n.º 5 do artigo 607º do CPC (…), segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que tenha formado acerca de cada um dos factos controvertidos, salvo se a lei exigir para a prova de determinado facto formalidade especial, ou aqueles só possam ser provados por documento, ou estejam plenamente provados, quer por documento, quer por acordo ou confissão das partes.
Sobre a reapreciação da prova impõe-se assim toda a cautela para não desvirtuar, designadamente o princípio referente à liberdade do julgador na apreciação da prova, bem como o princípio de imediação que não podem ser esquecidos no convencimento da veracidade ou probabilidade dos factos. Não está em causa proceder-se a novo julgamento, mas apenas examinar a decisão da primeira instância e respetivos fundamentos, analisar as provas gravadas, se for o caso, e procedendo ao confronto do resultado desta análise com aquela decisão e fundamentos, a fim de averiguar se o veredicto alcançado pelo tribunal recorrido quanto aos concretos pontos impugnados assentou num erro de apreciação.
Em suma, a alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação tem de ser realizada ponderadamente, em casos excecionais, pontuais e só deverá ocorrer se, do confronto dos meios de prova indicados pelo recorrente com a globalidade dos elementos que integram os autos, se concluir que tais elementos probatórios, evidenciando a existência de erro de julgamento, sustentam, em concreto e de modo inequívoco, o sentido pretendido pelo recorrente. Tal sucede quando a convicção do tribunal de 1.ª instância assentou em erro tão flagrante que o mero exame das provas gravadas revela que a decisão não pode subsistir.
No mesmo sentido, considerou o Acórdão desta Relação de Guimarães, de 2.11.2017, Relatora Eugénia Cunha (in www.dgsi.pt), em termos com os quais concordamos integralmente, que “o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição, que é, está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que, neste âmbito, a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de 1ª Instância, apenas ficando aquém quanto a fatores de imediação e de oralidade. Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode deitar por terra a livre apreciação da prova, feita pelo julgador em 1ª Instância, construída dialeticamente e na importante base da imediação e da oralidade.
A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPC) que está atribuído ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também, elementos que escapam à gravação vídeo ou áudio e, em grande medida, na valoração de um depoimento pesam elementos que só a imediação e a oralidade trazem. (...)
O princípio da livre apreciação de provas situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis.
E na reapreciação dos meios de prova, o Tribunal de segunda instância procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção - desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância. (...).
Ao Tribunal da Relação competirá apurar da razoabilidade da convicção formada pelo julgador, face aos elementos que lhe são facultados.
Porém, norteando-se pelos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e regendo-se o julgamento humano por padrões de probabilidade, nunca de certeza absoluta, o uso dos poderes de alteração da decisão sobre a matéria de facto, proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, pelo Tribunal da Relação deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados, devendo ser usado, apenas, quando seja possível, com a necessária certeza e segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Assim, só deve ser efetuada alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam para direção diversa e impõem uma outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância. Na apreciação dos depoimentos, no seu valor ou na sua credibilidade, é de ter presente que a apreciação dessa prova na Relação envolve “risco de valoração” de grau mais elevado que na primeira instância, em que há imediação, concentração e oralidade, permitindo contacto direto com as testemunhas, o que não acontece neste tribunal. E os depoimentos não são só palavras; a comunicação estabelece-se também por outras formas que permitem informação decisiva para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras da experiência comum e que, no entanto, se trata de elementos que são intraduzíveis numa gravação. Por estas razões, está em melhor situação o julgador de primeira instância para apreciar os depoimentos prestados uma vez que o foram perante si, pela possibilidade de apreensão de elementos não apreensíveis na gravação dos depoimentos.
Em suma, na reapreciação das provas em segunda instância não se procura uma nova convicção diferente da formulada em primeira instância, mas verificar se a convicção expressa no tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que consta da gravação com os demais elementos constantes dos autos, que a decisão não corresponde a um erro de julgamento”.
Por outro lado, previamente à análise substancial da pretensão deduzida quanto à alteração da matéria de facto, importa verificar se essa alteração é útil e relevante para a decisão a proferir, pois só nessa hipótese se justifica aceitar a dedução da impugnação.
Ao invés, em situações de irrelevância para o conhecimento do mérito da causa, visto os factos impugnados não serem suscetíveis de influenciar decisivamente a decisão do pleito segundo as diferentes soluções plausíveis de direito, é inútil e contrário aos princípios da economia e da celeridade a reponderação pela Relação da decisão proferida pela 1.ª instância.
Assim, e seguindo a esclarecedora linha de raciocínio traçada sobre esta matéria no Acórdão do STJ, de 17.5.2017, Relatora Fernanda Isabel Pereira (in www.dgsi.pt) “O princípio da limitação de actos, consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, proíbe a sua prática no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – desde que não se revelem úteis para este alcançar o seu termo.
Trata-se de uma das manifestações do princípio da economia processual, também aflorado, entre outros, no artigo 611º, que consagra a atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes, e no artigo 608º n.º 2, quando prescreve que, embora deva resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, o juiz não apreciará aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Nada impede que também no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão fáctica seja observado tal princípio, se a análise da situação concreta em apreciação evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir.
Com efeito, aos tribunais cabe dar resposta às questões que tenham, directa ou indirectamente, repercussão na decisão que aprecia a providência judiciária requerida pela(s) parte(s) e não a outras que, no contexto, se apresentem como irrelevantes e, nessa medida, inúteis.
Para se aferir da utilidade da apreciação da impugnação da decisão fáctica importa considerar se os pontos de facto questionados se não apresentam de todo irrelevantes, se a eventual demonstração dos mesmos é susceptível de gerar um juízo diferente sobre a questão de direito, se é passível de influenciar e, porventura, alterar a decisão de mérito no quadro das soluções plausíveis da questão de direito.”
Assentes nestas premissas e tendo por base estes critérios, analisemos então se a matéria de facto deve ser alterada nos termos pretendidos pela recorrente.
Em primeiro lugar importa salientar que, tal como deve suceder na decisão proferida na 1ª instância, também na reapreciação da prova que é feita em sede de recurso é formulado um juízo global que abarca todos os elementos em presença, sendo a prova produzida analisada, de forma direta e indireta, no seu conjunto.
Como tal, não é suficiente para efeitos de prova de um facto, ou ausência dela, a mera invocação e transcrição de segmentos de um depoimento feitas de forma descontextualizada. Também o próprio depoimento não pode ser valorado de per se, devendo sempre ser articulado e concatenado com o conjunto da prova produzida.
Por conseguinte, para efeitos de apreciação da impugnação da matéria de facto, a par da consulta dos elementos documentais juntos ao processo, procedeu-se à audição integral de todos os depoimentos e declarações prestados em todas as sessões de julgamento, por serem estes os elementos probatórios que se mostram relevantes quanto à matéria que em concreto é objeto de sindicância.
A Recorrente considera incorretamente julgados os factos dados como provados nºs 3, 7, 8, 12, 13, 14, 17, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 26, 29, 38, 39, 41, 42, 44, 45, 50, 53, 59, 63, 67, 69.

O facto nº 3 tem a seguinte redação:
3- Devido a incompatibilidades entre a M. L. e o seu progenitor, a Segurança Social colocou-a num Lar, onde permaneceu até aos 18 anos de idade, após o que foi viver para um apartamento;
A recorrente pretende que a redação seja alterada e passe a ser a seguinte:
3 - A progenitora da criança, após ter permanecido aos cuidados do pai, foi institucionalizada num Lar, onde permaneceu até aos 18 anos de idade, após o que foi viver para um apartamento;
A sentença deu como provado este facto com a seguinte fundamentação:
Os factos provados 2º e 3º decorrem das declarações da M. L., confirmadas pelo depoimento da sua mãe M. A. e não contrariadas por outros meios de prova.”

Da audição a que se procedeu das declarações prestadas por M. L. e pela sua mãe M. A. não resulta de forma minimamente consistente e esclarecedora qual foi o concreto motivo que levou a que a Segurança Social tivesse procedido à sua institucionalização num Lar. De acordo com as regras da experiência comum, é improvável que a Segurança Social intervenha e proceda à institucionalização de uma jovem por motivos de incompatibilidades entre esta e o seu progenitor.
Não existe outra prova sobre esta matéria.
Como tal, entende-se que não existem elementos probatórios que permitam concluir qual foi a razão que levou à institucionalização de M. L., designadamente que a mesma decorre de incompatibilidades entre esta e o seu progenitor, razão pela qual se impõe a alteração do facto nº 3, dele eliminando a parte referente ao motivo da institucionalização, passando o facto nº 3 a ter a seguinte redação:
3 - Por motivos não apurados, depois de ter ficado aos cuidados do progenitor, a Segurança Social colocou a M. L. num Lar, onde permaneceu até aos 18 anos de idade, após o que foi viver para um apartamento;
*
O facto nº 7 tem a seguinte redação:

7- Em Abril de 2015, a convite da M. L., o J. S., com o objectivo de estudar enfermagem, foi viver para Inglaterra, para casa da M. A., onde a M. L. residia, e iniciaram uma relação de namoro em Maio desse ano;
A recorrente pretende que a redação seja alterada e passe a ser a seguinte:
7 - Em abril de 2015, a convite da M. L., o J. S., com o objetivo de estudar enfermagem, e depois de não ter completado o 12.º ano e de ter exercido ilicitamente a atividade de segurança privada, foi viver para Inglaterra, para casa da M. A., onde a M. L. residia, e iniciaram uma relação de namoro em maio desse ano;
Do confronto das duas redações resulta que a recorrente pretende que se adite o segmento “depois de não ter completado o 12.º ano e de ter exercido ilicitamente a atividade de segurança privada”.
Sobre esta pretensão, subscrevemos o afirmado pelo Ministério Público nas suas contra-alegações no sentido de que “acrescentar ao facto provado circunstâncias relativas aos estudos ou trabalhos desenvolvidos pelo progenitor, nada acrescenta ou influi na decisão tomada”.
Na verdade, a matéria que se pretende aditar relativa à não conclusão do 12º ano por parte do progenitor é absolutamente irrelevante para a decisão a proferir nos presentes autos e que se prende com a regulação das responsabilidades parentais. Quanto ao exercício ilícito de atividade de segurança privada não se trata de um facto, mas de uma conclusão que teria de ser atingida mediante a alegação de matéria factual que a sustentasse.
Não obstante a conclusividade daquela matéria, em termos factuais apenas a testemunha E. M., mãe de J. S., aludiu à circunstância de o filho não ter licença para exercer a atividade de segurança de um bar. Referiu ainda que essa atividade foi por ele exercida durante muito pouco tempo.
Assim, nem sequer se justifica incluir nos factos provados a inexistência de licença para o exercício da atividade de segurança porque se trata de uma atividade que foi exercida durante muito pouco tempo, e em período anterior a 2015, ou seja, há sete anos atrás, não tendo relevância para a matéria de regulação das responsabilidades parentais em discussão nos autos.
Por conseguinte, entende-se que a matéria cujo aditamento a recorrente pretende não é relevante para a matéria a decidir nos autos, segundo as várias soluções plausíveis de direito, razão pela qual se indefere o pretendido aditamento, permanecendo inalterado o facto nº 7.
*
O facto 8 tem a seguinte redação:

8- Meses depois, devido a desentendimentos com a M. A., o J. S. e a M. L. saíram de casa desta;
A recorrente entende que este facto está em contradição com os factos não provados nºs 1 e 7 os quais têm a seguinte redação:
1. A saída de casa da M. A., em 2015, deveu-se a desentendimentos entre esta e o J. S.;
7. A saída de casa da M. A., em 2015, deveu-se a desentendimentos entre esta e a M. L.;
Entendemos que não ocorre qualquer contradição entre os aludidos factos. No facto 1 foi dado como não provado que os desentendimentos ocorreram entre M. A. e J. S.; no facto nº 7 foi dado como não provado que os desentendimentos ocorreram entre M. A. e M. L.. Desta ausência de prova não decorre a veracidade dos factos contrários, resultando unicamente que não se provou que os desentendimentos ocorreram de forma direta e exclusiva entre as aludidas pessoas.
Diversamente, no facto 8, dá-se como provado que houve desentendimentos com a M. A., e que, por isso, o J. S. e a M. L. saíram da casa desta, ou seja, como bem refere o Ministério Público nas suas contra-alegações, “por dissensos entre aquela e o casal e não entre aquela e qualquer um dos dois individualmente”.
Por conseguinte, entende-se que não ocorre a invocada contradição, razão pela qual se indefere a impugnação, permanecendo inalterado o facto nº 8.
*
O facto nº 12 tem a seguinte redação:

12- A M. L. é médica e, desde a separação e até Junho de 2020, esteve a fazer estágio da especialidade em Medicina Geral e Familiar, em Chaves, para onde se deslocava diariamente, pelo que contava com o apoio do progenitor e da avó materna que, de Janeiro a Março de 2019, foi diariamente buscar o M. D. ao Colégio ...;
A recorrente pretende que a redação passe a ser a seguinte:
12 - A M. L. é médica e, desde a separação e até Junho de 2020, esteve a fazer estágio da especialidade em Medicina Geral e Familiar, em Chaves, para onde se deslocava diariamente, pelo que durante o período que mediou entre janeiro a março de 2019, contou com o apoio do progenitor e da avó paterna que foi diariamente buscar o M. D. ao Colégio ...;
Confrontando as duas redações conclui-se que a recorrente pretende que onde consta avó materna passe a constar avó paterna.
É manifesto que o aqui está em causa é um mero lapso de escrita, que importa corrigir, posto que, como se refere na sentença, a prova de tal facto decorre “das declarações coincidentes dos requeridos que descreveram: (...)
- a forma como geriram a relação entre ambos e cada um deles com o M. D., no período posterior à separação e enquanto a M. L. se manteve a residir em território nacional, nomeadamente a colaboração da avó paterna e o desentendimento entre ambas, em Março de 2019” (sublinhado nosso).
Assim, corrige-se o lapso de escrita existente no facto nº 12, o qual passará a ter a seguinte redação:
12- A M. L. é médica e, desde a separação e até Junho de 2020, esteve a fazer estágio da especialidade em Medicina Geral e Familiar, em Chaves, para onde se deslocava diariamente, pelo que contava com o apoio do progenitor e da avó paterna que, de Janeiro a Março de 2019, foi diariamente buscar o M. D. ao Colégio ...;
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O facto nº 13 tem a seguinte redação:

13- Em Março de 2019, a M. L. desentendeu-se com a avó paterna do menor, por razões relacionadas com o desfralde do menor, pelo que, a partir dessa altura, deixaram de falar e a M. L. deixou de recorrer à avó paterna para ir buscar o menor ao colégio;
A recorrente pretende que a redação do facto 13 passe a ser a seguinte:
13 - Em março de 2019, a M. L. e a avó paterna do menor desentenderam-se, por razões relacionadas com o desfralde do menor, pelo que, a partir dessa altura, deixaram de falar, e avó paterna deixou de ir buscar o menor ao colégio;
A alteração pretendida é de mera redação, e não de fundo, sendo inócua e irrelevante para a decisão a proferir, não sendo apta a alterá-la nem em sentido favorável, nem em sentido desfavorável. Acompanhamos aqui, novamente, o expendido sobre esta matéria pelo Ministério nas suas contra-alegações, onde refere que “a alteração preconizada quanto a este facto, para além de constituir um preciosismo literário, não influi de forma nenhuma nas consequências que dele se devem retirar. Com efeito, a redação utilizada não permite extrair qualquer conclusão quanto à culpa do desentendimento entre a mãe e a avó paterna (…). Para além disso, (...) a alteração preconizada seria inócua e não influiria no sentido da decisão, qualquer que ele fosse”.
Por conseguinte, mantém-se inalterada a redação do facto nº 13.
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O facto nº 14 tem a seguinte redação:

14- Por pretender regressar a Inglaterra, por razões relacionadas com a obtenção de melhores condições de trabalho, em Agosto de 2019, a M. L. começou a diligenciar pela sua candidatura a um emprego como médica em Inglaterra, a qual foi apresentada em Novembro de 2019;
A recorrente pretende que o facto 14 passe a ter a seguinte redação:
14 - Por pretender regressar a Inglaterra, por razões profissionais, pessoais, familiares, e na perspetiva de garantir um melhor nível de vida ao seu filho, a M. L. começou a diligenciar pela sua candidatura a um emprego como médica em Inglaterra, a qual foi apresentada em Novembro de 2019;
Na sentença recorrida este facto foi dado como provado com base nas declarações coincidentes do requeridos, aí se referindo que “a M. L. também explicou que a sua decisão de regressar a Inglaterra está relacionada com a procura de melhores condições de trabalho pois em Portugal deslocava-se diariamente para Chaves, por ter optado continuar a residir em ..., o que ocorreria até 2024, data em que terminaria a especialidade em Medicina Geral e Familiar”.
Da audição integral da prova pessoal produzida em audiência, concorda-se que a redação proposta pela recorrente no sentido de ficar a constar que a sua decisão de regressar a Inglaterra foi motivada por razões profissionais, pessoais e familiares é mais consentânea com os relatos que foram feitos e é mais abrangente do que a expressão que ficou a constar no facto provado, a qual se restringe a motivos meramente relacionados com a obtenção de melhores condições de trabalho.
Efetivamente resulta do depoimento da progenitora, corroborado pelo depoimento da testemunha J. R., noivo da progenitora, da testemunha M. A., mãe da progenitora, e da testemunha E. M., mãe do progenitor, que a M. L. pretendia regressar a Inglaterra por razões profissionais, para aí exercer de forma mais adaptada e adequada às suas expectativas e aspirações profissionais a atividade de médica. A par destas razões, existiam também razões pessoais e familiares, visto que, à data, ocorria uma situação de conflito com o requerido, de quem estava separada, e uma situação de incompatibilidade com a avó paterna do M. D., única pessoa que anteriormente constituía o seu suporte no que concerne à prestação de cuidados ao M. D.. Ao invés, em Inglaterra, podia contar com a ajuda, suporte e apoio da sua mãe, que aí reside, do companheiro desta, B. P., de J. R., com quem já mantinha um relacionamento e de quem está atualmente noiva, e dos pais deste último.
Porém, ouvida a totalidade da prova, não foi referido e não se consegue concluir que a ida para Inglaterra se destinasse a garantir um melhor nível de vida para o filho, entendida esta expressão enquanto possibilidade de acesso a mais ou melhores bens, serviços ou atividades, posto que a expressão “nível de vida” está usualmente associada a questões económicas. Nunca foi referido no julgamento que ocorresse qualquer tipo de problema com o nível de vida do M. D. em Portugal e que a ida para Inglaterra tivesse qualquer relação com essa temática.
Como tal, entende-se que procede parcialmente a pretensão de alteração do facto nº 14, por a redação proposta pela recorrente ser mais rigorosa e consentânea com a prova produzida, com exceção da parte relativa à expressão “na perspetiva de garantir um melhor nível de vida ao seu filho” a qual não tem suporte na prova produzida.
Assim, altera-se o facto nº 14, o qual passará a ter a seguinte redação:
14 - Por pretender regressar a Inglaterra, por razões profissionais, pessoais e familiares, a M. L. começou a diligenciar pela sua candidatura a um emprego como médica em Inglaterra, a qual foi apresentada em Novembro de 2019;
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O facto nº 17 tem a seguinte redação:

17- A progenitora esteve em Inglaterra, de 11 a 29 de Junho de 2020, em formação profissional, e nesse período o menor ficou entregue aos cuidados do pai, tendo sido entregue à progenitora no dia 1 de Julho, após recurso à autoridade policial em virtude desentendimentos relacionados com o facto de o progenitor exigir que a progenitora realizasse previamente teste ao Covid 19 e fizesse quarentena;
A recorrente pretende que se acrescente a tal facto que:
Durante este período, que mediou entre 10 de junho de 2020 e 30 de junho de 2020, o progenitor do M. D. omitiu os cuidados, que podia e devia ter adotado, mais elementares subjacentes à segurança, higiene e saúde da criança, tendo resultado, em consequência dessa sua conduta, lesões significativas no corpo da criança, cuja gravidade o progenitor tende ainda hoje a relativizar.
Este pretendido aditamento integra matéria de cariz e natureza conclusiva e não matéria factual. Por tal motivo, essa pretensão de aditamento nunca pode ser deferida. A matéria em questão apenas pode relevar em sede de subsunção e fundamentação jurídica, constituindo uma conclusão a alcançar mediante a descrição de concretos factos que a suportem. Não pode, no entanto, dada a sua natureza conclusiva, constar dos factos provados.
Como tal, improcede a pretensão da recorrente, mantendo-se inalterada a redação do facto nº 17.
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O facto nº 19 tem a seguinte redação:

19- Tal suspeita deu origem ao processo de inquérito nº 3056/20.6T9BRG, no âmbito do qual foi elaborado relatório médico-legal, o qual consta do Apenso A e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, nos termos do qual: o menor tinha os dentes com pouca higiene; as unhas dos membros inferiores sujas e apresentava equimose e escoriações em diferentes partes do corpo bem como lesões papulares eritematosas; As equimoses e escoriações localizadas nos membros inferiores e no membro superior esquerdo, pelas suas características, localização e atenta a idade do menor “adequam-se mais frequentemente a uma etiologia acidental” enquanto que as restantes lesões traumáticas (face, pescoço, tórax, abdómen e membro superior direito) poderão ter sido produzidas por traumatismo não acidental “não se podendo apesar disso excluir uma etiologia acidental para a produção das mesmas, não tendo sido descrito qualquer evento que permita enquadrar as mesmas” e as alterações na região peranal terão resultado de doença natural; Não foi possível determinar a data de produção das lesões, as quais terão evolução para cura no prazo de 5 a 7 dias, sem afectação da capacidade de trabalho, não resultando, em condições normais, quaisquer consequências físicas permanentes;
A recorrente pretende que passe a ter a seguinte redação:
19 - Tal suspeita deu origem ao processo de inquérito nº 3056/20.6T9BRG, no âmbito do qual foi elaborado relatório médico-legal, o qual consta do Apenso A e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, nos termos do qual: o menor tinha os dentes com pouca higiene; as unhas dos membros inferiores sujas e apresentava equimose e escoriações em diferentes partes do corpo bem como lesões papulares eritematosas; As equimoses e escoriações localizadas nos membros inferiores e no membro superior esquerdo, pelas suas características, localização e atenta a idade do menor “adequam-se mais frequentemente a uma etiologia acidental” enquanto que as restantes lesões traumáticas (face, pescoço, tórax, abdómen e membro superior direito) adequam-se menos a uma etiologia acidental; e as alterações na região peranal terão resultado de doença natural relacionada, entre outros, com cuidados de higiene; Não foi possível determinar a data de produção das lesões, mas tendo em conta a cor das mesmas, é de supor que foram produzidas enquanto o menor permaneceu entregue aos cuidados do progenitor;
As partes assinaladas a negrito na redação proposta pela recorrente são as que a mesma pretende que sejam alteradas.
O relatório médico legal a que se alude no facto provado 19 consta do apenso A, mais concretamente da comunicação de 27.10.2020.
No facto 19 foi dado como integralmente reproduzido o aludido relatório, para além de se terem salientado as partes do mesmo mais relevantes para a matéria em apreço.
A redação que consta na sentença do facto 19 mostra-se conforme com o teor do relatório, designadamente com o que consta da discussão e conclusões do mesmo. Diversamente, o aditamento da expressão “adequam-se menos a uma etiologia acidental”, não tem suporte direto no teor do relatório em questão e constitui uma conclusão que a recorrente pretende retirar dele.
Quanto à circunstância de as alterações na região perianal estarem relacionadas, entre outros, com cuidados de higiene, não se vê qualquer necessidade de aditar tal matéria posto que, por um lado, tal não consta do relatório nesses exatos termos e, por outro, o que consta sobre essa situação encontra-se referido no ponto 4 da discussão e conclusões, estando assente porque o relatório foi integralmente dado como reproduzido.
Quanto ao aditamento do segmento de que “mas tendo em conta a cor das mesmas, é de supor que foram produzidas enquanto o menor permaneceu entregue aos cuidados do progenitor;” tal constitui mais uma vez matéria conclusiva, além de que não tem suporte no relatório visto que no mesmo consta que não foi possível referenciar a produção das lesões a uma data exata (cf. nº 5 das conclusões).
Por outro lado, também nenhuma relevância teria dar como provado que é de supor que foram produzidas quando o menor estava aos cuidados do pai, pois nesta sede as suposições não são relevantes para a decisão a proferir.
Quanto à real e efetiva probabilidade de as lesões terem ocorrido enquanto a criança esteve ao cuidado do pai, trata-se de matéria que apenas em sede de fundamentação jurídica deve ser considerada, face ao teor do relatório conjugado com outros factos, designadamente com o período de ausência da mãe e o tempo em que o M. D. esteve aos cuidados do pai.
Por conseguinte, entende-se que a redação do facto impugnado é consentânea com o teor do relatório, não se justificando as alterações que a recorrente pretende introduzir, pelo que permanece inalterada a redação do facto 19.
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O facto nº 20 tem a seguinte redação:

20- Nesse processo de inquérito foi proferido, em 29.01.2021, despacho de arquivamento, o qual foi junto com a certidão datada de 15.02.2021 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
A recorrente pretende que o facto em questão passe a ter a seguinte redação:
20 - Por conta dos eventos ocorridos no período em que o menor permaneceu temporariamente entregue aos cuidados do progenitor, foi aberto o processo de inquérito n.º 3056/20.6T9BRG, onde se investigam factos suscetíveis de integrarem a prática de um crime de maus tratos perpetrado contra o menor, e quem foi o seu autor;
A recorrente não questiona a veracidade do que consta do facto 20, porém, entende que o mesmo não espelha corretamente a realidade porque alega que o despacho de arquivamento a que se faz alusão no facto 20 foi objeto de reclamação hierárquica e, por via da mesma, determinou-se que as investigações deveriam prosseguir.
Efetivamente, foi o que sucedeu, como resulta dos elementos juntos aos autos, sendo que, como se constata da certidão junta em 1.2.2022 (ref. Citius 12548416) com data de 31.1.2022 veio a ser proferido despacho de arquivamento do processo em questão.
Como tal, entende-se que o facto nº 20, apesar de corresponder à realidade, não a abarca totalmente pois não contém a matéria atrás referida e constante da aludida certidão. Mas também a redação proposta pela recorrente não corresponde integralmente à realidade pois neste momento já existe um segundo despacho de arquivamento.
Como tal, entende-se que deve ser mantida inalterada a redação do facto nº 20.
Todavia, face à junção posterior à prolação da sentença da certidão de 1.2.2022, nos termos dos arts. 607º, nº 4, e 663º, nº 2, do CPC, deve ser aditado o facto nº 20-A, por estar provado documentalmente, com a seguinte redação:
20-A - No processo de inquérito referido em 20 foi novamente proferido, em 31.1.2022, despacho de arquivamento, o qual foi junto com a certidão datada de 1.2.2022 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
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O facto nº 22 tem a seguinte redação:

22- Em Julho de 2020, no âmbito da perícia psicológica ao menor M. D. (cfr. relatório pericial datado de 24.07.2020, cujo teor se dá por integralmente reproduzido), verificou-se que:
- o M. D. mantinha uma relação positiva com ambos os pais, demonstrando proximidade afectiva, apego e vinculação e ambos os pais respondiam adequadamente às solicitações do filho;
- no que diz respeito ao pai, o facto de viver numa quinta proporcionando ao menor o contacto com animais favorece o gosto do menor em estar em casa do pai;
- a mudança de país e a ausência da figura paterna e respectiva família terá um impacto negativo no bem-estar do menor pois este manifesta gostar do pai e de estar com este na sua casa, com os avós e todos os factores ambientes que tornam o espaço da casa do pai atractiva para o M. D.;
- a permanência em Portugal e a consequente ausência da figura materna poderá significar para a criança uma perda de dimensão superior, tendo em conta que até Julho de 2020 o menor esteve mais tempo aos cuidados da mãe, passando apenas os fins de semana com o pai;
A recorrente pretende que o facto passe a ter a seguinte redação:
22 - “Em junho de 2021, no âmbito da perícia psicológica ao menor (cfr. relatório pericial datado de 11.06.2021 cujo teor se dá por integralmente reproduzido), verificou-se que:
- Segundo o pai, a intervenção especializada foi iniciativa da mãe;
- O pai parece ter uma atitude mais relaxada e menos preocupada em relação ao controlo das brincadeiras do filho;
- A figura materna demonstra maior preocupação nos cuidados ao M. D.,
- No seu desenho, o menor tende a representar pessoas isoladas ou outras personagens que não pessoas, o que poderá indicar alguma dificuldade atual em perceber o seu contexto familiar e integrar os cuidadores como figuras orientadoras e de segurança;
- É possível interpretar que a criança sentirá insegurança face à ida da mãe para o estrangeiro e ao afastamento de si. Em comparação com a avaliação realizada em julho de 2020, o menor demonstra estar menos comunicativo e menos extrovertido na manifestação da sua vontade;
- com base nos relatos do pai e nos indicadores observados no menor, é possível identificar que este poderá ter sentido como fator de instabilidade emocional, o afastamento da figura materna com a sua ida para o estrangeiro. Este facto parece ter gerado maior insegurança no menor, que poderá sentir a ida da mãe para fora como rejeitante;
- Atualmente, evidenciou-se uma maior insegurança básica, que poderá indicar maior desajustamento emocional, pela forma como foi sentido o afastamento da figura materna. Este afastamento aparece associado pela criança a sentimentos de tristeza. A criança poderá ter sentido que foi rejeitada por não ter ido com a mãe;
- O menor demonstrou uma atitude menos expansiva, mais retraída no contato com a técnica;
- A criança demonstra apego e afeto por ambos os pais. Demonstrou um humor positivo durante a perícia, embora se identificam alguns indicadores de mau estar perante o afastamento da figura materna, associado a sentimentos de tristeza e eventual rejeição, o que poderá futuramente por em causa o ajustamento global do menor.”
Invocando o princípio da atualidade, a recorrente entende que o que deve ser dado como provado não é o que consta da perícia psicológica efetuada em julho de 2020, como sucedeu no facto 22, mas antes o que consta das perícias de 16 de junho de 2021.
Parece-nos claro e indiscutível que estando a ser apreciada e decidida, em primeira linha, com quem deve ser fixada a residência da criança, o que releva é a sua situação mais recente, sendo que a situação pretérita é importante para estabelecer o termo comparativo e evolutivo da criança.
Assim, e neste enquadramento, faz todo o sentido que conste do facto provado 22 o que se apurou no âmbito da perícia realizada em 24.7.2020.
Mas faz igualmente todo o sentido, e impõe-se, que se considere o que consta dos relatórios de perícia médico-legal mais recentes juntos aos autos, designadamente dos relatórios referentes aos progenitores e à criança, datados de 15 e 16.6.2021 e que foram juntos ao apenso A por e-mails de 17 e 18 de junho de 2021.
O que de mais relevante consta desses relatórios foi dado como provado nos factos 30 a 42, abrangendo quer a criança quer os seus progenitores.
A sentença refere precisamente na fundamentação que teve em conta esses relatórios.
Porém, enquanto no facto 22 reproduz parte da perícia, nos factos 30 a 42 utilizou técnica diferente, não remetendo para as perícias, e fazendo constar unicamente os factos.
Não obstante a utilização de uma diferente metodologia numa e noutra situação, o que é certo é que do confronto dos factos 30 a 42 com os relatórios das perícias médico-legais de 15 e 16.6.2021 se conclui que aqueles factos contêm o que resulta de mais relevante das perícias e englobam já a matéria que a recorrente indica na redação que propõe para o facto 22, na parte em que a mesma se revela essencial para a decisão a proferir nos autos.
Por conseguinte, entende-se que a redação do facto nº 22 se deve manter inalterada.
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A recorrente pretende que se aditem os seguintes factos:
71 – A progenitora do menor logrou identificar todos as problemáticas ao nível de saúde relacionados com o seu filho, desde tenra idade da criança;
72 – As intervenções especializadas que o menor iniciou, ocorreram por iniciativa da mãe;
73 – O progenitor apenas reconheceu a necessidade das intervenções especializadas pelo menor por iniciativa da mãe, quando a criança já tinha praticamente 5 (cinco) anos;
74 – A avó paterna do menor continua a desvalorizar os problemas que a criança apresenta, assumindo agora uma posição de silêncio relativamente aos mesmos;
75 – O menor, durante a semana, costuma pernoitar na casa da avó paterna, com esta a responsabilizar-se por assegurar todos os cuidados inerentes às rotinas diárias ao neto;
76 – O menor, tendo em conta a sua idade, tem capacidade e facilidade de adaptação a um novo país;
77 – A ausência da mãe na vida do menor constituiu um elemento traumático, suscetível de provocar um impacto emocional no menor, associado a sentimentos de tristeza e eventual rejeição, o que poderá futuramente por em causa o ajustamento global do menor;
78 – O menor continua a apresentar problemas ao nível do controlo dos esfíncteres, sendo que pelo conhecimento da literatura, este tipo de sintomatologia, quando excluída causa orgânica ou atraso desenvolvimental grave que impeça o desfralde, muitas vezes indicia uma manifestação de sofrimento por parte da criança, de uma maneira internalizante.
79 – A sintomatologia que o menor apresenta não se encontra relacionada com causa orgânica ou atraso desenvolvimental.
80 – O menor começou a desenvolver complicações ao nível do controlo dos esfíncteres a partir do momento em que passou a residir com o progenitor, visto que antes dessa data, enquanto residia com a sua mãe, a criança já tinha feito o desfralde;
81 – Não se verificando qualquer causa orgânica suscetível de provocar a sintomatologia que o menor apresenta, então a mesma tem como causa fatores emocionais intrinsecamente ligados à separação da mãe;”

Parte desses factos já constam dos factos provados 30 a 42, não se justificando repeti-los por palavras diferentes. A parte que não é repetição não encontra justificação para ser aditada nestes moldes, alguma porque não é essencial para a decisão a proferir, outra porque é conclusiva e revestida de considerações e juízos valorativos e extraída de forma descontextualizada de partes dos relatórios periciais, que se encontram nos autos e que foram integralmente lidos para efeitos de apreciação da impugnação deduzida.
Como tal, indefere-se o aditamento dos factos 71 a 81.
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O facto 23 tem a seguinte redação:

23- No primeiro domingo de Agosto (dia 2) de 2020, horas antes de a progenitora viajar definitivamente para Inglaterra, a avó materna enviou SMS à avó paterna, informando-a que a progenitora iria deixar o menor na sua casa;
A recorrente pretende que esse facto passe a ter a seguinte redação:
23 – A progenitora entregou o menor aos cuidados da sua avó paterna, por sentir medo e insegurança relativamente às capacidades parentais do progenitor, uma vez que desde o momento em que a criança foi sinalizada por suspeitas de ter sido vítima de um crime de maus tratos perpetrado pelo pai, até ao momento em que a progenitora se ausentou definitivamente para Inglaterra, decorreram cerca de 30 dias;
Após prévia comunicação entre os mandatários dos progenitores acerca dos termos em que se ira processar a entrega do menor à sua avó paterna, cuja informação foi transmitida aos seus constituintes, a avó materna enviou SMS à avó paterna, informando-a, em conformidade com aquilo que já tinha conhecimento, de que a progenitora iria passar na sua casa para lhe entregar o menor.
A matéria do facto 23 foi dada como provada na sentença recorrida com base nas declarações coincidentes dos progenitores, corroborado pelo depoimento da avó paterna.
Tal matéria objetiva coincide e corresponde efetivamente às declarações prestadas, o que se confirmou pela audição integral a que se procedeu da prova gravada.
Já a 1ª parte da redação proposta pela recorrente para o facto 23 relativa aos seus medos e receios quanto ao progenitor na sequência do processo que corria termos não é corroborada nem sustentada por outros elementos que não sejam as suas próprias declarações, o que se considera manifestamente insuficiente para concluir pela veracidade dessa factualidade.
Resulta evidente, quer da prova pessoal prestada, quer dos documentos juntos aos autos relativos às comunicações entre os progenitores, que entre os mesmos existe um elevado grau de conflitualidade e animosidade. Como tal, naturalmente que cada um deles relata a realidade da sua perspetiva, de acordo com a opinião que tem acerca do outro e animado dos sentimentos e emoções que cada um vivencia quanto a cada situação e quanto ao modo de agir do outro. Por vezes, perante os mesmos factos, cada um tem uma diferente e diametralmente oposta interpretação da realidade. Por conseguinte, a circunstância de a progenitora relatar determinados receios e preocupações, desacompanhado de outros elementos probatórios que sustentem essa factualidade, não é suficiente para concluir pela probabilidade séria da veracidade desses factos.
Quanto aos contactos entre os mandatários dos progenitores no que diz respeito aos termos concretos em que se iria processar a entrega do M. D. e a sua comunicação aos progenitores, pese embora se admita como possível, em abstrato, que possa ter existido, o certo é que não existem elementos probatórios concretos nos autos que sustentem que tal ocorreu pois tal factualidade nem foi confirmada pelas declarações e depoimentos a cuja audição se procedeu na íntegra nem resulta de qualquer documento junto aos autos de onde resulte a existência desses termos e sua posterior comunicação.
Pelo exposto, entende-se que não existem elementos probatórios que imponham a alteração do facto 23, o qual se mantém inalterado.
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O facto 24 tem a seguinte redação:

24- Nesse dia, a progenitora levou o menor a casa da avó paterna, juntamente com uma mala com duas mudas de roupa, não lhe tendo dirigido qualquer palavra;
A recorrente pretende que passe a ter a seguinte redação:
24 – A progenitora, juntamente com a sua prima e com a avó materna da criança, no dia 2 de agosto de 2020, após se ter dirigido à casa da avó paterna da criança, e depois de todos que ali se encontravam presentes se terem cumprimentado, entregou a criança aos cuidados da avó paterna, tendo para o efeito entregue ainda o leite adaptado da criança, bem como toda a sua roupa que se encontrava acondicionada numa mala.
Na sentença refere-se, quanto à fundamentação do facto impugnado, que o mesmo decorre “das declarações coincidentes dos requeridos que descreveram: (...)
- as circunstâncias em que a progenitora regressou a Inglaterra no dia 02.08.2020 e em que entregou o menor à avó paterna (o que se mostra também por esta confirmado).”
Portanto, desta fundamentação e da sua interpretação, feita à luz da audição da prova a que se procedeu, resulta que os elementos probatórios considerados foram as declarações dos progenitores, por um lado, e o depoimento da avó paterna, por outro lado.
É certo que a progenitora não confirmou nem declarou que entregou o M. D. à avó paterna com duas mudas de roupa, não lhe tendo dirigido qualquer palavra. Tal foi declarado pela avó paterna.
A recorrente pretende que se dê como provado aquilo que ela afirmou nas suas declarações, ou seja, que entregou a criança com toda a sua roupa e com o leite adaptado. E sustenta tal pretensão apenas na circunstância de assim o ter declarado. Porém, como já supra referimos, embora noutros termos, a progenitora é parte na causa, tem um interesso direto e pessoal no desfecho da mesma e tem uma relação de animosidade e conflitualidade com o progenitor, extensivo à avó paterna, com quem na altura já estava de relações cortadas.
As suas declarações, desacompanhadas de outros elementos que as sustentem, não podem permitir concluir pela veracidade do por si afirmado.
O que foi dado como provado tem sustentação no depoimento prestado pela avó paterna, que confirmou a situação, em termos que mereceram credibilidade por parte do tribunal recorrido e que da audição a que se procedeu da prova produzida também nos pareceu credível. Os princípios da imediação e da oralidade devem prevalecer na análise crítica da prova e exigem que apenas se altere o decidido quando, como toda a certeza e segurança, se possa concluir que os elementos probatórios impõem decisão diferente da proferida na 1ª instância. Tal não sucede no caso quanto a este concreto facto pois o depoimento da avó paterna pareceu-nos credível e convincente.
Não existe qualquer fundamento para anular a decisão quanto ao facto 24, ao abrigo do art. 662º, nº 2, al. d), do CPC, como pretendido pela recorrente, sendo certo que este facto 24 está longe de poder ser caraterizado como um facto essencial, do ponto de vista jurídico e na perspetiva das várias soluções plausíveis de direito.
Por conseguinte, mantém-se inalterado o facto 24.
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O facto 25 tem a seguinte redação:

25- Nesse dia, às 17h56m, a progenitora enviou SMS ao progenitor informando-o de que teria deixado o filho de ambos em casa da avó paterna e no dia seguinte foi enviada mensagem à avó paterna a dar-lhe conhecimento das consultas do M. D., não tendo a progenitora, desde essa data, contactado telefonicamente a avó paterna;
A recorrente pretende que o facto 25 passe ter a seguinte redação:
25 - Desde o dia 2 de agosto de 2020 em que o menor foi entregue aos cuidados da avó paterna, a progenitora para além de lhe ter enviado no dia seguinte uma mensagem a dar-lhe conhecimento das consultas do M. D., tentou nos dias imediatamente seguintes estabelecer videochamada com a avó paterna para visualizar o seu filho, tendo aquela só atendido à videochamada realizada no dia 6 de agosto de 2020, ás 19:20 horas por um lapso temporal de 1 minuto e 38 segundos, sendo que depois não voltou a aceitar, nem responder, às videochamadas efetuadas pela progenitora até ao dia 11 de agosto de 2020;
A sentença recorrida referiu quanto à fundamentação do facto em questão que “O facto provado 25º decorre ainda do teor das mensagens juntas com o requerimento de 24.09.2021 (cfr. nomeadamente a datada de 02.08.2020 às 17h56m; a datada de 03.08.2020 às 14h30m e a datada de 03.08.2020 às 13h36m, nesta última o progenitor responde “Boa viagem. Fica descansada que o M. D. fica bem comigo. Como sempre”), tendo a progenitora assumido que, desde Março de 2019, não mantém qualquer contacto com a avó paterna do menor e, após o dia 02.08.2020, não estabeleceu com esta qualquer contacto telefónico.
A recorrente alicerça a sua pretensão de alteração do facto 25 no documento que juntou na audiência de 14.12.202.
O documento em questão não tem a virtualidade e aptidão de por si só e da mera análise e leitura do mesmo dar como provada a matéria que a recorrente pretende. É um documento que carece de explicação e interpretação pois poderá ser claro e evidente para quem utiliza redes sociais e certos meios de comunicação, mas já não o é para quem não se encontra nessas circunstâncias.
O aludido documento não foi alvo dessa explicação e interpretação em sede de audiência de julgamento por qualquer das pessoas que aí prestaram declarações e depoimentos. Houve efetivamente considerações feitas sobre esse documento, mas as mesmas consistiram em conversas entre os mandatários em que, da audição que se efetuou, nos pareceu que também intervieram as senhoras magistradas que estiveram presentes na audiência, embora sem certezas pois não conseguimos diferenciar as vozes com segurança. Mas essas conversas ou trocas de impressões que ocorreram entre esses intervenientes relativamente ao documento não constituem meio de prova suscetível de valoração.
O documento carecia de ser explicado por forma a perceber-se qual o meio de comunicação utilizado, quem efetuou chamadas, para quem, quem enviou as mensagens, quem respondeu, etc. Tal explicação não teve lugar e este tribunal pela mera análise e leitura do teor do documento não consegue concluir pela veracidade da factualidade que a recorrente pretende que passe a constar do facto 25.
Por conseguinte, mantém-se inalterada a redação do facto 25.
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O facto 26 tem a seguinte redação:

26- Em Agosto de 2020, a progenitora começou a trabalhar num Hospital em Inglaterra, tendo o M. D. ficado a residir, em Portugal, com o pai numa habitação recuperada, com adequadas condições de habitabilidade e muito espaço exterior;
A recorrente pretende que o facto em questão passe a ter a seguinte redação:
26 - Em Agosto de 2020, a progenitora começou a trabalhar num Hospital em Inglaterra, tendo o M. D. ficado a residir, em Portugal, com o pai numa habitação que o progenitor chegou a ponderar restaurar na sua totalidade;
No que se refere à habitação do progenitor, a sentença baseou-se no teor do relatório social datado de 24.07.2020 que descreve a habitação do progenitor para dar tal matéria como provada.
Consta do relatório em questão, sobre esta matéria que “durante a visita que realizámos à casa foi possível verificar que se trata de uma construção rústica, recuperada, com boas condições de habitabilidade, integrada num terreno, parte dele ocupado com um pequeno cultivo de vinha, a outra parte ajardinada e cimentada, proporcionando uma agradável vivência ao ar livre, quer de adultos, quer de crianças”.
O facto 26, tal como foi dado como provado, tem completa sustentação neste relatório o qual foi elaborado por uma técnica da Segurança Social, na sequência de uma visita que efetuou ao local, tratando-se de pessoa absolutamente independente e equidistante das partes envolvidas, a qual verificou pessoalmente e de forma direta as condições de habitabilidade da habitação do progenitor.
Por outro lado, é absolutamente irrelevante que o progenitor tenha ou não ponderado restaurar na sua totalidade a casa, matéria que a recorrente pretende aditar.
O que releva são as condições efetivas e atuais da habitação do progenitor e essas condições são aquelas que foram dadas como provadas no facto 26, em conformidade com o que consta do relatório, cuja veracidade não foi sequer beliscada pelo conjunto da prova pessoal produzida. De relembrar que a prova deve ser analisada no seu conjunto e não isolando meras afirmações descontextualizadas das testemunhas. E do conjunto dos depoimentos prestados pelas testemunhas, a cuja audição se procedeu, não resultou confirmado que a casa não tem condições de habitabilidade e que o que consta do relatório social não corresponda à verdade.
Acresce que não está sequer em causa que a casa necessitou de obras, tal foi assumido pelo progenitor e consta do relatório pois aí se refere que se trata de uma casa recuperada e que foi herdada pelo progenitor dos seus avós. Foi até referido na audiência que a casa tem cerca de 100 anos. Porém, isso em nada contende com o facto de atualmente a casa ter adequadas condições de habitabilidade e muito espaço exterior.
Em suma, porque o que consta do facto 26 resulta provado face ao relatório social de 24.7.2020, cuja veracidade não foi abalada pelo depoimento de qualquer testemunha, e ainda porque a matéria que a recorrente pretende aditar de que o progenitor chegou a ponderar restaurar na sua totalidade a casa não tem qualquer espécie de relevância para a decisão a proferir e não é sequer matéria atual mantém-se inalterado o facto 26.
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O facto 29 tem a seguinte redação:

29- O M. D. frequenta o ensino pré-escolar no Colégio ..., mantém uma frequência assídua do colégio e comparece, diariamente, nesse contexto com adequados cuidados de higiene pessoal e com uma apresentação social cuidada;
A recorrente pretende que tal facto passe a ter a seguinte redação:
29 - O M. D. frequenta o ensino pré-escolar no Colégio ..., mantém uma frequência assídua do colégio e comparece, diariamente, nesse contexto com adequados cuidados de higiene pessoal e com uma apresentação social cuidado, sem prejuízo de já ter comparecido no colégio, desde que passou a residir com o progenitor, com sujidade nas unhas, e com uma nódoa negra no lado esquerdo da perna, o que levou à educadora da criança a questionar os respetivos progenitores sobre o motivo para o efeito, sendo certo que o menor também já terá ficado sem roupa no colégio por conta dos problemas relacionados com a falta de controlo de esfíncteres;
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A sentença, para dar como provado o facto em questão, designadamente a forma cuidada como o M. D. se apresenta no Estabelecimento de Ensino que frequenta, baseou-se no relatório social de acompanhamento da execução da medida, datado de 19.10.2021 e junto ao Apenso A.
A matéria que a recorrente quer aditar relativa à questão da sujidade das unhas, à nódoa negra e ao ter ficado sem roupa no colégio, são episódios pontuais e anteriores. O que releva para a decisão a proferir não são episódios isolados e descontextualizados, mas sim a forma como globalmente e atualmente o M. D. se apresenta no Colégio.
É evidente que, no que concerne à questão da sujidade das unhas e sobretudo das nódoas negras, a mesma, embora tenha ocorrido no passado, tem relevância posto que é suscetível de indiciar situações graves. Mas, por isso mesmo, é que o M. D. foi sinalizado, correu termos o processo de promoção e proteção que constitui o apenso A, no qual foi aplicada em seu benefício a medida cautelar de promoção e proteção junto do pai, tendo a sua execução sido devidamente acompanhada e tendo o processo vindo a ser arquivado por decisão proferida em 17.3.2022, por se ter concluído pela inexistência de qualquer situação de perigo a que a criança estivesse exposta.
Também deu lugar ao processo de inquérito nº 3056/20.6T9BRG, referido nos factos 19, 20 e 20-A, o qual acabou por ser arquivado.
Como tal, entende-se que nada mais há de relevante a acrescentar ao facto 29 sobre a matéria da sujidade das unhas e da nódoa negra para além do que já consta dos factos dados como provados em 18 a 20-A, não se justificando a referência ao episódio de falta de roupa o qual ocorreu de forma isolada, pontual e no passado.
Assim, mantém-se inalterada a redação do facto 29.
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O facto 38 tem a seguinte redação:

38- Tem tendência a exercer uma monitorização/supervisão negativa acerca do comportamento do filho, que condiciona claramente a comunicação e colaboração entre os progenitores, e a insegurança demonstrada nas situações em que o menor está a cargo do pai condicionará a flexibilidade necessária ao bom entendimento entre ambos os pais, uma vez que a mãe estará num estado de alerta permanente face aos cuidados que o pai terá com o menor, o que poderá funcionar como inibidor da promoção dos contactos e da proximidade física e afectiva com o outro progenitor, que importa acautelar;

A recorrente pretende que tal facto passe a ter a seguinte redação:
38 - Tem tendência a exercer uma monitorização/supervisão negativa acerca do comportamento do filho, que condiciona claramente a comunicação e colaboração entre os progenitores, e a insegurança demonstrada nas situações em que o menor está a cargo do pai condicionará a flexibilidade necessária ao bom entendimento entre ambos os pais, uma vez que a mãe estará num estado de alerta permanente face aos cuidados que o pai terá com o menor, o que poderá funcionar como inibidor da promoção dos contactos e da proximidade física e afectiva com o outro progenitor, que importa acautelar. À semelhança da progenitora, foi evidente no progenitor uma tendência a exercer uma monitorização negativa ou supervisão stressante, face ao envolvimento da progenitora com o menor que dificulta o exercício de uma coparentalidade positiva e promotora do ajustamento global do menor.
Para o efeito invoca o relatório de perícia psicológica forense, datado de 16.6.2021, junto no apenso A.
Lendo os relatórios em questão, que se referem aos progenitores e ao M. D., efetivamente resulta a matéria que a recorrente pretende aditar, a qual, se se justifica constar nos factos provados quanto a um progenitor, também se tem de justificar quanto ao outro, posto que nos relatórios são feitas menções idênticas quanto aos dois progenitores.
Porém, o aditamento deve ser feito em conformidade com os exatos termos que constam do relatório. Assim, altera-se a redação do facto provado 38 a qual passará a ser a seguinte:
38 - Tem tendência a exercer uma monitorização/supervisão negativa acerca do comportamento do filho, que condiciona claramente a comunicação e colaboração entre os progenitores, e a insegurança demonstrada nas situações em que o menor está a cargo do pai condicionará a flexibilidade necessária ao bom entendimento entre ambos os pais, uma vez que a mãe estará num estado de alerta permanente face aos cuidados que o pai terá com o menor, o que poderá funcionar como inibidor da promoção dos contactos e da proximidade física e afectiva com o outro progenitor, que importa acautelar. À semelhança do que se verifica quanto à progenitora, é evidente no progenitor uma tendência a exercer uma monitorização negativa ou supervisão stressante, face ao envolvimento da progenitora com o menor. A conflitualidade presente entre os pais dificulta o exercício de uma coparentalidade positiva e promotora do ajustamento global do menor.
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O facto 39 tem a seguinte redação:

39- O progenitor possui as competências parentais e recursos psicológicos adequados, sendo capaz de ser assertivo e competente na interacção com o filho, na imposição de regras e limites e de assegurar e garantir condições de segurança para a sua formação e desenvolvimento;
A recorrente pretende que a redação de tal facto passe a ser a seguinte:
39 -Foi necessário a criança perfazer quase 5 (cinco) anos de vida para que o progenitor possuísse competências parentais e recursos psicológicos adequados, sendo que à data dos presentes factos tende ainda desvalorizar o poder dever de vigiar o seu filho.
O facto 39 é transcrição integral da primeira conclusão que consta do relatório de 16.6.2021, relatório esse que serviu de base para a alteração do facto 38 e que a recorrente invocou para fundamentar tal pretensão, a qual foi procedente.
Não se descortina qualquer razão para considerar que nesta parte o relatório padece de qualquer irregularidade ou deficiência, pelo que deve permanecer no facto 39 a conclusão que consta do relatório em apreço.
De referir ainda que a factualidade que a recorrente indica na redação proposta para o facto 39 já consta, embora por diferentes palavras e de forma muito mais detalhada, da matéria dada como provada nos factos 40, 41, 42 e 53.
Por conseguinte, mantém-se inalterada a redação do facto 39.
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O facto 41 tem a seguinte redação:

41- Actualmente compreende melhor a necessidade de estimulação e de intervenção junto do menor, tendo em conta o atraso de linguagem e a regressão no controlo de esfíncteres do filho, e garante a frequência das terapias iniciadas a pedido da mãe;
A recorrente pretende que passe a ter a seguinte redação:
41 - Segundo o relatório datado de 11 de junho de 2021, o progenitor apesar de atualmente compreender melhor a necessidade de estimulação e de intervenção junto do menor, continua sem compreender a importância de garantir que o seu filho estabeleça comunicação por videochamada com a sua mãe;
O progenitor, e a avó paterna, não manifestam disponibilidade para promover as relações habituais mediante videochamada entre filho e mãe, justificando essa falta de disponibilidade com falhas de internet, ou com problemas relacionados com os aparelhos utilizados, sem prejuízo de que quando a criança se encontra em Inglaterra, essas dificuldades não se verificam.
O facto 41 é transcrição integral de parte da segunda conclusão que consta do relatório de 16.6.2021, relatório esse a que já supra se aludiu.
Não se descortina qualquer razão para considerar que nesta parte o relatório padece de qualquer irregularidade ou deficiência, pelo que deve permanecer no facto 39 a conclusão que consta do relatório em apreço.
A matéria que a recorrente pretende aditar, e que se prende com as questões das videochamadas, não tem nenhuma ligação com a matéria factual que consta do facto 41, não se justificando incluí-la nesse facto.
Como tal e porque o facto 41 corresponde na íntegra a uma das conclusões do relatório de 16.6.2021, mantém-se inalterada a sua redação.
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O facto 42 tem a seguinte redação:

42- As práticas educativas usadas na interação com o menor, revelam-se, globalmente positivas e adequadas à sua faixa etária, exercendo uma supervisão mais relaxada tendo em conta o facto de contar com a ajuda e colaboração da avó materna;
A recorrente pretende que passe a ter a seguinte redação:
42 -As práticas educativas usadas na interação com o menor, revelam-se, globalmente positivas e adequadas à sua faixa etária, exercendo uma supervisão mais relaxada tendo em conta o facto de contar com a ajuda e colaboração da avó paterna.
Portanto, e em suma, a recorrente pretende que onde consta avó materna passe a constar avó paterna.
Invoca a existência de lapso de escrita idêntico ao que ocorreu no facto 12.
Embora no relatório de 16.6.2021, na parte referente às conclusões, conste avó materna e o facto 42 seja transcrição de parte dessas conclusões, é manifesto que tal se deve a um evidente lapso de escrita pois o progenitor é apoiado pela sua própria mãe, a qual, naturalmente, é a avó paterna. A existência de tal lapso resulta do próprio relatório pois na pág. 4 do mesmo refere-se que o progenitor conta com a ajuda da avó paterna.
Assim sendo, porque estamos perante mero lapso de escrita, há que retificá-lo, alterando-se a redação do facto 42 que passará a ser a seguinte:

42- As práticas educativas usadas na interação com o menor, revelam-se, globalmente positivas e adequadas à sua faixa etária, exercendo uma supervisão mais relaxada tendo em conta o facto de contar com a ajuda e colaboração da avó paterna;
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O facto 44 tem a seguinte redação:

44- Apesar de o pai continuar a delegar na sua mãe a execução de grande parte das tarefas inerentes às rotinas quotidianas do filho durante a semana de trabalho, nos últimos meses tem havido uma evolução bastante positiva na forma como se envolve no acompanhamento ao filho e nos assuntos que lhe dizem respeito (acompanhamento da situação do filho no colégio, envolvimento nas diferentes terapias que o M. D. usufruiu) e na forma como este tem vindo a dar mais relevância, comparativamente à fase inicial do acompanhamento em sede protectiva, às necessidades especiais do M. D.;
A recorrente pretende que se acrescente ao facto em questão que:
independentemente de se ter verificado no pai do M. D. uma evolução positiva, aquele continua sem compreender a importância de garantir que o seu filho estabeleça comunicação por videochamada com a sua mãe, bem como continua a desvalorizar o seu dever de vigiar o menor, ignorando que o incumprimento do seu dever, atendendo à gravidade das lesões que o menor sofreu no período que permaneceu temporariamente aos seus cuidados, poderá previsivelmente colocar a integridade física e saúde do menor numa situação de potencial risco.
O facto 44 foi dado como provado com base no relatório social de acompanhamento da execução da medida, datado de 19.10.2021 e junto ao Apenso A. Constitui aliás transcrição integral de parte desse relatório, mais concretamente de parte da pág. 3.
A matéria que a recorrente pretende aditar e que se prende com as questões das videochamadas, com o dever de vigiar o menor e com as lesões físicas não tem nenhuma ligação com a matéria factual que consta do facto 44, e não resulta do relatório de 19.10.2021, não se justificando incluí-la nesse facto.
Como tal e porque o facto 44 corresponde na íntegra a parte do relatório de 19.10.2021, junto ao Apenso A, mantém-se inalterada a sua redação.
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O facto 45 tem a seguinte redação:

45- No que concerne às dificuldades que o M. D. tem vindo a evidenciar ao nível do controlo dos esfíncteres tem-se registado, pelo menos, desde Setembro de 2021 uma evolução favorável pois desde o dia 01.09.2021 que não houve, no estabelecimento de ensino frequentado pelo menor, qualquer episódio de micção ou dejeção nas calças por parte da criança;
A recorrente pretende que o facto 45 passe a ter a seguinte redação:
45 - O M. D. continua a evidenciar dificuldades ao nível do controlo dos esfíncteres.
Alicerça esta sua pretensão nos e-mails que juntou com as alegações de recurso.
Os e-mails em questão são posteriores à prolação da sentença, a qual foi proferida em 12.1.2022, sendo que os e-mails têm data de 24 e 25 de janeiro de 2022.
No e-mail de 24 de janeiro refere-se que o M. D., na semana passada, sujou a roupa com fezes em 3 dias e que é necessário trabalhar novamente as idas à casa de banho.
Portanto, e por reporte a 24 de janeiro, está a referir-se à semana de 17 a 21 de janeiro.
No e-mail de 25 de janeiro é referido que o M. D. nesse dia voltou a ter um acidente, desta vez com urina.
Estes dois documentos, não só não podiam ter sido considerados na sentença, porque são posteriores à mesma, como não têm a virtualidade de alterar a redação do facto 45 em termos de se eliminar na totalidade o que dele consta, como pretende a recorrente, e passar a constar singelamente que o M. D. continua a evidenciar dificuldades ao nível do controlo dos esfíncteres.
Com efeito o que consta do facto 45 alicerça-se no teor do relatório de 19.10.2021, junto ao Apenso A, mais concretamente nas suas págs. 3 e 4, onde é confirmado tudo o que consta do aludido facto, com a explicação de que efetivamente desde 1.9.2021 não houve, no estabelecimento de ensino frequentado pelo menor, qualquer episódio de micção ou dejeção nas calças por parte da criança, circunstância essa que foi relatada à equipa técnica que elaborou o relatório quer pelo progenitor, quer pela educadora B. F. a qual, em reunião que teve com a equipa, confirmou que o M. D. desde -.9.2021 não teve nenhum dos aludidos episódios e que já pede para ir à casa de banho sozinho.
Como tal, à data em que a decisão foi proferida a situação era exatamente a que foi dada como provada no facto 45.
A circunstância de posteriormente terem ocorrido os 4 episódios relatados nos e-mails quando muito permitiria dar como provadas essas concretas ocorrências, mas não que o M. D. continua a evidenciar dificuldades ao nível do controlo dos esfíncteres, pois tal conclusão pressupunha a existência de mais ocorrências e durante período temporal mais alargado.
Por conseguinte, esses documentos nunca permitiriam, como pretende a recorrente, a eliminação total do que consta do facto 45, matéria que encontra suporte no relatório, e a sua substituição pela redação proposta, esta alicerçada nos e-mails os quais não permitem alcançar a conclusão almejada.
Nestes termos, mantém-se inalterada a redação do facto 45.
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O facto 50 tem a seguinte redação:

50- A colaboração e a atitude do M. D. mudou e as evoluções têm sido visíveis, a atitude da avó está mais calma e o pai manifesta cada vez mais interesse;
A recorrente pretende que tal facto passe a ter a seguinte redação:
50 - A colaboração e a atitude do M. D. mudou, a avó evita falar, e o pai manifesta mais interesse.
O que foi dado como provado no facto 50 é referido na pág. 5 do relatório de 19.10.2021, junto ao Apenso A, e trata-se da reprodução de uma informação enviada pela Dr.ª R. C. do seguinte teor: “A colaboração e a atitude do M. D. mudou e as evoluções têm sido visíveis. A atitude da avó está mais calma, mas é notório que evita falar, já não nos coloca em causa, o pai manifesta cada vez mais interesse”.
Considera-se que foi dado como provado no facto 50 aquilo que de relevante se extrai dessa informação que consta do relatório, não se vendo que a redação proposta pela recorrente para tal facto seja mais fidedigna ou que da mesma possa resultar qualquer alteração da decisão.
Assim, mantém-se inalterada a redação do facto 50, a qual tem total suporte no teor do relatório em apreço.
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O facto 53 tem a seguinte redação:

53- O pai evoluiu na postura de desvalorização das problemáticas identificadas ao menor pois passou a valorizar mais e a envolver-se mais nos acompanhamentos especializados ao filho pelo que tem havido uma evolução favorável na capacidade evidenciada pelo pai em compreender as necessidades especiais do filho e um envolvimento crescente por parte do pai nas intervenções dirigidas às caraterísticas desenvolvimentais específicas do M. D.;
A recorrente pretende que passe a ter a seguinte redação:
53 - O pai evoluiu na postura de desvalorização das problemáticas identificadas ao menor pois passou a valorizar mais e a envolver-se mais nos acompanhamentos especializados ao filho pelo que tem havido uma evolução favorável na capacidade evidenciada pelo pai em compreender as necessidades especiais do filho e um envolvimento crescente por parte do pai nas intervenções dirigidas às caraterísticas desenvolvimentais específicas do M. D.. Não obstante, o progenitor continua a desvalorizar o seu dever de vigiar o menor, ignorando que o incumprimento do seu dever, atendendo à gravidade das lesões que o menor sofreu no período que permaneceu temporariamente aos seus cuidados, poderá previsivelmente colocar a integridade física e saúde do menor numa situação de potencial risco;
Do cotejo das duas redações verifica-se que a recorrente prende que se adite a parte que assinalámos a negrito no facto.
A redação do facto 53 tem suporte na pág. 5 do relatório de 19.10.2021, junto ao Apenso A, sendo transcrição do que aí consta.
A redação que a recorrente pretende aditar não tem sustentação no relatório, pois o mesmo nada refere sobre tal temática, além de que já analisámos a questão a propósito dos factos 17 e 44, pois a recorrente queria acrescentar a esses factos matéria idêntica à que agora quer acrescentar ao facto 53, e concluímos que tal não se justifica.
Consequentemente, mantém-se inalterada a redação do facto 53.
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O facto 59 tem a seguinte redação:

59- A M. L. tem vindo a manter contactos menos regulares com as entidades que acompanham o M. D. (por exemplo, com o Centro Terapêutico ..., com a educadora do filho);
A recorrente pretende que a redação desse facto passe a ser a seguinte:
59 - A M. L. continua a manter contactos regulares com as entidades que acompanham o M. D., sendo que à data dos presentes factos os progenitores também comunicam acerca do desenvolvimento destes acompanhamentos.

Fundamenta esta pretensão nas declarações que ela própria prestou nesse sentido na audiência.
Sucede que o facto 59 foi dado como provado exatamente com a redação que consta do relatório de 19.10.2021, junto no apenso A, na pág. 6, refletindo a opinião e conclusão da equipa técnica que o elaborou e que, nas fontes e metodologia de elaboração, refere que houve reunião com a educadora B. F., no Colégio ..., no dia 21.9.2021 e que houve articulação, mediante contactos telefónicos e correio eletrónico com a Dr.ª R. C., terapeuta ocupacional do M. D. no Centro Terapêutico ....
Como tal, o teor deste relatório, efetuado com esta metodologia, por técnicos equidistantes e isentos, não pode ser afastado pelas meras declarações divergentes da progenitora.
Deste modo, mantém-se inalterada a redação do facto 59, a qual tem total suporte no mencionado relatório.
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O facto 63 tem a seguinte redação:

63- A casa onde a M. L. actualmente reside é limpa, espaçosa e totalmente adequada a uma criança morar, o M. D. tem o seu próprio quarto, adequado a uma criança da sua idade;
A recorrente pretende que o aludido facto passe a ter a seguinte redação:
63 - A casa onde a M. L. actualmente reside é limpa, espaçosa e totalmente adequada a uma criança morar, o M. D. tem o seu próprio quarto, adequado a uma criança da sua idade, sendo que a casa que a M. L. adquiriu com o seu companheiro, é uma casa de quatro quartos, independente e numa locação tranquila na cidade de Norwich que apresenta um ambiente muito agradável para uma criança pequena;
A matéria que se pretende aditar é a que assinalámos a negrito.
O que de importante e essencial consta desse pretendido aditamento já está provado no facto 65 no qual consta que a M. L. e o J. R. compraram uma casa situada perto da casa da avó materna do menor, com quatro quartos, com jardim e com uma localização tranquila, próxima do estabelecimento de ensino que a M. L. escolheu para o M. D., tendo também identificado um serviço local de terapia ocupacional a ser frequentada pelo M. D.;
Assim, por repetitivo, não se justifica o pretendido aditamento, mantendo-se inalterada a redação do facto 63.
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O facto 67 tem a seguinte redação:

67- A mãe continua a manter contacto regular (de 2 em 2 dias ou dia sim, dia não), por videochamada, com o M. D.;
A recorrente pretende que o aludido facto passe a ter a seguinte redação:
67 - A mãe, apesar de todas as dificuldades provocadas por conta do comportamento do pai e da avó paterna da criança, tenta manter contacto regular (de 2 em 2 dias ou dia sim, dia não), por videochamada, com o M. D.;
Sobre esta matéria, consta da sentença a seguinte fundamentação:
No que respeita ao facto provado 67º, não obstante estarem documentadas nos autos as dificuldades de contactos entre a progenitora e o menor (cfr. documentos juntos com o requerimento de 19.11.2021), aquela, aquando dos esclarecimentos prestados em 23.11.2021, que contacta com o menor de 2 em 2 dias ou dia sim, dia não, o que também consta do relatório social de acompanhamento da execução da medida datado de 19.10.2021. Por conseguinte, não resultou provado que a dificuldade de comunicação entre a progenitora e o menor decorra de comportamentos intencionais por parte do progenitor e da avó paterna (cfr. facto não provado 5º).”
Da audição de toda a prova a que se procedeu e da análise dos documentos relativos às comunicações, acompanhamos a conclusão da sentença recorrida de que não há prova suficiente e segura que permita concluir que as comunicações entre a progenitora e o M. D. são propositadamente dificultadas pelo progenitor ou pela avó paterna.
Quer o progenitor quer a avó paterna explicaram que o tablet do M. D. “não era muito bom” e não permitia por vezes as ligações, a internet também falhava e eram dificuldades deste tipo, ou seja, relativas ao equipamento utilizado ou à força da internet, que tornavam as comunicações difíceis.
E admitimos, sem esforço, esta possibilidade e que não há elementos probatórios com força suficiente para dar como provado o facto não provado 5.
Porém, entendemos que a redação do facto 67, tal como está, não espelha rigorosamente a realidade pois quem o leia fica com a ideia de que as comunicações se desenvolvem de forma regular e sem incidentes, o que não é verdade, como admitido e confessado pela avó paterna e pelo progenitor, referido pela progenitora e documentado nos autos.
Assim sendo, entende-se que a redação do facto 67 deve ser alterada passando a ser a seguinte:
67- A mãe tenta manter contacto regular (de 2 em 2 dias ou dia sim, dia não), por videochamada, com o M. D., mas nem sempre consegue que as mesmas se realizem com êxito, havendo dificuldades nessa realização decorrentes de motivos não concretamente apurados.
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O facto 69 tem a seguinte redação:

69- Os períodos de permanência do menor com a progenitora (tanto em Inglaterra como em Portugal) têm decorrido de forma positiva, mantendo o menor contactos telefónicos com o progenitor;
A recorrente pretende que tal facto passe a ter a seguinte redação:
69 - Os períodos de permanência do menor com a progenitora (tanto em Inglaterra como em Portugal) têm decorrido de forma positiva, mantendo o menor contactos telefónicos com o progenitor, sendo que nestes contactos não se verificam as mesmas dificuldades que ocorrem naqueles períodos em que a criança se encontra entregue aos cuidados do progenitor;
Efetivamente, da prova ouvida, a recorrente referiu que nunca tem dificuldades quando o M. D. está consigo e é ela a fazer a ligação. Quer o progenitor quer a avó paterna também nunca referiram a existência de dificuldades nessas circunstâncias. Como tal, atentos os depoimentos coincidentes sobre esta matéria, entende-se que o facto 69 deve passar a ter a seguinte redação:
69 - Os períodos de permanência do menor com a progenitora (tanto em Inglaterra como em Portugal) têm decorrido de forma positiva, mantendo o menor contactos telefónicos com o progenitor, sendo que nestes contactos não se verificam as mesmas dificuldades que se descreveram em 67.
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A recorrente considera incorretamente julgados os factos não provados 1, 3, 4, 5, 6 e 7.
*
A recorrente refere que os factos não provados 1 e 7 estão em contradição com o facto provado 8 e defende a sua eliminação.
Já supra analisámos esta questão a propósito da impugnação do facto 8 e concluímos que não ocorre a invocada contradição.
Por essas razões, que aqui consideramos reproduzidas, improcede a pretensão de eliminação dos factos não provados 1 e 7.
*
O facto não provado 3 tem a seguinte redação:

3. Tem um comportamento intempestivo, marcado por episódios sucessivo de violência susceptíveis de colocarem o seu filho em situação de perigo;
A recorrente pretende que se dê como provado tal facto com a seguinte redação:
O progenitor adotou comportamentos suscetíveis de colocarem o seu filho numa situação de perigo
Esta matéria nunca poderia ser dada como provada nestes moldes, porque é conclusiva e não especifica a que concretos comportamentos se refere.
No que respeita à questão das lesões que o menor apresentava, como já supra referido e analisado, não há elementos que permitam concluir que decorreram de comportamentos do pai, como resulta do processo de promoção e do resultado do inquérito crime (cf. factos provados 18 a 20-A).
Quanto ao episódio decorrido no Hotel na …, quer a avó materna quer o companheiro desta relataram que o menor estava muito irrequieto e que o progenitor, enquanto estavam a aguardar que o restaurante abrisse, lhe deu um estalo.
Não sendo um comportamento de louvar ou enaltecer, o certo é que não pode ser qualificado como comportamento do progenitor suscetível de colocar o seu filho numa situação de perigo.
O episódio que ocorreu em casa dos progenitores quando ambos se encontravam ainda juntos não foi presenciado por ninguém, para além dos próprios intervenientes, e o que se sabe sobre o mesmo resulta de relatos que foram feitos às testemunhas pela progenitora. Segundo os mesmos, terá ocorrido uma discussão entre os progenitores e o J. S. deu um murro num candeeiro, que se partiu, tendo ficado ferido. Daí que tenha ido ao hospital receber tratamento e que quando as pessoas que foram chamadas ao local aí chegaram apenas lá se encontrava a progenitora e verificaram que havia vidros e sangue.
Mais uma vez, não sendo seguramente uma situação que deva ocorrer, também não nos parece que seja de molde a poder ser qualificada como comportamento do progenitor suscetível de colocar o seu filho numa situação de perigo.
Como tal, consideramos que não existe prova suficiente nos autos que permita dar como provado que o progenitor adotou comportamentos suscetíveis de colocarem o seu filho numa situação de perigo, pelo que improcede a pretensão da recorrente quanto a esta matéria, mantendo-se o facto 3 não provado nos seus exatos termos.
*
O facto não provado 4 tem a seguinte redação:

4. No período de 11 a 30 de Junho de 2020, o progenitor agrediu fisicamente o M. D.;
A recorrente pretende que tal facto seja eliminado do acervo factual e substituído pelo facto provado com a seguinte redação:
Durante o período que mediou entre 10 de junho de 2020 e 30 de junho de 2020, o progenitor do M. D. omitiu os cuidados, que podia e devia ter adotado, mais elementares subjacentes à segurança, higiene e saúde da criança, tendo resultado, em consequência dessa sua conduta, lesões significativas no corpo da criança, cuja gravidade o progenitor tende ainda hoje a relativizar.
O facto não provado 4 foi fundamentado na sentença recorrida nos seguintes termos:
“Por outro lado, a alegada agressão física do progenitor ao menor não se mostra pericialmente sustentada, tendo dado origem ao despacho de arquivamento proferido em sede de inquérito, e os sucessivos relatórios de acompanhamento da medida juntos ao Apenso A dão nota de que a educadora nunca suspeitou de tais comportamentos por parte do progenitor nem de outro familiar.”
Concorda-se integralmente com esta fundamentação.
A redação proposta para o facto pela recorrente também não tem sustentação em nenhum dos relatórios periciais, os quais não confirmam tais factos sendo de referir que depois de toda a prova produzida no processo de inquérito, designadamente prova testemunhal, houve decisão de arquivamento por não se ter concluído que o progenitor praticou os factos em questão. E nem sequer se pode concluir que os factos foram praticados por omissão de deveres de cuidado e vigilância pois tal não resulta com a necessária segurança dos elementos periciais ou da totalidade da prova pessoal prestada nestes autos e a cuja audição se procedeu. Assim, permanece inalterada a redação do facto 4 o qual se mantém como não provado.
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O facto 5 tem seguinte redação:

5. O progenitor e a avó paterna dificultam os contactos telefónicos entre a progenitora e o M. D.;
A recorrente pretende que seja dado como provado que:
O progenitor, e a avó paterna, não manifestam disponibilidade para promover as relações habituais mediante videochamada entre filho e mãe, justificando essa falta de disponibilidade com falhas de internet, ou com problemas relacionados com os aparelhos utilizados, sem prejuízo de que quando a criança se encontra em Inglaterra, essas mesmas dificuldades não se verificam;”
Já supra analisámos a questão das dificuldades das videochamadas a propósito dos factos provados 67 e 69 e explicámos porque entendemos que o facto 5 deve ser dado como não provado.
Quanto à redação proposta pela recorrente entendemos que a mesma não deve ser dada como provada, nesses moldes, sendo que o que de relevante daí se pode extrair já consta dos factos 67 e 69 supra alterados.
Nestes termos, permanece inalterada a redação do facto 5 o qual se mantém como não provado.
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O facto não provado 6 tem a seguinte redação:

6. A progenitora tem dado prioridade aos interesses do M. D.
A recorrente pretende que esta matéria seja eliminada dos factos não provados.
Consideramos que o facto não provado 6 não contém nenhum facto, contém antes uma conclusão a qual terá de ser extraída de concretos factos, em sede de fundamentação de direito.
Como tal, por se tratar de matéria absolutamente conclusiva, e não de um facto, determina-se a eliminação do facto não provado 6 do acervo factual.
*
Em suma, procede parcialmente a impugnação da matéria de facto deduzida pela recorrente e em consequência, a matéria de facto a considerar na decisão a proferir é a que se transcreveu supra, com as alterações dos seguintes factos:

3 - Por motivos não apurados, depois de ter ficado aos cuidados do progenitor, a Segurança Social colocou a M. L. num Lar, onde permaneceu até aos 18 anos de idade, após o que foi viver para um apartamento;
12- A M. L. é médica e, desde a separação e até Junho de 2020, esteve a fazer estágio da especialidade em Medicina Geral e Familiar, em …, para onde se deslocava diariamente, pelo que contava com o apoio do progenitor e da avó paterna que, de Janeiro a Março de 2019, foi diariamente buscar o M. D. ao Colégio ...;
14 - Por pretender regressar a Inglaterra, por razões profissionais, pessoais e familiares, a M. L. começou a diligenciar pela sua candidatura a um emprego como médica em Inglaterra, a qual foi apresentada em Novembro de 2019;
20-A - No processo de inquérito referido em 20 foi novamente proferido, em 31.1.2022, despacho de arquivamento, o qual foi junto com a certidão datada de 1.2.2022 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
38 - Tem tendência a exercer uma monitorização/supervisão negativa acerca do comportamento do filho, que condiciona claramente a comunicação e colaboração entre os progenitores, e a insegurança demonstrada nas situações em que o menor está a cargo do pai condicionará a flexibilidade necessária ao bom entendimento entre ambos os pais, uma vez que a mãe estará num estado de alerta permanente face aos cuidados que o pai terá com o menor, o que poderá funcionar como inibidor da promoção dos contactos e da proximidade física e afectiva com o outro progenitor, que importa acautelar. À semelhança do que se verifica quanto à progenitora, é evidente no progenitor uma tendência a exercer uma monitorização negativa ou supervisão stressante, face ao envolvimento da progenitora com o menor. A conflitualidade presente entre os pais dificulta o exercício de uma coparentalidade positiva e promotora do ajustamento global do menor.
42- As práticas educativas usadas na interação com o menor, revelam-se, globalmente positivas e adequadas à sua faixa etária, exercendo uma supervisão mais relaxada tendo em conta o facto de contar com a ajuda e colaboração da avó paterna;
67- A mãe tenta manter contacto regular (de 2 em 2 dias ou dia sim, dia não), por videochamada, com o M. D., mas nem sempre consegue que as mesmas se realizem com êxito, havendo dificuldades nessa realização decorrentes de motivos não concretamente apurados.
69 - Os períodos de permanência do menor com a progenitora (tanto em Inglaterra como em Portugal) têm decorrido de forma positiva, mantendo o menor contactos telefónicos com o progenitor, sendo que nestes contactos não se verificam as mesmas dificuldades que se descreveram em 67.

II – Fixação da residência do menor com a progenitora

Estabelece o art. 36º, nº1 e 5, da CRP, que todos têm o direito de constituir família em condições de plena igualdade e os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.
Deste normativo constitucional decorre o princípio da igualdade dos progenitores.
Em consonância com o princípio constitucional referido, estabelece o art. 1878.º, do CC, quanto ao conteúdo das responsabilidades parentais, que compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.
As responsabilidades parentais configuram-se, assim, como um conjunto de faculdades cometidas legalmente aos pais no interesse dos filhos e em ordem a assegurar convenientemente o seu sustento, saúde e educação, bem como a representação da sua pessoa e a administração dos seus bens.
Neste sentido, as responsabilidades parentais são integradas por um conjunto de poderes-deveres ou poderes funcionais atribuídos legalmente aos progenitores para a prossecução dos interesses pessoais e patrimoniais de que a criança é titular.
Deste carácter funcional deriva que o exercício dos poderes que o integram, não tendo a ver com a realização de interesses próprios dos progenitores, encontra-se vinculado à salvaguarda, promoção e realização do interesse da criança (cf. Rui Epifânio e António Farinha in OTM Anotada, pág. 301).
“As “responsabilidades parentais” não são “um conjunto de faculdades de conteúdo egoísta e de exercício livre, ao arbítrio dos respectivos titulares, mas um conjunto de faculdades de conteúdo altruísta que tem de ser exercido de forma vinculada, de harmonia com a função do direito, consubstanciada no objectivo primacial de protecção e promoção dos interesses do filho, com vista ao seu desenvolvimento integral” (acórdão da Relação de Coimbra, de 11.12.2018, Relator Fonte Ramos, citando Armando Leandro, Poder Paternal: natureza, conteúdo, exercício e limitações. Algumas reflexões de prática judiciária, Temas do Direito da Família – Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do ... da Ordem dos Advogados, Almedina, pág. 119, in www.dgsi.pt).
A regulação do exercício das responsabilidades parentais e o conhecimento das questões a este respeitantes constitui providência tutelar cível sendo regulada, a nível processual, pelo Regime Geral do Processo Tutelar Cível, doravante designado RGPTC (arts. 1º e 3º, al. c) desse diploma).
Trata-se de um processo que tem a natureza de jurisdição voluntária (art. 12º do RGPTC), pelo que lhe são aplicáveis as regras constantes dos arts. 986º e ss, do CPC.
Tal significa que, nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso concreto a solução que julgue mais conveniente e oportuna (art. 987º, do CPC) podendo, para o efeito, investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, apenas sendo admitidas as provas que o juiz considere necessárias (art. 986º, nº 2, do CPC).
Não obstante a ausência de sujeição a critérios de legalidade estrita e a possibilidade de a decisão se nortear por critérios de conveniência e oportunidade, importa frisar que o processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais se encontra subordinado a um conjunto de princípios orientadores, legalmente estabelecidos, os quais têm de ser observados e respeitados quer na tramitação processual adotada, quer nas decisões proferidas.
Assim, os processos tutelares cíveis regulados no RGPTC regem-se pelos princípios da simplificação instrutória e oralidade, da consensualização e da audição e participação da criança, estabelecidos no art. 4º.

Por força da remissão que nesse preceito é feita para os princípios orientadores de intervenção estabelecidos na Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), ou seja, para a Lei 147/99, de 1.9, de acordo com o estabelecido no art. 4º deste diploma, regem-se também pelos seguintes princípios:

a) Interesse superior da criança e do jovem;
b) Privacidade;
c) Intervenção precoce;
d) Intervenção mínima;
e) Proporcionalidade e atualidade;
f) Responsabilidade parental;
g) Primado da continuidade das relações psicológicas profundas;
h) Prevalência da família;
i) Obrigatoriedade da informação;
j) Audição obrigatória e participação;
k) Subsidiariedade.

A propósito do princípio do interesse superior da criança e do jovem lê-se no art. 4º, al. a) da LPCJP, que se deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto.
E, a propósito do primado da continuidade das relações psicológicas profundas, lê-se no art. 4º, al. g) da LPCJP que se deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante.
Por outro lado, face ao princípio da atualidade, deve ter-se em conta a situação existente no momento em que a decisão é tomada.

De acordo com o art. 40º, do RGPTC:

1 - Na sentença, o exercício das responsabilidades parentais é regulado de harmonia com os interesses da criança, devendo determinar-se que seja confiada a ambos ou a um dos progenitores, a outro familiar, a terceira pessoa ou a instituição de acolhimento, aí se fixando a residência daquela.
2 - É estabelecido regime de visitas que regule a partilha de tempo com a criança, podendo o tribunal, no interesse desta e sempre que se justifique, determinar que tais contactos sejam supervisionados pela equipa multidisciplinar de assessoria técnica, nos termos que forem ordenados pelo tribunal.

Do ponto de vista substantivo, importa ter em conta o disposto no art. 1906º, do CC, o qual regula o exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens e de declaração de nulidade ou anulação do casamento, sendo que tal normativo é aplicável às situações de cessação da convivência entre progenitores que viviam em condições análogas às dos cônjuges, por força do estabelecido no art. 1911º, do CC.

Assim, lê-se nesse art. 1906º, do CC, que:

1 - As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
2 - Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.
3 - O exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.
4 - O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente pode exercê-las por si ou delegar o seu exercício.
5 - O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.
6 - Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos.
7 - Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.
8 - O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.
9 - O tribunal procede à audição da criança, nos termos previstos nos artigos 4.º e 5.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.

De tudo quanto se vem dizendo, e como é absolutamente pacífico na doutrina e na jurisprudência, o critério último e preponderante na tomada de decisões em sede de regulação das responsabilidades parentais e sempre e só um: o superior interesse da criança.
Os restantes interesses, incluindo os dos progenitores ou outros familiares, por muito importantes, relevantes e legítimos que sejam, quando considerados em si mesmos e de forma autónoma, têm sempre que ceder e ser comprimidos quando no confronto com o superior interesse da criança. Se tais interesses legítimos e relevantes estiverem alinhados e forem convergentes com o interesse da criança, devem ser tidos em consideração e atendidos; ao invés, não obstante a legitimidade e relevância desses interesses, se os mesmos colidirem ou de alguma forma beliscarem ou colocarem em causa o interesse da criança têm que ceder e ser sacrificados face à primazia deste último.
A lei não define em que consiste o interesse superior da criança. No art. 4º, al. a) da LPCJP alude, a propósito de tal interesse, à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto. No entanto, não se trata de uma definição desse interesse, mas tão só de um mero exemplo de fatores a atender quanto à concretização e preenchimento de tal conceito.
Na verdade, o legislador optou, propositadamente, por não definir a noção de superior interesse da criança, recorrendo antes a um conceito amplo e aberto, a preencher casuisticamente, por entender que, dada a variedade e multiplicidade de situações suscetíveis de ocorrerem na vida real, por um lado, e a própria evolução social e cultural, com a consequente alteração de paradigmas, princípios e valores, por outro, seria mais adequado o uso de um conceito aberto e flexível, adaptável a tais situações e evoluções e que permitisse acompanhá-las e integrá-las.
Helena Bolieiro e Paulo Guerra (in A Criança e a Família – Uma Questão de Direitos, Coimbra Editora, 2009, pág. 322), propõem a seguinte forma de densificação do conceito de superior interesse da criança: “podemos definir o interesse superior da criança (...) como o interesse que se sobrepõe a qualquer outro interesse legítimo, seja o dos pais, seja o dos adultos terceiros, devendo ser densificado e concretizado através de uma rigorosa avaliação casuística, numa perspetiva global e sistémica, de natureza interdisciplinar e interinstitucional, visando a satisfação da premente necessidade da criança de crescer harmoniosamente, em ambiente de amor, aceitação e bem-estar, promovendo-se a criação de ligações afetivas estáveis e gratificantes”.
Rui Epifânio e António Farinha, (in Organização Tutelar de Menores, Contributo Para uma Visão Interdisciplinar do Direito de Menores e de Família, I, 1987, pág. 327) referem que o interesse do menor encontra-se “em estreita conexão com a garantia de condições materiais, sociais, morais e psicológicas, que possibilitem o seu desenvolvimento estável, à margem da tensão e dos conflitos que eventualmente oponham os progenitores e que possibilitem o estabelecimento de relações afectivas contínuas com ambos, em especial com o progenitor a quem não seja confiado”.
Almiro Rodrigues (in “Interesse do Menor, Contributo para uma Definição”, Revista Infância e Juventude, nº. 1, 1985, págs. 18/19”), afirma que tal interesse deve ser entendido como “o direito da criança ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social em condições de liberdade e dignidade”.
Paulo Guerra (in Área de Família e Menores, Sentença de Regulação do Exercício do Poder Paternal, Novembro de 2002) afirma que “a prossecução do interesse do menor tem sido entendida em estrita conexão com a garantia das condições materiais, sociais, psicológicas e morais que possibilitem o seu desenvolvimento saudável, equilibrado e estável, à margem dos compreensíveis conflitos que, eventualmente, surjam entre os pais, e que assegurem o estabelecimento de relações afectivas contínuas com ambos os pais, particularmente, e como bem se compreende, com o progenitor a quem o menor não tenha sido confiado”.
Nas palavras do acórdão da Relação de Lisboa, de 12.3.2019, (Relator José Capacete, in www.dgsi.pt)o conceito interesse da criança, enquanto instrumento operacional cuja utilização e confiada ao juiz, é uma noção em desenvolvimento contínuo e progressivo, de natureza polimorfa, plástica e essencialmente não objetivável, que pode assumir todas as formas e vigorar em todas as épocas e em todas as causas. Deve, no entanto, entender-se por superior interesse da criança e do jovem, o seu direito ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições liberdade e dignidade”.
Pese embora todas as tentativas de concretização e densificação conceptual do conceito de superior interesse da criança que se possam levar a cabo, a verdade é que tal interesse só pode ser aferido de forma casuística e atual, perante a criança concreta, no confronto com a sua situação pessoal, familiar, escolar e social e com o seu concreto estado de desenvolvimento físico, psíquico e emocional, por forma a verificar qual é a situação ou projeto de vida que oferece melhores garantias para o seu desenvolvimento físico e psíquico, para o seu bem-estar e segurança e para a sã formação da sua personalidade.
Assentes nestas premissas, vejamos, então, no concreto caso em análise, se a residência da criança deve ser fixada junto do progenitor, conforme decidido na sentença recorrida, ou se, ao invés, deve ser fixada junto da progenitora, conforme pedido em sede de recurso.
Esta análise e subsequente tomada de decisão deve ser feita exclusivamente do ponto de vista do que melhor satisfaz o interesse do M. D., no momento atual.
O M. D. tem atualmente 5 anos, completando os 6 anos em agosto próximo.
Viveu sempre em Portugal.
Os progenitores separaram-se em outubro de 2018, ou seja, quando o M. D. tinha 2 anos.
Após a separação, o M. D. ficou a viver com a progenitora.
A progenitora, mesmo após a separação e designadamente no período de janeiro a março de 2019, contava com o apoio da avó paterna, a qual ia buscar o M. D. ao colégio.
Mesmo depois de a progenitora e a avó paterna já estarem numa situação de desentendimento, de fevereiro a março de 2020, altura em que ocorreu o confinamento devido à pandemia e os colégios não funcionavam, a progenitora ia buscar diariamente o M. D. a casa da avó paterna.
Foi esta a situação do M. D., após a separação dos progenitores e até 2.8.2020, período em que a progenitora viveu em Portugal.
Em suma, neste período vivia com a mãe, em Portugal, contava com o suporte da avó paterna e mantinha contactos com o pai.
Entretanto, a progenitora, em 3 agosto de 2020 foi viver e trabalhar para Inglaterra.
Nessa altura, o menor tinha quase 4 anos, pois completava-os no dia 11.
Embora a mãe tenha pedido a alteração do regime provisório por forma a poder levar o filho consigo para Inglaterra, para onde ia viver e trabalhar, tal não lhe foi permitido, pois que o pai se opôs e o tribunal indeferiu o pedido de alteração do regime provisório que a mãe fez no sentido de o M. D. passar a residir consigo em Inglaterra.
De relembrar que, de acordo com o regime provisório que havia sido fixado em 4.2.2020, a mãe estava impedida de viajar para Inglaterra levando o filho consigo.
Como tal, e porque tinha que começar a trabalhar, a progenitora teve que ir para Inglaterra e não pôde levar o menor consigo.
Não vemos aqui qualquer situação de abandono, de desinteresse ou de não priorização dos interesses do filho por parte da progenitora. Vemos apenas uma situação objetiva e sem juízos valorativos, muito menos de índole negativa, em que as vicissitudes da vida impuseram que a progenitora se tivesse de ausentar e não pudesse levar o filho consigo, pelas razões explanadas.
Despojada a descrita atuação da progenitora de qualquer carga valorativa, positiva ou negativa, o certo é que a mesma determinou necessariamente uma alteração direta, importante e radical na vida do M. D.: deixou de viver com a mãe e passou a viver com o pai. Apenas se manteve constante o apoio da avó paterna.
Na sequência da existência desta situação de facto veio a ser fixado, em 27.10.2020, um regime provisório que fixou a residência do M. D. com o progenitor, regularizando juridicamente a situação de facto vigente.
Assim, o M. D. vive com o pai desde 2 agosto de 2020 até ao presente, ou seja, há quase 1 ano e 11 meses.
Neste período temporal, que é curto para um adulto, mas é longo e significativo para uma criança de 4 anos, o M. D. teve que se adaptar à sua nova realidade decorrente de estar a viver com o pai.
Naturalmente, que sofreu com a ida da mãe para Inglaterra, pois esta era a sua figura primária de referência, visto que era com ela que o menor vivia e com quem permaneceu após a separação dos progenitores, sendo referido que teve sentimentos de tristeza na sequência do afastamento da figura materna (facto 32).
Porém, as crianças crescem, evoluem e adaptam-se às adversidades e às separações e afastamentos dos progenitores.
Também os progenitores, quando confrontados com as realidades decorrentes de ruturas de relacionamentos, mudam, evoluem, consciencializam-se que têm que desempenhar tarefas que anteriormente delegavam no outro membro do casal e que têm de assumir novas posturas e assumir as responsabilidades decorrentes da tarefa contínua de criar um filho.
Por tudo isso, as relações entre os filhos e os progenitores na sequência das separações, são dinâmicas e evolutivas.
Importa, então, analisar, como se encontra atualmente o M. D., decorrido este período de 1 ano e 11 meses em que ficou a residir com o pai.
Atualmente, o M. D. continua a frequentar o mesmo colégio, ou seja, não houve qualquer alteração a este nível. O M. D. mantém uma frequência assídua e comparece diariamente com adequados cuidados de higiene pessoal e com uma apresentação social cuidada.
Desde setembro de 2021 e pelo menos até 12.1.2022, data em que foi proferida a decisão recorrida, teve uma evolução favorável do controlo dos esfíncteres, não tendo ocorrido no aludido período qualquer situação de micção ou dejeção nas calças por parte da criança.
Não obstante necessitar de um apoio muito individualizado, o M. D. tem evoluído favoravelmente ao nível da linguagem e tem-se mantido mais regulado em termos emocionais e comportamentais, não existindo registos de descontrolo do M. D. a esse nível.
O M. D. mantém os acompanhamentos médicos e terapias da fala e ocupacional que tinha anteriormente iniciado por iniciativa da mãe e alguns que já foram iniciados por iniciativa do pai, na sequência de aconselhamento do pedopsiquiatra.
A colaboração e atitude do M. D. mudou e as evoluções têm sido visíveis.
O menor vive numa quinta e o contacto com animais favorece o seu gosto de estar em casa do pai.
Trata-se de uma casa rústica recuperada, com boas condições de habitabilidade, proporcionando uma agradável vivência ao ar livre.
Ao fim de semana, o M. D. brinca com vizinhos que são da mesma idade e visita familiares e amigos do progenitor que têm filhos com idades próximas das suas.
A avó paterna constitui um grande suporte pois adaptou um dos quartos da sua casa para o M. D. e de 2ª a 6ª feira executa grande parte das tarefas inerentes às rotinas diárias do neto.
Deste conjunto de factos, resulta, em nosso entender, que o M. D. está perfeitamente adaptado à sua vida atual, e que tem vindo a progredir e a ultrapassar gradualmente de forma satisfatória as situações que determinaram a necessidade de acompanhamento e de terapias.
Como facto menos positivo haverá salientar o facto de em junho de 2021 o M. D. estar menos comunicativo e extrovertido na manifestação da sua vontade do que estava julho de 2020, o que poderá ter ligação com os sentimentos de tristeza relacionados com o afastamento da mãe (factos 31 e 32).
Do conjunto de factos provados, designadamente dos factos 34 a 37, 39 e 42, resulta ainda que qualquer dos progenitores tem competência parental para assegurar uma adequada prestação de cuidados ao filho, e que o filho demonstra apego e afeto pelos progenitores, transmitindo uma relação positiva com os dois e fazendo referência a dinâmicas e atividades positivas e ajustadas com os ambos (facto 30).
Não obstante ambos terem competências parentais adequadas, concluímos que a mãe tem uma competência superior a esse nível, sobretudo se comparada com a que o pai tinha antes de ter o M. D. a residir consigo. Porém, depois de o M. D. ter ficado a viver com o pai, este evoluiu numa série de aspetos, mudou de atitude, mostra-se mais atento, empenhado e consciente das necessidades do filho, às quais providencia adequadamente, embora com o importante apoio e suporte da avó paterna, como resulta dos factos 41, 43, 44, 48, 49, 50, 52, 53.
Assim, no momento atual, as competências parentais dos progenitores estão mais equilibradas.
As suspeitas de maus tratos por parte do pai deram lugar a processos, mas não se confirmaram, como resulta dos factos 18 a 20-A.
Ambos os progenitores têm condições habitacionais e económicas que lhes permitem garantir e prover de forma adequada às necessidades do M. D..
Ambos os progenitores têm atualmente relacionamentos com outras pessoas, as quais, por seu turno, têm bom relacionamento com o M. D..
Portanto, aqui chegados, e pese embora as diferenças de um e de outro, concluímos que qualquer dos progenitores tem as necessárias aptidões para ter o M. D. a viver consigo.
Vejamos, então, na perspetiva do superior interesse do M. D., único que releva e interessa na decisão a tomar e que, se conflituante ou colidente, se sobrepõe ao interesse próprio e pessoal dos progenitores, se se justifica que o M. D. vá residir com a mãe para Inglaterra.
A ida para Inglaterra implicaria a deslocação para um país onde não se fala português, sendo que o M. D., mesmo quanto à língua portuguesa revela dificuldades, razão pela qual frequenta a terapia da fala.
Implicaria que todos os acompanhamentos e terapias que o M. D. tem passariam a ser efetuados em inglês, o que seria bastante mais difícil para a criança posto que não domina a língua.
É evidente que se pode contra-argumentar que, dada a sua idade, rapidamente aprenderá inglês. Admite-se que assim seja, mas enquanto não aprende e no tempo necessário para o efeito, o certo é que a frequência das terapias e os acompanhamentos médicos serão mais difíceis, desgastantes e provavelmente menos eficazes ou com resultados mais lentos do que aqueles que tem em Portugal, onde não existe a barreira linguística.
A ida para Inglaterra implicaria para o M. D. ter que frequentar um novo colégio. Para além da barreira linguística que também aí se verifica, perderia a companhia dos seus colegas, da educadora e demais funcionárias da instituição. Relembre-se que o M. D. é uma criança com fragilidades e inseguranças emocionais e a quebra de laços com os colegas e com as educadoras do colégio que sempre frequentou é suscetível de afetar negativamente a sua estabilidade e desenvolvimento.
A boa adaptação ao colégio foi aliás uma das razões, embora não a única, que a progenitora invocou, nas declarações que prestou, para justificar o motivo pelo qual não se mudou para Chaves, quando estava a fazer a especialização e preferiu fazer diariamente uma morosa deslocação de 1 hora e meia, evitando assim que o M. D. tivesse de mudar do colégio.
A ida para Inglaterra implicará para o M. D. o afastamento da sua avó paterna, pessoa que sempre foi uma figura de referência na sua vida pois mesmo quando a mãe ainda vivia em Portugal e já tinha ocorrido a separação dos progenitores, era a avó paterna quem ajudava a mãe e ia buscar o M. D. ao colégio e ficava com ele até a mãe voltar do trabalho para o levar para sua própria casa.
Finalmente, a ida para Inglaterra implicará para o M. D. o afastamento do pai, fazendo-o viver uma segunda vez aquilo que já viveu em agosto de 2020 quando teve de se separar da mãe.
Nessa altura, o M. D. sofreu com o afastamento e ausência da mãe.
Passado 1 ano e 11 meses, reverter a situação e permitir que vá viver com a mãe, com o consequente e inevitável afastamento do pai, em nosso entender fará com que o M. D. volte a reviver uma experiência negativa, com todas as regressões e consequências negativas que daí podem advir, dada a sua especial fragilidade a vários níveis.
Importa ter em conta que, nesse ano e onze meses que decorreram, a relação entre o M. D. e o progenitor não é a mesma que entre ambos existia quando os pais estavam separados mas o M. D. vivia com a mãe em Portugal. Nessa altura a relação era mais frágil e menos próxima, sendo a mãe a figura primária de referência e o pai uma figura mais de segunda linha. Porém, porque as relações evoluem e possuem dinamismo, o progenitor, perante a nova realidade, quando passou a ter o M. D. a viver consigo, modificou-se, mudou de atitude e postura e passou a envolver-se de forma próxima com o filho, estando muito mais atento e empenhado em satisfazer as suas necessidades.
Assim, no momento atual, o progenitor demostra conhecer bem o seu filho, as suas brincadeiras, os seus heróis preferidos e as suas necessidades e perante o eventual afastamento do pai, a criança manifesta insegurança e tristeza (factos 57 e 33).
A ida do M. D. para Inglaterra impediria também o convívio que atualmente o mesmo tem como familiares e amigos do progenitor e com as demais crianças da sua idade, seus vizinhos e filhos dos amigos do progenitor, situação que consideramos negativa.
Neste conjunto de fatores importa ainda lembrar que progenitora do M. D. aguardava o nascimento de um outro filho no final de maio, fruto do seu relacionamento com J. R., com quem pensa casar em 2022, nascimento esse que, no momento da presente decisão, já terá ocorrido.

O nascimento de um irmão, mesmo quando os progenitores são os mesmos e vivem juntos, por vezes, nos primeiros tempos é gerador de situações complicadas e de difícil gestão porque o primeiro filho sente ciúmes do bebé acabado de nascer e não aceita bem que a atenção do progenitor tenha que ser repartida.
Não sabemos em absoluto quais os sentimentos do M. D. quanto a esta matéria. Eventualmente, até pode desejar muito ter um irmão e correr tudo maravilhosamente. Mas também pode não correr bem e revelar-se um fator de perturbação e destabilização do M. D.. Neste momento, não é possível antever qual das duas situações ocorrerá.
E, por existir a possibilidade, que não é meramente teórica, de o M. D. não reagir da melhor maneira ao nascimento de um irmão, o qual é apenas filho da progenitora e de uma outra pessoa, não se acompanha a argumentação de que nascimento do irmão é um fator decisivo e determinante no sentido de se impôr que o M. D. deva residir com a mãe para que não se afastem irmãos. Este argumento é válido quando os irmãos já viviam juntos nessa qualidade e não para situações como a que ocorre nos autos.
Como tal, com este concreto enquadramento, concluímos que o nascimento do irmão não é relevante na decisão de fixação da residência do M. D. com a mãe.
De tudo aquilo que deixámos dito, concluímos que dada a atual situação do M. D., o relacionamento que neste momento mantém com o pai, com a avó paterna, com os demais familiares, amigos, colegas e vizinhos e o modo como está integrado no Colégio, a mudança para Inglaterra, para ir viver com a mãe, implicando um corte abrupto da situação descrita, não vai de encontro ao superior interesse do M. D., antes o põe em causa e compromete.
E é por estes motivos que consideramos que o superior interesse do M. D. impõe que se mantenha a situação atual e que o mesmo permaneça em Portugal a residir com o seu pai.
Mais uma vez frisamos que não pomos em questão que a mãe tenha condições absolutamente adequadas para ter o M. D. a viver consigo em Inglaterra, pois já concluímos que tem.
Mas o critério norteador da decisão difícil que temos de tomar não passa pela avaliação da capacidade da progenitora para desempenhar adequadamente as suas responsabilidade parentais, capacidade essa que temos como inquestionável. Passa, diversamente, por aferir o que é melhor para o M. D., ou antes, o que é menos mau e menos penalizador para o M. D., se permanecer na situação em que se encontra, se quebrar abruptamente a mesma e ir viver para Inglaterra.
E utilizamos a expressão “menos penalizador” porque qualquer que seja a decisão que se tome, o M. D. fica sempre afastado de um dos progenitores. A situação ideal era o M. D. poder crescer junto de ambos os progenitores e das respetivas famílias, convivendo com uns e outros, sem qualquer conflito ou animosidade. Mas a realidade não o permite e a decisão a tomar implica sempre necessariamente o afastamento de um dos progenitores.
Como tal, sopesando todos os fatores que já supra enunciámos, concluímos que o superior interesse do M. D. impõe que não se altere a sua situação atual pelo que o M. D. deve ficar a residir com o seu progenitor.
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Uma breve nota para dizer que a recorrente refere que as responsabilidades parentais são indisponíveis e que os pais não se podem fazer representar e substituir pelos avós nessa matéria, sendo que, no caso em análise, considera que resulta dos factos 43 e 44 que o progenitor delega na avó paterna o exercício dessas responsabilidades.
Em primeiro lugar, da leitura correta dos factos 43 e 44 não resulta que seja a avó paterna que exerce na prática as responsabilidades parentais. Ainda menos tal resulta do conjunto de factos provados que já acima referimos no que toca à atuação do pai e na prestação de cuidados do mesmo ao M. D..
Mas, ainda que resultasse, o art. 1906º, nº 4, do CC, permite expressamente que o progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente as exerça por si ou delegue o seu exercício.
Como tal, essa delegação é admissível e a mesma só poderia ter relevância para efeitos de aferir se o interesse da criança era o de se manter a residir em Portugal, análise que já supra efetuámos, e não o de importar qualquer violação de norma legal.
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No que respeita às dificuldades das videochamadas, que a recorrente também invoca e que enquadra como fator valorativo em sede de fixação da residência, as mesmas existem efetivamente. Porém, não são fator com relevo e peso suficiente para afastar a conclusão de que o interesse do M. D. é o de que fique a residir com o pai. Importa não olvidar que existem muitos outros contactos da progenitora com o filho, designadamente os descritos em 68, e todos têm corrido de forma positiva, sem qualquer entrave da parte do pai.
Não obstante, não se deixa de chamar à atenção que é fundamental que exista uma particular diligência e empenho da parte do progenitor no sentido de identificar claramente quais as concretas causas das dificuldades de realização das videochamadas e de as resolver e ultrapassar definitivamente. A criança necessita, para o seu são desenvolvimento, de manter um contacto próximo com a progenitora o qual pode ser adequadamente conseguido com as videochamadas. Como tal, compete ao pai desenvolver os esforços necessários no sentido de identificar e solucionar as dificuldades de realização das videochamadas, não se devendo refugiar numa atitude passiva e de invocação de problemas relacionados com dispositivos ou internet, devendo antes adotar uma atitude ativa de identificação e remoção das dificuldades existentes quanto às referidas comunicações.
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Pelas razões expostas, improcede, nesta parte, o recurso, mantendo-se a decisão de fixação da residência da criança junto do pai.

III – Alteração do regime de convívio e contribuição para as despesas da criança

A fixação do regime de convívio deverá promover o estabelecimento de laços afetivos sólidos entre a criança e o progenitor com quem ela não reside, no caso, a requerida.
Na verdade, a criança necessita igualmente do pai e da mãe visto que, por natureza, nenhum deles pode desempenhar o papel que ao outro cabe, não devendo o progenitor com quem a criança reside dificultar, seja de que forma for, que o outro exerça o seu direito de convívio.
Precisamente neste sentido, lê-se no art. 1906º, nº 8, do CC, que o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.
Nas palavras do acórdão da Relação de Évora, de 2.10.2018 (Relator Tomé de Carvalho, in www.dgsi.pt) “O direito de visita é o meio para que o progenitor que não tem a guarda dos filhos estabeleça com estes uma relação que contribua para o seu desenvolvimento e um direito dos próprios filhos ao convívio com ambos os pais”.

Precisamente neste alinhamento de ideias, a decisão recorrida refere que “entre o menor e a progenitora existe afecto positivo e proximidade, sendo benéficos para o menor os contactos com a progenitora. Assim sendo, há que fomentar esta relação de grande proximidade com a progenitora, o que implica manter contactos regulares e frequentes, o que, in casu, está dificultado pela circunstância de esta residir em Inglaterra” e, considerando o regime que “que melhor satisfaz o superior interesse do menor, no sentido da manutenção e reforço dos laços afectivos e de vinculação segura com a mãe”, estabeleceu a possibilidade de ocorrerem entre a progenitora e o filho os seguintes convívios e contactos:
- o menor e a progenitora deverão contactar por vídeo chamada todos os dias, entre as 19h30m e as 20h30m (sem prejuízo de, por acordo e atendendo às actividades da criança, ser fixado outro horário), valendo também este regime nos dias/férias em que a criança estiver confiada à progenitora relativamente aos contactos com o progenitor;
- o menor passará metade das férias escolares do Natal e da Páscoa e 2/3 das férias de Verão com a progenitora, em Inglaterra ou em território nacional, suportando esta os custos das viagens;
- os aniversários dos progenitores, assim como o dia do Pai e da Mãe, serão passados com cada um deles, se possível.
Explanou ainda que “o Tribunal optou atribuir maior período de convivência do menor com a progenitora por considerar que tal satisfaz o superior interesse do menor na medida em que a progenitora reside em Inglaterra e com a gravidez e o nascimento do filho não é previsível que, nos próximos tempos, se desloque a Portugal fora do período em que o menor tem férias escolares”.

A recorrente considera que a decisão recorrida deverá ser alterada, por forma a fomentar uma grande relação de proximidade com a progenitora, fixando-se que:

a) a criança passará com a progenitora 2/3 das férias de Natal e Páscoa;
b) sempre que a mãe vier a Portugal poderá estar com o seu filho e com ele pernoitar;
c) a criança poderá passar com a mãe, em Inglaterra, um fim de semana por mês.

Considera ainda que o custo das viagens da criança para Inglaterra deve ser suportado pelo progenitor, por ser do interesse dele que a criança conviva saudavelmente com o outro progenitor.

Relativamente às férias de Natal e de Páscoa as mesmas, em Portugal, têm uma duração muito reduzida.
Permitir que nessas curtas férias a criança passe com a mãe 2/3, implica que o progenitor passe muito pouco tempo com o filho nesses períodos.
É evidente que o menor reside consigo e, por isso, o progenitor tem os restantes dias para conviver com o filho. Porém, a qualidade e o tipo de convívios que se estabelecem ao longo do ano são diferentes dos que se estabelecem nas férias, dada a existência de uma maior disponibilidade, devido à ausência de trabalho. Por outro lado, estas duas épocas, de Natal e Páscoa, estão associadas a festividades que têm particular significado para as famílias em geral e são alturas em que ocorrem convívios com a família alargada e com amigos, os quais muitas vezes se restringem unicamente a estas duas épocas do ano, dados os constrangimentos de ordem pessoal e laboral e afastamentos geográficos que impedem que ocorram noutros períodos.
Daí que, por todo este conjunto de razões, se considere equilibrado, ajustado e de acordo com o interesse da criança a divisão equitativa do período de férias de Natal e Páscoa entre os dois progenitores, não se justificando a sua alteração para 2/3 com a progenitora, como por esta pretendido.
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O proposto pela mãe no sentido de quando vier a Portugal pode estar com o filho e com ele pernoitar parece-nos perfeitamente adequado, ajustado e promotor da manutenção de laços afetivos sólidos entre a progenitora e o filho, sendo do interesse da criança que tal aconteça, razão pela qual deve ser conferida tal possibilidade.
O mesmo se diga relativamente à possibilidade de a criança se deslocar a Inglaterra um fim de semana em cada mês.
Por razões de planeamento e organização familiar, a progenitora deverá avisar o progenitor com a antecedência mínima de dez dias quando pretender efetuar as aludidas deslocações a Portugal e até ao dia 15 de cada mês quanto ao fim de semana que no mês seguinte a criança irá passar a Inglaterra.
A progenitora deverá ainda acordar com o progenitor os dias em que o menor estará consigo quando a mesma se deslocar a Portugal, podendo incluir 3 pernoitas semanais, sem prejuízos das atividades do filho.
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Não existe qualquer fundamento legal para que o custo das viagens do M. D. para Inglaterra seja suportado pelo progenitor, pois não há norma legal que o imponha.
Por outro lado, não faz qualquer sentido convocar aqui o interesse do progenitor como fundamento para pôr a seu cargo tais custos visto que, como já explicámos, as decisões não são norteadas pelos interesses dos progenitores, os quais são irrelevantes nestas matérias.
Acresce que a progenitora dispõe de meios económicos para suportar os custos das viagens, como decorre dos rendimentos que aufere e que se encontram referidos no facto 62. Por conseguinte, nem sequer se pode convocar o interesse da criança para justificar que seja o pai a suportar os aludidos custos a fim de a criança não ficar privada do convívio com mãe.
Como tal, entende-se que esta pretensão deve ser indeferida e mantida a decisão recorrida que coloca a cargo da progenitora o custo das viagens.
Por razões análogas, fica também a cargo da progenitora o custo das viagens no fim de semana mensal que a criança vá passar consigo a Inglaterra.
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Conforme estabelecido no art. 36º, nº 5, da CRP, os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.
Em consonância com o princípio constitucional referido, estabelece o art. 1878.º, do CC, que compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.
Como tal, integra o núcleo de deveres das responsabilidades parentais o dever dos pais de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação.
Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, abrangendo também a instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor (art. 2003º, do CC).
Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los (art. 2004º, do CC).
A lei em momento algum estabelece que ambos os progenitores devem contribuir em igual quantia para o sustento dos filhos. A medida da contribuição depende dos rendimentos de cada um (Helena Melo e Outros in Poder Paternal e Responsabilidades Parentais, pág. 93).
Assim, a correspondente medida dos alimentos, deve ser adequada às necessidades da criança, por um lado, e aos meios do progenitor que houver de prestá-los, por outro, devendo o tribunal valorar, de forma global e abrangente, a sua condição social, a sua capacidade laboral, bem como todo o acervo de bens patrimoniais de que seja detentor.
Os alimentos devem ser fixados em prestações pecuniárias mensais, salvo se houver acordo ou disposição legal em contrário, ou se ocorrerem motivos que justifiquem medidas de exceção (art. 2005.º do Código Civil).
A acrescer a tal determinação dum montante fixo de alimentos, poderá ser fixada uma contribuição variável, considerando-se aquelas despesas do menor que embora previsíveis e necessárias, fogem à lógica da satisfação das necessidades básicas de sustento e que se relacionam habitualmente com a saúde (médicas e medicamentosas) escolares (livros e material escolar e/ou eventuais mensalidades de colégios privados ou outras estruturas de ensino) com atividades lúdicas e desportivas, etc.
Preside também à fixação da prestação de alimentos o objetivo de, dentro do possível, se preservar o nível de vida do menor, bem como a ideia de que o sacrifício que deverá ser exigido aos progenitores deve ter por base um critério mínimo de razoabilidade, visando proporcionar o maior bem-estar possível aos seus filhos (Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11.5.2017, in www.dgsi.pt).
Os alimentos são devidos desde a proposição da ação ou, estando já fixados pelo tribunal ou por acordo, desde o momento em que o devedor se constituiu em mora (art. 2006º, do CC).
Sobre esta matéria, a sentença, para além de ter fixado uma prestação de alimentos a favor da criança e a cargo da requerida no montante mensal de € 220,00, considerou que no “que respeita à comparticipação nas despesas de saúde e educação do menor, entendemos como adequado e proporcional, atenta a substancial diferença de rendimentos entre ambos os progenitores, fixar 2/3 e 1 3 a comparticipação da progenitora e do progenitor respectivamente nas despesas de saúde e educação do menor, na parte não comparticipada.
Insurge-se a requerida contra esta decisão, considerando que os progenitores devem contribuir para estas despesas do filho em igual proporção, pois o progenitor vive em casa própria, onde não paga qualquer renda ou empréstimo, não apresentando rendimento diminutos, ao passo que a recorrente vive em Inglaterra, onde o nível de vida médio é bem mais elevado.

Como já supra se referiu, a lei determina que os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los (art. 2004º, do CC). Assim, estando ambos os progenitores obrigados ao dever de alimentos relativamente ao filho, devem cumprir tal obrigação na medida das capacidades económicas de cada um.
Se as capacidades económicas forem semelhantes, justifica-se que seja fixada uma correspetiva contribuição idêntica. Porém, se as capacidades económicas dos progenitores forem díspares, justifica-se que se introduza uma diferenciação e que o progenitor cuja situação económica é mais débil contribua numa menor proporção.
Nesta análise, há que atender aos rendimentos auferidos, mas também às despesas suportadas.
Ora, no caso em apreço, os rendimentos auferidos pelos progenitores são muito diferentes, pois o pai trabalha como eletricista e subempreiteiro, e aufere mensalmente entre € 1 100 a € 1 200, o que equivale a um rendimento anual de € 16 800 (€ 1 200 x 12).
Tem as normais despesas de alimentação, vestuário e domésticas, de valor não quantificado, mas naturalmente referentes ao custo de vida em Portugal, a que acrescem a mensalidade do colégio no valor de € 128 e um crédito pessoal no valor de € 137 (facto 54).
A progenitora vive em Inglaterra e tem um rendimento anual de € 45 961,72. Tem as despesas normais de qualquer pessoa a viver em Inglaterra (facto 62).
Comprou uma casa juntamente com J. R., com quem tem um relacionamento (facto 65).
Se é verdade que o rendimento anual da progenitora é quase o triplo do rendimento do progenitor, o certo é que as despesas que tem de suportar também são superiores visto que vive em Inglaterra país onde o custo de vida é muito superior ao de Portugal, adquiriu uma casa, juntamente com J. R., pela qual terá de pagar algum valor, embora se desconheça qual a sua quantificação, tem que pagar mensalmente € 220 de pensão de alimentos para o filho, tem que pagar o custo das viagens do filho a Inglaterra nas férias e nos fins de semana em que o mesmo aí se desloque, bem como o custo das viagens quando venha ela própria visitar o seu filho a Portugal, e nesta altura já terá nascido o seu outro filho, pelo que terá as despesas correspondentes, em valor que se desconhece.
Assim, pese embora os rendimentos da progenitora sejam significativamente superiores aos do progenitor, as suas despesas também o são.
Por tal motivo, considera-se equilibrado e ajustado que a contribuição para as despesas de saúde e educação do M. D. sejam suportadas por ambos os progenitores, em igual proporção.
Procede, assim, nesta parte o recurso.
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Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.
Tendo o recurso sido julgado improcedente na sua quase totalidade, é a recorrente, porque vencida, responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a disposição legal citada, em proporção que se fixa em 90%.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, alteram a decisão recorrida, nos seguintes termos:

A) aditam à al. d) o seguinte:
- fora do tempo de férias escolares, caso a progenitora pretenda deslocar-se a Portugal, deve avisar o progenitor com pelo menos 10 dias de antecedência do período em causa e acordar com o progenitor os dias em que o menor estará consigo, podendo incluir 3 pernoitas semanais, sem prejuízos das atividades do filho;
- o menor poderá passar um fim de semana em cada mês com a progenitora, em Inglaterra, devendo esta avisar o progenitor até ao dia 15 de cada mês em que fim de semana do mês seguinte irá o menor a Inglaterra;
- a progenitora suportará os custos das viagens do menor relativamente aos fins de semana que o mesmo passe consigo em Inglaterra.

B) alteram a al. e) a qual passará a ter a seguinte redação:
e) A progenitora contribuirá, a título de alimentos devidos ao menor, com a quantia mensal de € 220,00 (duzentos e vinte euros), que deverá liquidar até ao dia 8 de cada mês e anualmente atualizável, a partir de janeiro de 2023, em 5 € (cinco euros), a pagar por depósito ou transferência bancária para o IBAN que o progenitor providenciará, a que acresce a comparticipação em metade das despesas de saúde e educação do menor, na parte não comparticipada, que deverão ser remetidas por e-mail até 8 dias após o pagamento e liquidadas no prazo de trinta dias após a comprovação das mesmas.
C) no mais mantém-se na íntegra o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais constante da sentença recorrida.
As custas da apelação são suportadas pela recorrente, na proporção do seu vencimento, que se fixa em 90%.
Notifique.
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Guimarães, 30 de junho de 2022.


Relatora – Rosália Cunha;
1.ª Adjunta - Lígia Venade;
2.º Adjunto - Fernando Barroso Cabanelas.