Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3138/10.2TJVNF.G1
Relator: PAULO REIS
Descritores: ANULAÇÃO DE VENDA DE PAIS A FILHOS
PRAZO
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Para que tenha início o prazo previsto no n.º 2 do citado artigo 877.º do CC para o exercício do direito de propor ação de anulação de venda a filhos basta o conhecimento do dia, hora e cartório notarial em que seria outorgada a escritura pública de compra em venda, independentemente da comunicação dos concretos termos do negócio celebrado, sendo exigível ao filho que não deu o seu consentimento mas que foi avisado do mesmo o conhecimento da celebração do contrato, tendo por referência a data em que a escritura foi celebrada;

II – A legitimidade para pedir a anulação da venda a filhos cabe aos filhos que não deram o seu consentimento;

III - Tratando-se de um direito autónomo de certas categorias de pessoas, mostra-se desnecessário aferir da existência do consentimento do cônjuge da pessoa em cujo interesse a lei estabelece a anulabilidade da venda abrangida pelo n.º 1 do artigo 877.º do CC bem como da eventual caducidade do direito quanto ao mesmo.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

Maria e José instauraram ação declarativa sob a forma de processo ordinário contra:

- A. C.; M. F.; M. G. e marido Filipe; Fernanda e marido P. F.; M. M. e marido H. M.; C. J. e esposa C. F.; M. G. e marido Manuel; F. P.; M. L. e Fazenda Nacional – 2.º Serviço de Finanças X, pedindo que:

a) se declare anulada a compra e venda contratada no dia 27 de setembro de 2004 entre Manuel M. e esposa, a ré, F. P., enquanto vendedores e a ré M. F., como compradora, negócio esse formalizado por escritura pública outorgada no 1.º Cartório, exarada a partir de fls. 22 do livro de notas para escrituras diversas nº ...;
b) se ordene o cancelamento do registo da aquisição a favor da segunda ré, M. F., correspondente à apresentação n.º 3665 de 19 de Março de 2009;
c) se ordene o cancelamento do registo da penhora a favor da Fazenda Nacional – 2.º Serviço de Finanças X, correspondente à apresentação nº 3883 de 13 de abril de 2010.

Atento o falecimento, na pendência da ação, da ré M. L., foram habilitados M. F., M. G., Fernanda, M. M., C. J., M. G., F. P., A. F., M. J. e Arminda para os ulteriores termos da causa. Posteriormente, atento o falecimento da ré Arminda, foram ainda habilitados M. F., M. G., Fernanda, M. M., C. J., M. G., F. P., A. F. e M. J. para os ulteriores termos da causa.

Para o efeito alegaram, em síntese, que a autora é filha da ré A. C. e de Manuel M., este falecido a 16 de Agosto de 2005 no estado de casado com a 1.ª ré, sendo os réus M. F., M. G., Fernanda, M. M., C. J., Emília e F. P., igualmente, filhos do casal, que teve outra filha de nome O. C., falecida no estado de solteira, sem descendentes a 10-02-2007, deixando testamento no qual instituiu sua herdeira a ré M. L..

O casal era proprietário de um conjunto de imóveis, sitos no lugar de (...), freguesia de Calendário, cuja partilha foi realizada em finais de 2009 através de processo de inventário, não tendo tido a perceção imediata que faltava um imóvel, o que não teve oportunidade de esclarecer devido ao corte de relações com os familiares; meses depois da partilha, adquiriu a convicção da falta e começou a efetuar buscas na Conservatória do Registo Predial e nas Finanças, vindo a localizar, em 14-06-2010 uma escritura celebrada a 27-09-2004 pelos pais, como vendedores, e a ré M. F., como compradora, pelo preço de € 19.951,92 do prédio urbano de casa de habitação, inscrito na matriz sob o art.º (...), a desanexar do descrito sob o n.º (...) do Livro (...), preço esse inferior ao valor corrente que não seria inferior a € 150.000,00 por ter um edifício, quintal e logradouro.

Alegaram que a autora não deu o seu consentimento no ato, nem em momento posterior e desconhecia o negócio até à data em que localizou a escritura, acrescentando que a aquisição está registada a favor da ré M. F. e que, em 13 de abril de 2010 foi registada penhora a favor da Fazenda Nacional.

Todos os réus, com exceção da Fazenda Nacional, contestaram, sustentando que que a venda efetuada em setembro de 2004 à ré M. F., foi, como a efetuada à ré Emília, em janeiro do mesmo ano, do conhecimento da autora, a qual, por divergências com os irmãos e cunhados, afirmou que só assinava a escritura da ré Emília e não assinava a escritura da ré M. F., posição que manteve apesar de ter sido avisada atempadamente do dia, hora e Cartório pela irmã F. P., pelo pai e pela ré M. L..

Invocaram a exceção perentória de caducidade do direito da autora ao exercício do direito à anulação da escritura, por não ter sido exercido no prazo de um ano a contar da celebração da mesma e defenderam-se por impugnação

Pediram a condenação dos autores como litigantes de má-fé.

Subsidiariamente, para a hipótese de a ação ser julgada procedente, a ré M. F. deduziu reconvenção, requerendo a condenação dos autores a reconhecer que a ré M. F. tem direito de adquirir por acessão, pelo preço de € 19.951,92, o prédio descrito no artigo 28.º da petição inicial e, subsidiariamente, para a hipótese de improcedência do anterior, que se decida que tem direito a receber a quantia de € 322.951,92.
Admitidos os pedidos reconvencionais, foi proferido despacho saneador, relegando para a decisão final o conhecimento da exceção de caducidade.
Foram selecionados os factos assentes e controvertidos, elaborando-se base instrutória, com reclamação não atendida.
Foi proferido despacho declarando a extinção por inutilidade superveniente da lide do pedido formulado sob a alínea c) da petição inicial.

Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, que decidiu o seguinte:

“ (…)
A) julgando a ação não provada e improcedente:

a) absolve os Réus A. C., M. F., M. G. e marido Filipe, Fernanda e marido P. F., M. M. e marido H. M., C. J. e esposa C. F., M. G. e marido Manuel, F. P. e as habilitadas A. F. e M. J. dos pedidos formulados pelos Autores José e mulher Maria identificados supra sob as alíneas a) e b);
b) julga prejudicada a apreciação dos pedidos reconvencionais formulados pela Ré M. F. a título subsidiário.

B) julgando o incidente de litigância de má fé provado e procedente condena os Autores José e mulher Maria na multa de 10 (dez) UCs e na indemnização que vier a ser fixada relativamente a honorários e despesas decorrentes da presente lide para os Réus.
Custas a cargo dos Autores.
Registe e notifique”.

Inconformados, os autores apresentaram-se a recorrer, pugnando no sentido da revogação da sentença, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«I - A sentença recorrida contém evidentes e relevantes erros de julgamento, tanto em matéria de facto, como de direito, com violação clara e ostensiva de diversos preceitos legais;
II- Face à prova produzida, e concretamente a referida e reproduzida na fundamentação da decisão em matéria de facto, a sentença deverá alterar alguns pontos dessa decisão e aditar outros factos que foram provados;
III- Face à prova resultante dos depoimentos dos autores/recorrentes, dos réus/recorridos, das testemunhas arroladas por ambas as partes, todos citados na fundamentação, e dos documentos juntos aos autos, impõe-se dar como provado que também o autor/recorrente marido estava de relações cortadas com os vendedores do imóvel e com os réus/recorridos, aditando tal facto;
IV- Face à mesma prova, o tribunal devia dar como provado, aditando tal facto, que o corte de relações entre autores/recorrentes, por um lado, e vendedores do imóvel e réus/recorridos, por outro, ocorreu, pelo menos, no ano de 2000;
V- Face à prova documental apresentada, nomeadamente a certidão do processo de inventário nº 1323/07.3TJVNF, junta aos presentes autos em 8 de Setembro de 2017, o tribunal deveria ter dado como provado, aditando tal facto, que no dia 12 de Novembro de 2007, data em que os autores/recorrentes, então como herdeiros, foram notificados da relação de bens, o direito de propriedade sobre o prédio que veio a ser objecto de contrato de compra e venda cuja anulação se
peticiona, estava inscrito em nome de Manuel M.;
VI- Por evidente erro de apreciação e valoração de prova resultante dos depoimentos dos réus/recorridos e das testemunhas A. G. e L. G., bem como dos documentos juntos com a segunda contestação, o tribunal não deu como provado, como devia, que as obras levadas a cabo no imóvel em causa, foram executadas nos anos de 2001 e 2002;
VII- Face à prova resultante dos depoimentos dos réus/recorridos e das testemunhas A. G. e L. G., devidamente referidas na sentença, o tribunal deveria dar como provado, aditando tal facto, que o licenciamento das obras foi requerido e concedido em nome do vendedor Manuel M. e antes da celebração do contrato de compra e venda;
VIII- Uma vez que se trata de matéria que assenta apenas nos depoimentos, naturalmente interessados dos réus/recorridos e de seus familiares, todos de má relação com os autores/recorrentes, deve ser dada como não provada a matéria do ponto 3. da base instrutória (ponto 20. da decisão em matéria de facto);
IX- É ostensivo o erro de julgamento do ponto 21. da decisão em matéria de facto, face à prova documental produzida, não havendo outra;
X- O tribunal não pode dar como provado que com a conferência de interessados e com a notificação da relação e bens do referido processo de inventário, os autores/recorrentes tiveram conhecimento de quais eram os bens que integravam o acervo da herança;
XI- Com aqueles actos e a prova produzida, o tribunal só pode dar como provado que os autores/recorrentes tomaram conhecimento de quais os bens relacionados pela cabeça-de-casal, para partilha no processo de inventário referido em 11. da decisão em matéria de facto;
XII- Deve alterar-se a decisão do ponto 21. da matéria provada, ficando a constar como se indica supra na conclusão XI;
XIII- Deve ser aditado, como facto provado, o que consta do art. 1º da base instrutória, como ponto 86. da decisão em matéria de facto;
XIV- Deve ser corrigido o que consta do ponto 85. da decisão em matéria de facto, de modo a que fique a constar que os autores/recorrentes casaram no dia 21 de Março de 1981;
XV- Devem ser aditados, como provados, com a numeração que se segue, os seguintes factos:

a) "87. Só na mesma data de 14 de Junho de 2010 o autor marido teve conhecimento da celebração daquele contrato de compra e venda e das condições do mesmo".
b) "88. Também o autor marido estaria de relações cortadas com os réus e com o vendedor Manuel M.".
c) "89. Esses cortes de relações ocorreram, pelo menos, no ano de 2000".
d) "90. à data da notificação dos autores para os termos do processo de inventário referido em 11. e da relação de bens, o imóvel que foi vendido à ré M. F. continuava registado em nome do autor da herança e vendedor Manuel M.".
e) "91. As obras levadas a cabo no imóvel vendido à ré M. F. foram executadas nos anos de 2001 e 2002".
f) "92. O licenciamento de tais obras foi requerido e concedido em nome de Manuel M.".
XVI- Tendo em conta a matéria de facto provada, com as alterações que devem ser introduzidas, por via do presente recurso, a acção deve ser julgada procedente, pois que está confirmada e demostrada a celebração do contrato de compra e venda, sem o consentimento dos autores/recorrentes e não está provado qualquer facto extintivo do direito à anulação;
XVII- Não está provado o consentimento ou a confirmação, como não está provado, nem foi alegado, qualquer facto que sustente a caducidade do direito à anulação;
XVIII- A decisão em matéria de facto deve ser alterada, nos termos acima indicados, mas, mesmo que assim se não entenda, a acção deve ser julgada procedente e provada;
XIX- Ainda que considere que os autores/recorrentes foram informados da data e local onde "seria" outorgada a escritura de compra e venda, (ponto 20. Dos factos provados) tal comunicação não é idónea, adequada e apta a provar que eles recorrentes tomaram conhecimento da celebração do contrato de compra e venda e das respectivas condições mais de uma ano antes da propositura da acção;
XX- A constatação, pelos autores/recorrentes, de que o prédio foi objecto de obras, também não releva para efeitos de conhecimento da celebração do contrato de compra e venda, porque tais obras foram realizadas, como reconhecem os réus/recorridos, cujos depoimentos são citados na sentença, antes daquele contrato;
XXI- Igualmente não constitui facto demonstrativo de conhecimento, pelos autores/recorrentes, da celebração do contrato de compra e venda, a participação na conferência de interessados ou a notificação da relação de bens do inventário, tanto mais que com essa notificação foi apresentado documento autêntico que provava que o imóvel estava registado em nome do autor da herança;
XXII- Os autores/recorrentes não estavam obrigados a reclamar da relação de bens, nem a fazer diligências para descobrir se havia sido celebrado o contrato de compra e venda em causa, por a tanto não obrigar o art. 877º do C.C.;
XXIII- Os autores/recorrentes, apesar de a tanto não estarem obrigados, só podiam diligenciar pelo conhecimento da celebração do contrato de compra e venda, através dos documentos públicos (escritura e registo), mas não por informação a pedir à Autoridade Tributária, porque a lei o não permite;
XXIV- A sentença não deu como provado qualquer facto demonstrativo de que à autora/recorrente esposa tivesse sido dado a conhecer a efectiva celebração do contrato de compra e venda, limitando-se em relação a ela, a invocar o que consta dos pontos 20. a 23. da decisão em matéria de facto, como consta de fls. 51 a final e de fls. 52;
XXV- Em relação ao autor/recorrente marido, a sentença apenas fundamenta a sua decisão no que consta dos pontos 21. a 23. da decisão em matéria de facto, como consta de fls. 52;
XXVI- Mesmo em relação à autora/recorrente esposa, a sentença passa, sem suporte na factualidade provada, da pretensa comunicação de que a escritura "seria" celebrada (ponto 20. da decisão em matéria de facto) para um efectivo conhecimento da celebração do contrato ("sabendo da data da celebração" – fls. 52);
XXVII- Também quanto à condenação dos autores/recorrentes como litigantes de má-fé, a sentença altera factos, dando como certo que os autores/recorrentes receberam comunicação da efectiva celebração do contrato de compra e venda (o que não se provou), invoca factos relativos ao processo de inventário (falta de reclamação) e, ainda, as obras que foram realizadas no prédio
em datas anteriores à da celebração daquele contrato, em claro erro de julgamento, em flagrante desrespeito pela prova referida e reproduzida na própria sentença e em evidente violação da lei.
XXVIII - A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 342º, nºs 1 e 2, 877º, nºs 1 e 2, do C.C., no art. 467º, nº1, alínea d) do C.P.C., então em vigor e no art. 64º da Lei Geral Tributária (Dec. Lei nº 399/98, de 17 de Dezembro);
XXIX- Deve o presente recurso ser julgado procedente, tanto em matéria de facto, como de direito, e, por via disso, mas mesmo sem alteração da decisão em matéria de facto, determinar-se a revogação da sentença recorrida, produzindo-se aresto que julgue a acção procedente e provada, assim se fazendo
JUSTIÇA”

Os réus apresentaram contra-alegações, sustentando a improcedência da apelação e a consequente manutenção do decidido em 1.ª instância, requerendo, a título subsidiário, a ampliação do âmbito do recurso, incidindo sobre o abuso do direito, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem na parte relativa à requerida ampliação do âmbito do recurso):

«A presente acção, mesmo que não se considerasse caduca, hipótese que não se concebe nem se concede, a mesma teria o mesmo desiderato, pois os Recorrentes agiram nítida e claramente em abuso de direito.
125) Nos termos do artigo 334º do Código Civil “ é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
126) Muitas têm sido as abordagens ao conceito e à noção de “Abuso do Direito”, tais como, Vaz Serra, RLJ, 111-296, refere que há abuso do direito se alguém exercer o direito em contradição com uma sua conduta anterior em que fundadamente a outra parte tenha confiado e sustenta que a palavra “direito”é de entender em sentido muito lato, abrangendo a liberdade de contratar. « in Abuso do Direito, BMJ, 85, pag. 253».
127) E sobre aspecto, opina o mesmo Autor: «Na verdade, o princípio da confiança surge como uma mediação entre a boa-fé e o caso concreto. Ele exige que as pessoas sejam protegidas quando, em termos justificados, tenham sido levadas a acreditar na manutenção de um certo estado de coisas. Várias razões depõem nesse sentido. Em termos antropológicos e sociológicos,
podemos dizer que, desde a sedentarização, a espécie humana organiza-se na base de relacionamentos estáveis, a respeitar. No campo ético, cada um deve ser coerente, não mudando arbitrariamente de condutas, com isso prejudicando o seu semelhante. Juridicamente, a tutela da confiança acaba por desaguar no grande oceano do princípio da igualdade e da necessidade de harmonia, daí resultante: tratar o igual de modo igual e o diferente de forma diferente, de acordo com a medida da diferença (75). Ora, a pessoa que confie, legitimamente, num certo estado de coisas não pode ser tratada como se não tivesse confiado: seria tratar o diferente de modo igual».
128) Assim, ficou provado nos autos que: a Recorrente esteve presente na reunião na casa dos pais onde ficou decidido a venda da casa destes à Recorrida M. F. pelo preço de 19.951,92€uros.
129) Também como ficou amplamente provado que os Recorrentes foram avisados do dia, hora e local da escritura de compra e venda dos autos.
130) No processo de inventário supra aludido, tinham os Recorrentes plena consciência que tal prédio não fazia parte daquela relação de bens e nada fizeram.
131) Ficou também provado que ambos sabiam que os seus pais e sogros respectivamente não tinham condições económicas para construir a dita casa.
132) Ficou também provado que ambos viram a construção da mesma.
133) Reuniu a Recorrente com os irmãos depois do falecimento do pai e na casa construída e pertencente à Recorrida M. F..
134) Visitava a mãe, o que lhe podia ter perguntado o que agora refere nos autos.
135) As obras de remodelação iniciaram-se em 2000 e os Recorrentes só se pronunciaram em 2010 !
136) Deste modo, os Recorrentes contemporizaram o assunto durante cerca de 8 anos, o que constituiu claro e flagrantemente um abuso de direito (por venire).
137) No presente caso, os Recorrentes deixaram o caso arrastar-se com o único propósito de obter um objectivo ilegal, neste caso, como atrás foi referenciado, um caminho pelos prédios dos Recorridos.
138) Todos os irmãos confiaram nos Recorrentes, nem sequer imaginariam que os mesmos pudessem ter a ousadia de propor a presente acção.
139) E a Recorrida M. F. tanto confiou, que levou a efeito uma construção de cerca de 350,000,00€uros.
140) Posto isto, por mera hipótese académica, de se vir agora dar razão aos Recorrentes, hipótese que não se concebe nem concede, prevenindo tal desiderato, subsidiariamente se alega que aqueles agiram flagrantemente em nítido abuso de direito.
141) O Recorrente marido, na Petição Inicial, não alegou quaisquer factos que pudessem, quanto a ele, vir a obter o provimento da acção.
142) O mesmo jamais alega o que quer que fosse, em toda a Petição Inicial, que foi somente instruída pela Recorrente mulher, jamais se fazendo alusão ao aqui Recorrente.
143) Deste modo, por mera hipótese académica, de se vir dar razão ao Recorrente, ou seja, que o mesmo não deu consentimento ou teve conhecimento da venda, hipótese que não se concede nem concebe, prevenindo tal posição, subsidiariamente se alega que o mesmo não alega factos, nem consequente pedido, para que se lhe possa dar razão (…)”.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (artigos. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), o objeto do presente recurso circunscreve-se às seguintes questões:

A) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
B) Caducidade;
C) Direito dos autores a obter a anulação do contrato de compra e venda;
D) Abuso do direito;
E) Reconvenção;
F) Litigância de má-fé;
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos

1.1.Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª instância na decisão recorrida:
1.1.1. A Autora é filha da primeira ré F. P. e de Manuel M.;
1.1.2. Este último faleceu, no estado de casado com a primeira ré, no dia 16 de agosto de 2005;
1.1.3. As rés M. F., M. G., Fernanda, M. M., Emília e F. P., bem como o Réu C. J. José, são filhos, igualmente, da primeira ré F. P. e do falecido Manuel M.;
1.1.4. Todos os referidos segunda a oitava réus são, juntamente com a autora e com a primeira ré, os únicos herdeiros e interessados na herança aberta por óbito de Manuel M.;[
1.1.5. Além daqueles filhos, o casal constituído pela primeira Ré e pelo falecido Manuel M. tinha, ainda, uma outra filha, de seu nome O. C.;
1.1.6. A qual faleceu, no estado de solteira e sem descendentes, no dia 10 de fevereiro de 2007;
1.1.7. Tendo deixado testamento, mediante o qual institui como herdeira da quota disponível da sua herança sua tia M. L., aqui nona ré;
1.1.8. Testamento esse outorgado no dia 14 de Janeiro de 1997, no Primeiro Cartório Notarial;
1.1.9. Desde há vários anos, a Autora estava de relações pessoais cortadas com os seus pais e irmãos;
1.1.10. Em finais de 2009, foram realizadas partilhas de bens que compunham a herança aberta por óbito do referido Manuel M.;
1.1.11. Partilha essa realizada de forma litigiosa e através de processo de inventário n.º 1323/07.3TJVNF deste juízo;
1.1.12. Por escritura pública de compra em venda, outorgada no 1º Cartório Notarial, no dia 27 de Setembro de 2004, os pais da autora (Manuel M. e A. C., aqui primeira ré), na qualidade de vendedores, venderam, a M. F., pelo preço declarado de € 19.951,92 (dezanove mil novecentos e cinquenta e um euros e noventa e dois cêntimos) o prédio urbano, de casa de habitação, sito na Rua (...), ou lugar de (...), da freguesia de Calendário, desta comarca, inscrito na matriz sob o artigo (...) e a desanexar do descrito sob o n.º (...) do livro (...);
1.1.13. Aquele contrato de compra e venda foi celebrado com consentimento de todos os filhos dos vendedores, com exceção da aqui autora;
1.1.14. A falta de consentimento da aqui autora consta expressamente da referida escritura;
1.1.15. O imóvel vendido pelo Manuel M. e A. C. à segunda ré, identificado em 12., veio a ser descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (...)-Calendário;
1.1.16. Na inscrição correspondente à aquisição a favor da segunda ré foi feita a menção expressa de que “o negócio jurídico é anulável por falta de consentimento de terceiros”;
1.1.17. Tal registo de inscrição foi requerido pela apresentação n.º 3665 de 19 de março de 2009;
1.1.18. No dia 13 de abril de 2010, pela apresentação n.º 3883, foi registada penhora, sob o identificado imóvel, a favor da Fazenda Nacional – 2.º Serviço de Finanças X;
1.1.19. O valor do imóvel antes das obras de remodelação aludidas infra ascendia a cerca de € 100.000;
1.1.20. A autora foi avisada do dia, hora e Cartório Notarial em que seria outorgada a escritura referida em 12., nomeadamente, pela ré sua irmã, F. P., por seu falecido pai e pela ré M. L.;
1.1.21. Em 9 de Setembro de 2009, data da conferência de interessados e já antes, em 12 de novembro de 2007, quando foram notificados da relação de bens, os autores tiveram conhecimento de quais eram os bens que integravam o acervo da herança no inventário referido em 11;
1.1.22. Então, os autores constataram que não constava, na relação de bens, nos bens que constituíam a herança deixada por óbito de seu pai/sogro, o imóvel identificado em 12;
1.1.23. E nada disseram;
1.1.24. Aproveitando parte das paredes exteriores do edifício preexistente correspondente aos artigos (...) da matriz urbana, a ré M. F. construiu, a suas expensas, uma moradia composta de cave, rés-do-chão e andar ampliada e remodelada, com a superfície coberta de 289,55 m2 e quintal ou logradouro com a área de 1.594 m2;
1.1.25. A construção referida em 24., ascendeu a € 290.000;
1.1.26. A construção preexistente apresentava degradação e idade que conferia poucas condições de conforto;
1.1.27. Na habitação principal foi adotado um estilo arquitetónico incaracterístico e heterogéneo e no anexo e abrigo de animais volumetrias simples com cobertura inclinada revestida a material idêntico ao da habitação;
1.1.28. A moradia compõe-se de rés-do-chão e andar, sendo o piso térreo destinado à zona social e de serviço, constituído pelos seguintes compartimentos e áreas úteis:

a) hall, 22,40 m2;
b) quarto de banho social, 3,30 m2;
c) suite, 25,32 m2;
d) cozinha, 13,30m2;
e) sala comum, 53,50 m2;
f) alpendre, 12,90 m2;
- o piso elevado, que alberga a zona íntima, compõe-se de:
g) vestíbulo, 23 m2;
h) escritório, 28,70 m2;
i) quarto de dormir, 15,70 m2;
j) quarto de banho comum, 7,50 m2;
1) quarto de dormir, 13,50 m2;
m) suite, 51 m2;
n) varandas e alpendre, 19,80 m2 ;
1.1.29. No que concerne à sua estrutura geral as paredes são resistentes em alvenaria de granito de 0,40 m de espessura, na zona correspondente à preservação de parte do edifício preexistente;
1.1.30. A restante e maioritária estrutura, foi executada em betão armado em fundações, pilares, vigas, escadas e varandas, incluindo os anexos, pilares em granito nas varandas e alpendres da moradia, bem como laje aligeirada pré-esforçada em pisos elevados;
1.1.31. O anexo destinado a garagem compõe-se de cave e rés-do-chão sendo que o piso elevado da mesma foi executado em laje aligeirada pré esforçada;
1.1.32. As paredes exteriores construídas de novo na habitação são duplas, em alvenaria de tijolo cerâmico/bloco de cimento pela face exterior e em painéis de alvenaria seca pela face interior, ao passo que as paredes exteriores da garagem são duplas em alvenaria de tijolo cerâmico/bloco de cimento;
1.1.33. Essas paredes formam uma caixa de ar;
1.1.34. As paredes exteriores do abrigo de animais e da garagem são em alvenaria de bloco de cimento, respetivamente de 0,20 m e 0,30 m de espessura e as paredes da adega são simples, executadas em betão armado segundo o projeto de especialidade apresentado na Câmara Municipal;
1.1.35. As paredes interiores são duplas em painéis de alvenaria seca da “(...)”, apoiados em estrutura de perfis de chapa galvanizada, em toda a compartimentação da moradia;
1.1.36. As paredes divisórias dos anexos foram executadas em alvenaria de tijolo cerâmico vazado de 0,11 m e 0,07 m de espessura;
1.1.37. A cobertura da moradia foi realizada em estrutura de vigotas de betão préesforçado e paredes “otões” de tijolo cerâmico;
1.1.38. Como revestimento foi aplicada telha cerâmica do tipo “Lusa”, antecedida de isolamento térmico, composto por poliuretano projetado a telha;
1.1.39. As coberturas dos anexos, compostos por uma única água, foram realizadas em estrutura de perfis de ferro com pintura anti-corrosão, sendo-lhe aplicada a telha cerâmica, tipo “Lusa”;
1.1.40. No anexo para garagem, e pela face interior da cobertura, foi aplicada uma manta fina de isolamento;
1.1.41. Os pavimentos térreos foram realizados em betonilha;
1.1.42. Esta betonilha foi posteriormente regularizada de acordo com o acabamento a aplicar em cada ambiente;
1.1.43. As paredes exteriores de toda a moradia e anexos apresentam acabamento a areado fino e os vãos de portas e janelas foram guarnecidos no seu perímetro com placagem de granito do tipo “Vila Real”;
1.1.44. O mesmo material foi aplicado em soleiras e peitoris destes indicados vãos;
1.1.45. Nas instalações sanitárias, foi aplicado azulejo cerâmico de primeira qualidade, de duas tonalidades, separadas por barra decorativa;
1.1.46. Na cozinha e na parede correspondente à zona da copa suja, foi aplicado granito polido “Negro Absoluto” na espessura média de 0,03 m;
1.1.47. Nas restantes paredes da cozinha e dos restantes compartimentos foi aplicada sobre a alvenaria seca tinta com textura do tipo “côdea de broa”;
1.1.48. Na sala comum e na parede que confina com o hall, foi aplicado um painel de madeira nobre, devidamente envernizado, cujos painéis dispostos na horizontal se encontram com as suas juntas ocultas por perfis de alumínio à cor natural;
1.1.49. A parede do hall que confina com a parede acima descrita, e que corresponde à preexistência que se conservou, foi restaurada, sendo as suas juntas preenchidas com argamassa de cimento e areia, e a pedra lavada com jacto de água, conferindo-lhe o bom aspeto que atualmente apresenta;
1.1.50. As paredes da instalação sanitária do anexo para a garagem, foram igualmente revestidas a material cerâmico de uma tonalidade;
1.1.51. As restantes paredes dos dois anexos foram rebocadas e areadas a argamassa de cimento, areia e cal hidráulica;
1.1.52. Os pavimentos das zonas de serviço, social e instalações sanitárias da moradia foram revestidos a tijoleira cerâmica de primeira qualidade;
1.1.53. As cerâmicas aplicadas nos pavimentos das instalações sanitárias, apresentam os tons adotados no azulejo aplicado na primeira metade das suas paredes;
1.1.54. A tijoleira aplicada no hall, cozinha, sala comum, alpendres e varandas, apresenta tons mediterrânicos;
1.1.55. O pavimento dos quartos de dormir, incluindo o do rés-do-chão, vestíbulo do primeiro andar e escritório, foi revestido em soalho de madeira maciça de “Jatobá”, pregado e colado ao pavimento;
1.1.56. Os pavimentos dos anexos, foram acabados a betonilha de cimento afagada;
1.1.57. Os tetos de todos os compartimentos da moradia são suspensos em gesso cartonado, com a aplicação de molduras decorativas em gesso na transição destes com as paredes;
1.1.58. O teto do anexo para garagem, apresenta o isolamento térmico à vista e o teto do abrigo para animais apresenta a telha cerâmica à vista;
1.1.59. O teto da cave do anexo correspondente à adega, foi rebocado e areado com cimento, areia e cal hidráulica;
1.1.60. As caixilharias exteriores foram realizadas em perfis de PVC de abrir e com a função de oscilo-batente, onde foram aplicados vidros duplos;
1.1.62 (1). A proteção destes vãos constitui-se por portadas exteriores do tipo veneziana, também de abrir;
1.1.62 (2). As réguas venezianas possibilitam o seu manuseamento orientável;
1.1.63. A porta principal de acesso à moradia foi igualmente realizada no mesmo material com almofadas e molduras decorativas;
1.1.64. As portas interiores, exceto as portas da cozinha para a sala comum e desta para o hall, que são em vidro temperado, foram realizadas em aglomerado e revestidas a folha de madeira, aros, rodapés, apainelados e molduras em madeira maciça;
1.1.65. As escadas interiores têm os seus patins revestidos a madeira maciça e os espelhos revestidos a vidro laminado fosco, igual ao que foi aplicado na guarda das mesmas;
1.1.66. O interior dos armários roupeiros foi realizado em aglomerado revestido a folha de madeira na sua forra, prateleiras e gavetas;
1.1.67. As frentes dos armários, constituem-se por portas de correr, em aro de madeira com o vão central preenchido a vidro laminado fosco;
1.1.68. Na sua conceção foram aplicados todos os acessórios necessários, tais como corrediças, varões em aço e puxadores;
1.1.69. As ferragens e manípulos incluindo as de vidro temperado aplicadas em todas as portas interiores são de aço escovado;
1.1.70. A guarda das escadas interiores, foi igualmente executada em madeira maciça no que se refere à sua estrutura e corrimão, sendo-lhe aplicados vidros laminados foscos e alguns elementos em tubo redondo de inox;
1.1.71. Todas as paredes exteriores, interiores e tetos da moradia, incluindo as paredes do anexo para garagem, foram pintadas com tintas à base de água, apropriadas a cada situação;
1.1.72. As madeiras foram envernizadas com verniz meio brilho, incluindo o soalho e capeamento das escadas;
1.1.73. As peças sanitárias, designadamente os lava-mãos, bacias de retrete e bidés, são em porcelana vitrificada branca de primeira qualidade;
1.1.74. As bases de chuveiro e banheiras são em acrílico, sendo que a banheira da suite no andar é equipada com hidromassagem;
1.1.75. Na zona da base de chuveiro do quarto de banho privativo da suite do primeiro andar foram aplicadas proteções em vidro temperado e nas restantes zonas dos banhos foram aplicadas proteções de alumínio e acrílico;
1.1.76. As misturadoras de lavatório, bidé, chuveiro e banheira, são de primeira qualidade, cromadas de monocomando, com bichas e chuveiros apropriadas a cada situação;
1.1.77. Em todas as instalações sanitárias foram aplicados acessórios, porta toalhas e rolos, aplicados à parede ou de pousar, consoante as situações,
1.1.78. Para além das instalações especiais, designadamente rede de abastecimento de água, saneamento, águas pluviais, eletricidade e telecomunicações, a moradia foi dotada de climatização em piso radiante em todos os compartimentos;
1.1.79. Na sala comum foi construído um fogão de sala, com vão guarnecido em pedra natural;
1.1.80. A cozinha encontra-se equipada com mobiliário em madeira envernizada e lacada, composta por módulos superiores e inferiores com tampos em granito polido “Negro Absoluto”, armários despenseiros, ilha de preparação e confeção de alimentos com hotte de exaustão suspensa ao teto;
1.1.81. A ré M. F., por si (a partir de finais de 2004), antepossuidores e anteproprietários, em exclusivo no prédio em causa, faz, respetivamente, obras e melhoramentos, habita-o, zela pela sua conservação, paga as contribuições devidas;
1.1.82. A ré vem praticando os atos referidos em ininterruptamente, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja;
1.1.83. Age na convicção de não lesar direito alheio, convicta que é sua única dona;
1.1.84. Os autores para além de serem irmã e cunhado, respetivamente, da segunda ré, são vizinhos e assistiram às obras de remodelação e ampliação do prédio;
1.1.85. Os autores casaram a 21 de Março de 1891, com convenção antenupcial outorgada no anterior dia 5 de Março na qual acordaram no regime de comunhão geral.
*
1.2. O Tribunal recorrido considerou não provados os seguintes factos:

1.2.1. Não resultaram provados os factos vertidos nos artigos 1.º e 78.º da base instrutória;
1.2.2. Os demais apenas foram julgados provados na exata medida do conteúdo da fundamentação de facto no seu conjunto.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso

2.1. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto

Os recorrentes começam por impugnar a decisão sobre a matéria de facto incluída na sentença recorrida.

A título de questão prévia, importa atentar que, sob o ponto XIV das conclusões das alegações, os recorrentes requererem a correção da matéria que consta do ponto 85., dos factos provados, de modo a que fique a constar que os autores/recorrentes casaram no dia 21 de março de 1981, e não em 21 de março de 1891, como do referido ponto consta.

Relativamente à pretendida correção, verifica-se que a mesma tem por base um manifesto lapso de escrita, à luz do disposto no artigo 249.º do Código Civil (CC), porque revelado no próprio contexto da declaração e pelo confronto com os documentos juntos aos autos, concretamente do teor da certidão que consubstancia o documento referenciado no referido ponto 85., dos factos provados, reproduzida a fls. 488 v.º e 489 dos autos. Na verdade, trata-se, manifestamente, de uma divergência entre a vontade declarada e a vontade real do juiz expressa na decisão judicial(1).
Ora, não se tratando de um erro de julgamento, é manifesto que o mesmo não pode ser suscitado por via deste recurso, concretamente no âmbito da impugnação da matéria de facto.

Na verdade, como exceção à regra da intangibilidade da sentença para o juiz que a proferiu, tal como consagrado no artigo 613.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, prevê a lei, além do mais, a possibilidade da retificação de erros de escrita, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz - cf. artigos 614.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. Neste domínio, prevê ainda o artigo 614.º, n.º 2 do mesmo diploma, que, em caso de recurso, a retificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à retificação.

Assim sendo, não tendo tal questão sido suscitada junto do tribunal recorrido por meio de requerimento autónomo, decide-se não conhecer da suscitada retificação da matéria que consta do ponto 85., dos factos provados, por se tratar de mero lapso material ou de escrita cujo âmbito não interfere com o mérito da causa, nem pode ser obtida por via do presente recurso.

Os recorrentes impugnam ainda a decisão relativa à matéria de facto, nos termos seguintes:

i) O facto constante do artigo 1.º da base instrutória - No dia 14 de junho de 2010, a A. Tomou conhecimento do negócio que havia sido celebrado entre os seus pais e sua irmã M. F., aqui segunda ré e identificado em L) e dos termos em que foi contratado - foi indevidamente considerado não provado, devendo ser julgado provado.
ii) Deve ser dada como não provada a matéria do ponto 3.º da base instrutória, a que corresponde o ponto 20.º da decisão da matéria de facto - A Autora foi avisada do dia, hora e Cartório Notarial em que seria outorgada a escritura referida em 12), nomeadamente, pela Ré sua irmã, F. P., por seu falecido pai e pela Ré M. L.;
iii) O facto constante do ponto 21., da matéria provada - Em 9 de Setembro de 2009, data da conferência de interessados e já antes, em 12 de novembro de 2007, quando foram notificados da relação de bens, os autores tiveram conhecimento de quais eram os bens que integravam o acervo da herança no inventário referido em 11., - deve ser alterado, para passar a constar que os autores/recorrentes tomaram conhecimento de quais os bens relacionados pela cabeça-de-casal, para partilha no processo de inventário referido em 11., da decisão em matéria de facto.
iv) Deve ser aditado à matéria de facto provada que, só na mesma data de 14 de Junho de 2010 o autor marido teve conhecimento da celebração daquele contrato de compra e venda e das condições do mesmo;
v) Deve ser aditado à matéria de facto provada que, também o autor marido estaria de relações cortadas com os réus e com o vendedor Manuel M.;
vi) Deve ser aditado à matéria de facto provada que, esses cortes de relações ocorreram, pelo menos, no ano de 2000;
vii) Deve ser aditado à matéria de facto provada que, à data da notificação dos autores para os termos do processo de inventário referido em 11. e da relação de bens, o imóvel que foi vendido à ré M. F. continuava registado em nome do autor da herança e vendedor Manuel M.;
viii) Deve ser aditado à matéria de facto provada que, as obras levadas a cabo no imóvel vendido à ré M. F. foram executadas nos anos de 2001 e 2002;
ix) Deve ser aditado à matéria de facto provada que, o licenciamento de tais obras foi requerido e concedido em nome de Manuel M..

Nas contra-alegações apresentadas, os recorridos pronunciam-se relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, sustentando que os recorrentes não identificaram os concretos pontos de facto que têm como mal julgados, não indicado os meios de prova que deveriam ter conduzido a um resultado probatório diverso e, principalmente, por não terem feito a indicação exata das passagens da gravação das testemunhas em que se fundam para a modificação da decisão, nem terem procedido à sua transcrição ou desenvolvido uma análise crítica dessa prova por forma a demonstrar o alegado erro decisório. Requerem a rejeição do recurso sobre a matéria de facto, por não cumprimento dos ónus previstos no artigo 640.º do CPC, entre outros, o n.º 2 da alínea b).

Cumpre apreciar

A impugnação da decisão relativa à matéria de facto obedece a determinadas exigências. Neste domínio, o artigo 640.º do CPC, prevê diversos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, prescrevendo o seguinte:

Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Relativamente ao alcance do regime decorrente do preceito legal acabado de citar, refere António Santos Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, p. 126), que “a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e sínteses nas conclusões; b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar, com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto”.

No caso vertente, verifica-se pela análise das alegações dos recorrentes que estes indicam efetivamente os pontos da matéria de facto que consideram incorretamente julgados, nos termos supra enunciados.

Analisando o corpo das alegações, verifica-se que os recorrentes tecem considerações sobre a apreciação e valoração da prova que foi feita pelo tribunal recorrido, sustentando que os meios de prova em que se baseou a decisão, designadamente os depoimentos dos réus/recorridos não podem, porque desacompanhados de outros meios de prova, merecer a credibilidade que o tribunal recorrido lhes conferiu, porque contraditados pelos depoimentos dos autores/recorrentes e porque se trata de declarações manifestamente concertadas entre os réus/recorridos com as testemunhas seus familiares e amigos.

Defendem que face à prova produzida, considerada no seu conjunto e articuladamente, à idoneidade de cada um dos meios de prova, em especial dos depoimentos prestados, resulta que os autores/recorrentes não tiveram conhecimento da efetiva celebração do negócio e das respetivas condições senão no dia 14 de junho de 2010.

Sustentam que a decisão contida no ponto 21. da matéria de facto é absolutamente incorreta e não corresponde à realizada e à prova produzida, afirmando que o tribunal confundiu os bens que estavam relacionados, para partilha, no processo de inventário, com os bens que integravam o acervo da herança mas não bens que integravam o acervo da herança, fazendo considerações jurídicas sobre o objeto da partilha.
Relativamente à matéria relativa ao licenciamento e execução das obras, aludem aos depoimentos prestados e aos documentos apresentados pelos réus/recorridos, remetendo para o que consta da fundamentação da sentença recorrida no que concerne aos depoimentos das rés M. F. e Emília e testemunha L. G..

Tal como decorre do antes exposto, verifica-se que, em parte da matéria impugnada, os recorrentes não especificam os concretos meios probatórios que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos enunciados, aludindo genericamente à valoração feita pelo tribunal face à prova produzida. Noutros, aludem aos documentos juntos aos autos e a alguns depoimentos prestados em sede de audiência final mas limitam-se, quanto a estes, a remeter para a fundamentação que consta da sentença recorrida, não indicando, no caso dos meios probatórios gravados, as concretas passagens da gravação em que baseiam o seu recurso.

Ora, tal como resulta do sumário do Ac. STJ de 19-05-2015 (relatora: Maria dos Prazeres Beleza), proferido na revista n.º 405/09.1TMCBR.C1.S1 - 7.ª Secção (disponível em http://www.dgsi.pt), “(…) A impugnação da decisão de facto, feita perante a Relação, não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação.

(…) Não observa tal ónus o recorrente que identifica os pontos de facto que considera mal julgados, mas se limita a indicar os depoimentos prestados e a listar documentos, sem fazer a indispensável referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado”.

Assim sendo, no que respeita aos pontos da impugnação da matéria de facto supra enunciados sob i) a vi, viii) e ix), resta concluir que os recorrentes não observaram o ónus previsto no artigo 640.º, n.º 1, al. b), do CPC.

O incumprimento de tal ónus leva à rejeição do recurso, na parte relativa à impugnação da matéria de facto, tal como decorre expressamente do disposto no artigo 640.º, n.º1 do CPC.

Pelo exposto, decide-se rejeitar o recurso relativo à impugnação da decisão relativa à matéria de facto, na parte atinente aos pontos supra enunciados sob i) a vi), viii) e ix).

Quanto à impugnação aludida em vii), no sentido de ser aditado que, à data da notificação dos autores para os termos do processo de inventário referido em 11. e da relação de bens, o imóvel que foi vendido à ré M. F. continuava registado em nome do autor da herança e vendedor Manuel M., os recorrentes baseiam tal facto “Face à prova documental apresentada, nomeadamente a certidão do processo de inventário n.º 1323/07.3TJVNF, junta aos presentes autos em 8 de setembro de 2017” - cf. o ponto V das conclusões das respetivas alegações.

Quanto a este ponto, e apesar da referência genérica à prova documental apresentada, afigura-se minimamente concretizado o meio probatório que os recorrentes entendem impor o referido aditamento, o qual se traduz na “certidão do processo de inventário n.º 1323/07.3TJVNF, junta aos presentes autos em 8 de setembro de 2017”.

Assim, no que concerne a este facto, considera-se suficientemente cumprido o ónus imposto pelo artigo 640.º, n.º 1, al. b), do CPC.

Relativamente ao concreto ponto da matéria de facto agora em apreciação, cumpre salientar que o mesmo não foi sequer alegado nos articulados, tal como aliás sucede com os restantes factos que são objeto dos pretendidos aditamentos suscitados pelos recorrentes no presente recurso.

Como tal, sempre haveria que averiguar se este facto que os recorrentes pretendem seja aditado à matéria de provada se inclui nos poderes de cognição do tribunal, tendo em conta o regime estatuído no artigo 5.º do CPC.

Ora, neste contexto, afigura-se manifesto que a matéria agora proposta pelos recorrentes encerra matéria de índole conclusiva, por dever ser retirada como consequência da apreciação da matéria de facto provada, consubstanciando um juízo valorativo, o qual, em qualquer caso, sempre estaria dependente da enunciação de factos prévios que a sustentassem.
Por conseguinte, é manifesto que não pode proceder a ampliação agora proposta pelos recorrentes, porquanto, conforme resulta do disposto no artigo 607.º, n.º 4 do CPC, o Tribunal só deve responder aos factos que julga provados e não provados, não envolvendo esta pronúncia aqueles pontos que contenham matéria conclusiva, irrelevante ou de direito.
Assim sendo, não pode tal matéria ser incluída nos factos provados, por consubstanciar matéria conclusiva.
Em consequência, improcede a impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

2.2. Caducidade

Atenta a improcedência da impugnação da matéria de facto, resulta evidente que os factos a considerar na apreciação da questão de direito são os que se mostram enunciados sob os n.ºs 1.1.1. a 1.1.85 supra.

Os recorrentes, nas respetivas alegações, expressam, além do mais, a sua discordância relativamente à solução jurídica fixada em função da matéria de facto dada como provada, sustentando que está confirmada e demonstrada a celebração do contrato de compra e venda, sem o consentimento dos autores/recorrentes e não está provado qualquer facto extintivo do direito à anulação. Ainda que considere que os autores/recorrentes foram informados da data e local onde “seria” outorgada a escritura de compra e venda, tal comunicação não é idónea, adequada e apta a provar que eles recorrentes tomaram conhecimento da celebração do contrato de compra e venda e das respetivas condições mais de um ano antes da propositura da ação.

Igualmente não constitui facto demonstrativo de conhecimento pelos autores/recorrentes da celebração do contrato de compra e venda, a participação na conferência de interessados ou a notificação da relação de bens do inventário, tanto mais que com essa notificação foi apresentado documento autêntico que provava que o imóvel estava registado em nome do autor da herança.
Vejamos se lhes assiste razão.

Com relevo para a apreciação da questão suscitada, extrai-se da decisão recorrida o seguinte:

“Revertendo para a situação dos autos, ficou demonstrado que quer a Ré M. F., como o falecido progenitor, as Rés F. P. e M. L., transmitiram à Autora o dia, hora e Cartório Notarial em que seria outorgada a escritura de venda que veio a ser outorgada no 1º Cartório Notarial, no dia 27 de Setembro de 2004, pela qual Manuel M., falecido a 16 de Agosto de 2005, e a Ré A. C. transmitiram a sua filha M. F., pelo preço declarado de € 19.951,92, o prédio urbano, de casa de habitação, sito na Rua …, ou lugar de (...), da freguesia de Calendário, desta comarca, inscrito na matriz sob o artigo (...) e a desanexar do descrito sob o nº (...) do livro (...) da Conservatória do Registo Predial, atualmente descrito sob o nº (...) - Calendário.

Sabendo da data da celebração, a demandante tinha o prazo de ano para instaurar ação de anulação invocando as razões pelas quais decidiu não comparecer, caducando tal direito em 27 de Setembro de 2005.

Quanto ao Autor, em face do regime da comunhão geral de bens, era também exigível o seu consentimento. Provou-se que no processo de inventário que correu termos sob o nº 1323/07.3TJVNF do 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, os Autores foram notificados da relação de bens em 12 de Novembro de 2007 ficando a saber que da mesma não fazia parte o imóvel alienado, mas não apresentaram reclamação quanto a essa falta; subsequentemente, realizada a conferência de interessados a 9 de setembro de 2009, também nada disseram.

Impõe-se concluir que a invalidade em causa ficou sanada, quando muito, em 12 de novembro de 2007, impondo-se concluir que à data da propositura da presente ação - 27 de setembro de 2010 -, há longo tempo tinha caducado o direito potestativo de anulação”.
Em consequência da verificada caducidade do direito potestativo de anulação, o Tribunal a quo julgou a ação improcedente, absolvendo os réus dos pedidos formulados.

Está em causa a anulação de uma venda efetuada no dia 27 de setembro de 2004 entre Manuel M. e esposa, a ré, F. P., enquanto vendedores e a ré M. F., como compradora, negócio esse formalizado por escritura pública outorgada no 1.º Cartório, exarada a partir de fls. 22 do livro de notas para escrituras diversas n.º ....

Trata-se, assim, de uma venda a filhos, porquanto resulta da factualidade apurada em 1.1.3., que a compradora, M. F. é filha dos vendedores.

Neste domínio, e conforme prevê o artigo 877.º, do CC, com a epígrafe Venda a filhos ou netos:

1. Os pais e avós não podem vender a filhos ou netos, se os outros filhos ou netos não consentirem na venda; o consentimento dos descendentes, quando não possa ser prestado ou seja recusado, é susceptível de suprimento judicial.
2. A venda feita com quebra do que preceitua o número anterior é anulável; a anulação pode ser pedida pelos filhos ou netos que não deram o seu consentimento, dentro do prazo de um ano a contar do conhecimento da celebração do contrato, ou do termo da incapacidade, se forem incapazes.
3. A proibição não abrange a dação em cumprimento feita pelo ascendente.

Tal como decorre claramente do citado preceito legal, a falta do consentimento dos outros filhos configura um requisito essencial para que a venda a filhos seja anulável.

Assim, estando em causa uma ação de anulação de venda a filhos, deve entender-se que o consentimento (ou falta dele) para o negócio em causa configura verdadeiro facto constitutivo do direito de anulação cujo ónus de alegação e prova compete aos autores, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 342.º, n.º 1 do CC - cf. neste sentido, entre outros, P. Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, 3.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1986, pg. 171; Ac. STJ de 29-05-2012 (relator: Salazar Casanova), proferido na revista n.º 4146/07.6TVLSB.L1.S1 - 6.ª Secção (disponível em http://www.dgsi.pt).

No caso em apreciação, mostra-se pacificamente assente nos autos que o contrato de compra e venda objeto do pedido de anulação foi celebrado com consentimento de todos os filhos dos vendedores, com exceção da aqui autora, e que a falta de consentimento da aqui autora consta expressamente da referida escritura - cf. os pontos 13., e 14., dos factos provados. Assim sendo, dúvidas não restam em considerar verificado o referido requisito da falta de consentimento por parte da autora, enquanto titular do interesse em benefício do qual a lei estabelece a referida anulabilidade da venda.

Como se viu, a falta de consentimento gera a anulabilidade do contrato, a qual pode ser requerida pelo titular do interesse relevante para o efeito, no caso pelo filho (ora autora) que não deu o consentimento, e no prazo de um ano a contar do conhecimento da celebração do contrato. Trata-se, assim, de um prazo de caducidade, à luz do disposto no artigo 298.º, n.º 2 do CC (2), cujo decurso tem como consequência a extinção do direito em causa, não sendo suscetível de suspensão nem de interrupção (artigo 328 do CC).

Está, assim, em causa saber se a ação de anulação foi ou não oportunamente proposta.

Nos termos do artigo 331.º, n.º 1 do CC “só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do ato a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo”, prevendo ainda o n.º 2 do citado preceito que, “quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem devia ser exercido”.

No caso vertente, estamos perante o direito de propor uma ação de anulação, pelo que dúvidas não restam de que a caducidade só é impedida com a sua propositura, a qual ocorreu em 27 de setembro de 2010, tal como consta da decisão recorrida, não impugnada nessa parte.

A controvérsia reside, então, em saber se pode entender-se que resulta dos autos a ocorrência do facto que a lei considera relevante para que tenha início o prazo de caducidade para o exercício do direito - o conhecimento da celebração do contrato (artigo 877.º, n.º 2 do CC já citado).

A este propósito mostra-se demonstrado nos autos que por escritura pública de compra em venda, outorgada no 1.º Cartório Notarial, no dia 27 de Setembro de 2004, os pais da autora (Manuel M. e A. C., aqui primeira Ré), na qualidade de vendedores, venderam, a M. F., pelo preço declarado de € 19.951,92 (dezanove mil novecentos e cinquenta e um euros e noventa e dois cêntimos) o prédio urbano, de casa de habitação, sito na Rua …, ou lugar de (...), da freguesia de Calendário, inscrito na matriz sob o artigo (...) e a desanexar do descrito sob o n.º (...) do livro (...) (ponto 12.º dos factos provados). Mais resulta dos factos provados que, a autora foi avisada do dia, hora e Cartório Notarial em que seria outorgada a escritura referida em 12), nomeadamente, pela ré sua irmã, F. P., por seu falecido pai e pela ré M. L. (ponto 20.º dos factos provados).

Perante tais factos, a decisão recorrida entendeu que a autora, sabendo da data da celebração da escritura, tinha o prazo de um ano para instaurar ação de anulação, caducando tal direito em 27 de setembro de 2005.
Já os recorrentes sustentam o seguinte: ainda que se considere que foram informados da data e local onde “seria” outorgada a escritura de compra e venda, tal comunicação não é idónea, adequada e apta a provar que eles recorrentes tomaram conhecimento da celebração do contrato de compra e venda e das respetivas condições mais de um ano antes da propositura da ação.

Ora, neste domínio, não se levanta a questão do conhecimento pela autora dos elementos essenciais da alienação, considerando que a proibição estatuída no artigo 877.º, n.º 1 do CC reporta-se unicamente à celebração de um contrato de compra e venda entre pais e filhos, independentemente dos concretos termos do negócio celebrado.

E compreende-se que assim seja atenta a razão de ser da aludida proibição da venda de pais a filhos ou netos, sem consentimento dos outros, a qual “é evitar simulados negócios jurídicos, de difícil prova, que ocultariam doações feitas por pais a filhos por detrás de aparentes vendas”- cf. o Ac. STJ de 12-12-2002 supra citado.

Mostram-se, assim, deslocados os considerando dos recorrentes, constantes das alegações de recurso, relativamente ao âmbito do concreto conhecimento adquirido, porquanto, a autora tomou conhecimento do dia, hora e cartório notarial em que seria outorgada a escritura pública de compra em venda, mediante a qual os pais da autora (Manuel M. e A. C., aqui primeira ré), na qualidade de vendedores, venderam, a M. F., pelo preço declarado de € 19.951,92 (dezanove mil novecentos e cinquenta e um euros e noventa e dois cêntimos) o prédio urbano, de casa de habitação, sito na Rua (...), ou lugar de (...), da freguesia de Calendário, inscrito na matriz sob o artigo (...) e a desanexar do descrito sob o n.º (...) do livro (...), conforme decorre dos pontos 12.º e 20.º da matéria de facto provada. Assim sendo, não pode a autora, sem abuso do direito, vir invocar que só teve conhecimento da celebração de tal contrato em 14 de junho de 2010 e, muito menos, que só alguns meses depois da partilha da herança aberta por óbito do seu pai, Manuel M., ocorrida em finais de 2009 é que adquiriu a convicção de que existia um imóvel que não tinha sido relacionado no processo de inventário, quando havia sido avisada do dia, hora e Cartório Notarial em que seria outorgada a escritura de compra e venda de tal imóvel. Acresce que em 9 de setembro de 2009, data da conferência de interessados e já antes, em 12 de novembro de 2007, quando foram notificados da relação de bens, os autores tiveram conhecimento de quais eram os bens que integravam o acervo da herança no referido inventário e constataram então que não constava, na relação de bens, nos bens que constituíam a herança deixada por óbito de seu pai/sogro, o referido imóvel.

Tanto basta para que se conclua ser exigível à autora o conhecimento da celebração do contrato, tendo por referência a data em que a escritura foi celebrada, ainda que tal pudesse implicar uma prévia indagação sobre a efetiva concretização do mesmo.
Conclui-se, deste modo, que a autora teve efetivamente conhecimento da celebração do contrato de compra e venda, enquanto elemento a que a lei atribui relevância e eficácia para que tenha início o prazo previsto no n.º 2 do citado artigo 877.º do CC para o exercício do direito de propor ação de anulação.

Assim sendo, a data do início do prazo para o exercício do direito deve situar-se na data da realização da referida escritura, em 27 de setembro de 2004.

Nesta conformidade, já se vê que a autora deixou decorrer o prazo legal de um ano para pedir a anulação do negócio, tendo caducado o seu direito à luz do artigo 877.º, n.º 2 do CC, tal como considerou a decisão recorrida.

Sustentam ainda os recorrentes que igualmente não constitui facto demonstrativo de conhecimento, pelos autores/recorrentes, da celebração do contrato de compra e venda, a participação na conferência de interessados ou a notificação da relação de bens do inventário.

Relativamente ao autor/marido, a sentença recorrida entendeu que, em face do regime da comunhão geral de bens, era também exigível o seu consentimento mas concluiu que a invalidade em causa ficou sanada em 12 de novembro de 2007, data em que os autores foram notificados da relação de bens apresentada no processo de inventário que correu termos sob o n.º 1323/07.3TJVNF do 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, ficando a saber que da mesma não fazia parte o imóvel alienado, mas não apresentaram reclamação quanto a essa falta.

Concluiu que, à data da propositura da presente ação - 27 de setembro de 2010 - há longo tempo tinha caducado o direito de anulação.

Quanto a este ponto não podemos concordar com os fundamentos enunciados na decisão recorrida.

Tal como resulta expressamente do disposto no artigo 877.º, n.º 2 do CC, a legitimidade para invocar a anulabilidade da venda cabe aos filhos ou netos que não deram o seu consentimento, resultando, assim, evidente que a referida invalidade foi estabelecida em benefício destes. Na verdade, e tal como prevê o artigo 287.º, n.º1 do CC, na parte que agora interessa, só têm legitimidade para arguir a anulabilidade as pessoas em cujo interesse a lei a estabelece. A propósito deste último preceito legal, referem P. Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, pg. 264: “não basta ter interesse na anulação para legitimar a intervenção da parte que a invoca. Esse é o regime da nulidade. Agora exige-se que seja a pessoa no interesse da qual a lei estabelece a anulabilidade. Há portanto, que resolver sempre uma questão de direito e não, como na nulidade, apreciar somente o facto do interesse na destruição dos efeitos do negócio”.

Estamos, assim, perante um direito autónomo de certas categorias de pessoas, no caso, dos filhos ou netos que não deram o seu consentimento, o que, no caso, leva à legitimação da ora autora para arguir a anulabilidade da venda.

Acresce que o artigo 34.º, n.º 1 do CC, apenas impõe o litisconsórcio ativo de ambos os cônjuges ou, pelo menos, a obtenção do consentimento do outro cônjuge, nas ações de que possa resultar a perda ou a oneração de bens que só por ambos possam ser alienados ou a perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos, incluindo as ações que tenham por objeto, direta ou indiretamente, a casa de morada de família, afigurando-se que a eventual anulação da venda realizada a filhos, não cabe em nenhuma das situações previstas neste último preceito legal, independentemente do regime de bens do casamento (3).

Mas, ainda que se concluísse pela necessidade do consentimento do cônjuge para a venda, sempre se constata que a factualidade atinente à mesma não foi alegada no âmbito da presente ação, não integrando a respetiva causa de pedir.

Deste modo, a factualidade enunciada no âmbito da petição inicial restringe-se à alegação relativa à falta de consentimento da aqui autora, nada referenciando quanto ao consentimento do cônjuge/marido, ora autor. Em consequência, a sentença recorrida também não faz qualquer referência a tal matéria no âmbito da matéria dada como provada, o que sempre levaria à constatação da falta de demonstração do consentimento (ou falta dele) do autor para o negócio em causa, enquanto verdadeiro facto constitutivo do direito de anulação cujo ónus de alegação e prova compete aos autores, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 342.º, n.º 1 do CC.

As conclusões antes enunciadas levam à desnecessidade de aferir da existência do consentimento do aqui autor, na qualidade de cônjuge da pessoa em cujo interesse a lei estabelece a anulabilidade da venda abrangida pelo n.º 1 do artigo 877.º do CC, independentemente do regime de bens do casamento, pelo que carece de fundamento a verificação da caducidade do direito à anulação do contrato também com referência ao autor/marido.

Por conseguinte, relativamente à questão da caducidade do direito, cumpre julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida, ainda que por diferentes fundamentos.

Em face da caducidade do direito da autora, enquanto titular de um direito autónomo, com legitimidade para arguir a anulabilidade da venda, fica prejudicado o conhecimento das questões subsequentes, relativas ao direito dos autores a obter a anulação do contrato de compra e venda, abuso do direito (deduzido a título subsidiário) e reconvenção (deduzida a título subsidiário), porquanto a apreciação de tais questões revela-se inútil, nos termos do disposto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC.

Subsiste apenas a questão da litigância de má-fé.

Neste particular, cumpre analisar se deverá ou não ser mantida a decisão que condenou os apelantes como litigantes de má-fé na multa de 10 (dez) UC e na indemnização que vier a ser fixada relativamente a honorários e despesas decorrentes da presente lide para os réus.

Verifica-se que os recorrentes, nas respetivas alegações, expressam a sua discordância relativamente à condenação como litigantes de má-fé, sustentando que a sentença altera factos, dando como certo que os autores/recorrentes receberam comunicação da efetiva celebração do contrato de compra e venda, que entendem não se ter provado, atende a factos relativos à falta de reclamação contra a relação de bens apresentada no processo de inventário e, ainda, as obras que foram realizadas no prédio em datas anteriores à da celebração daquele contrato, em claro erro de julgamento, em flagrante desrespeito pela prova referida e reproduzida na própria sentença e em evidente violação da lei.

Vejamos se lhes assiste razão.

Com relevo para a apreciação da questão suscitada, extrai-se da decisão recorrida, além do mais, o seguinte:

“Torna-se claro que os Autores distorceram os factos procurando fazer crer que desconheciam o negócio em discussão até ao momento em que, após aturadas buscas, descobriram a escritura no Cartório Notarial em Junho de 2010. Provou-se, pelo contrário, que não apenas a data e local da celebração da escritura lhes foram comunicados, como também que, ainda que não o tivessem sido, houve diversas situações, para além das provadas nos artigos 20º a 23ç da base instrutória, que lhes permitiram confirmar a outorga do negócio, além das obras de remodelação e ampliação executadas ao abrigo do acordo entre progenitores/ sogros e descendente/irmã/cunhada.

Apresentaram-se a exercer o direito de anulação apoiados no aspeto formal evidenciado na escritura e no registo do prédio, relativo à sua falta de intervenção, não obstante teremlhe dado causa com a sua ausência.

Os litigantes necessitam de se consciencializar que a verdade não pode ser escamoteada perante o Tribunal: se as partes trazem à lide factos distorcidos ou falsos não estão a contribuir para a solução justa dos conflitos, mostram que pretendem instrumentalizar os Tribunais para alcançar a todo o custo uma pretensão sem fundamento e tornam mais árdua a tarefa a cargo do Julgador. Com tais situações criam risco de desprestígio dos órgãos de Administração da Justiça.

Trata-se claramente de uma atuação merecedora de censura”.

Litiga de má-fé, nos termos do artigo 542.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, a parte que, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

A este propósito, explicam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p. 593, em anotação ao referido preceito, que “a má-fé, quer dolosa, quer baseada em culpa grave, continua a poder apresentar-se sob as vestes da litigância substancial ou instrumental. Integrará a primeira a conduta da parte que infringir o dever de não formular pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não ignorava ou não devia ignorar, a que alterar a verdade dos factos ou a que omitir factos relevantes para a decisão da causa”.

Como se refere no Ac. STJ de 18-02-2015 (relator: Silva Salazar), proferido na revista n.º 1120/11.1TBPFR.P1.S1 (disponível em http://www.dgsi.pt), “Impõe-se, pois, para que haja litigância de má fé, que a parte, ao deduzir a sua pretensão ou oposição infundamentada ou ao afirmar factos não ocorridos, tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, ou encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento”.

No caso presente, alegaram os autores, além do mais, que em finais de 2009 foram realizadas partilhas de bens que compunham a herança aberta por óbito de Manuel M., através de processo de inventário, sem que tenha tido a perceção imediata de que não havia sido levado à partilha um imóvel, sendo que só alguns meses depois da partilha é que a autora adquiriu a convicção de que existia um imóvel que não tinha sido relacionado no processo de inventário, sustentando que só então iniciou buscas junto de diversas entidades, das quais veio a resultar a localização, em 14 de junho de 2010, de uma escritura de compra e venda que havia sido celebrada por seus pais, no 1.º Cartório Notarial, outorgada no dia 27 de setembro de 2004, mediante a qual os pais da autora, na qualidade de vendedores, contrataram a venda de um imóvel à filha M. F., aqui segunda ré. Sustentam que até ao dia 14 de junho de 2010 a autora desconhecia a celebração de tal negócio outorgado em 27 de setembro de 2004.

Ora, analisada a matéria de facto que consta da sentença recorrida, verifica-se que não ficou provado que só no dia 14 de junho de 2010 a autora tenha tomado conhecimento do negócio que havia sido celebrado entre seus pais e sua irmã M. F., aqui segunda ré, e dos termos em que foi contratado. E, tal como consta dos factos provados, enunciados em 1.1.20, 1.1.21, 1.1.22, 1.1.23, 1.1.24, 1.1.81, 1.1.82, 1.1.83., 1.1,84, demonstrou-se que a autora foi avisada do dia, hora e Cartório Notarial em que seria outorgada a escritura de compra e venda objeto da presente ação, nomeadamente, pela ré sua irmã, F. P., por seu falecido pai e pela ré M. L.. Mais se provou o seguinte: em 9 de setembro de 2009, data da conferência de interessados e já antes, em 12 de novembro de 2007, quando foram notificados da relação de bens, os autores tiveram conhecimento de quais eram os bens que integravam o acervo da herança no inventário por óbito de Manuel M.; então, os autores constataram que não constava, na relação de bens, nos bens que constituíam a herança deixada por óbito de seu pai/sogro, o imóvel em causa nos presentes autos, e nada disseram; aproveitando parte das paredes exteriores do edifício preexistente correspondente aos artigos (...) da matriz urbana, a ré M. F. construiu, a suas expensas, uma moradia composta de cave, rés-do-chão e andar ampliada e remodelada, com a superfície coberta de 289,55 m2 e quintal ou logradouro com a área de 1.594 m2; a ré M. F., por si (a partir de finais de 2004), antepossuidores e anteproprietários, em exclusivo no prédio em causa, faz, respetivamente, obras e melhoramentos, habita-o, zela pela sua conservação, paga as contribuições devidas, praticando os atos referidos em ininterruptamente, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, na convicção de não lesar direito alheio, convicta que é sua única dona, sendo que os autores para além de serem irmã e cunhado, respetivamente, da segunda ré, são vizinhos e assistiram às obras de remodelação e ampliação do prédio.

Ora, perante tal factualidade, não pode deixar de se concluir que a autora sabia que em 27 de setembro de 2004 foi outorgada uma escritura de compra e venda entre seus pais e sua irmã M. F., relativa ao prédio objeto da presente ação, que tal conhecimento foi obtido em data muito anterior à que foi indicada na petição inicial, sendo exigível aos autores que, perante todos os elementos de que dispunham e que decorrem dos factos provados, formulassem a eventual pretensão ou oposição relativa a tal negócio em momento oportuno e, designadamente, em sede do inventário em que foram intervenientes, não podendo, assim, vir invocar que a autora apenas tomou conhecimento da celebração do negócio em 14 de junho de 2010, a fim de evitar que a contagem do prazo a que se refere o artigo 877.º, n.º 2 do CC se iniciasse em data anterior e, consequentemente, uma eventual caducidade do direito de anulação do referido contrato de compra e venda.

Por conseguinte, a conduta processual dos autores permite configurar uma alteração consciente da verdade dos factos, bem como a dedução de uma pretensão cuja falta de fundamento forçosamente conheciam, o que leva a qualificar tal comportamento à luz do disposto no artigo 456.º, n.º1 e 2, alíneas a), e b), do CPC.

Em consequência, mostra-se adequada a condenação dos autores como litigantes de má-fé, bem como a ponderação efetuada pelo tribunal recorrido quanto ao montante da multa fixada.

Pelo exposto, cumpre julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida também na parte relativa à litigância de má-fé por parte dos autores.

Sumário:

I - Para que tenha início o prazo previsto no n.º 2 do citado artigo 877.º do CC para o exercício do direito de propor ação de anulação de venda a filhos basta o conhecimento do dia, hora e cartório notarial em que seria outorgada a escritura pública de compra em venda, independentemente da comunicação dos concretos termos do negócio celebrado, sendo exigível ao filho que não deu o seu consentimento mas que foi avisado do mesmo o conhecimento da celebração do contrato, tendo por referência a data em que a escritura foi celebrada;
II – A legitimidade para pedir a anulação da venda a filhos cabe aos filhos que não deram o seu consentimento;
III - Tratando-se de um direito autónomo de certas categorias de pessoas, mostra-se desnecessário aferir da existência do consentimento do cônjuge da pessoa em cujo interesse a lei estabelece a anulabilidade da venda abrangida pelo n.º 1 do artigo 877.º do CC bem como da eventual caducidade do direito quanto ao mesmo.

IV. Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas da apelação a cargo dos recorrentes.
Guimarães, 8 de novembro de 2018
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (relator)
Espinheira Baltar (1.º adjunto)
Eva Almeida (2.º adjunto)


1. cf. Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. II, 2.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 81, p. 433,
2. No sentido da caducidade, cf. Ac. STJ de 12-12-2002 (relator: Pinto Monteiro), proferido na revista n.º 02A2997 (disponível em http://www.dgsi.pt).
3. No sentido de que na ação de anulação da venda de bens de pais e avós a filhos ou netos deve ser pedida pelos filhos ou netos, sem necessidade de intervenção dos cônjuges, cf. o Ac. TRP de 16-10-2001 (relator: Mário Cruz), p.0121072; Ac. TRP de 21-03-1985 (relator: Flávio Ferreira) p. 0018232, ambos disponíveis em http://www.dgsi.pt.