Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3539/18.8T8GMR.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: PROFESSOR
SUBSÍDIO DE EXCLUSIVIDADE
ENSINO SUPERIOR PARTICULAR E COOPERATIVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - Aos contratos dos docentes do ensino superior particular e cooperativo, regime laboral, na falta de emissão do regime a que alude o artº 24º da Lei n.º 16/94, de 22 de janeiro, alterada pela Lei n.º 37/94, de 11 de novembro, e pelo Decreto-Lei n.º 94/99, de 23 de março, deve ser aplicado o regime comum dos contratos de trabalho.
II - Tendo sido acordado o trabalho a tempo inteiro, pressupondo as partes o regime de exclusividade, não pode a retribuição inicialmente acordada vir a ser mais tarde diminuída, com invocação da cessação, por iniciativa unilateral da empregadora, da alegada exclusividade, por força do princípio da irredutibilidade da prestação.
III- Tendo sido acordado no contrato de trabalho a prestação a tempo inteiro, sem outras cláusulas, que permitam por exemplo a variação dos números de horas letivas a prestar em cada ano, não pode a empregadora unilateralmente alterar o tempo de trabalho acordado.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

N. C., intentou a presente ação emergente de contrato de trabalho contra “X – INSTITUTO DE ESTUDOS SUPERIORES ..., LIMITADA”, pedindo que seja julgada provada e procedente e, em consequência, a R. condenada a pagar-lhe:

a) O valor de 39.100,06€, a título de suplemento de exclusividade em dívida;
b) O valor de 2.966,70€, a título de duodécimos em dívida de subsídio de férias e de natal, na parte que respeita ao suplemento de exclusividade;
c) O valor de 1.759,24€, a título de subsídio de refeição em dívida;
d) As prestações vincendas, relativamente às parcelas especificadas na petição inicial, a liquidar em execução de sentença;
e) Juros relativos aos valores acima peticionados, à taxa legal, contados desde a data do vencimento mensal de cada uma das prestações em causa, nos termos indicados, e até efetivo e integral pagamento.

Para tanto alega, em síntese:

- A Ré é uma sociedade por quotas que desenvolve a sua atividade no âmbito do ensino superior particular, explorando, para tal, diversos estabelecimentos de ensino;
- No âmbito dessa sua atividade, a Ré admitiu a Autora ao seu serviço, mediante contrato de trabalho não reduzido à forma escrita, em 1/9/1985, para que esta, a partir desse ano letivo 1985/86, exercesse funções docentes no curso médio de Educadoras de Infância ministrado pela à data designada “Y – Escola de Educadoras de Infância ..., Lda.”, antecessora da ora Ré;
-Funções docentes essas que a Autora passou efetivamente a exercer, na área da sua competência e especialidade (educação de infância);
-A retribuição da Autora sempre foi definida em função de um valor global, depois decomposto, por conveniência da Ré, em duas componentes: o vencimento base e o suplemento de exclusividade;
- Em julho de 2014, tal valor global era de 3.682,88€, decomposto no valor de 2.455,25€ a título de vencimento base, e no valor de 1.227,63€ a título de suplemento de exclusividade.
- Até julho de 2014, o referido suplemento foi sempre pago pela R., sem interrupções;
- Ré, a partir de agosto de 2014, deixou de considerar, nos recibos de vencimento da Autor, o valor correspondente ao subsídio de exclusividade;
-A R. não deu conhecimento à Autora de tal decisão;
-A A. não deu qualquer acordo para esse efeito, nem manifestou qualquer intenção de renunciar ao regime de exclusividade;
-A Autora, entretanto, encontrou-se em situação de baixa prolongada entre 22 de setembro de 2014 e 8 de dezembro de 2015, tendo regressado ao serviço em 09/12/2015; e encontrou-se novamente de baixa entre 28/8/2017 e 24/4/2018, tendo regressado ao serviço em 26/4/2018;
-E de então para cá, não mais a Ré lhe pagou o referido suplemento de exclusividade (no valor mensal de 1.227,63€), pagando-lhe mensalmente, o valor correspondente ao vencimento base (2.455,25€);
- A A. interpelou a R. diversas vezes por escrito, pedindo explicações para tal alteração e solicitando a regularização da situação;
- A gerência da R. fez promessa a todos os docentes afetados pelo referido corte do suplemento, que a situação iria ser regularizada;
-Assim, considerando que o suplemento de exclusividade integra a sua retribuição, goza das garantias do C. do Trabalho por força da aplicação do art.º 129º, nº 1 al. d) e 258º, nº 4 do C. do Trabalho, a R. está proibida de retirar à A. esse suplemento, por estar a diminuir a sua retribuição;
-A Ré também deixou de pagar o subsídio de alimentação, unilateralmente, sem qualquer acordo ou conhecimento da Autora;
-Esse subsídio de alimentação foi pago até à data em que a A. entrou de baixa prolongada.

A R. foi citada e veio contestar pela forma constante de fls. 26 v a 28v., que aqui se dá por integralmente reproduzida, alegando, no essencial, que não são devidas à A. as quantias por ela peticionadas, pois embora reconheça que o subsídio de exclusividade foi de facto extinto, essa extinção ocorreu com o conhecimento e consentimento da A., desde logo por o seu marido ter participado na equipa de gestão que decidiu extinguir esse subsídio. Com efeito, o órgão de gestão da R., incluindo o marido da A., reuniu com o intento de redefinir os custos do instituto, tendo ficado decidido que o subsídio de exclusividade seria extinto, do que foi dado conhecimento à A. antes e depois da baixa médica.
Por sua vez, embora admitindo que deixou de pagar subsídio de refeição, fundamenta essa decisão na circunstância de proporcionar a respetiva refeição.
Por último alega que a A. litiga de má-fé, por alegar contra factos que bem conhece e com abuso de direito.
Conclui pedindo que a ação seja julgada improcedente por não provada.

Realizado o julgamento o Mmº Juiz proferiu decisão julgando a ação nos seguintes termos:

Pelo exposto julgo a ação parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência:

I) Condeno a R. a reconhecer o direito da Autora receber o suplemento de exclusividade, com caráter permanente, e a pagar-lhe:
a) O valor de 39.100,06€ (trinta e nove mil e cem euros e seis cêntimos), a título de suplemento de exclusividade em dívida;
b) O valor de 2.966,70€ ( dois mil, novecentos e sessenta e seis euros e setenta cêntimos), a título de duodécimos em dívida de subsídio de férias e de Natal, na parte que respeita ao suplemento de exclusividade, no valor global de 42 066,76€ (quarenta e dois mil e sessenta e seis euros e setenta e seis cêntimos), sendo que esta quantia será acrescida das prestações vincendas, relativamente a essas parcelas especificadas, cuja quantificação se relega para incidente de liquidação, nos termos do disposto no nº 2 do artº 359º e no nº 2 do artº 609º, ambos do C. P. Civil, e de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a data do vencimento mensal de cada uma das prestações em causa e até efetivo e integral pagamento.
II) No mais (quantia correspondente ao subsídio de alimentação peticionada), absolve-se a R. do pedido;
III) Julga-se improcedente por não provado o pedido de litigância de má-fé e de abuso de direito formulado pela R. contra a A..
(…)

Inconformados e ré interpuseram recurso.

1. Foi delimitado, em sede de despacho saneador, a 11 de outubro de 2018 que o objeto do litígio se restringia a determinar se a Autora tinha direito ao subsídio de exclusividade, ao pagamento do subsídio de refeição e, também, se seria condenada em abuso de direito e litigância de má-fé mediante o peticionado pela Ré.
2. O suplemento de exclusividade que a autora pretende ver reconhecido e pago, foi por ela definido, nos artigos 12º e 13º da petição inicial, como sendo integrante do conceito de retribuição, conforme vem descrito no artigo 258º do Código do Trabalho e portanto, não lhe poderia ser retirado.

6. Desde logo, não se conforma a Ré, particularmente, com a valorização que o Tribunal atribuiu as testemunhas M. C. e E. C., que se diz “coincidentes e convincentes” uma vez que, relativamente à situação particular da A., nomeadamente em relação às reuniões individuais e pessoais nada sabiam precisar, sendo certo que não tinham qualquer conhecimento concreto sobre o caso da A.
7. Além de que, em relação à natureza e conceito da exclusividade, não restaram dúvidas que estas testemunhas o consideraram um mero suplemento, a que só tinha acesso e direito quem cumprisse a exclusividade e que, nesta parte, não foram tais declarações valoradas em sede de sentença, o que revela que as testemunhas apenas tinham credibilidade e clarividência parcialmente e em alguns momentos do seu depoimento, o que desde já se revela uma contradição insanável.
8. De igual modo, não concorda a Ré com a apreciação feita ao depoimento da testemunha F. F. especialmente no que diz respeito à sua intenção no desdobramento dos valores no recibo de vencimento e como adiante se irá verificar.
9. Não obstante, não se conforma a Ré com os factos dados como não provados com base na “ausência de prova”, considerando que o Tribunal desconsiderou, em grande parte e no essencial, os depoimentos prestados pelas testemunhas J. P., E. F. e C. A.. Por isso mesmo, nos termos do artigo 662º do CPC, se requererá a Ré que a Relação modifique a decisão de facto.
10. Por não se conformar com a Sentença, vem a Ré da mesma recorrer para o Tribunal Superior, pedindo a respetiva revogação e, a final, que seja julgada improcedente, por não provada, a ação instaurada pelo autor.

A) DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO DADA COMO
PROVADA E COMO NÃO PROVADA

11. A Ré não concorda, e por isso mesmo deixa impugnada, a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal sob os números 5, 12, 13 e 17, tal qual descritos em sede de Sentença, tendo ocorrido erro de julgamento e impondo-se face à prova produzida decisão diferente.
12. Além disso, a Ré não se conforma com os factos dados como não provados na referida sentença, especialmente que tenha dado como não provado que “o marido da A. Tenha integrado a equipa de gestão da R. que propôs e decidiu extinguir o subsídio de exclusividade”, bem como que a A. não tivesse conhecimento ou dado o seu consentimento na retirada deste subsídio.
13. Ora, quanto ao facto dado como provado em 4, na sentença em crise, relativo à contratação da Autor em regime de exclusividade, o tribunal fez uma interpretação errónea relativamente ao depoimento de parte e confissão efetuada pela sua representante legal.
14. Neste depoimento, prestado em audiência de julgamento, revela a parte que no inicio das contratações as mesmas eram verbais e que a exclusividade estava implícita.
15. Assim, na altura todos os docentes eram contratados de igual forma, em exclusividade.
16. Assim, por isso mesmo é dado como provado que, á altura da contratação da Autora, esta o tenha sido para o regime da exclusividade.
17. Quanto ao facto dado como provado em 5, relativamente à manutenção da Autora em exclusividade até á cessação do contrato, resultou do depoimento de todas as testemunhas que, atualmente, não existe exigência atualmente exclusividade no Instituto pelo que, nunca poderia ser dado como provado tal facto.
18. Nomeadamente do depoimento de C. A., mais precisamente nos minutos 00:11:57 a 00:11:26 e da testemunha A. C., nos minutos 00:09:05 a 00:09:22.
19. Altura essa em que, a instituição, na altura administrada pelo marido da Autora decide decompor os recibos para realçar o elemento do subsídio de exclusividade e, bem assim, demonstrar a veracidade dos factos quanto aquela parcela remuneratória, que correspondia a um suplemento, não restando dúvidas quanto a isso a nenhum dos docentes.
20. Deste modo, esta parcela de valores recebida, na altura, pelos docentes, existia, única e exclusivamente para manter os docentes em exclusividade, isto é, exigia uma contra obrigação de se manterem em dedicação exclusiva.
21. Bem sabendo todos, mediante até as regras comuns que, deixando de existir a vinculação exclusiva à instituição, não existiria mais o pagamento de tal subsídio.
Aliás,
22. Tal entendimento resultou igualmente do depoimento da testemunha E. C., em audiência de julgamento a 13 de maio de 2019, com início às 10:05:42 e fim às 10:36:40, com duração de 00:30:26, especificadamente nos minutos 00:04:41 a 00:06:13, onde salienta que foi o marido da Autor que impôs aos docentes a assinatura de uma declaração na qual se comprometiam a estar em exclusividade.
23. No mesmo depoimento, nos minutos 00:09:56 a 00:10:54 e nos minutos 00:26:36 a 00:27:33, a testemunha declara que era o seu entendimento, como docente e colaboradora da Ré que o pagamento do suplemento implicava uma contra obrigação e, sendo retirada a vinculação exclusiva dos docentes, o referido subsídio não tinha causa de ser pago.
24. A sentença em crise ignora o conteúdo de tais depoimentos, que, em geral, foram
coincidentes com as restantes testemunhas.
25. Deste modo, sempre foi conhecimento interno dentro da empresa, especialmente após este projeto despoletado pelo administrador da altura, marido da Autora, que a exclusividade estaria sempre dependente da condição e que, sendo dada liberdade aos docentes de exercerem outras funções, noutros sítios, tal valor deixaria de ser pago.
26. Especialmente após a imposição pela assinatura da declaração, junta com a petição inicial sob Documento 7, assinada pela Autora, mas elaborada pelo se marido, onde efetivamente se demonstra que este valor era, nada mais, nada menos, do que um suplemento que permeava a exclusividade dos docentes e sabendo, como soube, que dos docentes não assinou a declaração e deixou de receber o subsídio de exclusividade.
27. Tal complemento não fazia parte da retribuição base, não era dado como garantido ou certo.
28. Acresce que, a Autora era diretora pedagógica, nessa mesma altura e, como membro da direção da Ré, sempre teve conhecimento a par com o seu marido, do desmembramento do recibo de vencimento e do que este significava até porque tal ocorreu em 2005 e sempre soube qual a possibilidade existente de cessação do subsídio.
29. Aliás, a Autora sabe e bem sabia que com o fim da exclusividade, seria retirado o respetivo suplemento porque foi sempre esse o intuito do seu marido ao diferenciar os valores no recibo de vencimento.
30. Pelo que, devem ser dados como não provados os factos 12 e 13 da sentença em crise. Ademais,
31. Tal distinção refletiu apenas a realidade existente, o valor pago a título de vencimento base e o valor pago, a poucos e determinados docentes, a título de subsídio de exclusividade. Tal parcela correspondia só e apenas a um suplemento no vencimento, tal como era pago.
32. O mesmo sentido é dado pelo próprio marido da Autora, F. F., em audiência de julgamento no dia 13 de maio, com início às 10:37:37 e fim às 11:28:43, com duração de 00:51:05, nos minutos compreendidos entre as 00:08:03 e 00:10:47 e igualmente entre as 00:36:48 e 00:38:38.
33. Nestes excertos, transcritos supra, se consegue ouvir a testemunha, marido da Autora a admitir que foi ele que impôs a assinatura da declaração e que iniciou o projeto de decomposição dos recibos de vencimento.
34. Claramente dizendo que tinha como objetivo alertar os docentes que, não estando em exclusividade, não lhes era devido o respetivo subsídio e que tal ação foi tomada exatamente para evitar tais situações.
35. O que desde logo demonstra que tal valor nunca poderia ser considerado como parte do vencimento base e, bem assim, irredutível pela entidade empregadora.
36. Aliás, na última parte do excerto e da gravação referida se demonstra uma relutância da testemunha, marido da Autora, em responder concretamente à pergunta do mandatário da Ré, nestes moldes, quando já o tinha confirmado anteriormente e mais do que confirmado.
37. O que, não só demonstra incoerência como, salvo melhor entendimento, parece julgar que seria prejudicado se efetivamente reconhecesse que “se estão em exclusividade recebem a exclusividade. Se não estiverem em exclusividade não recebem a exclusividade” porque essa era efetivamente a realidade que permitiria e justificaria a retirada deste subsídio e também é o que esta mesma testemunha tenta provar em ação judicial.
38. Ainda, neste sentido, importa atentar ao depoimento de J. P., realizado na audiência de julgamento de 11 de junho de 2019, com início a 15:21:38 e fim às 15:45:42, com duração de 00:24:03, entre os minutos 00:03:17 e 00:07:48 e também entre os minutos 00:08:50 e 00:12:16.
39. Esta testemunha foi o único docente que rejeitou assinar a declaração, logo em 2005, aquando do desdobramento dos recibos, e teve uma ação pendente contra a Ré onde e decidiu que, não estando o docente em exclusividade não lhe era devido tal subsídio.
40. Aliás, e como resulta das suas declarações, no momento em que rejeitou assinar a dita declaração, ainda sob a administração e gestão do marido da Autora, foi-lhe imediatamente retirado tal suplemento de exclusividade.
41. Ora, face ao teor deste depoimento, onde identifica, sem dúvidas algumas, que todo o projeto de decomposição e possível retirada do subsídio de exclusividade foi iniciado e pensado pelo marido da Autora, com o seu conhecimento e beneplácito, não se pode aceitar que agora a Autora possa dizer que não conhecia a a realidade da situação, especialmente sendo diretora pedagógica e membro da direção à altura.

Deste modo,

42. Não restam dúvidas que tem que ser dado como provado que o marido da A. Integrou a equipa de gestão da R.. que propôs e decidiu pela retirada do subsídio de exclusividade, bem como que a Autora tinha conhecimento sobre essa situação porque também fazia parte da direção aquando do inicio da sua implementação, o que demonstra desde logo reconhecimento e assentimento.
43. Aliás, a tentativa de justificação de tal desconhecimento e falta de consentimento, por parte da Autora, não tem qualquer fundamento ou prova.
44. A reunião que juntou a Ré e demais docentes para discutir o assunto da eliminação da exclusividade ocorreu enquanto a A. estava de baixa médica prolongada e, bem assim, suspenso o seu contrato de trabalho, pelo que não podia a mesma ser convocada para o que quer que seja.
45. Aliás, estranha-se que a única oposição que tenha ocorrido com esta retirada veio de três pessoas – o Dr. J. P. que, logo no momento, demonstrou a sua discordância e viu ser-lhe retirada a exclusividade pelo então gestor F. F. (marido da Autora Recorrida) – pela Autora e curiosamente pelo seu marido, que outrora como testemunha defendeu o seu contrário… Curioso.
46. Sendo certo que a Autora decide vir três anos depois reclamar este alegado direito.
47. Assim, além do conhecimento pleno que a Autora tinha sobre a situação, não se pode considerar não haver um consentimento sobre a mesma, na certeza de que não é necessário qualquer assentimento para a retirada de um subsídio quando retirado está o seu fundamento ou condição para.
48. Realce-se que, a este propósito, a Ré referiu perentoriamente que reuniu com a Autora e com o seu marido, não tendo consigo nenhuma testemunha refutar tal facto uma vez que a dita reunião foi organizada de forma individual e concreta, não se conseguindo concretamente determinar qual o fundamento que leva o tribunal a entender que a “versão da Autora” é mais convincente.
49. A Ré concorda com a decisão do tribunal a quo no que diz respeito à improcedência do pedido da Autora em relação ao subsídio de refeição.

B) DO DIREITO

- DO SUBSÍDIO DE EXCLUSIVIDADE:

50. Face às conclusões supra descrita, no que diz respeito à impugnação da matéria de facto e reapreciação da prova gravada, cumpre discordar com a fundamentação jurídica dada na sentença em crise em relação ao subsídio de exclusividade.
51. Assim sendo, em leitura atenta à referida sentença parece claro que a decisão proferida está relacionada com o princípio da irredutibilidade da prestação e do conceito de retribuição base e restantes prestações.
52. Para fundamentar tal decisão, o tribunal a quo baseou-se fortemente no facto de não ter sido dado como provado que o marido da Autora fazia parte da equipa de gestão que iniciou o projeto de eliminação do referido subsídio de exclusividade e também no facto de que a decomposição, no recibo de vencimento, destes valores resultar numa “manipulação” da sua definição.
53. Contudo, a decomposição foi despoletada e efetuada durante a gestão e administração do marido da A., sendo certo que a Autora mesma também fazia parte da equipa, pelo que a existir manipulação, os beneficiados serão…. os manipuladores… o que não deixa de ser curioso e um autêntico contrassenso. O “crime”, afinal, compensa, dirão os Recorridos.
54. Realce-se que, como resultou inequívoco dos depoimentos prestados e da imposição da declaração suprarreferida junta pela própria Autora, que o pagamento da exclusividade quando lhes era exigida exclusividade, mantiveram o pagamento do respetivo subsídio.
55. Deixando de existir a obrigação ou exigência de exclusividade, deixou, obviamente, de ser pago o referido subsídio, não entrando esta prestação no princípio da irredutibilidade previsto no artigo 129º, nº1. Al. d), como é óbvio.
56. A este propósito, vejamos o entendimento de Diogo Vaz Marecos em “Código do Trabalho – Comentado, 2017, 3ª edição”: “E é também permitido ao empregador retirar ao trabalhador determinados complementos salariais se cessar, licitamente, a situação que serviu de fundamento à atribuição dos mesmos, sem que daí decorra a violação do princípio da irreversibilidade da retribuição. É que, as prestações complementares auferidas em função da natureza das funções ou da especificidade do desempenho de que o subsídio noturno, a isenção de horário de trabalho e outros subsídios são exemplo, apenas são devidas enquanto persistirem as situações que lhes servem de fundamento, podendo o empregador suprimir as mesmas, logo que cesse a situação específica que esteve na base da sua retribuição, sem que isso implique violação do princípio da irredutibilidade da retribuição.”.

Assim,
57. Não existindo exclusividade, nada impede que seja eliminado o subsídio que permeava e mantinha tal condição.
58. Também neste sentido se pronuncia o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 04/05/2005 (Proc. nº 04S779), relatado por Vítor Mesquita e o Tribunal da Relação de Lisboa, em 08/10/2003 (Proc. nº 107/2003-4), relatado por Paula Sá Fernandes, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
59. Dito isto, coloca-se em crise a sentença a quo, especialmente quando refere que a distinção da terminologia nos valores não tem qualquer relevância para efeitos de qualificação jurídica da retribuição até porque tais valores teriam sido sempre pagos.
60. Porém a mesma sentença esqueceu-se de nos transmitir que os valores sempre foram pagos durante o tempo em que se exigiu exclusividade, sendo certo que a partir de 2005, a Ré não mais contratou docentes em regime de exclusividade, mas sim em regime de tempo integral.
61. Assim, a decomposição dos valores não constituiu qualquer manipulação, como refere a sentença em crise, mas sim na legalização e regularização dos respetivos documentos que assim exprimiam a verdade e ao mesmo tempo promovia a distinção dos docentes que, então estavam em exclusividade e os que não estavam.
62. Tendo-se decidido pelo fim da exclusividade dentro da escola, todos os docentes ficam livres de exercer outras funções e em diferentes institutos, pelo que deixou de existir o fundamento que lhe deu origem ou lhe serve de fundamento.
63. Assim, a referida sentença a quo, devido aos erros na apreciação da prova e da determinação da matéria de facto dada como provada e não provada, não julgou devidamente a qualificação e quantificação do conceito jurídico de retribuição.
64. O subsídio de exclusividade não integra o conceito de remuneração base e não está abrangido pelo princípio da irredutibilidade da prestação, não sendo assim devido ao Autor qualquer valor.
65. Não só porque não está em regime de exclusividade, como se referiu supra, mas também porque, nunca tal decisão foi feita de forma unilateral e sem o consentimento da Autora.
66. A Autora fez parte da direção enquanto que o seu marido era administrador da Ré.
Todo o projeto foi iniciado e despoletado pelo mesmo e, tendo deixado de exercer funções um mês antes de tal situação, só se pode depreender que tais orientações foram deixadas pelos mesmos e, portanto, sempre existiu pleno conhecimento.
67. Até porque, a Autora só vem reclamar este alegado direito três anos após lhe ter sido retirado o subsídio.
68. O que, mesmo que não se verificasse as restantes condições que demonstram o seu conhecimento, teria sempre que ser considerado um consentimento tácito e na certeza de que, a Ré pode retirar legalmente a exclusividade por ato unilateral.
69. Assim, deve ser julgado improcedente o pedido da Autora, no que diz respeito ao pagamento do subsídio de exclusividade, não lhe sendo devidos quaisquer valores a esse título.

Acresce que,

- DO ABUSO DE DIREITO E DA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ:

70. Por fim, não concorda a Ré com a apreciação feita pelo tribunal ao pedido formulado no que diz respeito à litigância de má-fé e abuso de direito por parte da Autora.
71. Face à prova testemunhal produzida, onde se retira que o marido da A. foi o responsável pela distinção dos valores no recibo de vencimento, bem como ambos estiveram envolvidos na elaboração e imposição aos docentes da assinatura de uma declaração de exclusividade como contrapartida para receberem aquele suplemento, não restam dúvidas do que a Autora sempre teve conhecimento do presente projeto que, sem qualquer dúvida, tinha como finalidade a eliminação deste subsídio.
72. Deste modo, resulta do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de abril de 2017 (Proc. nº 1192/12.1TVLSB.L1.S1), relatado por Garcia Calejo, que: “II – Como modalidade do abuso do direito, a doutrina e a jurisprudência, apontam o venire contra factum proprium, abuso que ocorre quando o exercício do agente contradiz uma conduta antes presumida ou proclamada pelo mesmo.”.
73. Assim, face à conduta adotada pela A., não só pelo seu conhecimento de facto sobre a situação, bem como no hiato de tempo decorrido entre a eliminação do subsídio e a presente ação, demonstra que a Autora não agiu em boa-fé e bem sabia que todo este projeto iria acontecer e ser desenvolvido.
74. Assim, a Autora age em abuso de direito, pelo que, não se conforma a Ré com a decisão da sentença recorrida nos presentes autos, pelo que requer também a sua reforma e se determine que a Autora agiu em abuso de direito, nos termos do artigo 334º do Código Civil.
75. De igual modo, se peticiona que seja a Autora condenada em litigância de má-fé, em multa e indemnização condigna a decidir por este douto tribunal.
76. A alteração da matéria provada nos termos precedentemente descritos terá a consequência de determinar a improcedência da ação, por não provada, uma vez que deverão falecer à sua procedência os factos que determinavam que se tivessem por preenchidos os requisitos do direito ao subsídio de exclusividade peticionado pela Autora.
71. Assim, deve ser julgado improcedente o pedido do Autor, não lhe sendo devidos quaisquer valores a título de subsídio de exclusividade ou duodécimos deste mesmo subsídio.
Em contra-alegações sustenta-se a manutenção do julgado.
Neste tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos dos Ex.mas Sras. Adjuntas há que conhecer do recurso.
***
Factualidade:

1- A Ré é uma sociedade por quotas que desenvolve a sua atividade no âmbito do ensino superior particular, explorando, para tal, diversos estabelecimentos de ensino.
2- No âmbito dessa sua atividade, a Ré admitiu a Autora ao seu serviço, mediante contrato de trabalho não reduzido à forma escrita, em 1/9/1985, para que esta, a partir desse ano letivo 1985/86, exercesse funções docentes no curso médio Educadoras de Infância ministrado pela à data designada “Y – Escola de Educadoras de Infância ..., Lda.”, antecessora da Ré.
3- Funções docentes essas que a Autora passou efetivamente a exercer, na área da sua competência e especialidade (educação de infância).
4- A A. e R. ajustaram que essas funções iriam ser exercidas em regime de exclusividade.
5- Alterado: “ A Autora mantém tais funções ao serviço da Ré, em exclusividade, até pelo menos 12/06/2018, (data da instauração da ação), com a categoria profissional de Professora Adjunta.”
6- A exclusividade tinha como deveres não exercer qualquer outra atividade permanente remunerada em empresas do mesmo género e que qualquer colaboração de carácter não regular só poderia ser desenvolvida com o acordo prévio da entidade empregadora.
7- A Autora subscreveu a declaração junta a fls. 13v. dos autos e cujo teor se dá por integramente reproduzido, na qual consta: “Declaro que renuncio ao exercício de qualquer função ou atividade remunerada, pública ou privada, incluindo o exercício de profissão liberal, assumindo o exercício de funções docentes, ao serviço da X – INSTITUTO DE ESTUDOS SUPERIORES ...”, em regime de exclusividade.”
8- A retribuição da autora sempre foi definida em função de um valor global, depois decomposto, em duas componentes: o vencimento base e o suplemento de exclusividade.
9- Em julho de 2014, tal valor global era de 3.682,88€, decomposto no valor de 2.455,25€ a título de vencimento base, e no valor de 1.227,63€ a título de suplemento de exclusividade.
10- Até julho de 2014, o referido suplemento foi sempre pago mensalmente pela R. à A., sem interrupções.
11- A Ré, a partir de agosto de 2014, deixou de considerar, nos recibos de vencimento da Autora, o valor correspondente ao subsídio de exclusividade.
12- A R. não deu conhecimento à Autora de tal decisão.
13- A A. não deu qualquer acordo para esse efeito, nem manifestou qualquer intenção de renunciar ao regime de exclusividade.
14- A Autora, entretanto, encontrou-se em situação de baixa prolongada entre 22/9/2014 e 8/12/2015, tendo regressado ao serviço em 09/12/2015; e encontrou-se novamente de baixa entre 28/8/2017 e 24/4/2018, tendo regressado ao serviço em 26/4/2018.
15- E de então para cá, não mais a Ré lhe pagou o referido suplemento de exclusividade (no valor mensal de 1.227,63€), incluindo nos subsídios de féria e de natal, pagando-lhe mensalmente, o valor correspondente ao vencimento base (2.455,25€).
16- A A. interpelou a R. diversas vezes, sendo pelo menos uma dela por escrito, pedindo explicações para tal alteração e solicitando a regularização da situação.
17- Alterado: A gerência da R. fez promessa a todos os docentes afetados pelo referido corte do suplemento, que a situação iria ser mais tarde reavaliada”.
18- A partir de janeiro a R. de 2016 passou a pagar à A. mensalmente 50% dos subsídios de férias e de natal.
19- A A. auferia € 4,27 diários a título de subsídio de alimentação.
20- A R. desde agosto de 2014 começou a providenciar as refeições aos seus trabalhadores, incluindo a A., na cantina da instituição.
21- A Ré desde essa data deixou de pagar o subsídio de alimentação.
22- No verão de 2015, a gestão da R. reuniu com o intento de redefinir os custos do Instituto, devido à crise económica que atravessava no momento.
23- Nessa reunião ficou decidido que o suplemento de exclusividade seria extinto e não se aplicaria na instituição.
24- Desde então os restantes docentes da R. também deixaram de auferir subsídio de exclusividade.
25- A R. com a decisão referida no nº 12º pretendia, em parte, passar a pagar incentivos remuneratórios pela ação dos trabalhadores (por cumprirem determinados objetivos).
26- A partir daquela decisão a R. não pediu mais à A. exclusividade, mesmo parcial, nem lhe impôs qualquer restrição à sua liberdade profissional.
*
III- FACTOS NÃO PROVADOS:

Com interesse para a decisão da causa não se provaram os restantes factos, nomeadamente que:

- O marido da A. tenha integrado a equipa de gestão da R. que propôs e decidiu extinguir o subsídio de exclusividade;
- A A. antes de ter entrado de baixa, em setembro de 2014, tenha tido conhecimento da decisão da R. mencionada no nº 22 e 23 dos factos provados;
- A R. lhe tenha explicado novamente essa decisão quando regressou da baixa médica em dezembro de 2015.
- A A. tenha dado o seu assentimento a extinção daquele subsídio.
***
Conhecendo do recurso:

Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.

Importa apreciar as seguintes questões:

- Alteração da decisão relativa à matéria de facto:
- Factos números 5, 12, 13 e 17 devem ser considerados não provados.
- Factos a dar como provados:

“O marido da A. Tenha integrado a equipa de gestão da R. que propôs e decidiu extinguir o subsídio de exclusividade”, “Que a A. não tivesse conhecimento ou dado o seu consentimento na retirada deste subsídio”.
- Subsídio de exclusividade.
- Abuso de direito
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Da impugnação da matéria de facto:

Factos que se pretende sejam considerados não provados:

4- A A. e R. ajustaram que essas funções iriam ser exercidas em regime de exclusividade.
5- A Autora mantém tais funções ao serviço da Ré, em regime de exclusividade, até pelo menos 12/06/2018, (data da instauração da ação), com a categoria profissional de Professora Adjunta.
12- A R. não deu conhecimento à Autora de tal decisão. (Reportado ao facto 11º)
13- A A. não deu qualquer acordo para esse efeito, nem manifestou qualquer intenção de renunciar ao regime de exclusividade.
17- A gerência da R. fez promessa a todos os docentes afetados pelo referido corte do suplemento, que a situação iria ser regularizada.

E como provados:

“O marido da A. Tenha integrado a equipa de gestão da R. que propôs e decidiu extinguir o subsídio de exclusividade” e “Que a A. não tivesse conhecimento ou dado o seu consentimento na retirada deste subsídio”.
Refere a recorrente quanto ao ponto 4 que o tribunal fez uma interpretação errónea relativamente ao depoimento de parte e confissão efetuada pela sua representante legal.

Consta da fundamentação:

Quanto aos factos provados sob os nºs 2 a 5 e 7 a 19 o tribunal baseou a sua convicção na apreciação crítica e conjugada do depoimento de parte depoimento de parte da legal representante da R., que embora tenha admitido que a A., na sequência de um acerto entre ambas, sempre exerceu funções no mesmo regime de exclusividade, que não sofreu qualquer alteração, mesmo quando subscreveu a declaração junta a fls. 13 v. dos autos, reconheceu que procedeu ao corte do subsídio de exclusividade auferido pela A., em data coincidente com a data descrita e que até essa data sempre lho pagou sem qualquer interrupção, e apesar da A. estar de baixa médica na data em que foi realizada a reunião referida no nº22 dos factos provados, reuniu com ela pessoalmente logo que retomou funções e pô-la a par dessa decisão, tendo ela aceitado tacitamente, tanto mais que tinha sido o seu marido que, enquanto membro de órgão de gestão da R., foi o mentor da decomposição mencionada nos nº 8 e 9 dos factos provados, tendo ainda referido que tal como aconteceu com outros docentes a quem aquele suplemento foi retirado, foram-lhe propostas medidas alternativas, nomeadamente de aceitação de cargos, que tinham associadas remunerações compensatórias ou diminuição de horas de lecionação que não foram por ela aceites, e documentos de fls. 10v a 13v e 64 a 66.Por outro lado, relativamente aos mesmos factos o tribunal atendeu também aos depoimentos lógicos, coerentes, no essencial coincidentes, e convincentes, das testemunhas E. C. e M. C., que prestaram depoimentos de forma a sustentar os factos em questão e sobre os quais foram ouvidas, tendo ainda concretizado que sempre exerceram funções na R. em regime de exclusividade, a A. não esteve presente na reunião em que esse corte lhes foi comunicado e que após se terem insurgido com a decisão do corte do suplemento de exclusividade que ai lhe foi transmitida, a R. comunicou-lhes que a mesma não era definitiva e que havia possibilidade de ser reversível (estando dependente da alteração da situação económica da R.) e que posteriormente foram realizadas reuniões individuais tendentes e negociar a possibilidade de serem encontradas medidas alternativas, propondo nomeadamente a aceitação de cargos, que tinha associadas remunerações compensatórias ou diminuição de horas de lecionação, desconhecendo se essa reunião também tinha sido realizada com a A., sendo que a última reconheceu os “ e mails” de fls. 64 a 66, como tendo sido aqueles que foram enviados a convocar para a primeira reunião referida, bem como da resposta da R. à posição por eles demonstrada após essa reunião.
Por seu turno, a testemunha F. F., que exerceu funções de docente na R., desde 98/99, que acumulou com funções de gestão de 2000 a julho de 2014 e é marido da A., também referiu que a A. sempre exerceu as suas funções em regime de exclusividade e sempre recebeu a mesma retribuição em termos quantitativos, e, embora reconheça que o desdobramento referido no nº 8 e 9 e a assinatura da declaração mencionada no nº 7, tenham ocorrido durante o período em que exerceu funções de gestão, essas medidas tinham unicamente como objetivo alertar os docentes sobre a sua obrigação de exclusividade, mas que não teve qualquer reflexo no montante que os mesmos auferiam. O efetivo corte desse suplemento ocorre quando ele e a A. estavam de baixa médica e já depois de ele ter deixado de fazer parte da direção da R. e que o confronto com o corte na sua retribuição só ocorreu após essa baixa cessar e sem nunca terem sido convocados para qualquer reunião ou lhe ter sido dada a possibilidade de reaver por qualquer meio parte do valor monetário retirado, nomeadamente pelas alternativas dadas aos outros professores que estavam na mesma situação.
Por último, impõem-se também referir que os depoimentos das testemunhas J. P., E. F., A. C. e C. A., que exerceram funções de direção (à exceção da terceira que exerceu apenas funções de docência) e docência na R., desde respetivamente 1985, 1990, 2013 e 2001, não infirmaram os depoimentos das anteriores testemunhas e responderam por forma a confirmar, no essencial, os factos provados sob os nºs 6 e 20 a 26, tendo ainda afirmado que embora a decomposição das parcelas da retribuição por eles auferida em retribuição base e subsídio de exclusividade (à exceção da terceira que na data ainda não exercia funções na R. e nunca recebeu esse subsídio), tenha ocorrido durante o período em que o marido da A. , a testemunha F. F., integrou os quadros de gestão da R., continuaram a receber esse subsídio até ao verão de 2015.
(…)

Vejamos:

Em depoimento a Dr. D. confirmou que não foi feito qualquer contrato por escrito. Quanto à exclusividade referiu que o próprio processo de exclusividade tem sofrido muitas mudanças tal como o próprio ensina superior. Quanto a autora foi admitida, disse, “nem se falava em exclusividade”, a “exclusividade era algo que não falávamos”. A autora tinha um horário completo. Refere que a “exclusividade” era um conceito desconhecido, tinham conceito de tempo inteiro ou tempo parcial. Perguntada sobre a retribuição acordada na ocasião, referiu que tentam aproximar-se ao Estatal, não se recorda o valor, confirmando que era um valor global, não decomposto. Referiu que nos últimos 10 anos já não eram contratados com dedicação exclusiva “e passou ser um suplemento”. Aludiu a obrigação de estarem em rede e a um processo no sentido da não exclusividade. Referiu a criação de um grupo, liderado pelo então administrador, e que foi “construído um projeto em que se alterou “essa estrutura de carreira”, isto 10 aos antes de julho de 2014. Referiu que a exclusividade, só tinham os professores com ligação de pelo menos 15 anos, que começaram a atividade no tempo em que não tinham “o contrato”, mesmo no recibo não se referia se estavam exclusividade. Em 2014 a autora saiu da direção, ficando só como docente. Nesse ano letivo aplicaram o projeto que andavam a desenhar nos últimos anos. Na altura o administrador alterou os recibos. Referiu, justificando, que “já não fazia sentido na estrutura da carreira a exclusividade fazer parte do vencimento base, portanto aparece como um suplemento”. O critério era um terço, “é o que diz a lei”. Aludiu a que iam desenvolver um projeto que tinha a ver com gestão por objetivos. Refere que autora foi coautora do projeto e que as pessoas foram auscultadas. Na altura em que retiraram a exclusividade a autora não entrou nas reuniões porque estava de baixa. Quando regressou foi marcada reunião para ser informada. Diz que houve uma reunião com a depoente e marido da autora. A decomposição foi implementada pelo marido da autora vários anos antes. Refere quanto ao documento relativo à exclusividade que foi ela autora que elaborou tal documento. Diz não ser do seu conhecimento tal documento. Confrontada com o teor do mail enviado pela autora, refere que “conversavam uma coisa e a seguir mandava um mail com uma conversa completamente dispare daquilo que tinha sido falado”.
O depoimento em muitos aspetos não é confirmado pelos restantes depoimentos. Desde logo foi referido não ter havido qualquer auscultação dos docentes, tanto que houve reações à decisão. Não se percebe igualmente que a depoente alegue falta de conhecimento de um documento que todos, eventualmente menos a depoente, assinaram, e há tantos anos, tendo em conta a sua posição na ré. Relativamente à dita reunião com a autora e marido desta para dar conhecimento, nenhum outro elemento de prova o confirma. A testemunha F. F. refere uma reunião, mas tempos depois e nela não se tratou desse assunto. A apreciação que se fez do depoimento foi correta. Note-se que a depoente confirma que no início nem se falou em exclusividade, foram contratados a tempo inteiro, o que foi entendido naturalmente como pressupondo a exclusividade, e o vencimento era uno.
Do depoimento de C. A., que trabalha na ré desde 2011, a tempo integral e nunca auferiu subsídio de exclusividade, pouco pode retirar-se para o caso, pois não tem conhecimento dos factos relativas à contratação da autora. Referiu o depoente que lhe foi transmitido que a medida de retirada da exclusividade tinha como objetivo a viabilidade da instituição. Mais referiu que havia uma espécie de compensação a quem perdia o subsídio, tinham um dia livre, para permitir acumulações ou realizar outras atividades e há quem receba um adicional por certos cargos a exercer na instituição. Assim, para além da compensação em dia livre, também houve casos em quer houve contrapartidas por exercício de funções especificas. Trata-se, pois, de materialidade relativa ao que ocorreu aquando da retirada da parte da retribuição que havia sido decomposta como subsídio de exclusividade, nada esclarecendo quando aos termos contratados.
De igual modo o depoimento da testemunha A. C., nada adianta quanto aos factos mais antigos. A depoente trabalha na ré desde outubro 2013. Nunca teve subsídio de exclusividade. Referiu que não conhece o processo de retirada da exclusividade à autora, confirmado que a autora não esteve na reunião relativa à retirada do subsídio. Referiu o que entende pessoalmente por exclusividade, sem relevo para o caso. Sobre o que acontecia na ré nada sabe em concreto, apenas que foi trocado por menos dias de trabalho e por cargos.
A testemunha E. C., entrou em 2000 para a ré tendo saído em 2017. Confirmou a sua contratação em exclusividade, referindo que “nem foi posta qualquer outra questão”. Disse que na altura não sabia que recebia um suplemento de exclusividade, nem sabia que havia outra hipótese, “para mim era um todo”. Aludiu à decomposição do vencimento, à posteriori, pelo administrador Sr F. F.. Receberam comunicação para se dirigirem ao gabinete, para assinarem um documento em como estavam só em exclusividade. A partir de determinada altura passou a aparecer no recibo a referência a suplemento de exclusividade. A decomposição era totalmente correspondente ao salário anterior. Confirmou que quando retiraram o subsídio o Dr. F. F. estava de baixa. Quanto à reunião relativa à retirada do subsídio esclareceu que receberam um mail a convocar para reunião. Nessa reunião referiram que dia seguinte iam fazer transferência de ordenado e não receberiam o valor da exclusividade. Na reunião foi transmitido como ato irrevogável. Houve reação, organizou-se uma comissão de docentes, tendo havido um conjunto de propostas que passava por várias medidas para evitar perderem exclusividade, como mais horas de trabalho, darem as formações em vez de chamarem formadores de fora e outras medidas, o que foi recusado. Entretanto a Dr. D. envia mail, nele refere falsamente que na reunião fora veiculado ideia que o suplemento não seria retirado de formam definitiva, que era temporário. A Dr. D. não esteve na reunião. Refere no mail que iria chamar individualmente para acordo individualmente com cada um para não haver perda total do suplemento, como passar a pagar os cargos. A depoente deixa claro que no início não se falou na exclusividade e recebia um montante remuneratório. Refere o seu entendimento pessoal quanto ao subsídio, sem interesse ao caso.
O depoente F. F., marido da autora, depôs no sentido de que desde início a exclusividade era a condição normal. O depoente entendeu que devia aparecer no recibo o vencimento ser composto por duas partes, o base e o suplemento de exclusividade, que estava na legislação dos estabelecimentos de ensino do superior público, para que as pessoas tivessem a noção da exclusividade e cumprirem com essa obrigação. Passado algum tempo foi pedido aos docentes para assinarem um documento como estavam em exclusividade. Tal situação foi validada pela Drª D.. Como justificação referiu que seguiam as tabelas do ensino público, onde vinham aquelas duas tabelas. Ora, nenhuma prova aponta no sentido de aquando das contratações ser referido que se seguiria o que ocorria no ensino público. Os docentes eram contratados, a tempo inteiro e com um vencimento unitário, como resulta da generalidade dos depoimentos que com conhecimento relativamente a essas contratações mais antigas depuseram.
O depoente referiu ainda que retiraram o suplemento, quando veio da baixa, o que aconteceu de forma igual em relação à autora. “Quando regressa da baixa é-lhe retirado”, esclarece. Negou qualquer reunião, aludindo a uma convocatória em 2016, a seguir a uma visita da ACT, em novembro, mas sem tratar desse assunto. Entretanto tinha havido mails a perguntar o que se estava a passar, sem resposta. Quanto a acordos para compensar a perda do subsídio referiu que foi com os colegas e antes de ele e a autora regressarem, com ele e autora não houve qualquer acordo ou proposta. Refere que a autora foi mandada para a biblioteca para o arquivo morto. Referiu ainda que nunca esteve em causa retirar qualquer montante sem concordância das pessoas. A ideia do desmembramento da prestação era as pessoas “não chegarem a fazer” outras tarefas, era dissuadir. Acaba por aceitar que se “fizessem” outras funções, perderiam o subsídio, mas dependeria sempre do trabalhador. Confirma que quer o depoente quer a autora estavam e estão em exclusividade, nunca fizeram hora nenhuma fora do estabelecimento.
Refere a recorrente que a autora era na altura diretora pedagógica, como membro da direção da Ré, sempre teve conhecimento a par com o seu marido, do desmembramento do recibo de vencimento e do que este significava. Ora do depoimento doa testemunha F. F. não resulta o entendimento que a recorrente defende. Perder-se-ia o subsídio, mas dependia do trabalhador, enquanto este se mantivesse em exclusividade não ocorria a perda, e entende-se que assim possa ter sido, pois a relação inicial tinha sido em moldes de tempo completo, não se falando sequer na questão da exclusividade, como resulta da generalidade dos depoimentos que sobre isso se pronunciaram. Ou seja, foi acordado entre as partes um determinado vencimento, sem referência a exclusividade ou não, embora, tratando-se de horário completo pudesse estar pressuposto.
A ré refere quer o depoimento desta testemunha demonstra que o valor do “subsídio” nunca poderia ser considerado como parte do vencimento base e, bem assim, irredutível. Não resulta tal do depoimento como já referido. No dizer da testemunha pretendia-se apenas alertar os docentes para a necessidade de serem “exclusivos”, nunca se podendo alterar unilateralmente o montante global percecionado, que diga-se, tinha sido acordada individualmente nos contratos celebrados. Lembre-se que sempre teria que ser apreciada a licitude de tal alteração aos contratos, efetuado de forma unilateral pela recorrente.
A testemunha J. P., entrou para a ré em 95 e confirmou que quando rejeitou assinar a declaração lhe foi retirado o subsídio. Mais confirma o depoente que “só em 2005 foi proposta a alteração do recibo de vencimento, ou a separação”, do que era o vencimento até então para o suposto subsídio de exclusividade”. Referiu que foi chamado pelo administrador F. F., para assinar sob pena de perder a exclusividade se não assinasse. No mês seguinte retiraram-lhe a exclusividade, já “não teve um terço do vencimento”. Refere que foi contratado foi com “vencimento único”, sem terem colocado as questões de exclusividade. Mais referiu que era prática da ré contratar os docentes sem abordar a questão da exclusividade.
Igualmente a Testemunha M. C., que entrou em 2000 confirmou que quando entrou não assinou contrato nenhum e que tinha um valor. Em 2005 assinaram uma declaração em que se comprometiam a manter a exclusividade. Esta situação reverteu-se em 2015 em que lhes foi retirada a exclusividade. Refere que quanto a si e nos recibos, desde início aparecia a rubrica de “subsídio de exclusividade”, situação que não foi confirmada pelos restantes depoimentos. Em 2005 deram explicação que era para regularizar a situação de alguns que não cumpriam a exclusividade, o que de algum modo confirma nesta parte do depoimento da testemunha F. F.. Mais confirmou que na reunião de 2015 foi dito que iam tirar o subsídio de exclusividade com efeitos no dia seguinte, com alegação de dificuldades financeiras. A. A autora na altura estava de baixa e não esteve na reunião. Houve movimentação de docentes, um grupo, fizeram proposta de forma a reaverem o subsídio, a proposta foi reprovada pela direção da escola. A retirada do subsídio foi apresentada na reunião como definitiva, mas mais tarde a Dr. D. num mail afirma seria situação transitória, iria ser revista em 2015, dependendo da situação económica da escola. Refere que o subsídio era atribuído a todos os colegas que estavam a tempo integral.
O depoente C. A., entrou para a ré em 2011 a tempo integral. Explica o seu entendimento do que é exclusividade. Relativamente aos contratos mais antigos não demonstrou conhecimentos sem ser por ouvir dizer. Acertado foi igualmente o juízo relativo à promessa da ré no sentido de que a situação seria revista. Importa, contudo, quanto a este facto uma alteração nesse sentido, pois não resultou demonstrada a promessa de regularização, mas sim que a situação iria ser revista.

Assim altera-se o facto nos seguintes termos:

17- A gerência da R. fez promessa a todos os docentes afetados pelo referido corte do suplemento, que a situação iria ser mais tarde reavaliada”.

Quanto ao ponto 5, refere-se que “a Autora mantém tais funções ao serviço da Ré, em regime de exclusividade, até pelo menos 12/06/2018, (data da instauração da ação), com a categoria profissional de Professora Adjunta.”
O termo “regime” tem uma conotação mais jurídica que factual, contudo é certo, nada foi demonstrado em contrário, que a autora mantém a sua total disponibilidade para prestar trabalho em exclusividade à ré. É de eliminar o termo “regime”, alterando-se o facto nos seguintes termos;

“A Autora mantém tais funções ao serviço da Ré, em exclusividade, até pelo menos 12/06/2018, (data da instauração da ação), com a categoria profissional de Professora Adjunta.”
*
Refere a recorrente que não restam dúvidas que tem que ser dado como provado que o marido da A. Integrou a equipa de gestão da R.. que propôs e decidiu pela retirada do subsídio de exclusividade, bem como que a Autora tinha conhecimento sobre essa situação porque também fazia parte da direção aquando do inicio da sua implementação, o que demonstra desde logo reconhecimento e assentimento. Da prova não resulta que assim seja. O depoente F. F., que implementou o desdobramento da retribuição, referiu, como já aludido, que o que se pretendia era reforçar a ideia junto dos docentes da exclusividade e nunca retirar esta sem a concordância destes. Seria retirada apenas se não a cumprissem. Nada aponta no sentido de que a autora algum vez tenha concordado perder parte da sua retribuição, a parte objeto de destacamento a título de subsídio de exclusividade, nem que tenha concordado em deixar de prestar trabalho a tempo inteiro, como havia sido acordado.
Assim e com ressalva das alterações acima referidas é de manter o decidido.
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- DO SUBSÍDIO DE EXCLUSIVIDADE:

Ao contrato entre as partes aplica-se a lei geral do trabalho, conforme se refere na decisão:

“O DL 16/94 de 22 de janeiro, que aprovou o novo Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, revogando o DL 271/89, alterado por ratificação, pela Lei nº 37/94, de 11/11 e pelo Dec.- Lei nº 94/99, de 23/03, estabelece no seu art.º 24º que:
"1- O regime de contratação do pessoal docente para ministrar ensino nos estabelecimentos de ensino superior particular ou cooperativo consta de diploma próprio.
2- O diploma a que se refere o número anterior estabelece o regime do contrato de trabalho dos docentes, bem como as condições em que se poderá recorrer ao contrato de prestação de serviços."

Por sua vez, o artº 23º, que contêm um preceito idêntico ao anterior artº 39º, prescreve que: “O pessoal docente dos estabelecimentos de ensino superior particular e cooperativo deverá possuir as habilitações e graus legalmente exigidos para o exercício de funções da categoria respetiva no ensino superior público “.
Sucede, porém, que o legislador não emitiu o diploma a que se refere o art.º 24º, o que legitimamente coloca a questão de saber qual o regime jurídico que rege as relações laborais estabelecidas entre os docentes e as instituições universitárias privadas de que se encontrem ao serviço.
Tem-se, no entanto defendido, que a circunstância de não ter sido publicado o diploma contendo o regime próprio da contratação de pessoal docente do ensino superior privado e cooperativo não põe em causa, em face da sua natureza geral (e sem necessidade de recorrer à analogia ou à norma que o intérprete criaria se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema nos termos do preceituado no art.º 10º do C. Civil), a aplicabilidade ao contrato de trabalho "sub judice" do regime geral do contrato individual de trabalho.
Esta aplicabilidade geral não tem como consequência necessária que o aplicador da lei perca de vista as especificidades do exercício da docência e, particularmente, do exercício da docência no ensino superior, o que poderá levar a que, neste ou naquele particular aspeto, detete lacunas na lei geral (que, por definição, não contempla aquelas especificidades).
Neste sentido escreveu-se no Acórdão do STJ de 2003.05.14, que: "Aos contratos de trabalho dos docentes do ensino superior particular e cooperativo, deve ser aplicado o regime comum dos contratos de trabalho - nomeadamente a LCT e a LDesp - salvo, eventualmente, se em qualquer situação pontual se revele de todo "contra-natura"…”
*
A ré estrutura a sua posição em redor do alegado “subsídio de exclusividade”, referindo que este não está a coberto do princípio da irredutibilidade da retribuição, não fazendo parte da retribuição para estes efeitos.
Ora se bem que se concorde em que um subsídio de exclusividade, destinado a compensar a dedicação exclusiva, “apenas é devido enquanto persistir a situação que lhe serve de fundamento”, conforme se defende no Ac. STJ de 4/5/2005, processo nº 04S779, disponível na net, importa verificar em cada caso os concretos contornos da situação.
Como se refere naquele acórdão, “é inquestionável que existindo estipulação no contrato de trabalho que confira ao trabalhador o direito irreversível de trabalhar em regime de exclusividade, tal só pode significar que o trabalhador adquiriu a titularidade do direito a esse regime de exclusividade.”
Não era essa a situação em causa naquele acórdão, como o mesmo refere, mas é essa a situação em causa nestes autos.

No caso presente do que resulta da factualidade, a Autora foi admitida mediante contrato de trabalho não reduzido à forma escrita, em 1/9/1985, para que esta, a partir desse ano letivo 1985/86, exercesse funções docentes no curso médio Educadoras de Infância ministrado pela à data designada “Y – Escola de Educadoras de Infância ..., Lda.”, antecessora da Ré, ajustando que essas funções iriam ser exercidas em regime de exclusividade. Ficou amplamente demonstrado pela prova produzida, que a autora, (como aliás os trabalhadores mais antigos), foi contratada para exercer funções a tempo inteiro, não se colocando sequer aquando da realização do contrato qualquer questão de exclusividade ou não, nem qualquer quantia a esse título. A verba recebida pela autora e pelos trabalhadores contratados na mesma altura, a remuneração, era una. Foi acordado um determinado montante, único, como contrapartida da prestação do trabalho a tempo inteiro, “pressupondo” as partes a exclusividade.
É, pois, incorreto e não resulta minimamente da prova que tal retribuição englobasse uma parcela relativa a exclusividade. Como resultou provado, “a retribuição da autora sempre foi definida em função de um valor global, depois decomposto, em duas componentes: o vencimento base e o suplemento de exclusividade.” Tal decomposição correspondeu a uma ficção sem apoio no contratado.
Assim o desmembramento da retribuição ocorrido em junho de 2014, de forma unilateral e sem anuência da autora, não tem o condão introduzir uma alteração ao contrato de trabalho. E não é pelo facto de a autora ser esposa do “administrador” (de facto) que procedeu a tal desmembramento que pode retirar-se qualquer anuência. Nem o desmembramento pretendeu alterar o contrato, como resulta do depoimento deste, que referiu que apenas se pretendia chamar a atenção dos docentes para a necessidade de cumprirem a exclusividade, aludindo a que nunca poderia a ré retirar unilateralmente o direito ao exercício em exclusividade.
E assim é. Tendo sido acordado no contrato de trabalho a prestação a tempo inteiro, sem outras cláusulas, que permitam por exemplo a variação dos números de horas letivas a prestar, não podia a ré unilateralmente alterar os termos da prestação contratada, sem violação dos artigos 405º e 406º do CC (principio pacta sund servanta), já que empregadora e trabalhador podem fixar livremente o contrato, dentro dos limites da lei.
Tal alteração implicaria a violação do contrato e a diminuição da retribuição, implicaria a violação do princípio da irredutibilidade da prestação - artigo 129, 1, d) do CT. (antigo art. 122º, al. d), do CT03 e antes artº 21º, 1, c) da LCT).
Se o período de trabalho – tempo inteiro – foi acordado no contrato, não pode a empregadora alterar o mesmo de forma unilateral, nem diminuir a respetiva retribuição acordada.
Note-se que até o próprio horário de trabalho se tiver sido acordado no contrato não pode ser alterado unilateralmente – nº 4 do artigo 217º do CT (anterior nº 1 do CT 03 e antes a al. b) do nº 3 do artigo 12º da LDT).
Sobre uma diminuição de número de horas semanais vd. Ac. RL de 14/9/2009, processo nº 803/07.5TTPRT.P1 aludindo à proibição de diminuir a retribuição nos termos do artigo 122º, d) do CT, em violação do princípio da irredutibilidade da retribuição. Principio que se aplica naturalmente, como se refere no acórdão, “aos contratos de docência que revistam natureza laboral, "o que implicará a ilicitude da retirada de tempo de aulas que implique a redução da retribuição, de modo a que esta fique aquém da relativa ao tempo integral", como se escreveu no douto Acórdão do STJ de 13/10/2004 (in www.dgsi.pt/stj)”

Assim nesta parte improcede o alegado.
***
- DO ABUSO DE DIREITO E DA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ:

Nos termos do artigo 334º do CC, “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
O abuso de direito traduz-se essencialmente no exercício de um direito de forma anormal, quer na sua intensidade quer na execução, desde que desse exercício resulte a " negação " prática de direitos de terceiros, ou crie uma desproporção objetiva entre os benefícios que para o seu titular resultam, e as consequências que terceiros têm de suportar por força desse exercício (Ns. Rodrigues Bastos, Das Relações Jurídicas segundo o C.C. de 1966, Vol. V, pág. 10 e Ac. STJ de 13/3/91, Acord. Dout. nº 361, pág. 135 ).
O abuso abrange desde logo os casos de pura emulação, e ainda os casos em que derivando embora vantagens para o exercitante, a elas se juntam desnecessárias desutilidades para outrem.
Consagrou a lei um critério objetivo, em que não se torna necessário provar a consciência de se estar a utilizar abusivamente o direito, sendo suficiente que tal abuso ocorra. A apreciação opera-se recorrendo às conceções ético-jurídicas dominantes na coletividade, no que respeita à boa-fé e aos bons costumes; e aos juízos de valor positivamente consagrados na lei, no que se refere ao fim social e económico do direito. - P. Lima e A. Varela, Cód. Civ. anot., Coimbra ed., 2ª ed., pág. 277, em nota ao art. 334 -. Como se alude na sentença recorrida, “traduzindo-se a atribuição de um direito no reconhecimento da supremacia de certos interesses sobre outros com eles conflituantes, só o exercício que exceda manifestamente aqueles limites, pode ser considerado ilegítimo (Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. II, 2ª edição, 277, Galvão Teles, “Direito das Obrigações”, 3ª edição, pág. 6 e Manuel de Andrade “Teoria Geral do Direito das Obrigações”, pág. 63)”.

No caso presente, a alegação da recorrente baseia-se no entendimento de que o marido da A. foi o responsável pela distinção dos valores no recibo de vencimento, bem como ambos estiveram envolvidos na elaboração e imposição aos docentes da assinatura de uma declaração de exclusividade como contrapartida para receberem aquele suplemento, pelo que ocorreria abuso na modalidade de “venire contra factum proprium”. Trata-se de comportamento que contrariam atitudes anteriores, violando expetativas legitimas que a outra parte criou em função desses comportamentos e violando o principio da boa-fé que os contraentes devem respeitar no cumprimento do contrato – em sede laboral Vd. Artigo 126, nº 1.
Demonstrou-se de facto que o marido da autora esteve envolvido no “desdobramento “do vencimento e na assinatura do documento relativo à exclusividade, mas não se demonstrou a intervenção da autora. De todo o modo o sentido de tal desdobramento, tal como explicitado pelo marido da autora no seu depoimento não era o de permitir à ré retirar unilateralmente a dita “exclusividade” como acima se referiu, o que foi confirmado pela testemunha M. C..
Não ocorre qualquer abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprium”.
Refere ainda a recorrente o hiato de tempo decorrido entre a eliminação do subsídio e a data da propositura da ação, que seria demonstrativo de que não agiu com boa-fé.
A autora encontrava-se de baixa aquando da eliminação referida, tendo regressado a 12/2015. A ação deu entrada em meados de 2018. A este propósito refere-se na decisão, “além de apenas terem decorrido cerca de dois anos e meio desde o corte efetivo daquele subsídio (que ocorreu após o regresso da A. da baixa médica em dezembro de 2015) e a interposição da presente ação a reclamá-lo também resulta da matéria de facto, que a A. durante esse período solicitou por diversas vezes a sua reposição”.
A figura do abuso de direito radica na boa-fé e na proteção de expetativas legitimas.

Refere-se no Ac. STJ de 5/6/2018, processo nº 10855/15.9T8CBR-A.C1.S1:

“ O comportamento reiteradamente omissivo da parte que poderia exercer o direito, seguido, ao fim de largo tempo, de um ato comissivo com que a contraparte legitimamente já não contava, constitui abuso de direito na modalidade da supressio.
É desnecessária a ocorrência de culpa por parte do titular, bastando a situação objetiva criada a partir da sua inércia, geradora de justificada confiança da pessoa contra quem o direito se dirigia.
Mais do que sancionar a inércia do titular do direito, o objetivo da supressio é o de proteger a legítima confiança do terceiro que, ao fim de largo tempo, é surpreendido com uma demanda que já não esperava.
O tempo necessário para que a supressio opere dependerá muito das circunstâncias que, combinadamente, contribuam para a formação do estado de confiança, variando naturalmente de caso para caso.
É possível, no entanto, estabelecer algumas referências temporais. Assim, deverá ser inferior ao prazo da prescrição, porque de outro modo perderia utilidade; deverá, por outro lado, equivaler ao período necessário para convencer um homem comum, colocado na posição do real e perante as mesmas circunstâncias, de que não mais seria exercido o direito invocado...”
O não exercício de um direito apenas pode fundar tais expetativas se por si só ou envolvendo outros indícios, for objetivamente capaz de fundar uma expetativa legitima no sentido de que o direito não será exercido, no sentido de aceitação da situação, como se legal fosse. Tais indícios, conjugados com o maior ou menor tempo decorrido, dependendo da existência e força desses indícios e da concreta situação e circunstancialismos, podem consistir designadamente em atos de cumprimento do contrato como se o mesmo fosse válido.
No caso, além, de não ter decorrido um período de tempo que possa fundar qualquer expetativa legitima, tanto mais no quadro de uma relação laboral, em que o trabalhador se encontra numa situação de dependência económica e de subordinação jurídica em relação ao empregador, demonstraram-se factos de que resulta a intenção de exercer o direito, conforme facto 16. Não ocorre abuso de direito.
Consequentemente improcede o alegado.
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DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação confirmando-se o decidido.
Custas pela recorrente.