Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
258/05.9T8TMC-A
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: APELAÇÃO AUTÓNOMA
INCIDENTES COM PROCESSADO AUTÓNOMO
RECLAMAÇÃO CONTRA A RELAÇÃO DE BENS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO NÃO ADMITIDO
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Os incidentes a que a lei considera como dispondo de processado autónomo (art. 644º, n.º 1, al. a) do CPC) são apenas aqueles a que atribui tal processado independentemente do que é próprio das ações em que se possam suscitar, encontrando-se regulados nos arts. 296º a 361º: verificação do valor da causa, intervenção de terceiros, habilitação, liquidação.

II - A reclamação contra a relação de bens em processo de inventário faz parte da tramitação específica do processo de inventário (art. 1348º, n.º 1 do CPC), pelo que não é considerada um incidente processado autonomamente para efeitos do referido art. 644º do CPC.

III - A decisão proferida no incidente da reclamação de bens também não pode ser enquadrada na atual alínea h) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC [correspondente à alínea m) do n.º 2 do artigo 691.º do anterior CPC], por não configurar decisão cuja impugnação com a decisão final seja absolutamente inútil.

IV - O recurso dessa decisão (interlocutória) deverá ser interposto no recurso da decisão final (sentença homologatória da partilha - art. 1396º, n.º 2 do CPC aplicável) ou, no caso dela não haver recurso e tal decisão tenha interesse para a apelante independentemente da decisão final, a interpor num recurso único após o trânsito em julgado da decisão final (art. 644º, nºs 3 e 4 do NCPC/art. 691º, nºs 3 e 4 do anterior CPC).
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

1.1. Nos autos de inventário para partilha de bens em consequência de divórcio, foi, por despacho datado de 13 de fevereiro de 2017, decidido o incidente de reclamação de bens (cfr. fls. 180 a 193).
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1.2. Inconformada com este despacho dele recorre a cabeça de casal A. M., apresentando «recurso interlocutório, com efeito meramente devolutivo, nos termos do disposto nos arts. 691.º 2. j) do CPC», concluindo que o despacho recorrido não atendeu ou, pelo menos, não se pronunciou sobre as verbas descritas em 2.º, as quais se reportam a bens que integram o casal comum, devendo, por isso, fazer parte do acervo a submeter à partilha para separação de meações, pelo que a decisão recorrida viola, entre outros, o disposto no art. 660.º, n.º 2 do CPC (cfr. fls. 3 a 6).
Termos em que pugna pela procedência do recurso, devendo ser levada à conferência de interessados e à partilha as verbas enumeradas em 2.º das alegações de recurso.
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1.3. Nas contra-alegações apresentadas pela apelada E. R., esta suscitou, entre o mais, a questão da impossibilidade legal de conhecimento do recurso, nos termos do disposto no art. 644º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil, aplicável por força do disposto no art. 7º, n.º 1 da Lei n.º 41/2013, de 26.06 (cfr. fls. 13 a 19).
Citou diversa jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, que têm decidido que neste tipo de processos (de inventário), atenta a data da sua instauração, é aplicável o regime emergente do Código de Processo Civil, na redação introduzida pelo Dec. Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, mormente o respetivo artigo 1396.º, quanto ao regime dos recursos, que estabelece como regra a de que cabe recurso da sentença homologatória da partilha, devendo as decisões interlocutórias proferidas no âmbito do mesmo processo ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da sentença de partilha.
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1.4. A Meritíssima Juíza a quo admitiu o recurso nos seguintes termos (cfr. fls. 23):

«(…).
Tendo a presente acção sido instaurada no dia 15.09.2005, é o regime dos recursos estipulado no Dec.Lei nº.303/2007, por força do artigo 7º da redacção anexa à Lei nº.41/2013, de 26 de Junho entrou em vigor no dia 1 de Setembro do corrente (artigo 8º da Lei citada), pelo que decide-se que:
O recurso – de fls.2 e ss- é admissível (artigo 678º do CPC).
O recurso está em tempo (artigo 691, nº.5 do CPC).
O recorrente tem legitimidade (artigo 680º CPC).
Nestes termos, admito o recurso interposto por A. M. o qual é de apelação (artigo 691, nº.2, al.j)), com subida imediata, em separado, com efeito devolutivo, nos termos dos artigos 6691º-A, nº.2 e 692º do CPC)
(…)».
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1.5. Do despacho que admitiu o recurso refere-se, por outro lado, que a “presente acção” (subentendendo-se o processo de inventário em consequência de divórcio no qual foi proferida a decisão recorrida) foi instaurada em 15-09-2005.
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1.6. Após a sua distribuição ao ora relator foi proferido despacho nos termos e para os efeitos previstos no art. 655º do CPC por se entender que da decisão da reclamação de bens como incidente processual não cabia recurso autónomo, sendo a mesma impugnável apenas com a decisão final do inventário, ou seja, com o recurso da sentença homologatória da partilha (cfr. fls. 209 a 213).
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1.7. Pronunciou-se a recorrente A. M., defendendo, em síntese, o conhecimento imediato do recurso, «em vez de ficar à espera do fim do processo (sentença)» (cfr. fls. 222 e 223).
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1.8. Foram colhidos os vistos legais.
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II. Conforme resulta do art. 641º, n.º 5 do Código de Processo Civil (doravante abreviadamente NCPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho – correspondente ao n.º 5 do art. 685º-C do anterior CPC –, a decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior, podendo este, caso conclua pela sua ilegalidade, abster-se de conhecer o respetivo objeto.
Deste modo, e a título de questão prévia, cumpre antes de mais indagar se o recurso interposto como apelação autónoma é legalmente admissível e se deve conhecer-se o respetivo objeto.
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III. Fundamentação de facto

Os factos materiais relevantes para a decisão da causa são os que decorrem do relatório antecedente.
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IV. Fundamentação de direito

No processo acima assinalado foi, com data de 13 de fevereiro de 2017, proferida decisão referente a incidente de reclamação de bens em processo de inventário.
De tal decisão apresentou a cabeça de casal recurso, sendo que o tribunal da 1ª instância qualificou o recurso como de apelação [artigo 691, n.º 2, al. j) do anterior CPC], e atribui-lhe subida imediata, em separado, com efeito devolutivo, com base no disposto nos artigos 691º-A, n.º 2 e 692º do anterior CPC).
Não obstante a Lei n.º 23/2013, de 5 de março, ter aprovado e posto em vigor (desde 02-09-2013) o novo regime jurídico do processo de inventário, continua a aplicar-se-lhe o Código de Processo Civil até então vigente – o aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44129, de 28-12-1961 (revogado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho).
Com efeito, pelo art. 6º, n.º 2, da Lei n.º 23/2013, foram revogados, entre outros, os artigos 1326º a 1392º, 1395º e 1396º, 1404º, 1405º e 1406º do CPC. Todavia, conforme resulta do seu art. 7º, o novo regime do inventário que esta lei instituiu e que atualmente se encontra em vigor não se aplica aos processos de inventário que, como este, à data da sua entrada em vigor, se encontravam pendentes.
Tal significa, portanto, que o regime processual aplicável ao inventário objeto dos autos é o subsequente à Reforma de 1995, concretamente os arts. 1326º e seguintes do CPC por remissão do art. 1404º, n.º 3, do mesmo diploma legal, que manda aplicar-lhe “os termos prescritos nas secções anteriores”.
Relativamente ao regime dos recursos prescrito no citado processo especial importa ter presente os seguintes normativos:
- Segundo o n.º 3 do art. 1373º do CPC aplicável: “O despacho determinativo da forma da partilha só pode ser impugnado na apelação interposta da sentença da partilha.”
- E o n.º 2 do art. 1382º do mesmo diploma prescreve: “Da sentença homologatória da partilha cabe recurso, com efeito meramente devolutivo.”
- Por fim, o art. 1396º do mencionado diploma estabelece:

1- Nos processos referidos nos artigos anteriores cabe recurso da sentença homologatória da partilha”.
2 - Salvo nos casos previstos no nº 2 do artº 691º, as decisões interlocutórias proferidas no âmbito dos mesmos processos devem ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da sentença da partilha”.
Daqui se extrai que, em consonância com o regime consagrado nos n.ºs 3 e 4 do art. 691.º do anterior CPC, mantido sem alterações relevantes nos n.ºs 3 e 4 do art.º 644.º do NCPC, no âmbito dos processos de inventário a regra é de que a impugnação das decisões interlocutórias tem lugar apenas com o recurso da decisão final, subindo autonomamente quando, não sendo desta última interposto recurso, as decisões interlocutórias mantivessem interesse para o apelante.
Ora, tomando em consideração a norma transitória sobre recursos prevista no art. 7º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o NCPC ora em vigor desde 01-09-2013 - nos termos da qual aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da sua entrada em vigor mas em ações instauradas antes de 01-01-2008 aplica-se-lhes o regime de recursos decorrente do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, com as alterações por ela introduzidas (exceto o n.º 3 do art. 671º)(1)-, o regime de recursos em inventário judicial pendente a que se aplica ainda o anterior Código de Processo Civil é o que decorre das citadas normas especiais deste (artigos arts. 1373º, 1382º e 1396º) e das respetivas regras gerais da apelação previstas, atualmente, no art. 644º do atual Código de Processo Civil, para que aquelas remetem (2).
Dirimida, assim, a questão atinente à lei processual ou adjetiva aplicável, e contrariamente ao propugnado pela meritíssima juíza a quo, entendemos que a decisão (interlocutória) em apreço que decidiu o incidente da reclamação de bens, quer no âmbito do actual CPC, quer no regime anterior, não admite recurso de imediato.
Vejamos.
Estipula a al. a) do n.º 1 do art. 644.º do NCPC que cabe recurso de apelação da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente (3).
Sobre a delimitação do conceito de incidentes dispondo de processado autónomo para efeitos do citado preceito normativo, o Ac. do STJ de 16/06/2015 (relator Silva Salazar), CJSTJ, T. II, p. 123, concluiu que “são apenas aqueles a que atribui tal processado independentemente do que é próprio das acções em que se possam suscitar, encontrando-se regulados nos arts. 296 a 361º: verificação do valor da causa, intervenção de terceiros, habilitação, liquidação.
(…)
Assim, tendo em conta que a reclamação contra a relação de bens em processo de inventário não faz parte daqueles incidentes nominados nos arts. 296º a 361º, antes fazendo da tramitação específica do processo de inventário por ser uma fase deste que se abre com a apresentação da relação de bens e ainda que nenhuma reclamação venha a ser deduzida (art. 1348º, n.º 1 do CPC de 1961 (…), conclui-se, sem que tal seja afastado pela índole contenciosa de tal reclamação, não estar incluída na mencionada última parte da al. a) do n.º 1 do art. 644º, por falta da ali exigida autonomia processual (…)”.
Neste mesmo sentido, vejam-se as reclamações (ao abrigo do art. 643.º do Código do Processo Civil) proferidas pelo Tribunal da Relação de Coimbra de 1/04/2014 (4) (relatora Albertina Maria Gomes Pedroso) e de 10/12/2013 (5) (relator José Avelino Gonçalves), ambas disponíveis in www.dgsi.pt., e António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª ed., Almedina, p. 193, salientando este autor que a previsão legal não se circunscreve apenas aos incidentes processados por apenso, como ocorre com a habilitação, tendo potencialidades para abarcar outros incidentes tramitados no âmbito da própria acção, desde que sejam dotados de autonomia, designadamente a intervenção de terceiros ou a verificação do valor da causa, implicando trâmites específicos que não se confundem com os da ação em que estão integrados. Essa era (também) já a posição do autor face ao estatuído na alínea al. j) do n.º 2 do art.º 691.º do anterior CPC (“despacho que não admite o incidente ou que lhe ponha termo”) (6), abrangendo somente os incidentes da instância assim legalmente qualificados e regulados pelo Código de Processo Civil, o que exclui a reclamação da relação de bens em sede de processo de inventário, por aquela ser um incidente do processo de inventário e não um incidente da instância.
Pois bem, no caso em apreço a reclamação da relação de bens devendo ser feita ao abrigo do disposto no art.º 1348º e segs. “ex vi” do art. 1404º, n.º 3, ambos do CPC, na redação anterior à revogação pela Lei n.º 29/2009, de 29.06, não constitui um dos tipificados incidentes de instância, mas sim um incidente processual mais propriamente um “incidente do inventário (7).
Logo, é de concluir que a decisão interlocutória recorrida não é subsumível à previsão da parte final da al. a) do n.º 1 do art.º 644.º do NCPC (nem na previsão legal da antiga al. j) do n.º 2 do art.º 691.º do CPC), a qual contempla apenas e só os incidentes com autonomia em relação à causa principal, o que não é o caso do incidente da reclamação de bens em processo de inventário, que dele depende (8).
Apesar de não ter sido invocada pela recorrente, nem pelo tribunal recorrido na fixação do regime de subida do recurso, importa (ainda) apreciar se a decisão interlocutória em questão poderá ser enquadrada na atual alínea h) do n.º 2 do artigo 644.º do NCPC, [correspondente à anterior alínea m) do n.º 2 do artigo 691.º], por configurar decisão cuja impugnação com o recurso da decisão final seja absolutamente inútil.
Por referência à referida previsão legal, verificando-se que a interposição diferida do recurso redundaria na inutilidade absoluta da impugnação, o legislador permitiu a possibilidade de interposição imediata de recursos intercalares, de modo a evitar o referido efeito inutilizante do resultado do próprio recurso.
Conforme vinha sendo jurisprudencialmente entendido – jurisprudência que se mantém atual –, na retenção inutilizante do recurso há que distinguir a inutilização (eventual) dos actos processuais - admitida - e a inutilização absoluta do recurso em si, essa, sim, proibida (9). A inutilização absoluta do recurso verifica-se quando a eficácia do despacho de que se recorre produz um resultado irreversível, oposto ao efeito baseado na interposição do recurso. Só será absolutamente inútil o recurso que, quando favorável ao recorrente, já em nada lhe aproveitar, por a demora na sua apreciação tornar irreversíveis os efeitos da decisão impugnada. A inutilidade há-de produzir um resultado irreversível quanto ao recurso, retirando-lhe toda a eficácia dentro do processo, não bastando, por isso, uma inutilização de actos processuais para justificar a subida imediata do recurso (10).
Nas palavras de Abrantes Geraldes (11) o advérbio empregue, “absolutamente” assinala bem o nível de exigência imposta pelo legislador em termos idênticos ao que se previa no art. 734.º, n.º 1 al. c), do CPC de 1961, para efeitos de determinar ou não a subida imediata do agravo.
Deste modo, não basta que a transferência da impugnação para um momento posterior comporte o risco de inutilização de uma parte do processado, ainda que nesta se inclua a sentença final. Mais do que isso, é necessário que imediatamente se possa antecipar que o eventual provimento do recurso não passará de uma “vitória de Pirro”, sem qualquer reflexo no resultado da acção ou na esfera jurídica do interessado”.
Ora, no caso “sub judice”, a não subida imediata do recurso não lhe retira a sua finalidade útil, já que a sua decisão, caso venha a ser favorável à recorrente, sempre lhe aproveitará. Não estamos perante uma decisão com “um resultado irreversivelmente oposto ao efeito que se quis alcançar”, se não for imediatamente impugnada. Da retenção do recurso poderá, sim, resultar a inutilização de actos processuais, resultantes da eventual procedência do recurso a final, mas essa consequência, como já atrás referimos, não contende com a inutilidade absoluta de uma eventual decisão favorável decorrente do recurso.
Portanto, é inquestionável que o recurso interposto se apreciado com o recurso da decisão final não se torna absolutamente inútil.
Em face do exposto, afigura-se-nos, sem margem para dúvidas, que o recurso interposto é legalmente inadmissível enquanto apelação imediata e autónoma, visto não ser subsumível a qualquer uma das hipóteses elencadas nos n.ºs 1 e 2 do art. 644º do CPC.
Ora, o recurso da decisão (interlocutória) proferida acerca da reclamação de bens deverá ser interposto no recurso da decisão final (sentença homologatória da partilha de acordo com o disposto no n.º 2 do art. 1396º do CPC aplicável) ou, no caso dela não haver recurso e tal decisão tenha interesse para a apelante independentemente da decisão final, a interpor, num recurso único após o trânsito em julgado da decisão final (art. 691º do anterior CPC/art. 644º, nºs 3 e 4 do NCPC) (12).
Nesta conformidade, e porque à data não havia sido ainda proferida decisão homologatória do mapa de partilha, entendemos estar-nos vedado conhecer do objeto do recurso, porquanto este, sendo extemporâneo por prematuridade, não pode ainda ser interposto nem admitido, atento o disposto no n.º 2 do art. 1396º do CPC aplicável e no art. 644º, n.ºs 3 e 4 do NCPC.
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Sumário (ao abrigo do disposto no art. 667º, nº 3 do CPC):

I - Os incidentes a que a lei considera como dispondo de processado autónomo (art. 644º, n.º 1, al. a) do CPC) são apenas aqueles a que atribui tal processado independentemente do que é próprio das ações em que se possam suscitar, encontrando-se regulados nos arts. 296º a 361º: verificação do valor da causa, intervenção de terceiros, habilitação, liquidação.
II - A reclamação contra a relação de bens em processo de inventário faz parte da tramitação específica do processo de inventário (art. 1348º, n.º 1 do CPC), pelo que não é considerada um incidente processado autonomamente para efeitos do referido art. 644º do CPC.
III - A decisão proferida no incidente da reclamação de bens também não pode ser enquadrada na atual alínea h) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC [correspondente à alínea m) do n.º 2 do artigo 691.º do anterior CPC], por não configurar decisão cuja impugnação com a decisão final seja absolutamente inútil.
IV - O recurso dessa decisão (interlocutória) deverá ser interposto no recurso da decisão final (sentença homologatória da partilha - art. 1396º, n.º 2 do CPC aplicável) ou, no caso dela não haver recurso e tal decisão tenha interesse para a apelante independentemente da decisão final, a interpor num recurso único após o trânsito em julgado da decisão final (art. 644º, nºs 3 e 4 do NCPC/art. 691º, nºs 3 e 4 do anterior CPC).
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V. Decisão

Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar inadmissível o recurso acima identificado e, consequentemente, não conhecer do objeto da respetiva apelação, declarando findos os respetivos termos.
Custas pela recorrente.
Guimarães, 23 de Novembro de 2017


Alcides Rodrigues
Espinheira Baltar
Eva Almeida

1. Na esteira do princípio geral em matéria de aplicação no tempo das leis sobre recursos, que defende a aplicação imediata da nova lei às decisões que venham a ser proferidas a partir da sua entrada em vigor nas causas pendentes, quer passe a admitir recurso anteriormente não admissível, quer negue o recurso em relação a decisões anteriormente recorríveis. Isto porque, nessa situação, as expectavas criadas pelas partes ao abrigo da legislação anterior já não tinham razão de ser no momento em que a decisão foi proferida, não se justificando, por isso, o retardamento na aplicação da nova lei. – cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, pp. 55/57 e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. I, 2ª ed., 2017, Almedina, pp. 69/70.
2. Cfr., neste sentido, Ac. da RG 2/02/2017 (Relator Fernando Amaral), in www.dgsi.pt.
3. Este preceito corresponde, com alteração de redação, ao art. 692º, n.º 2, al. j) do anterior CPC na redação da reforma do Dec. Lei n.º 303/2007, de 24/08 – normativo este em que o Tribunal da 1ª instância se respaldou para legitimar a subida imediata do recurso em apreço –, o qual prescreve que cabe ainda recurso de apelação da decisão do tribunal de 1.ª instância «que não admita o incidente ou que lhe ponha termo».
4. Cujo sumário se reproduz parcialmente: «Sendo pacífico que a reclamação contra a relação de bens configura um incidente do processo de inventário, existiam diferentes interpretações relativamente à questão de saber se a alínea j) do n.º 2 do artigo 691.º do CPC se referia a quaisquer incidentes processuais, e, como tal, incluía a decisão daquele incidente, ou se reportava apenas aos incidentes da instância. (…)- Ora, sob a epígrafe «Apelações autónomas», na alínea a) do n.º 1 do actual artigo 644.º o legislador referiu-se expressamente ao recurso da decisão que ponha termo a incidente processado autonomamente, afastando claramente a interpretação de que a alínea j) do n.º 2 se referia a qualquer incidente do processado e consagrando o entendimento daqueles que sufragavam que o recurso apenas era admissível para os incidentes autónomos. (…) - A nova lei veio claramente consagrar um regime que a própria jurisprudência já tinha considerado como sendo possível e adequado em face da lei antiga, pelo que devemos entender que a nova lei é interpretativa por acolher uma das soluções objecto da querela jurisprudencial, pelo que, o recurso interposto da decisão sobre a reclamação de bens também não pode ser admitido a subir imediatamente com fundamento na alínea a) do n.º 1 do artigo 644.º do CPC.»
5. Nos termos do qual: «Considerando o actual regime de recursos, as decisões tomadas no interior do incidente de reclamação contra a relação de bens em processo especial de inventário (previsto nos artigos 1348º e 1349º do Código de Processo Civil), só podem ser impugnadas nos termos do n.º 3 do art.º 644.º do NCPC, isto é com o recurso que venha a ser interposto da decisão final do incidente, ficando acautelado ao reclamante, o direito de ver definido por outra instância judicial, todas as questões levantadas – recorríveis – durante a instância incidental».
6. Cfr. Recursos em Processo Civil – Novo Regime, 3ª edição, p. 206.
7. Cfr. Acs. RG de 27.02.2014 e de 10/11/2016 (ambos relatados por Maria da Purificação Carvalho) e de 26.09.2013 (relatora Isabel Rocha), in www.dgsi.pt.; na doutrina, Salvador da Costa, Os Incidentes da instância, 1999, 2ª ed., Almedina, p. 49, e Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. I, Almedina, 1990, p. 543.
8. Cfr. neste sentido, além dos arestos jurisprudenciais supra citados, decisão sumária do TRC de 8/03/2012 (relator Francisco Caetano), Ac. RC de 11/11/2014 (relatora Moreira do Carmo), Ac. RC de 15/09/2015 (relatora Maria Domingas Simões) e Ac. RE de 15/12/2016 (relatora Albertina Maria Gomes Pedroso), todos acessíveis em www.dgsi.pt..
9. Cfr. Despacho do Ex. Presidente do Tribunal da Relação do Porto, de 29/07/84, in CJ, Ano IX, T. IV, pág. 195.
10. Cfr. neste sentido, Ac. RC de 04/12/84, in CJ, Ano IX, T. V, pág. 79; Ac. RC de 11.3.98, BMJ, n.º 475º, pág. 786 e Ac. RC de 16.9.98, BMJ, n.º 479º, pág. 728, que, apesar de proferidos a respeito do momento da subida imediata ou deferida do recurso de agravo, em face do que anteriormente previa o artigo 734.º, n.º 1, alínea c), do CPC, constituem um elemento interpretativo relevante na densificação do conceito legal de absoluta inutilidade. À luz do disposto na al. h) do n.º 2 do art. 644º CPC, Ac. RP de 10/03/2015 (relator Vieira e Cunha), in www.dgsi.pt
11. Cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª ed., p. 203
12. Cfr. Ac. RG de 10/11/2016 (relatora Maria da Purificação Carvalho), www.dgsi.pt.