Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
899/19.7T8VCT.G1
Relator: PAULO REIS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
FACTOS CONCLUSIVOS
FACTOS JURÍDICOS
PERDAS SALARIAIS
RETRIBUIÇÃO
PRÉMIO DE PRODUTIVIDADE
DANO FUTURO
INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO
DÉFICE FUNCIONAL
EQUIDADE
CONTAGEM DE JUROS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/30/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O prémio de produtividade, pago anualmente, integra a retribuição devida à autora, por se tratar de um acréscimo patrimonial regular e periódico.
II - Determinável ou indeterminável, apenas o dano futuro previsível é indemnizável, não se podendo relegar a demonstração do dano futuro meramente hipotético para liquidação em execução de sentença.
III - Independentemente da sua repercussão imediata na capacidade de ganho do lesado, o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica tem relevância patrimonial, dado constituir uma lesão que importa perda da capacidade funcional, representando, como tal, um dano patrimonial futuro.
IV - A valoração do dano patrimonial futuro decorrente da incapacidade ou défice funcional permanente de que a autora ficou a padecer assenta num critério de equidade, conforme decorre do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC devendo o tribunal julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados dada a impossibilidade de se averiguar o valor exato dos danos.
V - Os juros de mora da indemnização pelos danos patrimoniais futuros decorrentes da incapacidade ou défice funcional permanente devem contar-se desde a data da decisão recorrida, e não a contar da citação, sempre que decorra da decisão que a correspondente indemnização foi fixada com base na equidade e de forma atualizada.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

C. G., M.A., H. P. e B. P., intentaram ação declarativa sob a forma de processo comum contra X Seguros Compañia de Seguros Y Reaseguros, S.A., pedindo a condenação da ré no pagamento:
À autora C. G.:
Da quantia global de €1.827.706,99 (1) sendo:
a) € 900.000,00 a título de danos patrimoniais futuros, decorrentes do défice funcional permanente de que alegadamente ficou a padecer em virtude do acidente de viação em causa nos presentes autos;
b) € 99.964,00 a título de perdas salariais, computadas desde o dia do acidente até fevereiro de 2019;
c) € 482.090,00 a título de dano futuro no que concerne à aquisição de próteses;
d) € 44.401,28 a título de dano futuro atinente à necessidade de manutenção/revisões das próteses;
e) € 4.950,00 a título de dano futuro atinente a despesas com cremes hidratantes para a zona amputada;
f) € 115.145,10 a título de ajuda de terceira pessoa;
g) € 41.736,62 a título de dano futuro atinente a despesas com tratamentos de fisioterapia/terapia ocupacional;
h) € 25.905,48 a título de dano futuro atinente a despesas com acompanhamento em Psicologia/Psiquiatria;
i) €13.514,51 de despesas de cabeleireiro;
j) € 100.000,00 a título de danos não patrimoniais.
B) Ao autor M.A.:
Da quantia de € 40.000,00 a título de danos não patrimoniais;
C) À autora H. P.:
Da quantia de € 7.500,00 a título de danos não patrimoniais;
D) Ao autor B. P.: da quantia de € 40.000,00, por danos patrimoniais futuros decorrentes do défice funcional permanente de que alegadamente ficou a padecer em decorrência do acidente de viação em causa nos presentes autos e por danos não patrimoniais.
Os autores formularam os aludidos pedidos a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em virtude de acidente de viação, ocorrido a 27 de abril de 2014, na E.N. 202, ao Km 13,7, sito na freguesia ..., do concelho de Melgaço, em que intervieram os veículos ligeiros de passageiros com a matrícula VX, conduzido pelo seu proprietário, o autor M.A. e AQ, conduzido pelo proprietário C. E., a cujo condutor atribuem a culpa exclusiva na produção do acidente, alegando ainda que o proprietário de tal veículo tinha transferido para a ré a responsabilidade civil por danos causados a terceiros.
A ré contestou, aceitando que o acidente ocorreu por culpa do veículo seguro, bem como o alegado na petição inicial quanto à dinâmica do acidente, impugnando, contudo, os factos relativos aos danos alegados e os valores indemnizatórios peticionados pelos autores, que reputa de muito exagerados.
Dispensada a realização da audiência prévia, foi fixado o valor da causa, selecionado o objeto do litígio, e foram enunciados os temas da prova, em termos que não mereceram reclamação das partes.
Admitidos os meios de prova, foi realizada a audiência final, no início da qual os autores - M.A., H. P. e B. P. - e ré chegaram a acordo nos termos da transação exarada em ata e que foi homologada judicialmente, prosseguindo a ação para instrução e decisão referente às pretensões formuladas pela autora C. G..

Após produção de prova foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente, a qual se transcreve na parte dispositiva:
«(…)
Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) condena-se a Ré a pagar à A. a quantia de 1.337.614,65, sendo €1.237.614,65 a título de danos patrimoniais e €100.000,00 a título de danos não patrimoniais;
b) condena-se a Ré a pagar à A. os juros de mora à taxa de 4% (Portaria 291/03, de 8Abr): desde a citação até integral pagamento, sobre o montante relativo aos danos patrimoniais; desde hoje até integral pagamento, sobre o montante relativo aos danos não patrimoniais.
c) Custas a cargo de Autora e Ré na proporção do decaimento.
d) Registe e notifique».

Inconformada, a ré apresentou-se a recorrer, pugnando no sentido da revogação da sentença, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«1. As presentes alegações de recurso terão por objecto quer a alteração à matéria de facto, por via da reapreciação da prova gravada e de todos os demais elementos probatórios constantes dos autos, quer a alteração da matéria de direito.
2. Tendo em conta toda a prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento entende a ora Apelante, salvo o devido respeito, que a matéria de facto constante nos pontos 1.27, 1.50, 1.51, 1.52, 1.53, 1.57, 1.58, 1.59, 1.31, 1.60, 1.61, 1.62, 1.63, 1.39 da matéria dada como provada, foi incorrectamente apreciada, tendo conduzido a uma decisão injusta e incoerente com toda a factualidade discutida e apurada nos autos.
3. Acresce ainda que, a ora Recorrente, não concorda com os montantes indemnizatórios arbitrados na douta sentença recorrida (com exceção dos danos não patrimoniais e assistência a terceira pessoa) nomeadamente por considerar que se afiguram manifestamente desajustados, por excessivos, atenta a factualidade julgada provada (e não provada) nos autos, e bem assim os critérios jurisprudenciais atualmente seguidos pela nossa jurisprudência, encontrando-se, nessa medida, incorretamente interpretadas e/ou aplicadas as normas legais previstas nos artigos 483.º, n.º 1, 494.º, 496.º, n.º s 1 e 4, 562.º, 563.º, 564.º e 566.º, n.º 3 do Código Civil (CC).
4. Nenhuma das testemunhas inquiridas em sede de audiência de discussão e julgamento depôs sobre a matéria contante nos 1.27, 1.50, 1.51, 1.52, 1.53, 1.57, 1.58, 1.59, 1.31, 1.60, 1.61, 1.62, 1.63, 1.39, da matéria dada como provada.
5. Sempre que um ponto da matéria de facto integre uma valoração de factos comportando uma componente de resposta questões jurídicas sob judice, o mesmo deve ser eliminado.
6. A decisão sobre a matéria de facto deve estar expurgada de afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito.
7. Com efeito, é convicção da Recorrente que após a audição da prova gravada, concluir-se-á, com segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, impõem decisão diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância.
8. Para prova das lesões sofridas pela autora em virtude do acidente de viação em causa, foi aquela submetida a uma perícia médico-legal.
9. Cabe sempre ao juiz a valoração definitiva dos factos pericialmente apreciados, conjuntamente com as demais provas. Contudo, na falta de outros elementos, e na medida em que o relatório pericial seja revelador de conhecimentos especiais, o julgador não deve afastar-se, infundadamente, das respetivas conclusões.
10. O relatório pericial constante de fls. 256 e ss dos autos, refere, quanto a tratamentos médicos regulares, “eventuais tratamentos de MFR.” (sublinhado nosso)
11. Não resultou igualmente do relatório médico-legal que a A. tem de se submeter mensalmente a 20 sessões de fisioterapia. (!)
12. Assim como não resultou da prova produzida nos autos que 20 sessões de fisioterapia custam 130,00 e a consulta de fisiatria ronda 15,00 €, o que dá uma despesa mensal de 145,00€, ou anual de 1.740,00 €.
13. Ora, não tendo resultado do relatório pericial de exame médico-legal à pessoa da A. constante de fls. 256 e ss, com os esclarecimentos, respostas e aditamento de fls. 268 e ss, bem como não tendo resultado da prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, que abalasse a credibilidade do relatório do INML, nunca poderia o Tribunal a quo dar como provado, da forma como foi, a matéria de facto constante nos pontos 1.27; 1.57, 1.58 e 1.59 .
14. Razão pela qual, entende a ora Recorrente que ao ponto 1.27. da matéria dada como provada deverá ser expurgada a referência “tratamento de medicina física de reabilitação”, porquanto não resultou da prova carreada para os autos a necessidade séria, real e inequívoca de tratamentos médicos regulares, assim como não resultou da prova produzida a periodicidade de tais tratamentos.
15. A matéria de facto constante nos pontos 1.57. “Por outro lado ainda, a demandante tem de se submeter mensalmente a 20 sessões de fisioterapia/terapia ocupacional – seja no membro amputado, seja no contralateral, assim como a uma consulta prévia de fisiatria.” Deverá passar a constar dos factos dados como não provados.
16. A matéria de facto constante nos pontos 1.58. “As 20 sessões de fisioterapia custam 130,00 e a consulta ronda 15,00 €, o que dá uma despesa mensal de 145,00€, ou anual de 1.740,00 €.” e 1.59. “Assim, para a indemnizar deste prejuízo para futuro é adequada a quantia 41.736,62€ (145,00 x 12 x 23,986564).” Deverão passar a constar dos factos dados como não provados.
17. Por outra parte, os pontos da matéria de facto 1.58 e 1.59 integram uma valoração de factos comportando uma componente de resposta questões jurídicas sob judice, pelo que caso não sejam considerados não provados, os mesmos devem ser eliminados do elenco dos factos dados como provados.
18. 1.31. Para além das ajudas descritas supras em 1.28., a A. necessita: uso permanente de prótese mioeléctrica; uso permanente de creme hidratante na zona amputada; ajuda de terceira pessoa para apoio à própria A. para alguma higiene pessoal (quando o marido e/ou filhos não estão disponíveis) ajuda a vestir e/ou despir determinadas peças de roupa; calçar, cerca de 4 horas por dia. (sublinhado nosso) 1.53. Por outro lado, a demandante vai ter de utilizar cremes hidratantes, para toda a vida, para hidratar a zona amputada, no que gasta, por ano, a quantia de 150,00 €, motivo por que, para a indemnizar deste prejuízo para futuro, é adequada a quantia de 4.950,00 € (150,00 € x 33 anos).
19. Refira-se que quanto a este ponto e ausência de qualquer outra prova, nomeadamente testemunhal em sede de audiência de discussão e julgamento, e bem assim prova documental, o exame médico-legal de fls. 256 e ss, com os esclarecimentos, respostas e aditamento de fls. 268 e ss também se pronunciou referindo que “É de admitir a necessidade de cremes hidratantes para aplicar na zona amputada” (sublinhado nosso)
20. Também da prova produzida em sede de audiência de julgamento, das testemunhas inquiridas nunca depôs sobre essa matéria, ficando a Recorrente sem alcançar a razão pela qual a matéria de facto foi julgada como provada, nos termos em que foi, pois na verdade nenhuma prova quanto a essa matéria se produziu nos presentes autos.
21. Ora, perante aquilo que resulta do relatório pericial de exame médico-legal à pessoa da A. constante de fls. 256 e ss, com os esclarecimentos, respostas e aditamento de fls. 268 e ss e na ausência de qualquer outra prova, no entendimento da Recorrente a matéria de facto constante no ponto 1.31 deverá ser alterada, passando a sua redação nos termos que se sugere:
1.31. Para além das ajudas descritas supras em 1.28., a A. necessita: uso permanente de prótese mioeléctrica; ajuda de terceira pessoa para apoio à própria A. para alguma higiene pessoal (quando o marido e/ou filhos não estão disponíveis) ajuda a vestir e/ou despir determinadas peças de roupa; calçar, cerca de 4 horas por dia.
22. Por outra parte, a matéria de facto constante no ponto 1.53. “Por outro lado, a demandante vai ter de utilizar cremes hidratantes, para toda a vida, para hidratar a zona amputada, no que gasta, por ano, a quantia de 150,00 €, motivo por que, para a indemnizar deste prejuízo para futuro, é adequada a quantia de 4.950,00 € (150,00 € x 33 anos)”. Deverá a passar a constar da matéria dada como não provada, o que desde já se requer
23. Sem prescindir, o ponto da matéria de facto 1.53 integra também uma valoração de factos comportando uma componente de resposta questões jurídicas sob judice, pelo que caso não seja alterada para a matéria de facto dada como não provada, o mesmo deve ser eliminado do elenco dos factos dados como provados.
24. Consta da matéria dada como provada, no ponto 1.60. “É acompanhada em consulta de Psicologia e Psiquiatria uma vez por mês, no que gasta a quantia mensal de 90,00 €, 12 meses por ano.” E 1.61. Assim para a indemnizar deste prejuízo para futuro é adequada a quantia de 25.905,48€ (90€ x12 x 23,986564)
25. Entende a ora Recorrente que não existem nos autos elementos concretos de prova que permitiam ao douto Tribunal a quo concluir que a Recorrida é acompanhada em consulta de Psicologia e Psiquiatria uma vez por mês, no que gasta a quantia de €90,00, 12 meses por ano.
26. De facto, se atentarmos novamente ao relatório pericial junto aos autos, de fls. 256 e ss, e de fls. 268 e ss. na parte referente a “dependências permanentes de ajudas” refere somente que a A. necessita de medicação psiquiátrica.
27. Não resulta do exame médico-legal que a A. se encontra por um lado a ser acompanhada nesta especialidade, nem decorre do mesmo a periodicidade que o Tribunal a quo veio a dar como provado nos autos por outro.
28. Acresce ainda que, nenhuma das testemunhas inquiridas nos presentes autos depôs sobre esta matéria, motivo pelo qual não dispunha o Tribunal a quo de outra prova quanto a esta matéria senão o exame médico-legal junto aos autos.
29. Assim se concluído que, A matéria dada como provada, no ponto 1.60. “É acompanhada em consulta de Psicologia e Psiquiatria uma vez por mês, no que gasta a quantia mensal de 90,00 €, 12 meses por ano.” 1.61. Assim para a indemnizar deste prejuízo para futuro é adequada a quantia de 25.905,48€ (90€ x12 x 23,986564)” deverá passar a constar da matéria dada como não provada, o que se requer.
30. Sem prescindir, o ponto da matéria de facto 1.60 e 1.61 integram também uma valoração de factos comportando uma componente de resposta questões jurídicas sob judice, pelo que caso não seja alterada para a matéria de facto dada como não provada, os mesmos devem ser eliminados do elenco dos factos dados como provados.
31. Relativamente à matéria dada como provada 1.39. “E até na sua higiene pessoal a demandante tem dificuldade, pois, não sendo sequer habitual antes do acidente dos autos deslocar-se ao cabeleireiro, passou a ter de o fazer duas vezes por semana uma vez que não consegue lavar o cabelo em casa sem ajuda de terceiros.”
32. No ponto 1.62. “E, por força das sequelas de que ficou a padecer definitivamente, a demandante passou a frequentar duas vezes por semana a cabeleireira, para lavar e secar o cabelo, o que não consegue fazer em sua casa, gastando, por mês, a quantia de 40,00 € (5,00 € x 8), 12 vezes por ano. “ E 1.63. Assim, até à data da propositura da presente acção já gastou a quantia de 2.000,00 €, para a indemnizar deste prejuízo para futuro, considerando a esperança média de vida de 82 anos para as mulheres, é adequada a quantia de 11.514,51 €.
33. Tendo em conta a total ausência de prova produzida nos autos, nomeadamente dos depoimentos testemunhais prestados em sede de audiência de discussão e julgamento, e de prova documental carreada para os autos, entende a ora Recorrente que os referidos factos constantes deveriam ter sido dado como não provados, o que desde já se requer.
34. Sem prescindir, o ponto da matéria de facto 1.62 e 1.63 integra também uma valoração de factos comportando uma componente de resposta questões jurídicas sob judice, pelo que caso não seja alterada para a matéria de facto dada como não provada, os mesmos devem ser eliminado do elenco dos factos dados como provados.
35. Ora, salvo o devido respeito, que é muito, (incompreensivelmente), não fez o douto Tribunal recorrido uma correcta interpretação e aplicação da prova produzida e carreada para os autos, que no entender da Recorrente é manifestamente “tendenciosa” a dar como provada a maioria, senão grande parte da matéria alegada nos autos pela Recorrida, sem que tivesse sido produzida qualquer prova nesse sentido.
36. Não pode a ora Recorrente concordar (de todo) com a matéria de facto dos pontos 1.39, 1.62 e 1.63 da matéria dada como provada, que exorbita manifestamente do conteúdo da prova que havia sido submetida à averiguação do Tribunal. Razão pela qual, entende a ora Recorrente que os pontos 1.39, 1.62 e 1.63 da matéria dada como provada encontram-se incorretamente apreciados pelo douto Tribunal a quo e deverá ser julgado como não provado, o que desde já se requer.
37. Pontos 1.50, 1.51 e 1.52 da matéria dada como provada encontram-se incorretamente apreciados pelo douto Tribunal a quo.
38. Vejamos em concreto o referido pela testemunha G. J. cujo depoimento se encontra gravado no ficheiro de áudio n.º 20201105144005_1507766_2871822 – com início aos minutos 1:51 a 18:10.
39. Sem prejuízo do documento n.º 15 junto aos autos e seguintes, cujo conteúdo foram impugnados pela Recorrente, a Recorrida não logrou provar nos autos a realidade que os documentos subjazem. Ademais, inquirida a testemunha G. J. confrontada com o referido documento esclareceu e atualizou os valores actuais das próteses.
40. Foi expressamente referido pela testemunha que actualmente o custo da prótese rondará à volta dos €50.000,00 sendo este o custo médio. Mais referiu a testemunha que a prótese tem revisões anuais durante os 3 primeiros anos, outras duas revisões, num período máximo de 5 anos. Mais esclarecendo que a marca aconselha a que a prótese seja revista todos os anos. Os três primeiros anos são obrigatórios e incluídos no preço, todos os anos conseguintes são opcionais.
41. Pelo que, não poderia o Tribunal a quo dar como provado que a prótese tem um custo unitário de 68.870,00 €.
42. De resto, não poderia o Tribunal a quo dar como provado a prótese tem de ser substituída na sua integralidade ao fim de 5 anos.
43. Assim como, não poderia o Tribunal a quo dar como provado que as manutenções/revisões, importasse o custo total de 4.332,00 €, ou seja, a manutenção de cada prótese tem um custo total de 6.343,04€.
44. Ovalor da prótese de €50.000,00 já tem incluído o valor da manutenção/revisão. E que ao valor da prótese não acresce o valor da manutenção/revisão.
45. As próteses em questão têm uma grande duração de vida útil, tanto mais se forem sendo submetidas a revisões e manutenções.
46. Assim, face ao que antecede sempre deverá a matéria de facto constante no 1.50 ser alterada nos seguintes termos:
1.50. “Cada prótese tem um custo unitário de 50.000,00 € com um período de garantia de 5 anos assegurado pela marca, com revisões anuais durante os 3 primeiros anos, outras duas revisões, num período máximo de 5 anos.
Os três primeiros anos são obrigatórios e incluídos no preço, todos os anos conseguintes são opcionais.”

47. Devendo a constar do elenco dos factos não provados que:
“a manutenção de cada prótese tem um custo total de 6.343,04€ “
48. O ponto 1.51. e 1.52 da matéria dada como provada deverão passar aos factos não provados, o que desde já se requer
49. Por outra parte, os pontos da matéria de facto 1.51 e 1.52 integram uma valoração de factos comportando uma componente de resposta questões jurídicas sob judice, pelo que caso não sejam considerados não provados, os mesmos devem ser eliminados do elenco dos factos dados como provados.
50. Assim, é convicção da Recorrente que reexaminando as provas indicadas no corpo das alegações e as referenciadas na fundamentação da decisão em matéria de facto conduzirá à alteração da referida matéria de facto nos termos requeridos pela Recorrente e consequentemente a sentença proferida deverá ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente do alegado/conclusão dos pontos 1.51. e 1.51, nomeadamente absolver a Recorrente do montante indemnizatório fixado de €482.090,00; absolva a Recorrente do montante indemnizatório fixado, no que tange às revisões e/ou reparações, de 44.401,28€.; absolva a Recorrente do alegado/conclusão dos pontos 1.53. do montante indemnizatório fixado quanto aos cremes hidratantes de 4.950,00 € ; absolva a Recorrente do alegado/conclusão dos pontos 1.57, 1.58 e 1.59 do montante indemnizatório fixado de 41.736,62€; absolva a Recorrente do alegado/conclusão dos pontos 1.60, 1.61 do montante indemnizatório fixado de 25.905,48€ a título de consultas de Psicologia e Psiquiatria; Absolva a Recorrente do alegado/conclusão dos pontos 1.62 e 1.63 do montante indemnizatório fixado de 11.514,51 € para cabeleireiro.
51. O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (nº 1 do artº 564º), indemnização essa que "é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor" (n.º 1 do art.° 566°), podendo "o tribunal atender aos danos futuros, desde que previsíveis" (n.º 2 do art.° 564), sendo certo que "sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos" (n.º 2 do art.° 566°) e "se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados" (n.º 3 do art.° 566°).
52. Quanto aos danos patrimoniais, peticionava a A. perda de rendimentos, uma vez que em consequência do acidente nunca mais trabalhou.
53. De facto, apurou-se que a A, sofreu um período de repercussão na actividade profissional temporária total de 900 dias e que as sequelas de que ficou a padecer são compatíveis com o exercício da actividade habitual implicando esforços suplementares.
54. Assim, considerou o Tribunal a quo que a A. “deixou de auferir a título de rendimentos o montante médio de €67.000 a título de vencimento; €3.600, de subsídio de alimentação e €14.560,00 de prémios de produtividade anuais, num total de €85.160,00. A este montante há que deduzir os montantes recebidos da Ré e da Seg. Social, €35.000,00 e €40.288,34 respectivamente. Pelo que a A. mantém ainda um prejuízo de perda de rendimentos no montante de € 9.871,66.
55. Entende a recorrente que o prémio anual de produtividade de 7.280,00 € não pode ser considerada no cálculo da referida indemnização. Não assume natureza retributiva o prémio de produtividade cuja atribuição estava dependente da avaliação da produtividade e do desempenho profissional da A. num ciclo temporal anual.
56. Ora, sabe-se que tais prémios, constituindo um incentivo para o trabalhador, não são prestações atribuídas com regularidade ou periodicidade, derivando antes, em cada caso concreto, de certo comportamento laboral do trabalhador, e por isso mesmo, não passam de prestações pontuais, esporádicas e imprevisíveis, não podendo, seguramente, reconduzir-se ao conceito de retribuição, e, por outro lado, não é possível dizer que tais atribuições se teriam mantido, em moldes idênticos ou aproximados, a não se verificar o sinistro e inerente incapacidade da A.
57. Nesta medida, nunca deveria tal prémio de produtividade ser contemplado para efeitos de cálculo da alegada perda de rendimentos. Devendo ser excluído o montante de 14.560,00€
58. Se a A. sofreu um período de repercussão na actividade profissional temporária total de 900 dias – isto é 29 meses, então o montante a atribuir à Autora não é aquele que o Tribunal recorrido apresentou na sentença ora posta em crise.
59. Assim: rendimento mensal de 1.940,00 € X 29 meses (900 dias) perfaz a quantia de €56.260,00. Acresce ainda, €3.600, de subsídio de alimentação
60. Concluiu- que a Recorrida deixou de auferir, s.m.o., e alegadamente a título de rendimento o valor de €59.860,00.
61. A este montante há que deduzir os montantes recebidos da Recorrente e da Segurança Social, €35.000,00 e €40.288,34 respectivamente. Pelo que a A. não tem qualquer prejuízo de perda de rendimentos a indemnizar. Nessa medida, a Recorrente sempre deverá ser absolvida do montante arbitrado de €9.871,66 a título de prejuízo de perda de rendimentos.
62. Ademais, cumpre referir que a Recorrente liquidou à Recorrida não só a quantia de €35.000,00, como ainda adiantou à Autora por conta da indemnização final (mais) a quantia de €15.000,00. Tudo no total de €50.000,00.
63. Sem prescindir quanto à impugnação da matéria de facto relativamente a esta matéria, o que importará desde logo a absolvição da Recorrente do valor arbitrado, caberá ainda referir o seguinte: Entendeu o Tribunal condenar a ora Recorrente, no que concerne à aquisição de próteses a quantia de 482.090,00 € (68.870,00 € x 7 próteses).
64. A Recorrente concordar que à Recorrida seja atribuída uma indemnização de substituição de uma prótese a cada 5 anos.
65. Se desde da data da ocorrência do acidente, a A. utiliza uma prótese e já decorreram mais de cinco anos sem aquela tivesse procedido à sua substituição, não se compreende a condenação do Tribunal a quo, que não teve em consideração a situação real da Autora na data mais recente.
66. A prótese tem uma garantia de 5 anos concedida pela marca, o que quer dizer que sendo esta submetida a revisões e manutenções, tem uma grande duração de vida, não sendo necessária a sua substituição a cada 5 anos.
67. Não só o custo da prótese não ficou devidamente demonstrado ser o de 68.870,00 €; nem a durabilidade da mesma – 5 anos; nem a periodicidade de revisão da mesma; nem o custo dessa revisão; nem ainda o período de tempo em que perdurariam aquelas despesas com a prótese.
68. Não se poderá deixar de ter em linha de conta que as sequelas de que a A. padece actualmente, fruto do AVC e que de alguma forma dificultam e/ou impedem o correto manuseamento da prótese, inviabilizará por parte da Recorrida a aquisição de uma (nova) prótese que sabemos de antemão que não a utilizará.
69. Recorde-se o referido pela testemunha G. J., cujo depoimento se encontra gravado no ficheiro áudio n.º 20201105144005_1507766_2871822 –
70. Pelo que, tendo em conta a situação clinica actual da Autora, salvo melhor opinião a indemnização arbitrada a titulo de dano futuro no que concerne à aquisição de próteses de 482.090,00 € (68.870,00 € x 7 próteses) no entender da Recorrente deveria ter ficado relegada para incidente de liquidação.
71. O critério temporal terá sido utilizado pelo Tribunal a quo não pode deixar a Recorrente de se insurgir contra o referencial de 77 anos.
72. Não se sabe antecipadamente qual será o tempo de vida activa profissional da A. ou aliás, no presente caso até que ficou a saber, dado que em 2017 a Autora sofreu um AVC que não lhe permitiria desenvolver a sua Actividade profissional.
73. A lesada tinha 44 anos à data do acidente, inserida no mercado de trabalho mantendo-se até aos 66 anos e não até aos 77 anos conforme contemplado pelo Tribunal a quo.
74. Desta feita, sem prejuízo da impugnação do valor unitário da prótese que a Recorrente considera ter ficado provado nos autos €50.000,00 e não €68.870,00, a fórmula de cálculo, no entender da R., deveria ser: €50.000,00 X 4 próteses (66-44 anos = 22/5 ) = €200.000,00
75. Ou caso assim V. Exa. não entenda, No limite a fórmula de cálculo deveria ser: € 68.870,00 € x 4 próteses (66-44 anos =22 /5) €275.480,00
76. Não obstante ao valor aritmético encontrado pelo douto Tribunal a quo, este não descontou ao valor indemnizatório apurado uma quantia de 30% pelo facto de a indemnização ser paga na totalidade antecipadamente.
77. No entender da recorrente aos €200.000,00 apurados dever-se-á abater 60.000,00, encontrando-se o valor de €140.000,00. Ou caso assim V. Exa. não entenda, No limite a fórmula de cálculo deveria ser: €275.480,00 – 30% (€82.644,00) encontrar-se-á o valor de €192.836,00
78. Ora, sendo o montante fixado pelo douto Tribunal a quo - 482.090,00 € (68.870,00 € x 7 próteses) um valor a receber de uma só vez, determinado com base na esperança média de vida, sempre deveria ser efectuada uma dedução ao montante encontrado - para compensar o efeito de antecipação do pagamento da totalidade - , que se requerer desde já que seja de 30%.
79. Assim,482.090,00 € - 30% = 144.627. Perfazia o total de €227.463
80. Todavia, sobre este valor encontrado o Tribunal a quo sempre deveria “temperá-lo” com recurso ao critério da equidade.
81. Nestes termos, a condenação da Recorrente no valor de 482.090,00 € (68.870,00 € x 7 próteses) deverá ser revogada e substituída por outra que seja mais justa e equilibrada face às circunstâncias do caso em concreto, relegando-se para incidente de liquidação, ou caso assim não se entenda, não deve ser superior a €100.00,00 com recurso a um desconto de 30% e à equidade, sob pena de violação dos termos enunciados no art. 566°, n.º 3, do C.C..
82. No que tange às revisões e/ou reparações a que a Recorrente foi condenada na quantia de 44.401,28€ (6.343,04 € x 7), no entendimento da Recorrente o valor apresenta-se como injusto, incorreto e desadequado.
83. Conforme acima se alegou a Recorrente tem um entendimento diverso da sentença quanto à inexistência de prova quanto a esta matéria e nessa medida, pugnou pela alteração da matéria de facto e absolvição do pedido.
84. De acordo com o referido pela testemunha G. J. cujo depoimento se encontra gravado no ficheiro áudio n.º 20201105144005_1507766_2871822, o valor da prótese já tem incluído o valor das revisões/manutenções. Pelo que, não acresce qualquer valor e nessa medida sendo a Recorrente condenada no montante que vier a ser arbitrado quanto às próteses não poderá ser condenado no valor arbitrado quanto às revises/manutenções.
85. Sem prescindir sempre se dirá que o Tribunal a quo olvidou que tem sido defendido na jurisprudência dos nossos tribunais superiores que, após determinação do capital, há que proceder a um “desconto” ou “dedução” em função da antecipação do pagamento da indemnização, porquanto o lesado receberá a indemnização de uma só vez, podendo o capital a receber ser rentabilizado, produzindo juros, impondo-se que, no termo do prazo considerado, o capital se encontre esgotado.
86. No que concerne a esta questão, atendendo a que o pagamento da indemnização é antecipado, entendemos que deverá ser aplicada uma dedução da percentagem de 30%, o que desde já se requer.
87. Assim, considerando o montante de €44.401,28€, aplicando-se um desconto de 30% = €13.320,384. Estamos perante o montante de €31.080,90.
88. Sendo assim, tal deve ser efectuado com recurso á equidade, a percentagem “abatida” ou “descontada” de cerca de 30%. Devendo a sentença ser revogada e substituída por outra que condene a Recorrente num valor justo e equitativo tendo em conta as características do caso concreto, vantagens do recebimento imediato de todo o capital correspondente a essas despesas e a incerteza da esperança de vida.
89. Quanto aos cremes hidratantes, a que a Recorrente foi condenada a pagar – quantia de 4.950,00 € (150,00 € x 33 anos).
90. Ora, a Recorrente não pode deixar de se insurgir contra tal montante condenatório, porquanto não resultou dos autos quantos cremes a Autora/ Recorrida usa diariamente, ou consome mensal ou anualmente, o custo unitário dos aludidos cremes por forma a apurar-se o valor da despesa alegada e justeza da mesma.
91. Estamos perante um dano futuro previsível, entende a Recorrente não ser o mesmo determinante, pelo que deverá a sua fixação da indemnização ser remetida para decisão ulterior, precisamente, incidente de liquidação.
92. Acresce ainda que, o Tribunal não dispunha de meios probatórios e ou matéria de facto dada como provada para prognosticar tais despesas durante 33 anos e nessa medida condenar a Recorrente no valor de 4.950,00 €
93. Ora, sendo tal capital adiantado de uma vez só, justifica-se também a esta condenação uma redução de 30% que o Tribunal a quo olvidou por completo.
94. Foi a Recorrente condenada ainda no pagamento de 41.736,62€ (145,00 x 12 x 23,986564) a título de dano futuro no que concerne a sessões de fisioterapia.
95. De facto, a Recorrente admite o que é referido pelo relatório pericial – é de admitir tratamentos de MFR.
96. Do relatório pericial não resulta a periodicidade de tratamentos de reabilitação.
97. A perícia efectuada foi a única prova produzida, já que, nenhuma das testemunhas foram inquiridas sobre a mesma matéria, nomeadamente sobre o número de sessões de tratamento e a sua necessidade/desnecessidade, custo etc.
98. Não obstante, tem a Recorrente de chamar à atenção para o seguinte cenário: o Tribunal a quo condenou a Recorrente em sessões diárias de fisioterapia, 20 sessões por mês, 260 sessões por ano, com exceção dos fins de semana e feriados.
99. De acordo com casos análogos estaríamos perante 30/40 sessões por ano no máximo e não 260 sessões! Mais, de acordo com critérios de verosimilhança, não é de aceitar que será realizada uma consulta por cada vinte sessões de tratamentos.
100. De facto, é do conhecimento geral que os tratamentos de fisioterapia têm relevância nos primeiros tempos após o acidente, mas a partir de uma certa altura não têm qualquer utilidade, não acrescentam nada, são uma panaceia.
101. Não ficou demonstrado pela prova produzida que a A. necessite de tratamentos de fisioterapia actualmente, muito menos até aos 77 anos. Sendo injustificada a condenação a este respeito fixada pelo Tribunal a quo.
102. De acordo com o critérios de equidade e casos semelhantes, no entendimento da Recorrente, suportado no exame medico legal, afigura-se justo e adequado que a Autora/recorrida realize 30 a 40 sessões de fisioterapia por ano. O que à razão de €130 por cada vinte sessões, estaríamos perante o valor de €260,00 ano.
103. Considerando no máximo os 33 anos de vida que a A. ainda tem pela frente, estaríamos perante um valor de €8580,00.
104. O cálculo da indemnização pelo Tribunal a quo foi efetuado de modo singelo, limitando-se a uma mera operação matemática de multiplicação, sem levar em linha de conta o facto de a A. receber por inteiro, de uma só vez e antecipadamente o valor que eventualmente irá gastar de forma parcelar ao longo dos anos com a probabilidade de tais tratamentos não se virem a ser realizados e suportadas tais despesas.
105. Assim, para evitar eventuais enriquecimentos injustos da Autora à custa da Recorrente, há que reduzir aquele montante cerca de 30%: €8580,00 - 30% (2.574,00€) = 6.006,00 € De acordo com o entendimento da Recorrente. Caso V. Exa. Assim não o entendam 41.736,62€ - 30% (12.520,99€) = 29.215,64€
106. Relativamente às consultas de Psicologia e Psiquiatria foi a Recorrente condenada a pagar a quantia de 25.905,48€ (90€ x12 x 23,986564)
107. Do relatório pericial resultou apenas a necessidade de medicação psiquiátrica, nada tendo sido referido quanto a um acompanhamento médico nesta especialidade por um lado e a periodicidade por outro.
108. De resto, nenhuma testemunha foi inquirida quanto a esta matéria – veja-se a fundamentação da sentença recorrida. Pelo que, procedendo a impugnação da matéria de facto, deverá a Recorrente ser absolvida do pedido de €25.905,48.
109. Ao cálculo da indemnização pelo Tribunal a quo não teve em o facto de a A. receber por inteiro, de uma só vez e antecipadamente o valor. Sendo certo que, com grande probabilidade tais consultas não se venham a ser realizar e nunca despesa a A. vai suportar.
110. Assim, para evitar eventuais enriquecimentos injustos da Autora à custa da Recorrente, há que reduzir aquele montante cerca de 30%: 25.905,48€ - 30% (7.771,64€) = 18.133,84€
111. Foi ainda a Recorrente condenada no valor de €11.514,51 para suportar despesas com cabeleireiro.
112. Salvo melhor opinião estamos perante a duplicação de indemnizações, pois tendo a Seguradora Recorrente sido condenada numa indemnização de 115.145,10€ a título de auxilio de terceira pessoa, porquanto a A. por força das graves sequelas de que ficou a padecer em consequência do acidente dos autos, necessita do auxilio de uma terceira pessoa, quer para alguma da sua higiene pessoal, quer para a lide da casa (aspirar, limpar o pó, fazer as camas, confeccionar as refeições, passar a ferro, etc…), não pode a Recorrente ser condenada em mais €11.514,51 só para o acto de lavar e secar o cabelo. Ora, lavar e secar o cabelo incluem-se nos actos de higiene pessoal.
113. Pelo que, é do entendimento da Recorrente que deverá ser absolvida do montante de €11.514,51, na medida em que a Recorrida já se encontra indemnizada a titulo de assistência de terceira pessoa.
114. A manter-se a decisão nos exactos termos em que a mesma se encontra exarada viola frontalmente o princípio da inacumulabilidade de indemnizações.
115. Também aqui, não poderá deixar de funcionar os fatores correctivos, o principal dos quais se reporta ao recebimento antecipado de todo o montante. Aplicando-se um desconto de 30%, estarmos perante um valor de €8060,15.
116. A respeito da incapacidade permanente de 55 pontos de que a A. ficou portadora, não se conforma a Recorrente com o montante arbitrado na douta sentença a título de dano patrimonial futuro, in casu €500.000,00.
117. Com o devido respeito, não pode a ora Recorrente concordar com a quantificação da indemnização fixada a esse título pelo Tribunal a quo, na medida em que, quer do que resultou provado no julgamento da presente acção, designadamente com a análise médico-legal da situação clínica da Autora, quer do que consta da fundamentação da douta sentença, não há lugar a indemnização por perda ou diminuição da capacidade aquisitiva/dano futuro, mas tão só à de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (esforços acrescidos) subsumível na categoria: dano biológico na vertente não patrimonial.
118. No caso dos autos, a Recorrida passou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 55 pontos, decorrente de lesões compatíveis com o exercício da actividade profissional habitual, sem que daí haja resultado, todavia, imediata e directamente, uma efectiva diminuição do nível de rendimentos profissionais auferidos na actividade laboral que habitualmente vinha exercendo.
119. Pelo que, não deveria ter sido atribuída qualquer quantia indemnizatória à Autora a título de dano patrimonial futuro.
120. Acresce que, a situação clinica da A. encontra-se estabilizada desde 13.10.2016.
121. Como referido, o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de que a A. ficou a padecer em resultado do acidente de viação em causa nos autos traduz-se, no que à capacidade de trabalho diz respeito, em mero esforço suplementar.
122. Quer isto dizer que as sequelas são perfeitamente compatíveis com o exercício de actividade profissional por parte da Autora mas implicam, apenas, esforços acrescidos no exercício da sua actividade profissional.
123. Atento o exposto, tal incapacidade não é, em concreto, passível de gerar danos patrimoniais presentes e que se traduz em meros danos de acréscimo de esforço, não gerando necessariamente danos patrimoniais futuros. Isto vale por dizer que não existe qualquer certeza quanto à futura ocorrência de danos patrimoniais na esfera jurídica da A. em consequência dos danos em causa nos autos.
124. O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica da A. não a impede de continuar a trabalhar e não resulta perda de capacidade de ganho. O facto de a Recorrida depois do acidente, não ter voltado a trabalhar não pode ser imputado à Recorrente: uma coisa é não poder trabalhar outra diametralmente diferente é não querer trabalhar. E a verdade é que a Recorrida não quer trabalhar apesar de ter condições para o fazer.
125. Por não se repercutir directamente na esfera patrimonial do lesado mas antes na sua saúde o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica é um dano não patrimonial que deve ser compensado, conforme dispõe o artº 496 do C.Civil, desde que tenha gravidade suficiente para merecer a tutela do direito.
126. A compensação a atribuir, pelo dano, quando não interfere com a capacidade de ganho do lesado, não tem de ter uma relação directa com a sua actividade profissional, pelo que o ponto de partida para o cálculo da indemnização pelo Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica deve ser o mesmo para todos, em obediência ao princípio da igualdade.
127. A existência de lesões geradoras de incapacidades permanentes, com ou sem repercussão na esfera patrimonial do lesado tem vindo a integrar o conceito de dano biológico.
128. Nessa medida, o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica/dano biológico deve integrar o conceito de dano não patrimonial
129. Nessa medida, os juros pela indemnização pelo Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica/ dano biológico na vertente de dano não patrimonial são devidos apenas a partir da data da sentença, por força do Ac. UJ nº 4/02 de 09.05.
130. Considerando que a indemnização já foi fixada em valor actualizado à data da sentença, não podem ser arbitrados juros desde a data da citação que é anterior, porque tal se traduziria num enriquecimento ilícito do lesado.
131. Nessa medida, concluiu-se que o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica não só não tem qualquer repercussão na esfera patrimonial do lesado e nessa medida nada será indemnizável, como sendo indemnizável será no campo do dano não patrimonial e consequentemente, os juros que incidem sobre a indemnização fixada (in casu €500.000,00) será a partir da data da prolação da sentença e não da data da citação, o que se alega para os devidos e legais efeitos.
132. A Recorrente insurge-se contra a sua condenação ao pagamento de juros de mora desde a data da citação da R. para contestar, sobre a quantia de € 500 000, a título de indemnização por danos futuros, tal como o Tribunal a quo fixou.
133. A Recorrente não concorda com tal decisão, devendo a mesma ser revogada e alterada devendo o termo inicial dos juros de mora sere fixado na data de prolação da presente decisão que ora se recorre e ou na data em que for proferido o acórdão pelo tribunal ad quem.
134. Relativamente ao dano futuro da Autora (€500.000,00) tendo a indemnização sido fixada através da equidade, deve considerar-se que tal valor é actualizado, e nessa medida devem também os juros de mora relativamente a esta indemnização contar-se a partir da prolação da decisão que as fixou.
135. O Tribunal a quo integrou o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica na vertente patrimonial por conta dos esforços acrescidos.
136. Certa doutrina, considera o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica/ dano biológico como de cariz patrimonial. (cf., entre outros, o citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 2009 e os Acórdãos de 4 de Outubro de 2007 – 07B2957, de 10 de Maio de 2008 – 08B1343, 10 de Julho de 2008 – 08B2101, e de 6 de Maio de 1999 – 99B222, e Prof. Sinde Monteiro, in “Estudos sobre a Responsabilidade Civil”, 248), porquanto o lesado para conseguir desempenhar as mesmas tarefas e obter o mesmo rendimento, necessita de um maior empenho, de um estímulo acrescido.
137. No entanto, apesar de ser consabido, inexiste na Jurisprudência e Doutrina um consenso sobre a categoria em que deve ser inserido e, consequentemente, ressarcido tal dano, o Tribunal a quo configurou-o como dano patrimonial, reconduzido ao dano patrimonial futuro, em nosso entendimento e salvo o devido respeito, de forma errónea.
138. De facto, nos casos em que não há imediata perda de capacidade de ganho, não existe, qualquer razão para distinguir os lesados no valor base a atender, deverá usar-se, no cálculo do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico- Psíquica/dano biológico, um valor de referência comum sob pena de violação do princípio da igualdade, já que só se justificará atender aos rendimentos quando estes sofram uma diminuição efetiva por causa da incapacidade, por só aí é que o tratamento desigual dos lesados terá fundamento.
139. s.m.o. o Tribunal a quo não deveria considerar como um dos critérios a ponderar para atribuição de um dano patrimonial futuro o tempo provável de vida activa do lesado, durante o qual ele manteria, dado que o Tribunal a quo tem conhecimento que em 2017 a Recorrida sofreu um AVC, que independentemente das lesões que sofreu em consequência do acidente objeto dos autos mas que lhe permitiam exercer a sua actividade profissional, com esforços acrescidos, com as sequelas sofridas pelo AVC tem a Recorrente muitas duvidas…
140. Sucede que, existem outros critérios orientadores na Jurisprudência para atribuição da indemnização que não podem ser, de todo, olvidados pelo Tribunal na atribuição do montante.
141. A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida. No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável.
142. As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade.
143. Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia.
144. Analisando tais diretrizes, constata a Recorrente, com o devido respeito, que o Tribunal a quo fez tábua rasa dos critérios orientadores da Jurisprudência, não tendo feito um tratamento paritário, no cálculo efectuado.
145. O Tribunal a quo, não ponderou o facto de a indemnização ser paga de uma só vez! Assim como, o Tribunal a quo não introduziu qualquer desconto no valor apurado!
146. Ora, não podem deixar de funcionar factores correctivos no quantum indemnizatório, o principal dos quais se reporta ao recebimento antecipado de todo o montante, o que, com o devido respeito, o Tribunal a quo não faz!
147. Mais, a sentença em apreço não se encontra fundamentada e não recorreu ao método comparativo com outras decisões semelhantes de tribunais superiores para a fixação do valor da indemnização com recurso à equidade.
148. Em bom rigor, desconhece a Recorrente o cálculo efectuado pelo Tribunal a quo. Mas tem por certo que o mesmo não partiu de uma base uniforme e não foi atribuído com base no critério da equidade.
149. De facto, o valor indemnizatório encontrado pelo Tribunal não foi, no entendimento da Recorrente, justo e equitativo, devendo o mesmo ser alvo de correção, com base na equidade.
150. O dano de acréscimo de esforço, que serve de fundamento e limite ao montante a atribuir como compensação, nunca poderá ser valorado de forma equivalente a uma hipotética perda de rendimento.
151. No entendimento supra exposto, a fixação do montante a atribuir pela indemnização a título de compensação por danos patrimoniais resultantes do alegado Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica/ dano biológico da Autora deverá atender ao montante a atribuir em caso de efectiva perda de ganho, mas apenas como limite último da indemnização a atribuir como compensação, servindo como padrão comparativo. A compensação terá de ser necessariamente menor, porque menor é o dano, comparativamente com o de perda de ganho.
152. A equidade desempenha um papel corrector e de adequação do montante indemnizatório às circunstâncias específicas e à justiça do caso concreto, permitindo ainda a ponderação de variantes dinâmicas que escapam, em absoluto, ao referido cálculo objectivo.
153. Assim, a indemnização arbitrada a título de Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica/ dano biológico, é manifestamente excessiva, associado a uma IPG de 55 pontos, sem perda aquisitiva.
154. Devem os Tribunais tomar em atenção outras decisões proferidas em casos que ofereçam pontos de contacto com os casos decidendos, de forma a promover, dentro dos limites da justiça distributiva e do imperativo da equidade, a segurança jurídica decorrente da aproximação das decisões proferidas na jurisprudência.
155. De facto, é entendimento da Recorrente que o valor arbitrado não se harmoniza com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, são seguidos em situações análogas ou equiparáveis.
156. Veja-se um acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 14/02/2019, muito semelhante com o dos presentes autos, em que a indemnização arbitrada foi substancialmente inferior à arbitrada nos presentes autos:
4. Demonstrando-se que o autor, em consequência do acidente de viação, sofreu várias lesões físicas, nomeadamente ao nível dos membros inferiores com amputação transtibial bilateral, à esquerda ao nível da articulação tibiotársica e à direita ao nível do terço distal da perna, que lhe determinaram um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 53 pontos, sequelas que são compatíveis com o exercício da sua atividade profissional habitual, após reconversão e uso de próteses, sem redução de vencimento, mas que implicam elevados esforços suplementares, assim como no seu quotidiano, tendo 35 anos de idade, sendo fixado o Quantum Doloris no grau 5/7 e o Dano Estético Permanente no grau 6/7, necessitando permanente e periodicamente de fazer fisioterapia, de ajudas técnicas permanentes, como próteses e respetivos acessórios e cadeira de rodas, cadeira de banho, necessitar do apoio de terceira pessoa, considera-se adequado, porque conforme a critérios de equidade, a quantia de €100.000,00 (cem mil euros) a título de indemnização pelo dano biológico.
157. A Autora não se encontra incapaz definitivamente para o exercício da sua profissão e/ou de qualquer outra dentro da mesma área de formação da Recorrida, e a verdade é que nenhum Tribunal atribuiu uma indemnização tão alta como a que o Tribunal a quo fixou a título de perda de capacidade de ganho.
158. Na verdade, a admitir-se a atribuição de uma indemnização nos moldes em que o fez o Tribunal a quo estar-se-á a transformar a atribuição de uma compensação numa forma de enriquecimento do lesado, em clara violação do que vem disposto no artigo 566.º/3 do CC, extravasando em larga medida os juízos de equidade por que se devem nortear os tribunais na fixação deste tipo de indemnizações.
159. Pelo exposto, deve a decisão proferida na douta sentença recorrida a título de indemnização pelos alegados danos patrimoniais futuros deve ser revogada e substituída por decisão que quantifique o dano para compensação do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de que a A. ficou a padecer em montante não superior a € 100.000,00 o que desde já se alega e requer para os devidos e legais efeitos.
160. De resto, tendo a Recorrente liquidado à Recorrida não só a quantia de €35.000,00, como ainda adiantou por conta da indemnização final a quantia de €15.000,00. Tudo no total de €50.000,00, pelo que sempre deverá na indemnização final que vier a ser arbitrada ser deduzida a quantia de €15.000,00 que a Recorrente adiantou à Autora/Recorrida por conta da indemnização final.
161. Com efeito, o valor de €15.000,00 adiantados à A. Recorrida, para além dos 35.000,00€ são imputáveis "ope legis" na liquidação definitiva do dano (artigo 383º/3 do NCPC).
162. No entender da Recorrente o douto tribunal de que se recorre, não cuidou de fazer uma correcta interpretação e consequente aplicação do disposto nos artigos 8.º, 494.º, 562.º, 563.º e no nº 3 do artigo 566.º do Código Civil, desconsiderando as regras da prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das circunstâncias do caso concreto – antes favorecendo, com o devido respeito, um paradigma de justiça subjectiva, abstracta e moralista.
Nestes termos e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença proferida em conformidade com o exposto e, em consequência, ser a Recorrente absolvida dos pagamentos a que foi condenada nos presentes autos, só assim se fazendo JUSTIÇA! ».
A autora apresentou contra-alegações, sustentando a improcedência do recurso e a consequente manutenção do decidido.
O recurso foi admitido como apelação, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, confirmando-se a admissão do recurso nos mesmos termos.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações do recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) - o objeto da presente apelação circunscreve-se às seguintes questões:
A) Impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
B) Da obrigação de indemnizar;
C) Juros de mora: a partir de que momento se vencem os juros referentes aos danos resultantes do alegado défice funcional permanente da integridade físico-psíquica.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I., supra relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª instância na sentença recorrida:
1.1. Cerca das 17h15 do dia 27 de Abril de 2014, ocorreu um acidente de viação na E.N. 202, ao Km 13,7, sito na freguesia ..., do concelho de Melgaço, em que intervieram os veículos ligeiros de passageiros:
a) VX, conduzido pelo seu proprietário, o demandante M.A. e
b) AQ, conduzido pelo proprietário C. E..
1.2. O veículo AQ circulava pela referida E.N. no sentido Monção → Melgaço, pela metade direita da faixa de rodagem, atento o referido sentido e com uma velocidade de cerca de 100 Kms/hora, sendo que circulava em localidade com casas de habitação e de comércio de um e do outro lado da via.
1.3. Desenhando-se o local em recta, e circulando nas circunstâncias supra descritas, de um modo repentino e inopinado, o veículo AQ invadiu a metade esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha, onde acabou por embater violentamente na parte lateral esquerda do veículo VX, conduzido pelo demandante M. A.
1.4. O veículo VX circulava em sentido contrário, ou seja, Melgaço → Monção, pela metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido Melgaço → Monção, com uma velocidade de cerca de 50 Kms/hora.
1.5. Assim, quando o condutor do veículo VX se apercebeu da manobra repentina e inopinada do veículo AQ de invasão da sua faixa de rodagem, atenta a proximidade a que circulavam os veículos, para evitar a colisão frontal, encostou à sua direita o mais que pôde, ou seja, aos railes de protecção lateral (do lado direito, conforme o sentido Melgaço → Monção), com o que, ainda assim, não conseguiu evitar ser embatido na parte lateral esquerda do veículo VX pela parte da frente do lado esquerdo do veículo AQ.
1.6. A demandante C. G. era passageira do veículo VX, transportada gratuitamente.
1.7. Em consequência do embate a demandante sofreu: - amputação transradial direita, pelo terço distal do antebraço direito e - fractura dos ossos do antebraço esquerdo.
1.8. No local do acidente foi assistida e estabilizada por uma equipa do INEM, após o que foi transportada para o S.U. do Hospital de S. João, no Porto, onde, à entrada, apresentava amputação transradial direita, pelo terço distal do antebraço direito, com fractura dos ossos do antebraço esquerdo.
1.9. Ficou ali internada até ao dia 05.06.2014, tendo sido submetida às seguintes cirurgias:
a) - no dia 27.04.2014 a amputação a nível do antebraço direito, com osteotomia do rádio e do cúbito e redução e fixação com placa ao nível do cúbito esquerdo;
b) - no dia 06.05.2014 fez revisão do coto de amputação e operações de limpeza;
c) - no dia 13.05.2014 fez desbridamento do coto e remodelação com plastia, com enxerto da face medial da coxa direita e
d) - no dia 02.06.2014 fez nova revisão do coto.
1.10. No dia 05.06.2014 teve alta hospitalar, recolhendo a sua casa, onde se manteve em repouso absoluto - mas com indicação de realizar penso diário -, pois não estava capaz de fazer o que quer que fosse, já que tinha o membro superior direito amputado e no membro superior esquerdo mantinha uma tala gessada.
1.11. Em finais de Setembro de 2014 inicia Terapia Ocupacional para transferência de lateralidade, no Hospital de Braga.
1.12. No dia 11.11.2014, por ter surgido uma intercorrência infecciosa, a demandante C. G. foi novamente internada naquele Hospital de S. João, no Porto (doc.4), onde efectuou reconstrução e nova plastia da área de amputação.
1.13. Permaneceu ali internada até ao dia 12.11.2014, altura em que teve alta hospitalar, recolhendo a sua casa, onde se manteve em repouso.
1.14. Em finais de Novembro de 2014 inicia os tratamentos de fisioterapia e terapia ocupacional.
1.15. No dia 24.02.2015 foi novamente internada no Hospital de S. João - Porto, por suspeita de pseudartrose, tendo sido nessa ocasião efectuada extracção do material de osteossíntese dos ossos do antebraço esquerdo (doc.5)
1.16. Esteve ali internada durante 2 dias, após o que teve alta hospitalar, recolhendo a sua casa, onde permaneceu em repouso.
1.17. A partir de 28.04.2015, face à evolução insatisfatória do seu estado clínico e à manutenção de queixas dolorosas intensas, que não cediam à medicação (doc.6) passou a ser seguida pelo Sr. Prof. A. N., em Coimbra, para tratamento da pseudartrose do antebraço esquerdo, num contexto de amputação traumática do terço proximal do antebraço direito, sendo, no dia 19.06.2015, submetida a nova intervenção cirúrgica para regularização da referida pseudartrose e exérese de neuromas do coto de amputação à direita (doc.7).
1.18. Após esta intervenção cirúrgica a demandante iniciou o processo de adaptação a prótese mioeléctrica, com terapia ocupacional e fisioterapia na Santa Casa da Misericórdia ....
1.19. A demandante foi seguida pelas Consultas Externas de Ortopedia, MFR e Cirurgia Plástica do Hospital de S. João, no Porto, até finais do ano de 2014, tendo, a partir dessa data, passado a ser seguida pelas mesmas especialidades no Hospital de Braga, a que acresce a consulta da Dor, por ser o da sua área de residência.
1.20. Entretanto foi sendo também acompanhada em Consulta Externa de MFR e Ortopedia pelos Serviços Clínicos a cargo da demandada; assim como foi mantendo - como ainda mantém - o acompanhamento de Psicoterapia e Psiquiatria, pois desenvolveu um quadro de grande ansiedade, revolta, baixa auto-estima, labilidade emocional, dificuldade em aceitar a sua imagem corporal.
1.21. Em consequência do acidente de viação, a A. ficou a padecer das seguintes sequelas: ao nível do abdómen: cicatriz linear de 10 centímetros ao longo da crista ilíaca anterior direita; ao nível do membro superior direito amputação do membro pelo terço superior do antebraço; cicatriz linear no coto; cicatriz linear curvilínea de 10 cms no coto; ao nível do membro superior esquerdo: cicatriz linear de treze centímetros nos terços superior e médio, e posterior do antebraço; cicatriz linear de 10 cms nos terços superior e médio e posterior; ao nível do membro inferior direito: área de descoloração da pele de 10 por 9 cms no terço superior e medial da coxa.
1.22. Apresenta como queixas a nível funcional apresenta ao nível da manipulação e preensão: dificuldade em pegar e transportar objectos pesados e/ou volumoso com a mão esquerda; ansiedade, recordando o acidente com bastante frequência, vivenciando todos os acontecimentos, frequenta consultas de psiquiatria, fazendo medicação frequente; fenómeno doloroso no membro superior direito com sensação de membro fantasma.
1.23. Ao nível situacional: dificuldade em pegar e transportar objectos pesados e /ou volumosos; dificuldade nas actividades da vida diária (vestir/despir, lavar-se pentear-se, cortar/arranjar carne / peixe.
1.24. Em consequência das sequelas de que ficou portadora, a A. ficou a padecer de um défice permanente da integridade físico-psíquica de 55 pontos, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
1.25. Ficou a padecer de um dano estético permanente de grau 6, numa escala de sete graus de gravidade crescente
1.26. Ficou a padecer de uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer no grau 3 numa escala de 7 graus de gravidade crescente.
1.27. Ficou com as seguintes dependências permanentes de ajuda: medicação analgésica e psiquiátrica; tratamento de medicina física de reabilitação; e de prótese antebraquial direita.
1.28. A A. obteve a consolidação médico-legal das lesões em 13/10/2016.
1.29. Sofreu um défice funcional temporário total de 90 dias; parcial de 810 dias; e uma repercussão temporária na actividade profissional total de 900 dias.
1.30. Sofreu de um quantum doloris de grau 6 numa escala de sete graus de gravidade crescente.
1.31. Para além das ajudas descritas supras em 1.28., a A. necessita: uso permanente de prótese mioeléctrica; uso permanente de creme hidratante na zona amputada; ajuda de terceira pessoa para apoio à própria A. para alguma higiene pessoal (quando o marido e/ou filhos não estão disponíveis) ajuda a vestir e/ou despir determinadas peças de roupa; calçar, cerca de 4 horas por dia.
1.32. Por outro lado, em consequência das sequelas de ficou a padecer, a A. passou a necessitar de contratar pessoa terceira para executar tarefas da lida diária da casa: limpeza, confecção de refeições.
1.33. As lesões sofridas provocaram à demandante um enorme sofrimento e fortíssimas dores, tanto no momento do acidente, como no decurso do demorado tratamento.
1.34. E as graves sequelas de que ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo, mal estar e angústia, que a vão acompanhar até ao fim dos seus dias e que se exacerbam com as mudanças de tempo.
1.35. Na altura do acidente tinha 44 anos de idade e era saudável, fisicamente bem constituída, dinâmica, alegre, trabalhadora, social, sociável e divertida.
1.36. Em consequência do acidente e das sequelas perdeu a alegria de viver, não conseguindo sequer pegar no seu filho T. (de 3 anos à data do acidente) ao colo, vesti-lo, dar-lhe banho, vivendo em constante tristeza e incapaz de se adaptar à sua nova realidade e imagem.
1.37. E porque a sua actividade profissional consistia, essencialmente, em lidar com terceiros, onde é necessária determinada imagem, a demandante, por força da amputação que sofreu, perdeu essa imagem, sentindo de forma particularmente brutal as sequelas de que ficou afectada permanentemente, sobretudo a amputação do antebraço direito, pois, não tendo a mão direita, apercebe-se do incómodo que os outros sentem ao cumprimentá-la, pois ou estranham utilizar uma prótese (quando não está em reparação) e cumprimentá-la com o aperto da prótese, ou estranham a demandante não ter a mão direita e hesitam em cumprimentá-la, o que, numa situação, ou noutra, lhe causa profundo incómodo, desgosto e amargura.
1.38. E toda a lide da casa, ou seja, aspirar, limpar o pó, cozinhar, fazer as camas, passar a ferro, dobrar a roupa, ou a tarefa mais simples desse dia-a-dia tornam-se numa montanha quase intransponível para a demandante C. G., tanto mais que é nessas pequenas tarefas da lide da casa que a demandante ganha cada vez mais consciência da sua dependência para o que quer que seja.
1.39. E até na sua higiene pessoal a demandante tem dificuldade, pois, não sendo sequer habitual antes do acidente dos autos deslocar-se ao cabeleireiro, passou a ter de o fazer duas vezes por semana uma vez que não consegue lavar o cabelo em casa sem ajuda de terceiros.
1.40. A demandante C. G. à data do acidente exercia funções de directora de uma agência de recursos humanos (X), com um rendimento mensal de 1.940,00 €, 14 vezes por ano, acrescido do subsídio mensal de alimentação de 143,00 €, 11 vezes por ano e do prémio anual de produtividade de 7.280,00 €.
1.41. A tudo isto, acrescia também, viatura de serviço, telemóvel e computador portátil, inteiramente a cargo da entidade patronal (doc. 14).
1.42. Competia-lhe, assim, no exercício das suas funções de directora apresentar aos seus clientes, a solicitação destes, uma “carteira” de trabalhadores, assim como recrutar pessoal, procurar novos clientes, com diversas reuniões semanais, onde tudo era apontado à mão, sendo a demandante dextra.
1.43. Internamente na empresa que dirigia, cabia-lhe também proceder à avaliação dos seus colaboradores, bem como fazer cobranças dos serviços prestados pela empresa e gestão dos equipamentos.
1.44. Assim, e em consequência do acidente (das lesões sofridas, dos tratamentos a que teve de se submeter e das sequelas de que ficou a padecer definitivamente) a demandante nunca mais trabalhou.
1.45. A demandante recebeu, a título de adiantamento da demandada, a quantia de 35.000,00 €, e da segurança social a quantia de €40.288,34.
1.46. Por outro lado, e para agravar ainda mais o estado de saúde da demandante C. G., sofreu em 5.7.2017 um AVC, qual lhe trouxe sequelas nomeadamente a nível cognitivo, com um discurso, por vezes, incompleto e incoerente e com lapsos de memória.
1.47. A prótese biónica que a demandante vai utilizando, é mais o tempo que a demandante está privada do seu uso para reparações e/ou manutenções, do que aquele que a utiliza.
1.48. Com efeito, essa prótese biónica (de substituição da mão direita) necessita de um período de adaptação, por “trabalhar” com impulsos nervosos, o que carece de treino específico em unidade especializada, ao que se deverá seguir uma utilização diária pela demandante para sedimentação desse treino.
1.49. Todavia, e considerando que a demandante utiliza a prótese no período de alguns meses e depois a mesma tem de ser enviada para Madrid ou para a Alemanha para revisões e/ou reparações, a demandante acaba por estar privada do seu uso durante 4 meses - ao qual é totalmente alheia -, ou seja, em 12 meses poucos são os que a demandante utiliza essa prótese, o que é manifestamente insuficiente para que se possa adaptar à sua utilização diária, tanto mais que apenas dispõe de uma prótese, passando, por isso, longos períodos sem qualquer prótese, a não ser a estética.
1.50. Cada prótese tem um custo unitário de 68.870,00 € (doc. 15), com uma duração média de 5 anos, coincidente com o período máximo de garantia assegurado pela marca (Otto Bock) necessitando, entre os 1º e 2º anos e 3º e 5 anos de manutenções/revisões, com os seguintes custos: a) – entre o 1º e 2º anos: - sensor de pressão e recalibração dos motores e engrenagens, com um custo total de 1.652,00 €; b) – entre o 3º e 5º anos: - troca do sistema de baterias, recalibração de motores e engrenagens e sensor de pressão, com um custo total de 4.332,00 €, ou seja, a manutenção de cada prótese tem um custo total de 6.343,04€ (docs. 16 e 17)
1.51. Considerando a idade da demandante, para a indemnizar para futuro no que concerne à aquisição de próteses é adequada a quantia de 482.090,00 € (68.870,00 € x 7 próteses).
1.52. E no que tange às revisões e/ou reparações é adequada a quantia de 44.401,28€ (6.343,04 € x 7).
1.53. Por outro lado, a demandante vai ter de utilizar cremes hidratantes, para toda a vida, para hidratar a zona amputada, no que gasta, por ano, a quantia de 150,00 €, motivo por que, para a indemnizar deste prejuízo para futuro, é adequada a quantia de 4.950,00 € (150,00 € x 33 anos).
1.54. A demandante, por força das graves sequelas de que ficou a padecer em consequência do acidente dos autos, ficou a necessitar do auxílio de uma terceira pessoa, o que deverá ocorrer à razão de 20 horas semanais, tanto mais que necessita desse auxílio de terceira pessoa quer para alguma da sua higiene pessoal, quer para a lide da casa (aspirar, limpar o pó, fazer as camas, confeccionar as refeições, passar a ferro, etc…), a quem paga a quantia mensal de 400,00 €, 12 vezes por ano.
1.55. Até agora foi a demandada quem suportou esses custos.
1.56. Mas para a indemnizar deste prejuízo para futuro é adequada a quantia de 115.145,10€ (400,00€ x 12 x 23,988564).
1.57. Por outro lado ainda, a demandante tem de se submeter mensalmente a 20 sessões de fisioterapia/terapia ocupacional – seja no membro amputado, seja no contralateral, assim como a uma consulta prévia de fisiatria.
1.58. As 20 sessões de fisioterapia custam 130,00 e a consulta ronda 15,00 €, o que dá uma despesa mensal de 145,00€, ou anual de 1.740,00 €.
1.59. Assim, para a indemnizar deste prejuízo para futuro é adequada a quantia 41.736,62€ (145,00 x 12 x 23,986564).
1.60. É acompanhada em consulta de Psicologia e Psiquiatria uma vez por mês, no que gasta a quantia mensal de 90,00 €, 12 meses por ano.
1.61. Assim para a indemnizar deste prejuízo para futuro é adequada a quantia de 25.905,48€ (90€ x12 x 23,986564)
1.62. E, por força das sequelas de que ficou a padecer definitivamente, a demandante passou a frequentar duas vezes por semana a cabeleireira, para lavar e secar o cabelo, o que não consegue fazer em sua casa, gastando, por mês, a quantia de 40,00 € (5,00 € x 8), 12 vezes por ano.
1.63. Assim, até à data da propositura da presente acção já gastou a quantia de 2.000,00 €, para a indemnizar deste prejuízo para futuro, considerando a esperança média de vida de 82 anos para as mulheres, é adequada a quantia de 11.514,51 €.
1.64. Por contrato de seguro titulado pela apólice nº ......90 a Ré assumiu a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ligeiro de passageiros AQ que no momento da colisão era conduzido pelo respectivo proprietário, C. E., único causador do acidente.

2. Factos considerados não provados pela 1.ª instância na sentença recorrida:

2.1. Entretanto foi descoberta patologia ao nível da coifa dos rotadores do ombro direito, que poderá requerer, no futuro, abordagem cirúrgica, tendo também as queixas contralaterais se tornado patentes, por uso excessivo daquele membro (doc.8).
2.2. A demandante necessita de ser submetida a mais uma intervenção cirúrgica – acromioplastia de Neer e sutura da coifa dos rotadores à direita, cirurgia que chegou a estar programada para Março de 2017 mas que a demandante por não estar física e mentalmente preparada para a mesma, acabou por não realizar.
2.3. A idade da A., o meio em que se insere e o actual estado do mercado de trabalho em que nem para as pessoas válidas existe emprego, não lhe permitem encontrar uma ocupação remunerada compatível com a capacidade restante.

3. Apreciação sobre o objeto do recurso
3.1. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto

A ré/apelante impugna a decisão relativa à matéria de facto incluída na sentença recorrida, no que concerne aos pontos 1.27, 1.31, 1.39, 1.50, 1.51, 1.53, 1.57, 1.58, 1.59, 1.60, 1.61, 1.62, 1.63, dos Factos provados, nos seguintes termos:
i) Mediante referências ao relatório da perícia de avaliação do dano corporal realizada nos presentes autos pelo INMLCF, I.P. - Gabinete Médico-Legal e Forense do Cávado (Clínica Forense), junto ao processo a fls. 256 e ss., sustenta que ao ponto 1.27. da matéria dada como provada deverá ser expurgada a referência «tratamento de medicina física de reabilitação», devendo ainda a matéria de facto constante nos pontos 1.57. «Por outro lado ainda, a demandante tem de se submeter mensalmente a 20 sessões de fisioterapia/terapia ocupacional – seja no membro amputado, seja no contralateral, assim como a uma consulta prévia de fisiatria», 1.58 «As 20 sessões de fisioterapia custam 130,00 e a consulta ronda 15,00 €, o que dá uma despesa mensal de 145,00€, ou anual de 1.740,00 €», e 1.59. «Assim, para a indemnizar deste prejuízo para futuro é adequada a quantia 41.736,62€ (145,00 x 12 x 23,986564)» deverão passar a constar dos factos dados como não provados.
Defende, por outro lado, que os referidos pontos 1.58 e 1.59 da matéria provada integram uma valoração de factos, comportando uma componente de resposta a questões jurídicas sub judice pelo que caso não sejam considerados não provados, os mesmos devem ser eliminados do elenco dos factos dados como provados.
ii) Pelas razões que enuncia, mediante referências ao relatório da perícia de avaliação do dano corporal realizada nos presentes autos pelo INMLCF, I.P. - Gabinete Médico-Legal e Forense do Cávado (Clínica Forense), junto ao processo a fls. 256 e ss., com o aditamento apresentado pelo perito médico, para prestação de esclarecimentos suscitados nos autos, sustenta que ao ponto 1.31. da matéria dada como provada deverá ser expurgada a referência «uso permanente de creme hidratante na zona amputada», devendo ainda a matéria de facto constante do ponto 1.53. «Por outro lado, a demandante vai ter de utilizar cremes hidratantes, para toda a vida, para hidratar a zona amputada, no que gasta, por ano, a quantia de 150,00 €, motivo por que, para a indemnizar deste prejuízo para futuro, é adequada a quantia de 4.950,00 € (150,00 € x 33 anos)» deverá passar a constar dos factos dados como não provados.
No entanto, defende que o ponto 1.53 da matéria de facto integra também uma valoração de factos, comportando uma componente de resposta questões jurídicas sub judice, pelo que, caso não seja considerado não provado, o mesmo deve ser eliminado do elenco dos factos dados como provados.
iii) Pelos fundamentos que enuncia, mediante referências ao relatório da perícia de avaliação do dano corporal realizada nos presentes autos pelo INMLCF, I.P. - Gabinete Médico-Legal e Forense do Cávado (Clínica Forense), junto ao processo a fls. 256 e ss., sustenta que os factos enunciados sob os pontos 1.60. «É acompanhada em consulta de Psicologia e Psiquiatria uma vez por mês, no que gasta a quantia mensal de 90,00 €, 12 meses por ano», e 1.61. «Assim para a indemnizar deste prejuízo para futuro é adequada a quantia de 25.905,48€ (90€ x12 x 23,986564)» deverão passar a constar dos factos dados como não provados.
Por outro lado, sustenta que os referidos pontos 1.60 e 1.61 da matéria provada integram uma valoração de factos, comportando uma componente de resposta questões jurídicas sub judice, pelo que caso não sejam considerados não provados, os mesmos devem ser eliminados do elenco dos factos dados como provados.
iv) Reportando-se à valoração do conjunto da prova produzida nos autos, com referências aos depoimentos das testemunhas P. F., M. M., M. T., D. P., V. F., A. R., A. G., L. P. e G. J., sustenta que a matéria de facto constante dos pontos 1.39. «E até na sua higiene pessoal a demandante tem dificuldade, pois, não sendo sequer habitual antes do acidente dos autos deslocar-se ao cabeleireiro, passou a ter de o fazer duas vezes por semana uma vez que não consegue lavar o cabelo em casa sem ajuda de terceiros», 1.62. «E, por força das sequelas de que ficou a padecer definitivamente, a demandante passou a frequentar duas vezes por semana a cabeleireira, para lavar e secar o cabelo, o que não consegue fazer em sua casa, gastando, por mês, a quantia de 40,00 € (5,00 € x 8), 12 vezes por ano» e 1.63. «Assim, até à data da propositura da presente acção já gastou a quantia de 2.000,00 €, para a indemnizar deste prejuízo para futuro, considerando a esperança média de vida de 82 anos para as mulheres, é adequada a quantia de 11.514,51», deverão passar a constar dos factos dados como não provados.
No entanto, defende que os referidos pontos 1.62 e 1.63 da matéria provada integram uma valoração de factos, comportando uma componente de resposta questões jurídicas sub judice, pelo que caso não sejam considerados não provados, os mesmos devem ser eliminados do elenco dos factos dados como provados;
v) Reportando-se à valoração do depoimento da testemunha G. J., com transcrição de segmentos do respetivo depoimento, conjugado com o documento n.º 15 junto com a petição inicial, defende a alteração da redação dada ao ponto 1.50. dos factos provados - «Cada prótese tem um custo unitário de 68.870,00 € (doc. 15), com uma duração média de 5 anos, coincidente com o período máximo de garantia assegurado pela marca (Otto Bock) necessitando, entre os 1º e 2º anos e 3º e 5 anos de manutenções/revisões, com os seguintes custos: a) – entre o 1º e 2º anos: - sensor de pressão e recalibração dos motores e engrenagens, com um custo total de 1.652,00 €; b) – entre o 3º e 5º anos: - troca do sistema de baterias, recalibração de motores e engrenagens e sensor de pressão, com um custo total de 4.332,00 €, ou seja, a manutenção de cada prótese tem um custo total de 6.343,04€ (docs. 16 e 17)» - no sentido de ser substituído por outro com o seguinte teor: «Cada prótese tem um custo unitário de 50.000,00 € com um período de garantia de 5 anos assegurado pela marca, com revisões anuais durante os 3 primeiros anos, outras duas revisões, num período máximo de 5 anos.
Os três primeiros anos são obrigatórios e incluídos no preço, todos os anos conseguintes são opcionais»; sustenta que os factos enunciados sob os pontos 1.51. «Considerando a idade da demandante, para a indemnizar para futuro no que concerne à aquisição de próteses é adequada a quantia de 482.090,00 € (68.870,00 € x 7 próteses)», e 1.52. «E no que tange às revisões e/ou reparações é adequada a quantia de 44.401,28€ (6.343,04 € x 7)» deverão passar a constar dos factos dados como não provados.
No entanto, defende que os referidos pontos 1.51. e 1.52. da matéria provada integram uma valoração de factos, comportando uma componente de resposta questões jurídicas sub judice, pelo que caso não sejam considerados não provados, os mesmos devem ser eliminados do elenco dos factos dados como provados.
Tal como resulta da análise conjugada do disposto nos artigos 639.º e 640.º do CPC, os recursos para a Relação tanto podem envolver matéria de direito como de facto, sendo este último o meio adequado e específico legalmente imposto ao recorrente que pretenda manifestar divergências quanto a concretas questões de facto decididas em sede de sentença final pelo Tribunal de 1.ª instância que realizou o julgamento, o que implica o ónus de suscitar a revisão da correspondente decisão.
A impugnação da decisão relativa à matéria de facto obedece a determinadas exigências, cujo incumprimento pode determinar a respetiva rejeição, pelo que a questão do cumprimento dos ónus impostos à recorrente deve ser apreciada em momento prévio à pretendida reapreciação da decisão proferida na vertente de facto.

O artigo 640.º do CPC prevê diversos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, prescrevendo o seguinte:
«Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º».
No que respeita aos pontos da matéria de facto impugnados observa-se que a apelante indica expressamente, nas conclusões das respetivas alegações, quais os factos que considera incorretamente julgados.
Mais se verifica que a recorrente especifica suficientemente a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os pontos da impugnação da matéria de facto, tal como também decorre do anteriormente enunciado.
No que respeita aos concretos meios probatórios que entende imporem decisão diversa relativamente aos pontos 1.39., 1.62., e 1.63., verifica-se que a recorrente elenca o conjunto dos depoimentos prestados pelas testemunhas P. F., M. M., M. T., D. P., V. F., A. R., A. G., L. P. e G. J., indicando no início das alegações a totalidade do registo da gravação de cada um desses depoimentos, como tal, sem especificar as concretas passagens da gravação de cada um dos depoimentos em que funda o seu recurso, nem transcrever eventuais excertos que considere relevantes para a decisão a proferir relativamente a cada uma das questões de facto impugnadas.
Porém, julgamos que tal constatação não leva no caso vertente à rejeição liminar da impugnação da matéria de facto quanto aos referidos meios de prova, porquanto se verifica que a recorrente remete para o teor integral de tais depoimentos, ao concluir que nenhuma das testemunhas indicadas fez qualquer referência ou depôs sobre a matéria de facto constante dos pontos 1.39, 1.62 e 1.62 dos factos dados como provados.
Também no que concerne à impugnação referente aos pontos 1.50., 1.51., e 1.52., da matéria de facto provada, a recorrente alude ao depoimento da testemunha G. J., relativamente ao qual indica a totalidade do registo da gravação de tal depoimento, como tal sem especificar as concretas passagens da gravação de cada um dos depoimentos em que funda o seu recurso.
Contudo, verifica-se que transcreve nas respetivas alegações os excertos de tal depoimento que considera relevantes para a decisão a proferir sobre os referidos ponto da matéria de facto.
Ora, de acordo com entendimento jurisprudencial que sufragamos, a falta de indicação com exatidão das passagens da gravação pode ser colmatada ou substituída pela transcrição dos excertos que o recorrente entenda relevantes, desde que tal transcrição seja feita de forma rigorosa e objetiva, sem a mínima possibilidade de fazer intervir qualquer subjetividade, resumo conclusivo ou juízo apreciativo (2).
No caso, entendemos que a falta da indicação precisa das passagens da gravação que a apelante reputa como relevantes para a impugnação de facto deduzida foi suprida pela transcrição precisa dos excertos do depoimento da testemunha G. J., de forma objetiva e desprovida de juízos apreciativos, o que impõe se considere cumprido o mencionado ónus de alegação.
Resulta do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, com a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A este propósito, refere Abrantes Geraldes (3): «(…) sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previstos no art. 640º, quando estejam em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos à livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência.
(…) a Relação deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem».
Relativamente à versão fáctica acolhida nos pontos 1.27, 1.57, 1. 58, e 1.59, da matéria de facto provada constante da sentença recorrida, observa-se que a apelante sustenta a impugnação deduzida no relatório da perícia de avaliação do dano corporal realizada nos presentes autos pelo INMLCF, I.P. - Gabinete Médico-Legal e Forense do Cávado (Clínica Forense), junto ao processo a fls. 256 e ss.
Atenta a impugnação deduzida quanto aos pontos 1.27, 1.57, 1. 58, e 1.59, dos factos provados, cumpre analisar previamente se a matéria que no entender do recorrente suscita as alterações ou os aditamentos preconizados integra os poderes de cognição do tribunal em sede de decisão sobre a matéria de facto, ponderadas as circunstâncias do caso em apreciação.
Assim, vem a recorrente alegar que os referidos pontos 1.58 e 1.59 da matéria provada integram uma valoração de factos, comportando uma componente de resposta questões jurídicas sub judice. Sustenta que, caso não sejam considerados não provados, os mesmos devem ser eliminados do elenco dos factos dados como provados.
Conforme resulta do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, o Tribunal só deve responder aos factos que julga provados e não provados, não envolvendo esta pronúncia aqueles pontos que contenham matéria conclusiva, irrelevante ou de direito.
Tal como salienta o Ac. do STJ de 28-09-2017 (4), «[m]uito embora o art. 646.º, n.º 4, do anterior CPC tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos».
Daí que a inclusão na fundamentação de facto constante da sentença de matéria de direito ou conclusiva configure uma deficiência da decisão, vício que é passível de ser conhecido, mesmo oficiosamente, pelo Tribunal da Relação, tal como decorre do artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC.
Neste âmbito, deve entender-se como questão de facto «tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior», sendo que os «quesitos não devem pôr factos jurídicos; devem pôr unicamente factos materiais», entendidos estes como «as ocorrências da vida real, isto é, ou os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos dos homens», enquanto por factos jurídicos devem entender-se os factos materiais vistos à luz das normas e critérios do direito (5).
Como tal, deve sancionar-se como não escrito todo o facto que se revele conclusivo, contemplando com tal expressão toda a matéria que se reconduza à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum (6).
Densificando estes critérios, em termos que julgamos adequados na linha dos parâmetros legais e do entendimento jurisprudencial antes enunciado, refere ainda o Ac. TRP de 7-12-2018 (7), «[a]caso o objeto da ação esteja, total ou parcialmente, dependente do significado real das expressões técnico-jurídicas utilizadas, há que concluir que estamos perante matéria de direito e que tais expressões não devem ser submetidas a prova e não podem integrar a decisão sobre matéria de facto. Se, pelo contrário, o objeto da ação não girar em redor da resposta exata que se dê às afirmações feitas pela parte, as expressões utilizadas, sejam elas de significado jurídico, valorativas ou conclusivas, poderão ser integradas na matéria de facto, passível de apuramento através da produção dos meios de prova e de pronúncia final do tribunal que efetua o julgamento, embora com o significado vulgar e corrente e não com o sentido técnico-jurídico que possa colher-se nos textos legais».
Analisando o elenco da matéria de facto dada como provada na decisão recorrida e que vem impugnada em sede de apelação desde logo se observa que parte da formulação vertida no ponto 1.58., e toda a redação do ponto 1.59. dos factos provados constitui efetivamente matéria de índole conclusiva, por dever ser retirada como consequência da apreciação da matéria de facto provada, implicando, por isso, um raciocínio jurídico e valorativo que encerra parte essencial da controvérsia que constitui o objeto do litígio, a apreciar e decidir no âmbito da questão de direito subjacente à presente impugnação.
Assim, quer a parte final do impugnado ponto 1.58 («… o que dá uma despesa mensal de 145,00€, ou anual de 1.740,00 €»), e toda a formulação vertida no ponto 1.59. («Assim, para a indemnizar deste prejuízo para futuro é adequada a quantia 41.736,62€ (145,00 x 12 x 23,986564»), constituem segmentos conclusivos ou de direito e, por isso, não integram os poderes de cognição do tribunal em sede de matéria de facto, devendo ser analisada em sede da correspondente fundamentação de direito.
Igualmente se verifica que a matéria vertida no ponto 1.56 dos factos provados, ainda que não concretamente impugnada na presente apelação, traduz conclusões relativas a determinadas premissas, pressupondo a análise de um conjunto de circunstâncias de facto que permitam consubstanciar tais juízos valorativos, os quais encerram parte essencial da controvérsia que constitui o objeto a apreciar e decidir no âmbito da questão de direito subjacente à causa.
Tal constatação implica, mesmo oficiosamente, que se declare como não escrita a matéria vertida no ponto 1.56 dos factos provados, decidindo-se ainda dar como não escritos os pontos da matéria de facto que o Tribunal a quo integrou na parte final do impugnado ponto 1.58 («… o que dá uma despesa mensal de 145,00€, ou anual de 1.740,00 €»), e toda a formulação vertida no ponto 1.59. («Assim, para a indemnizar deste prejuízo para futuro é adequada a quantia 41.736,62€ (145,00 x 12 x 23,986564»), da matéria de facto provada, por traduzirem juízos conclusivos ou de direito, relevantes para a solução do litígio, que importa avaliar em função dos factos que venham a resultar provados.

Cumpre então proceder à reapreciação da decisão proferida pela 1.ª instância relativamente à restante factualidade impugnada pela recorrente, agora devidamente retificada no que toca à redação do ponto 1.58., nos seguintes termos:

1.27. Ficou com as seguintes dependências permanentes de ajuda: medicação analgésica e psiquiátrica; tratamento de medicina física de reabilitação; e de prótese antebraquial direita.
1.57. Por outro lado ainda, a demandante tem de se submeter mensalmente a 20 sessões de fisioterapia/terapia ocupacional - seja no membro amputado, seja no contralateral, assim como a uma consulta prévia de fisiatria.
1.58. As 20 sessões de fisioterapia custam 130,00 e a consulta ronda 15,00 €.
O recorrente defende a alteração da matéria de facto constante do referido ponto 1.27 dos factos provados, pretendendo que dele seja retirada a referência «tratamento de medicina física de reabilitação», alegando para o efeito não ter resultado da prova carreada para os autos a necessidade séria, real e inequívoca de tratamentos médicos regulares, assim como não resultou da prova produzida a periodicidade de tais tratamentos.
Neste domínio, observa-se que a recorrente baseia a impugnação deduzida no relatório da perícia de avaliação do dano corporal realizada nos presentes autos pelo INMLCF, I.P. - Gabinete Médico-Legal e Forense do Cávado (Clínica Forense), junto ao processo a fls. 256 e ss., sublinhando que a referência que vem feita no referido relatório alude apenas a “eventuais” tratamentos de MFR, o que considera não permitir incluir tais tratamentos nas necessidades terapêuticas futuras da autora.
Ora, se é certo que do relatório médico-legal em análise não resulta qualquer elemento relevante que permita aferir qual a periodicidade de tais tratamentos, ou o custo dos mesmos - circunstâncias que também não resultaram credivelmente consubstanciadas em quaisquer outros meios de prova -, já quanto à necessidade da autora ser acompanhada em tratamentos médicos regulares na área da medicina física e de reabilitação julgamos ser possível formular um juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança para dar como provada a concreta facticidade posta em causa pela recorrente no ponto 1.27.
Assim, na pág. 7 do aludido relatório pericial, o perito pronunciou-se expressamente sobre as necessidades terapêuticas futuras da autora, fazendo expressa alusão a “eventuais tratamentos de MFR” no âmbito dos tratamentos médicos regulares que foram enunciados como constituindo “dependências permanentes de ajudas” do caso examinado.
De resto, da análise das conclusões finais do relatório do INML não podem subsistir dúvidas de que as necessidades terapêuticas futuras e permanentes da autora englobam, de forma expressa, ajudas medicamentosas, tratamentos médicos regulares e ajudas técnicas.
Por outro lado, não podemos desconsiderar que, nas pgs. 3 e 4 do mesmo relatório, o perito faz referência às queixas que a examinanda refere à data da realização do exame, entre as quais refere «dificuldade em pegar e transportar objetos pesados e/ou volumosos com a mão esquerda» e «fenómenos dolorosos: no membro superior direito com sensação de membro fantasma».
Muito embora a força probatória das respostas dos peritos seja fixada livremente pelo Tribunal (artigo 389.º CC), importa atender à especial relevância que no caso em apreciação assume a indicação, no relatório pericial, da afeção de que sofre a autora, do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, bem como das necessidades ou dependências permanentes que a situação revela, sendo certo que no âmbito dos factos agora em referência estamos indiscutivelmente perante matéria que assume natureza essencialmente técnica, exigindo conhecimentos especiais para o efeito.
Ora, partindo da constatação objetiva das lesões e sequelas de que a autora ficou a padecer, bem patenteadas no relatório pericial e também na restante matéria de facto já definitivamente assente nos autos, revela-se expectável, de acordo com as regras da experiência e do senso comum, que, com o passar do tempo, as limitações ligadas às sequelas permanentes da lesões sofridas pela autora, imponham a necessidade de recurso regular a tratamentos médicos na área da medicina física e de reabilitação, designadamente a sessões de fisioterapia/terapia ocupacional - seja no membro amputado, seja no contra lateral -, assim como, e de acordo com aquelas regras, pelo menos a uma consulta prévia de fisiatria, para evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas, como aliás resulta para nós claro do relatório da perícia de avaliação do dano corporal realizada nos presentes autos pelo INMLCF, I.P. - Gabinete Médico-Legal e Forense do Cávado (Clínica Forense).
A propósito, importa atender designadamente à matéria de facto assente no ponto 1.34, do qual resulta que as graves sequelas de que a autora ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo, mal estar e angústia, que a vão acompanhar até ao fim dos seus dias e que se exacerbam com as mudanças de tempo, o que desde logo permite evidenciar as necessidades futuras da autora a este nível.
Deste modo, se há facto que os elementos dos autos inequivocamente revelam é que a autora necessitará, no futuro, de acompanhamento médico regular na área da medicina física e de reabilitação, designadamente em sessões/tratamentos de fisioterapia.
Nestes termos, entendemos que deve manter-se inalterada a redação do ponto 1.27 dos factos provados.
De forma idêntica, deve permanecer na matéria de facto provada a referência à necessidade terapêutica futura da autora ao nível das especialidades de fisioterapia/terapia ocupacional e, necessariamente, em consulta de fisiatria, ainda que nenhum meio de prova permita alicerçar a restante factualidade referente à periodicidade de tais tratamentos e custos dos mesmos.

Desta forma, impõe-se considerar improcedente a impugnação deduzida quanto ao ponto 1.27 dos factos provados e parcialmente procedente quanto aos pontos 1.57 e 1.58, os quais passarão a integrar um único ponto de facto com a seguinte redação:
«A autora necessita de se submeter a sessões de fisioterapia/terapia ocupacional, com periodicidade e valor por sessão não concretamente apurados, - seja no membro amputado, seja no contralateral -, assim como a uma consulta prévia de fisiatria, de valor não concretamente apurado».

Em consequência, decide-se aditar dois novos pontos aos “Factos não provados”, com a seguinte redação:
«Que, a autora tem de se submeter mensalmente a 20 sessões de fisioterapia/terapia ocupacional».
«Que as sessões de fisioterapia custam 130,00 e a consulta ronda 15,00 €».
Impugna a recorrente, igualmente, o facto considerado provado sob o ponto 1.31. - «Para além das ajudas descritas supras em 1.28., a A. necessita: uso permanente de prótese mioeléctrica; uso permanente de creme hidratante na zona amputada; ajuda de terceira pessoa para apoio à própria A. para alguma higiene pessoal (quando o marido e/ou filhos não estão disponíveis) ajuda a vestir e/ou despir determinadas peças de roupa; calçar, cerca de 4 horas por dia» - e o ponto 1.53. - «Por outro lado, a demandante vai ter de utilizar cremes hidratantes, para toda a vida, para hidratar a zona amputada, no que gasta, por ano, a quantia de 150,00 €, motivo por que, para a indemnizar deste prejuízo para futuro, é adequada a quantia de 4.950,00 € (150,00 € x 33 anos)».
Também relativamente a este último ponto (1.53.), vem a recorrente alegar, a título subsidiário, que o mesmo integra uma valoração de factos, comportando uma componente de resposta questões jurídicas sub judice. Sustenta que, caso não seja considerado não provado, o mesmo deve ser eliminado do elenco dos factos dados como provados.
Analisando o elenco supra, facilmente se verifica que a concreta formulação da matéria que o Tribunal a quo integrou na parte final do aludido ponto 1.53., (ainda que apenas relativamente ao segmento «motivo por que, para a indemnizar deste prejuízo para futuro, é adequada a quantia de 4.950,00 € (150,00 € x 33 anos)», reproduz meras conclusões relativas a determinadas premissas, pressupondo a análise de um conjunto de circunstâncias de facto que permitam consubstanciar tais juízos valorativos, os quais encerram parte essencial da controvérsia que constitui o objeto a apreciar e decidir no âmbito da questão de direito subjacente à presente impugnação e que se mostra controvertida nos autos.
Deste modo, decide-se rejeitar, nesta parte, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, declarando-se desde já como não escritos o segmento da matéria que o Tribunal a quo integrou na parte final do impugnado ponto 1.53 – («…motivo por que, para a indemnizar deste prejuízo para futuro, é adequada a quantia de 4.950,00 € (150,00 € x 33 anos)»), por traduzir meros juízos conclusivos ou de direito, relevantes para a solução do litígio, que importa avaliar em função dos factos que venham a resultar provados.
Cumpre então proceder à reapreciação da decisão proferida pela 1.ª instância relativamente à restante factualidade impugnada pela recorrente, agora devidamente retificada no que toca à redação do ponto 1.53.
Defende a recorrente a alteração da matéria de facto constante do referido ponto 1.31 dos factos provados, pretendendo que dele seja retirada a referência «uso permanente de creme hidratante na zona amputada», invocando para o efeito a ausência de prova testemunhal e documental para o efeito. Sustenta que no exame médico-legal de fls. 256 e ss, com os esclarecimentos, respostas e aditamento de fls. 268 e ss., o respetivo perito apenas admitiu como possível a necessidade do creme hidratante, sendo que o Tribunal a quo consignou como provado que a autora gasta por ano em cremes hidratantes, a quantia de €150,00 sem ter sido junto aos autos qualquer documento nesse sentido.
Feita a reapreciação crítica e concatenação de todos os elementos de prova produzidos e juntos aos autos revela-se evidente que a prova produzida não permite suportar a afirmação relativa ao custo de €150,00 que, segundo o alegado pela autora, esta terá que suportar anualmente em cremes hidratantes para hidratar a zona amputada, sendo manifesta a ausência de qualquer documento, ou qualquer outro meio de prova, que permitisse evidenciar com alguma segurança ou rigor o valor em causa.
Contudo, a referência expressa que foi feita no aditamento ao relatório/prestação de esclarecimentos da perícia de avaliação do dano corporal realizada nos presentes autos pelo INMLCF, I.P. - Gabinete Médico-Legal e Forense do Cávado (Clínica Forense), no sentido de ser de admitir a necessidade de cremes hidratantes para aplicar na zona amputada - cf. o ponto 17 dos esclarecimentos apresentados pelo perito em 26-06-2020 - não pode ser desconsiderada sem justificação de idêntica natureza ou com sujeição a idênticos métodos, atenta a necessária ponderação da especial força probatória da prova pericial efetuada, tanto mais que tal conclusão surge consubstanciada nas conclusões finais/resumo, no que às ajudas técnicas permanentes respeita.
Assim, o relatório pericial em referência está suficientemente fundamentado, foi requisitado junto do organismo oficial competente, mais se constatando que não foi objeto de impugnação por parte dos intervenientes no processo.
Por outro lado, em relação à conclusão extraída quanto à necessidade da autora usar regularmente creme hidratante na zona amputada também não foi produzida qualquer outra prova relevante que possa infirmar o juízo médico/científico expresso no referido relatório, sendo que ao admitir expressamente a necessidade de cremes hidratantes para aplicar na zona amputada o perito médico está a reconhecer ou a aceitar como verdadeira tal necessidade, a título permanente, ou seja, para toda a sua vida.
Tanto basta, em nosso entender, para que se mantenha, sem qualquer alteração, a matéria vertida sob o ponto 1.31. dos factos provados.
Já quanto ao remanescente da matéria vertida no ponto 1.53, nenhum meio de prova alicerça a referência feita na sentença recorrida sobre o valor que alegadamente a autora terá de suportar anualmente na aquisição de cremes hidratantes.

Nestes termos, resta considerar improcedente a impugnação deduzida quanto ao ponto 1.31., dos factos provados e parcialmente procedente a deduzida quanto ao ponto 1.53., o qual passará a ter a seguinte redação:

«A demandante vai ter de utilizar cremes hidratantes, para toda a vida, para hidratar a zona amputada, nos quais terá de despender quantia não apurada».

Em consequência, decide-se aditar um novo ponto aos “Factos não provados”, com a seguinte redação:
«Que, a autora gaste anualmente a quantia de € 150,00 com cremes hidratantes para hidratar a zona amputada».
Na conclusão 29.ª das alegações a ré sustenta que a matéria dada como provada, no ponto 1.60. - «É acompanhada em consulta de Psicologia e Psiquiatria uma vez por mês, no que gasta a quantia mensal de 90,00 €, 12 meses por ano» - e 1.61. - «Assim para a indemnizar deste prejuízo para futuro é adequada a quantia de 25.905,48€ (90€ x12 x 23,986564)» - deverá passar a constar da matéria dada como não provada.
Quanto a estes pontos da matéria impugnada vem a recorrente alegar, a título subsidiário, que os mesmos integram também uma valoração de factos, comportando uma componente de resposta questões jurídicas sub judice. Sustenta que, caso não seja alterada para a matéria de facto não provada, os mesmos devem ser eliminados do elenco dos factos dados como provados.
Ponderando a matéria agora em análise, entendemos que a concreta formulação vertida no ponto 1.61., traduz efetivamente matéria de índole conclusiva ou de direito, por dever ser retirada como consequência da apreciação da matéria de facto provada, consubstanciando, por isso, juízos valorativos que encerram parte essencial da controvérsia que constitui o objeto do litígio, a apreciar e decidir no âmbito da aplicação do direito aos factos e não em sede de decisão em matéria de facto.
Porém, o mesmo não sucede relativamente à matéria vertida no impugnado ponto 1.61., que a apelante pretende ver acrescentada à matéria de facto não provada. Assim, saber se a autora é acompanhada em consulta de psicologia e psiquiatria uma vez por mês, no que gasta a quantia mensal de 90,00 €, 12 meses por ano, implica o apuramento de determinadas ocorrências materiais e concretas da vida real, configurando, por isso, verdadeiras questões de facto.
Em consequência, por conterem juízos conclusivos e/ou de direito, decide-se dar como não escrita a matéria constante do ponto 1.61., dos factos provados.
O âmbito probatório da impugnação deduzida quanto aos factos constantes do ponto 1.60., da matéria de facto provada, baseia-se na invocada ausência de meios de prova que permitiam ao douto Tribunal a quo concluir que a recorrida é acompanhada em consulta de Psicologia e Psiquiatria uma vez por mês, no que gasta a quantia de €90,00, 12 meses por ano, sustentando a recorrente que o relatório pericial junto aos autos, na parte referente a “dependências permanentes de ajudas”, refere somente que a autora necessita de medicação psiquiátrica, não resultando do exame médico-legal que a autora se encontra por um lado a ser acompanhada nesta especialidade, nem decorre do mesmo a periodicidade que o Tribunal a quo veio a dar como provado nos autos por outro. Sustenta, ainda, que, nenhuma das testemunhas inquiridas nos presentes autos depôs sobre esta matéria, motivo pelo qual não dispunha o Tribunal a quo de outra prova quanto a esta matéria senão o exame médico-legal junto aos autos.
Feita a reapreciação crítica e concatenação de todos os elementos de prova produzidos e juntos aos autos revela-se evidente que a prova produzida não permite suportar um juízo de suficiente probabilidade para dar como provado o facto atinente ao acompanhamento da autora em consultas de Psicologia, o mesmo sucedendo relativamente ao custo alegadamente suportado pela autora no âmbito do acompanhamento aludido no referido ponto 1.60., agora reapreciado.
Porém, quanto à restante factualidade, atinente à necessidade da autora ser acompanhada em consultas médicas na especialidade de Psiquiatria, e efetivo acompanhamento nesta área, julgamos ser possível formular um juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança para dar como provada a concreta facticidade posta em causa pela recorrente quanto ao ponto 1.60.
Com efeito, na pág. 7 do aludido relatório pericial, o perito pronunciou-se expressamente sobre as necessidades terapêuticas futuras da autora, fazendo expressa alusão à necessidade de “medicação analgésica e psiquiátrica” por parte da autora no âmbito das «Ajudas medicamentosas» (8) que foram enunciadas como constituindo “dependências permanentes de ajudas” no caso em análise.
Ora, a partir da ponderação da necessidade de medicação psiquiátrica é legítimo retirar a imprescindibilidade de consultas da especialidade de Psiquiatria, sem as quais, e de acordo com as regras gerais da experiência comum e segundo juízos de normalidade social, a necessidade permanente de recurso a medicação regular nesta área não poderá conceber-se.
De resto, da análise das conclusões finais do relatório do INML em referência não podem subsistir dúvidas de que as necessidades terapêuticas futuras e permanentes da autora englobam, de forma expressa, ajudas medicamentosas, tratamentos médicos regulares e ajudas técnicas.
Por outro lado, não podemos desconsiderar que, nas pgs. 3 e 4 do mesmo relatório, o perito faz referência às queixas que a examinanda refere à data da realização do exame, entre as quais refere: «Cognição e afetividade: ansiedade; recorda o acidente com bastante frequência, vivenciando todos os acontecimentos; frequenta consultas de psiquiatria, fazendo medicação permanente».
Acresce que no referido relatório, o perito faz referência expressa à documentação clínica que lhe foi facultada, mencionando de forma expressa o “relatório de psiquiatria forense (Dr. M. E.), de 10/12/2019” (9) e salientando que o mesmo refere que a examinanda/autora apresenta critérios psicopatológicos para a existência de uma perturbação de stress pós-traumático e perturbação persistente do humor, desvalorizando segundo o I.Nb1002 e o I.Nb0902 em 15 pontos.
Assim, das conclusões do relatório da especialidade de Psiquiatria, de 10-12-2019, junto aos autos, constam referências às sequelas que a autora apresenta como traduzindo um quadro psicopatológico grave, confirmando-se a existência de um nexo de causalidade entre as alterações psicopatológicas presentes ao exame de estado mental e o evento traumático. Consta também do descrito relatório da especialidade de Psiquiatria que, desde o acidente de viação, a examinanda apresenta humor depressivo memórias vividas, sonhos recorrentes, condutas de evitamento, reexperiências do acontecimento traumático com sintomatologia resultante de hiperativação fisiológica e com interferência em múltiplas esferas relacionais, mencionando que tal sintomatologia motivou a referenciação e o acompanhamento regular em consulta de Psiquiatria assim como a instituição de um esquema psicofarmacológico que “ainda hoje cumpre”.
Ora, partindo da constatação objetiva das lesões e sequelas de que a autora ficou a padecer, bem patenteadas no relatório pericial e também na restante matéria de facto já definitivamente assente nos autos, revela-se lícito concluir que a autora é acompanhada em consultas médicas na especialidade de Psiquiatria, com periodicidade e valor por consulta não concretamente apurados.

Deste modo, na parcial procedência da impugnação quanto a esta matéria, decide-se alterar o teor do ponto 1.60., dos factos provados, que passará a vigorar com a seguinte redação:

«A autora é acompanhada em consultas médicas na especialidade de Psiquiatria, com periodicidade e valor por consulta não concretamente apurados».

Em consequência, decide-se aditar dois novos pontos aos “Factos não provados”, com a seguinte redação:
«Que, a autora seja acompanhada em consultas de Psicologia»;
«Que, a autora seja acompanhada uma vez por mês em consultas de Psiquiatria, no que gasta a quantia mensal de €90,00, 12 meses por ano».

Nas conclusões 31.ª, 32.ª, e 33.ª das alegações a ré sustenta que a matéria dada como provada nos pontos 1.39. - «E até na sua higiene pessoal a demandante tem dificuldade, pois, não sendo sequer habitual antes do acidente dos autos deslocar-se ao cabeleireiro, passou a ter de o fazer duas vezes por semana uma vez que não consegue lavar o cabelo em casa sem ajuda de terceiros» - 1.62. - «E, por força das sequelas de que ficou a padecer definitivamente, a demandante passou a frequentar duas vezes por semana a cabeleireira, para lavar e secar o cabelo, o que não consegue fazer em sua casa, gastando, por mês, a quantia de 40,00 € (5,00 € x 8), 12 vezes por ano», e 1.63. - «Assim, até à data da propositura da presente acção já gastou a quantia de 2.000,00 €, para a indemnizar deste prejuízo para futuro, considerando a esperança média de vida de 82 anos para as mulheres, é adequada a quantia de 11.514,51 €» - deverá passar a constar da matéria dada como não provada.
Quanto aos pontos 1.62. e 1.63., da matéria impugnada vem a recorrente alegar, a título subsidiário, que os mesmos integram também uma valoração de factos, comportando uma componente de resposta questões jurídicas sub judice. Sustenta que, caso tais pontos não transitem para a matéria de facto não provada, os mesmos devem ser eliminados do elenco dos factos dados como provados.
Analisando o elenco da matéria de facto dada como provada na decisão recorrida, e que vem impugnada em sede de apelação, desde logo se observa que parte da formulação vertida no ponto 1.63. dos factos provados constitui efetivamente matéria de índole conclusiva, por dever ser retirada como consequência da apreciação da matéria de facto provada, implicando, por isso, um raciocínio jurídico e valorativo que encerra parte essencial da controvérsia que constitui o objeto do litígio, a apreciar e decidir no âmbito da questão de direito subjacente à presente impugnação.
Assim, a formulação «… para a indemnizar deste prejuízo para futuro, considerando a esperança média de vida de 82 anos para as mulheres, é adequada a quantia de 11.514,51 €» que consta do impugnado ponto 1.63., configura indiscutivelmente matéria conclusiva ou de direito e, por isso, não integra os poderes de cognição do tribunal em sede de matéria de facto, devendo ser analisada em sede da correspondente fundamentação de direito.
Contudo, o mesmo já não sucede relativamente à restante matéria vertida no impugnado ponto 1.63., e à totalidade do ponto 1.62., porquanto a mesma depende exclusivamente do apuramento de determinadas ocorrências materiais e concretas da vida real, que constam do teor dos referidos pontos da matéria de facto, configurando, por isso, verdadeiras questões de facto.
Nesta conformidade, por conter matéria conclusiva e/ou de direito que importa avaliar em função dos factos que venham a resultar provados, decide-se dar como não escrito o segmento da matéria que o Tribunal a quo integrou na parte final do impugnado ponto 1.63 - «…para a indemnizar deste prejuízo para futuro, considerando a esperança média de vida de 82 anos para as mulheres, é adequada a quantia de 11.514,51 €».
Quanto à discordância manifestada relativamente à matéria de facto vertida nos aludidos pontos 1.39., 1.62., e no remanescente do ponto 1.63., verifica-se que a recorrente alude à valoração do conjunto da prova produzida nos autos, com referências aos depoimentos das testemunhas P. F., M. M., M. T., D. P., V. F., A. R., A. G., L. P. e G. J., sustentando que nenhuma das testemunhas indicadas fez qualquer referência ou depôs sobre a matéria de facto constante de tais pontos da matéria de facto, que carecia de demonstração.
Foram reapreciados integralmente os depoimentos em causa, deles se não extraindo qualquer elemento ou esclarecimento relevante que permita considerar verificados os factos em apreciação.
Assim, procedemos à audição integral dos registos da gravação efetuada em sede de audiência final relativamente a todos os depoimentos prestados, confirmando-se que nenhuma das testemunhas referenciou qualquer ocorrência atinente à frequência pela autora de cabeleireiro, designadamente em função das sequelas de que ficou a padecer em decorrência do sinistro em apreciação, ou que a autora tenha passado a lavar e secar o cabelo fora de casa, por não o conseguir fazer em casa.
A este propósito, importa salientar que a testemunha L. P. referiu ser a atual funcionária doméstica da autora, desde setembro/outubro de 2018, com horário a tempo inteiro, das 9h às 18h, diariamente, nada referindo quanto a eventuais deslocações da autora ao cabeleireiro para lavar e secar o cabelo ou quanto à impossibilidade desta o fazer em casa.
Também a testemunha A. G. - empresária na área das limpezas e que durante cerca de dois anos assegurou, em conjunto com as suas funcionárias, os serviços domésticos em casa da autora, em período posterior ao acidente sofrido pela autora -, aludiu às ajudas ou ao auxílio pessoal que prestavam à autora, sem nunca fazer qualquer referência à eventual necessidade desta se deslocar ao cabeleireiro por não conseguir lavar e secar o cabelo em casa.
Ora, se a autora passou a ter de se deslocar ao cabeleireiro duas vezes por semana, para lavar e secar o cabelo, por não o conseguir fazer em sua casa, é algo que não se pode presumir.
Deste modo, após reapreciação que fizemos da globalidade da prova produzida nos autos, dúvidas não restam quanto à inexistência de qualquer elemento de prova que permita consubstanciar as referências que vêm impugnadas pela recorrente a propósito da matéria de facto enunciadas nos pontos 1.39., 1.62., e 1.63., da matéria dada como provada.
Como tal, estes pontos da matéria de facto passarão a integrar o elenco dos «Factos não provados» que consta da decisão recorrida, com a consequente procedência das conclusões da apelação nesta parte.

Pelo exposto, decide-se aditar três novos pontos aos “Factos não provados”, com a seguinte redação:
«E até na sua higiene pessoal a demandante tem dificuldade, pois, não sendo sequer habitual antes do acidente dos autos deslocar-se ao cabeleireiro, passou a ter de o fazer duas vezes por semana uma vez que não consegue lavar o cabelo em casa sem ajuda de terceiros»;
«E, por força das sequelas de que ficou a padecer definitivamente, a demandante passou a frequentar duas vezes por semana a cabeleireira, para lavar e secar o cabelo, o que não consegue fazer em sua casa, gastando, por mês, a quantia de 40,00 € (5,00 € x 8), 12 vezes por ano».
«Que, até à data da propositura da presente ação a autora já gastou a quantia de 2.000,00 € em cabeleireiro, para lavar e secar o cabelo».
A recorrente Sustenta que os pontos 1.50, 1.51 e 1.52 da matéria dada como provada foram incorretamente apreciados pelo Tribunal a quo.
Defende a alteração da matéria de facto constante do ponto 1.50 dos factos provados - «Cada prótese tem um custo unitário de 68.870,00 € (doc. 15), com uma duração média de 5 anos, coincidente com o período máximo de garantia assegurado pela marca (Otto Bock) necessitando, entre os 1º e 2º anos e 3º e 5 anos de manutenções/revisões, com os seguintes custos: a) – entre o 1º e 2º anos: - sensor de pressão e recalibração dos motores e engrenagens, com um custo total de 1.652,00 €; b) – entre o 3º e 5º anos: - troca do sistema de baterias, recalibração de motores e engrenagens e sensor de pressão, com um custo total de 4.332,00 €, ou seja, a manutenção de cada prótese tem um custo total de 6.343,04€ (docs. 16 e 17)», no sentido de passar a ter a seguinte redação: «Cada prótese tem um custo unitário de 50.000,00 € com um período de garantia de 5 anos assegurado pela marca, com revisões anuais durante os 3 primeiros anos, outras duas revisões, num período máximo de 5 anos.
Os três primeiros anos são obrigatórios e incluídos no preço, todos os anos conseguintes são opcionais».
Defende, ainda, que o segmento «…a manutenção de cada prótese tem um custo total de € 6.343,04» que consta do impugnado ponto 1.50, passe a integrar a matéria de facto não provada, o mesmo sucedendo com os pontos 1.51. e 1.52.
Sustenta, porém, que os referidos pontos 1.51 e 1.52 da matéria provada integram uma valoração de factos, comportando uma componente de resposta às questões jurídicas sub judice. Sustenta que, caso não sejam considerados não provados, os mesmos devem ser eliminados do elenco dos factos dados como provados.
Ponderando a matéria agora em análise, entendemos que a concreta formulação vertida nos pontos 1.51 e 1.52 traduz efetivamente matéria de índole conclusiva ou de direito, por dever ser retirada como consequência da apreciação da matéria de facto provada, consubstanciando, por isso, juízos valorativos que encerram parte essencial da controvérsia que constitui o objeto do litígio, a apreciar e decidir no âmbito da aplicação do direito aos factos e não em sede de decisão em matéria de facto.
Nesta conformidade, por conter matéria conclusiva e/ou de direito que importa avaliar em função dos factos que venham a resultar provados, decide-se dar como não escritos os segmentos da matéria que o Tribunal a quo integrou nos pontos 1.51 e 1.52.
Relativamente à impugnação deduzida quanto ao ponto 1.50 alega a apelante, no essencial, que, sem prejuízo do documento n.º 15 junto aos autos e seguintes, cujo conteúdo foi impugnado, a recorrida não logrou provar nos autos a realidade impugnada, sustentando que a testemunha G. J. foi confrontada com o referido documento, esclarecendo e atualizando os valores atuais das próteses, esclarecendo que atualmente o custo da prótese rondará os €50.000,00 sendo este o custo médio. Mais referiu a testemunha que a prótese tem revisões anuais durante os 3 primeiros anos, outras duas revisões, num período máximo de 5 anos. Mais esclarecendo que a marca aconselha a que a prótese seja revista todos os anos. Os três primeiros anos são obrigatórios e incluídos no preço, todos os anos conseguintes são opcionais.
Defende que do depoimento da referida testemunha não resultou que o custo unitário da prótese ascendesse ao montante de € 68.870,00, que a prótese tivesse uma duração média de 5 anos, coincidente com o período de garantia assegurado pela marca, e que a manutenção de cada prótese ascenda ao custo total de € 6.343,04.

Relativamente a esta matéria, decorre da motivação da sentença recorrida que a decisão relativa à indicada matéria de facto se baseou, no essencial, no seguinte:
« (…) elucidativo foi o depoimento da testemunha Dr. G. J., médico ortoprotésico, e teve como paciente a A. durante anos, devido à amputação. Descreveu os três tipos / sistemas de prótese que a A. usou, sendo que uma foi provisória, tendo ficado com a biónica e a estética; confirmou as avarias e os tempos de reparação (2 a 4 semanas) da primeira e o tipo de actividades que a A. pode conseguir realizar com a mesma; confirmando que o tempo de reparação ocorre uma desadaptação da A. à prótese; confirmou o custo dessa prótese (€50.000,00), as revisões necessárias), confirmando o teor do doc. 15, de fls. 55 e ss junto com a p.i.. Esclareceu que o facto de a A. ter tido o AVC não impede de usar tal prótese, não tendo perdido a capacidade de a usar; referiu que continua a acompanhar a A. na adaptação à prótese biónica.»
Com vista à reapreciação da matéria de facto impugnada, foram revistos e analisados criticamente, e de forma atenta, todos meios probatórios produzidos em sede de audiência final, e juntos aos autos, entre os quais os documentos juntos pela autora em sede de petição inicial e o depoimento prestado pela testemunha invocada pelo apelante - G. J. - médico ortoprotésico; conhece a autora por via das funções profissionais que exerce, acompanhando a situação clínica da autora, em ortoprotesia, devido à amputação do braço e subsequentes próteses que foram colocadas.
Confirma-se que o âmbito material do depoimento em que o recorrente baseia a discordância relativa à impugnação quanto ao ponto em referência - testemunha G. J. - compreende, no essencial, as concretas passagens vertidas nas transcrições que foram reproduzidas pela recorrente nas alegações da apelação na vertente dos factos.
Da análise do referido meio de prova resulta, em primeiro lugar, que a referida testemunha confirmou efetivamente que o custo atual duma prótese com as características da prótese biónica que a autora continua a utilizar rondará os €50.000,00, tem termos de custo médio, ainda que tal valor possa variar em função das extensões de garantia e de opcionais que possam ser contratados.
Assim, ainda que o teor e a autoria dos documentos juntos pela autora como docs. 15, 16 e 17 da petição inicial - emitidas em nome de Y, L.da, e subscritos pela testemunha em causa - tenham sido genericamente admitidos por esta testemunha, entendemos que dos referidos documentos não é possível retirar um juízo probatório suficientemente abrangente para sustentar uma adequada confirmação das questões de facto enunciadas no âmbito do ponto 1.50 dos “Factos provados”.
Com efeito, uma coisa é a materialidade das declarações vertidas em tais documentos, necessariamente delimitadas pelas circunstâncias e pelo momento em que foram emitidos, outra o alcance e o significado de tais declarações, cujo apuramento se afigura essencial para permitir formular um juízo de verosimilhança mais abrangente quanto às concretas questões de facto enunciadas.
Daí que se revelem essenciais os esclarecimentos prestados pela testemunha G. J., em audiência final, dos quais resulta com suficiência que, atualmente, cada prótese tem um custo médio unitário de €50.000,00, dispõe de um prazo de garantia de 3 anos ou de 5 anos, este último opcional (se for contratada essa extensão de garantia por mais 2 anos) para componentes mecânicos, acompanhamento e revisões incluídas no preço da prótese, estando sujeita a revisões anuais obrigatórias durante os 3 primeiros anos e incluídas no preço da prótese e as restantes opcionais. A partir do momento em que a garantia estabelecida pela marca termina deixa de ser obrigatória a revisão, pelo que o utente fará a revisão se assim entender.
Já relativamente à eventual troca de componentes no âmbito das revisões programadas, julgamos não ter resultado de tal depoimento que a mesma seja necessária ou indispensável/obrigatória - mesmo no âmbito das peças que referenciou como sendo peças de desgaste (principalmente as baterias e os sensores de pressão de mão) -, aludindo genericamente à mera conveniência em trocar alguns componentes para garantir que as coisas funcionam bem.
Por último, também não resultou de tal depoimento qualquer referência pertinente à necessidade de substituição da prótese biónica ao fim de 5 anos, ou a qualquer outro limite ou período de vida útil de cada prótese, apenas sendo lícito extrair do respetivo depoimento que a duração concreta da prótese dependerá de diversos fatores, designadamente do tipo de revisões ou manutenção a que for sujeita.
De resto, o prazo de duração média de 5 anos que consta dos documentos 15 e 16 juntos com a petição inicial reporta-se claramente ao tempo médio de duração indicado pelo fabricante, por corresponder ao período máximo de garantia assegurado pela própria marca, não permitindo que se estabeleça qualquer ilação relevante quanto ao normal período útil de vida da referida prótese.
Nestes termos, entendemos que os meios de prova que foram ponderados na sentença recorrida não permitem sustentar um juízo de suficiente probabilidade da verificação das circunstâncias enunciadas no ponto 1.50 relativamente à afirmação de que cada prótese tem um custo unitário de €68.870,00, com uma duração média de 5 anos, coincidente com o período máximo de garantia, bem como que as manutenções/revisões entre os 1.º e 2.º anos e 3.º e 5.º anos tenham os seguintes custos: - entre o 1.º e 2.º anos: - sensor de pressão e recalibração dos motores e engrenagens, com um custo total de € 1.652,00; - entre o 3.º e 5.º anos: - troca do sistema de baterias, recalibração de motores e engrenagens e sensor de pressão, com um custo total de € 4.332,00.

Em conformidade com a ponderação antes efetuada, resta julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão de facto relativamente ao ponto 1. 50 da matéria de facto provada, que passará a vigorar com a seguinte redação:
«Cada prótese tem um custo unitário médio de €50.000,00, com duração não concretamente apurada, dispondo de um prazo de garantia de 3 anos ou de 5 anos, este último opcional (se for contratada essa extensão de garantia por mais 2 anos) para componentes mecânicos, acompanhamento e revisões incluídas no preço da prótese, estando sujeita a revisões anuais obrigatórias durante os 3 primeiros anos e incluídas no preço da prótese e as restantes opcionais, importando a manutenção de cada prótese em valor não concretamente apurado».

Em consequência, decide-se aditar um novo ponto aos “Factos não provados”, com a seguinte redação:
«Que cada prótese tem um custo unitário de €68.870,00, com uma duração média de 5 anos, coincidente com o período máximo de garantia, bem como que as manutenções/revisões entre os 1.º e 2.º anos e 3.º e 5.º anos tenham os seguintes custos: - entre o 1.º e 2.º anos: - sensor de pressão e recalibração dos motores e engrenagens, com um custo total de € 1.652,00; - entre o 3.º e 5.º anos: - troca do sistema de baterias, recalibração de motores e engrenagens e sensor de pressão, com um custo total de € 4.332,00».

Atenta a parcial procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto e considerando as alterações determinadas, são os seguintes os factos que se consideram provados e não provados, agora devidamente reordenados:

1. Factos provados:
1.1. Cerca das 17h15 do dia 27 de Abril de 2014, ocorreu um acidente de viação na E.N. 202, ao Km 13,7, sito na freguesia ..., do concelho de Melgaço, em que intervieram os veículos ligeiros de passageiros:
a) VX, conduzido pelo seu proprietário, o demandante M.A. e
b) AQ, conduzido pelo proprietário C. E..
1.2. O veículo AQ circulava pela referida E.N. no sentido Monção → Melgaço, pela metade direita da faixa de rodagem, atento o referido sentido e com uma velocidade de cerca de 100 Kms/hora, sendo que circulava em localidade com casas de habitação e de comércio de um e do outro lado da via.
1.3. Desenhando-se o local em recta, e circulando nas circunstâncias supra descritas, de um modo repentino e inopinado, o veículo AQ invadiu a metade esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha, onde acabou por embater violentamente na parte lateral esquerda do veículo VX, conduzido pelo demandante M. A..
1.4. O veículo VX circulava em sentido contrário, ou seja, Melgaço → Monção, pela metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido Melgaço → Monção, com uma velocidade de cerca de 50 Kms/hora.
1.5. Assim, quando o condutor do veículo VX se apercebeu da manobra repentina e inopinada do veículo AQ de invasão da sua faixa de rodagem, atenta a proximidade a que circulavam os veículos, para evitar a colisão frontal, encostou à sua direita o mais que pôde, ou seja, aos railes de protecção lateral (do lado direito, conforme o sentido Melgaço → Monção), com o que, ainda assim, não conseguiu evitar ser embatido na parte lateral esquerda do veículo VX pela parte da frente do lado esquerdo do veículo AQ.
1.6. A demandante C. G. era passageira do veículo VX, transportada gratuitamente.
1.7. Em consequência do embate a demandante sofreu: - amputação transradial direita, pelo terço distal do antebraço direito e - fractura dos ossos do antebraço esquerdo.
1.8. No local do acidente foi assistida e estabilizada por uma equipa do INEM, após o que foi transportada para o S.U. do Hospital de S. João, no Porto, onde, à entrada, apresentava amputação transradial direita, pelo terço distal do antebraço direito, com fractura dos ossos do antebraço esquerdo.
1.9. Ficou ali internada até ao dia 05.06.2014, tendo sido submetida às seguintes cirurgias:
a) - no dia 27.04.2014 a amputação a nível do antebraço direito, com osteotomia do rádio e do cúbito e redução e fixação com placa ao nível do cúbito esquerdo;
b) - no dia 06.05.2014 fez revisão do coto de amputação e operações de limpeza;
c) - no dia 13.05.2014 fez desbridamento do coto e remodelação com plastia, com enxerto da face medial da coxa direita e
d) - no dia 02.06.2014 fez nova revisão do coto.
1.10. No dia 05.06.2014 teve alta hospitalar, recolhendo a sua casa, onde se manteve em repouso absoluto - mas com indicação de realizar penso diário -, pois não estava capaz de fazer o que quer que fosse, já que tinha o membro superior direito amputado e no membro superior esquerdo mantinha uma tala gessada.
1.11. Em finais de Setembro de 2014 inicia Terapia Ocupacional para transferência de lateralidade, no Hospital de Braga.
1.12. No dia 11.11.2014, por ter surgido uma intercorrência infecciosa, a demandante C. G. foi novamente internada naquele Hospital de S. João, no Porto (doc.4), onde efectuou reconstrução e nova plastia da área de amputação.
1.13. Permaneceu ali internada até ao dia 12.11.2014, altura em que teve alta hospitalar, recolhendo a sua casa, onde se manteve em repouso.
1.14. Em finais de Novembro de 2014 inicia os tratamentos de fisioterapia e terapia ocupacional.
1.15. No dia 24.02.2015 foi novamente internada no Hospital de S. João - Porto, por suspeita de pseudartrose, tendo sido nessa ocasião efectuada extracção do material de osteossíntese dos ossos do antebraço esquerdo (doc.5)
1.16. Esteve ali internada durante 2 dias, após o que teve alta hospitalar, recolhendo a sua casa, onde permaneceu em repouso.
1.17. A partir de 28.04.2015, face à evolução insatisfatória do seu estado clínico e à manutenção de queixas dolorosas intensas, que não cediam à medicação (doc.6) passou a ser seguida pelo Sr. Prof. A. N., em Coimbra, para tratamento da pseudartrose do antebraço esquerdo, num contexto de amputação traumática do terço proximal do antebraço direito, sendo, no dia 19.06.2015, submetida a nova intervenção cirúrgica para regularização da referida pseudartrose e exérese de neuromas do coto de amputação à direita (doc.7).
1.18. Após esta intervenção cirúrgica a demandante iniciou o processo de adaptação a prótese mioeléctrica, com terapia ocupacional e fisioterapia na Santa Casa da Misericórdia ....
1.19. A demandante foi seguida pelas Consultas Externas de Ortopedia, MFR e Cirurgia Plástica do Hospital de S. João, no Porto, até finais do ano de 2014, tendo, a partir dessa data, passado a ser seguida pelas mesmas especialidades no Hospital de Braga, a que acresce a consulta da Dor, por ser o da sua área de residência.
1.20. Entretanto foi sendo também acompanhada em Consulta Externa de MFR e Ortopedia pelos Serviços Clínicos a cargo da demandada; assim como foi mantendo - como ainda mantém - o acompanhamento de Psicoterapia e Psiquiatria, pois desenvolveu um quadro de grande ansiedade, revolta, baixa auto-estima, labilidade emocional, dificuldade em aceitar a sua imagem corporal.
1.21. Em consequência do acidente de viação, a A. ficou a padecer das seguintes sequelas: ao nível do abdómen: cicatriz linear de 10 centímetros ao longo da crista ilíaca anterior direita; ao nível do membro superior direito amputação do membro pelo terço superior do antebraço; cicatriz linear no coto; cicatriz linear curvilínea de 10 cms no coto; ao nível do membro superior esquerdo: cicatriz linear de treze centímetros nos terços superior e médio, e posterior do antebraço; cicatriz linear de 10 cms nos terços superior e médio e posterior; ao nível do membro inferior direito: área de descoloração da pele de 10 por 9 cms no terço superior e medial da coxa.
1.22. Apresenta como queixas a nível funcional apresenta ao nível da manipulação e preensão: dificuldade em pegar e transportar objectos pesados e/ou volumoso com a mão esquerda; ansiedade, recordando o acidente com bastante frequência, vivenciando todos os acontecimentos, frequenta consultas de psiquiatria, fazendo medicação frequente; fenómeno doloroso no membro superior direito com sensação de membro fantasma.
1.23. Ao nível situacional: dificuldade em pegar e transportar objectos pesados e /ou volumosos; dificuldade nas actividades da vida diária (vestir/despir, lavar-se pentear-se, cortar/arranjar carne / peixe.
1.24. Em consequência das sequelas de que ficou portadora, a A. ficou a padecer de um défice permanente da integridade físico-psíquica de 55 pontos, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
1.25. Ficou a padecer de um dano estético permanente de grau 6, numa escala de sete graus de gravidade crescente
1.26. Ficou a padecer de uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer no grau 3 numa escala de 7 graus de gravidade crescente.
1.27. Ficou com as seguintes dependências permanentes de ajuda: medicação analgésica e psiquiátrica; tratamento de medicina física de reabilitação; e de prótese antebraquial direita.
1.28. A A. obteve a consolidação médico-legal das lesões em 13/10/2016.
1.29. Sofreu um défice funcional temporário total de 90 dias; parcial de 810 dias; e uma repercussão temporária na actividade profissional total de 900 dias.
1.30. Sofreu de um quantum doloris de grau 6 numa escala de sete graus de gravidade crescente.
1.31. Para além das ajudas descritas supras em 1.28., a A. necessita: uso permanente de prótese mioeléctrica; uso permanente de creme hidratante na zona amputada; ajuda de terceira pessoa para apoio à própria A. para alguma higiene pessoal (quando o marido e/ou filhos não estão disponíveis) ajuda a vestir e/ou despir determinadas peças de roupa; calçar, cerca de 4 horas por dia.
1.32. Por outro lado, em consequência das sequelas de ficou a padecer, a A. passou a necessitar de contratar pessoa terceira para executar tarefas da lida diária da casa: limpeza, confecção de refeições.
1.33. As lesões sofridas provocaram à demandante um enorme sofrimento e fortíssimas dores, tanto no momento do acidente, como no decurso do demorado tratamento.
1.34. E as graves sequelas de que ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo, mal estar e angústia, que a vão acompanhar até ao fim dos seus dias e que se exacerbam com as mudanças de tempo.
1.35. Na altura do acidente tinha 44 anos de idade e era saudável, fisicamente bem constituída, dinâmica, alegre, trabalhadora, social, sociável e divertida.
1.36. Em consequência do acidente e das sequelas perdeu a alegria de viver, não conseguindo sequer pegar no seu filho T. (de 3 anos à data do acidente) ao colo, vesti-lo, dar-lhe banho, vivendo em constante tristeza e incapaz de se adaptar à sua nova realidade e imagem.
1.37. E porque a sua actividade profissional consistia, essencialmente, em lidar com terceiros, onde é necessária determinada imagem, a demandante, por força da amputação que sofreu, perdeu essa imagem, sentindo de forma particularmente brutal as sequelas de que ficou afectada permanentemente, sobretudo a amputação do antebraço direito, pois, não tendo a mão direita, apercebe-se do incómodo que os outros sentem ao cumprimentá-la, pois ou estranham utilizar uma prótese (quando não está em reparação) e cumprimentá-la com o aperto da prótese, ou estranham a demandante não ter a mão direita e hesitam em cumprimentá-la, o que, numa situação, ou noutra, lhe causa profundo incómodo, desgosto e amargura.
1.38. E toda a lide da casa, ou seja, aspirar, limpar o pó, cozinhar, fazer as camas, passar a ferro, dobrar a roupa, ou a tarefa mais simples desse dia-a-dia tornam-se numa montanha quase intransponível para a demandante C. G., tanto mais que é nessas pequenas tarefas da lide da casa que a demandante ganha cada vez mais consciência da sua dependência para o que quer que seja.
1.39. A demandante C. G. à data do acidente exercia funções de directora de uma agência de recursos humanos (X), com um rendimento mensal de 1.940,00 €, 14 vezes por ano, acrescido do subsídio mensal de alimentação de 143,00 €, 11 vezes por ano e do prémio anual de produtividade de 7.280,00 €.
1.40. A tudo isto, acrescia também, viatura de serviço, telemóvel e computador portátil, inteiramente a cargo da entidade patronal (doc. 14).
1.41. Competia-lhe, assim, no exercício das suas funções de directora apresentar aos seus clientes, a solicitação destes, uma “carteira” de trabalhadores, assim como recrutar pessoal, procurar novos clientes, com diversas reuniões semanais, onde tudo era apontado à mão, sendo a demandante dextra.
1.42. Internamente na empresa que dirigia, cabia-lhe também proceder à avaliação dos seus colaboradores, bem como fazer cobranças dos serviços prestados pela empresa e gestão dos equipamentos.
1.43. Assim, e em consequência do acidente (das lesões sofridas, dos tratamentos a que teve de se submeter e das sequelas de que ficou a padecer definitivamente) a demandante nunca mais trabalhou.
1.44. A demandante recebeu, a título de adiantamento da demandada, a quantia de 35.000,00 €, e da segurança social a quantia de €40.288,34.
1.45. Por outro lado, e para agravar ainda mais o estado de saúde da demandante C. G., sofreu em 5.7.2017 um AVC, qual lhe trouxe sequelas nomeadamente a nível cognitivo, com um discurso, por vezes, incompleto e incoerente e com lapsos de memória.
1.46. A prótese biónica que a demandante vai utilizando, é mais o tempo que a demandante está privada do seu uso para reparações e/ou manutenções, do que aquele que a utiliza.
1.47. Com efeito, essa prótese biónica (de substituição da mão direita) necessita de um período de adaptação, por “trabalhar” com impulsos nervosos, o que carece de treino específico em unidade especializada, ao que se deverá seguir uma utilização diária pela demandante para sedimentação desse treino.
1.48. Todavia, e considerando que a demandante utiliza a prótese no período de alguns meses e depois a mesma tem de ser enviada para Madrid ou para a Alemanha para revisões e/ou reparações, a demandante acaba por estar privada do seu uso durante 4 meses - ao qual é totalmente alheia -, ou seja, em 12 meses poucos são os que a demandante utiliza essa prótese, o que é manifestamente insuficiente para que se possa adaptar à sua utilização diária, tanto mais que apenas dispõe de uma prótese, passando, por isso, longos períodos sem qualquer prótese, a não ser a estética.
1.49. Cada prótese tem um custo unitário médio de €50.000,00, com duração não concretamente apurada, dispondo de um prazo de garantia de 3 anos ou de 5 anos, este último opcional (se for contratada essa extensão de garantia por mais 2 anos) para componentes mecânicos, acompanhamento e revisões incluídas no preço da prótese, estando sujeita a revisões anuais obrigatórias durante os 3 primeiros anos e incluídas no preço da prótese e as restantes opcionais, importando a manutenção de cada prótese em valor não concretamente apurado.
1.50. A demandante vai ter de utilizar cremes hidratantes, para toda a vida, para hidratar a zona amputada, nos quais terá de despender quantia não apurada.
1.51. A demandante, por força das graves sequelas de que ficou a padecer em consequência do acidente dos autos, ficou a necessitar do auxílio de uma terceira pessoa, o que deverá ocorrer à razão de 20 horas semanais, tanto mais que necessita desse auxílio de terceira pessoa quer para alguma da sua higiene pessoal, quer para a lide da casa (aspirar, limpar o pó, fazer as camas, confeccionar as refeições, passar a ferro, etc…), a quem paga a quantia mensal de 400,00 €, 12 vezes por ano.
1.52. Até agora foi a demandada quem suportou esses custos.
1.53. A autora necessita de se submeter a sessões de fisioterapia/terapia ocupacional, com periodicidade e valor por sessão não concretamente apurados, - seja no membro amputado, seja no contralateral -, assim como a uma consulta prévia de fisiatria, de valor não concretamente apurado.
1.54. A autora é acompanhada em consultas médicas na especialidade de Psiquiatria, com periodicidade e valor por consulta não concretamente apurados.
1.55. Por contrato de seguro titulado pela apólice nº ......90 a Ré assumiu a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ligeiro de passageiros AQ que no momento da colisão era conduzido pelo respetivo proprietário, C. E., único causador do acidente.

2. Factos não provados:
2.1. Entretanto foi descoberta patologia ao nível da coifa dos rotadores do ombro direito, que poderá requerer, no futuro, abordagem cirúrgica, tendo também as queixas contralaterais se tornado patentes, por uso excessivo daquele membro (doc.8).
2.2. A demandante necessita de ser submetida a mais uma intervenção cirúrgica – acromioplastia de Neer e sutura da coifa dos rotadores à direita, cirurgia que chegou a estar programada para Março de 2017 mas que a demandante por não estar física e mentalmente preparada para a mesma, acabou por não realizar.
2.3. A idade da A., o meio em que se insere e o actual estado do mercado de trabalho em que nem para as pessoas válidas existe emprego, não lhe permitem encontrar uma ocupação remunerada compatível com a capacidade restante.
2.4. A autora tem de se submeter mensalmente a 20 sessões de fisioterapia/terapia ocupacional.
2.5. As sessões de fisioterapia custam 130,00 e a consulta ronda 15,00 €.
2.6. Que, a autora gaste anualmente a quantia de € 150,00 com cremes hidratantes para hidratar a zona amputada.
2.7. Que, a autora seja acompanhada em consultas de Psicologia;
2.8. Que, a autora seja acompanhada uma vez por mês em consultas de Psiquiatria, no que gasta a quantia mensal de €90,00, 12 meses por ano.
2.9. E até na sua higiene pessoal a demandante tem dificuldade, pois, não sendo sequer habitual antes do acidente dos autos deslocar-se ao cabeleireiro, passou a ter de o fazer duas vezes por semana uma vez que não consegue lavar o cabelo em casa sem ajuda de terceiros;
3.0. E, por força das sequelas de que ficou a padecer definitivamente, a demandante passou a frequentar duas vezes por semana a cabeleireira, para lavar e secar o cabelo, o que não consegue fazer em sua casa, gastando, por mês, a quantia de 40,00 € (5,00 € x 8), 12 vezes por ano.
3.1. Que, até à data da propositura da presente ação, a autora já gastou a quantia de 2.000,00 € em cabeleireiro, para lavar e secar o cabelo.
3.2. Que cada prótese tem um custo unitário de €68.870,00, com uma duração média de 5 anos, coincidente com o período máximo de garantia, bem como que as manutenções/revisões entre os 1.º e 2.º anos e 3.º e 5.º anos tenham os seguintes custos: - entre o 1.º e 2.º anos: - sensor de pressão e recalibração dos motores e engrenagens, com um custo total de € 1.652,00; - entre o 3.º e 5.º anos: - troca do sistema de baterias, recalibração de motores e engrenagens e sensor de pressão, com um custo total de € 4.332,00.

2.3. Reapreciação do mérito da causa.
2.3.1. Pressupostos da responsabilidade extracontratual

Pretende a autora, com a presente ação, ser indemnizada por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em virtude de sofridos em virtude de acidente de viação, ocorrido a 27 de abril de 2014, na E.N. 202, ao Km 13,7, sito na freguesia ..., do concelho de Melgaço, em que intervieram os veículos ligeiros de passageiros com a matrícula VX, conduzido pelo seu proprietário, o autor M.A. e AQ, conduzido pelo proprietário C. E., a cujo condutor atribui a culpa exclusiva na produção do acidente, alegando ainda que o proprietário de tal veículo tinha transferido para a ré a responsabilidade civil por danos causados a terceiros, assim baseando o pedido formulado na responsabilidade civil extracontratual.
O princípio geral em matéria de responsabilidade por factos ilícitos encontra-se plasmado no referenciado artigo 483.º, n.º 1, do CC, norma que impõe a quem, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, a obrigação de indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
São, assim, vários os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos: o facto voluntário do agente, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Relativamente à ilicitude, enquanto requisito necessário para que o ato seja gerador de responsabilidade civil extracontratual, a mesma tanto pode consubstanciar a violação de direitos subjetivos - os quais podem ser absolutos (direitos de personalidade, direitos reais), mas também direitos familiares, de conteúdo patrimonial ou, mesmo, pessoal - como a de uma norma protetora de um interesse alheio.
Já a culpa pondera o lado subjetivo do comportamento do agente do facto, pressupondo um juízo de censura ou de reprovação da conduta, podendo surgir fundamentalmente na modalidade de mera culpa (culpa em sentido estrito ou negligência), nos casos em que o agente não previu o resultado ilícito ou, tendo-o previsto, confiou temerariamente na sua não ocorrência, ou de dolo, quando o agente, tendo previsto o resultado, o aceitou como possível, isto é, não deixou de atuar em razão dessa possibilidade (10).
Nos termos do artigo 487.º, n.º 2, do CC, a culpa é sempre apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada situação.
Por outro lado, resulta do disposto no artigo 487.º, n.º1, do CC a regra geral de que é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, na linha, aliás do preceituado no artigo 342.º do CC, sem prejuízo das presunções de culpa que a lei consagra.
Mas o facto ilícito culposo só implica responsabilidade civil caso ocorra um dano ou prejuízo a ressarcir, consubstanciado este de forma genérica como toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica (11).
Por último, além do facto e do dano, exige-se o nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que o facto constitua causa do dano, requisito que desempenha a dupla função de pressuposto da responsabilidade civil e de medida da obrigação de indemnizar (12).
O enquadramento antes traçado implica, no âmbito do caso em apreciação, que deva atender-se às concretas circunstâncias em que ocorreu o acidente por referência a um condutor normalmente diligente, certo como é que em matéria de responsabilidade civil emergente de acidente de viação as regras ou as cautelas que, nos termos da lei, disciplinam a circulação rodoviária, configuram deveres de diligência cuja violação pode servir de base à negligência (13).
Neste domínio, a violação de uma norma que regula a circulação rodoviária faz presumir, como é jurisprudência pacífica, negligência do infrator e consequentemente culpa na produção do acidente que venha a ocorrer em consequência dessa conduta desconforme com a lei (14).
E, tal como refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8-09-2011 (15), «Tem sido predominantemente entendido, na doutrina e na jurisprudência que a prova de inobservância de leis ou regulamentos faz presumir culpa na produção dos danos dela decorrentes, dispensando a correcta comprovação de falta de diligência.
Porque se trata de normas legais de protecção de perigo abstracto, a conduta infractora que as infringe, traduzindo a inexistência do necessário cuidado exterior, só não responsabilizará o agente se este demonstrar ter tido o necessário cuidado interior.
Assim, em matéria de responsabilidade civil resultante de acidente de viação existe uma presunção "iuris tantum", por negligência, contra o autor de uma contra-ordenação».
Do exposto resulta que a prova da inobservância de leis ou regulamentos faz presumir a culpa na produção do acidente e das suas consequências perante a chamada prova de primeira aparência, relacionada com princípios de experiência geral que a tornam muito verosímil, cabendo ao autor daquela inobservância o ónus da respetiva contraprova (16).
A decisão recorrida apreciou o pedido de indemnização formulado pela autora/recorrida nos presentes autos, tendo considerado preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar por parte da ré, tal como previstos no artigo 483.º, n.º 1, do CC.

No caso em apreciação, o Tribunal a quo analisou a matéria de facto que resultou provada, atinente à dinâmica do acidente, tendo entendido que houve um facto (colisão de veículos), uma conduta ilícita (porque violou direitos subjetivos absolutos da autora), danos (nomeadamente lesões), um nexo de causalidade adequada entre estes danos e aquela conduta, e o nexo de imputação daquele facto ao agente, a saber o condutor do veículo segurado na ré, concluindo pela obrigação de indemnizar a cargo da ré, em face do elenco dos factos provados.

2.3.2. Da obrigação de indemnizar

No âmbito deste recurso não vem questionada pela recorrente/ré a qualificação efetuada pelo Tribunal a quo relativamente aos pressupostos da obrigação de indemnizar a cargo da ré, nem os fundamentos de facto e de direito subjacentes a tal juízo.
Relativamente à pretensão indemnizatória formulada pela autora a título de compensação dos danos não patrimoniais, que alega ter sofrido em consequência do acidente em apreciação, verifica-se que a sentença recorrida entendeu ajustado fixar a indemnização pelos danos morais sofridos pela recorrida em € 100.000,00 tendo por base os factos apurados e fazendo à equidade, considerando as suas consequências e atendendo aos padrões jurisprudenciais relevantes.
Analisando o objeto da presente apelação, delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, observa-se que a recorrente não contesta os valores fixados pela decisão recorrida a título de indemnização por danos morais sofridos pela recorrida.
De resto, o valor de € 100.000,00 fixado na decisão recorrida a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos revela-se adequado ao quadro factual julgado provado, do qual resulta que a autora em nada contribuiu para a eclosão do acidente em causa nos presentes autos, e em conformidade com os critérios habitualmente adotados em casos análogos, tendo em conta as dores, angústias e tristezas sofridas.
Também a título de danos futuros previsíveis, na vertente patrimonial, a 1.ª instância entendeu que é de indemnizar a autora na quantia de € 115.145,10 devida pela apurada necessidade de contratar uma terceira pessoa que a auxilie nas atividades básicas do seu quotidiano, quer para alguma da sua higiene pessoal, quer para a lide da casa (aspirar, limpar o pó, fazer as camas, confecionar as refeições, passar a ferro, etc…), valor que não vem posto em causa no âmbito do presente recurso e deve ser mantido face aos critérios utilizados na sentença recorrida.

Deste modo, o objeto da presente apelação circunscreve-se, nesta sede, às seguintes questões:
i) Determinar o montante indemnizatório fixado a título de perdas salariais da autora, pretendendo a apelante a exclusão do valor considerado a título de prémio anual de produtividade (de € 7.280,00) que defende não dever ser considerado no cálculo da referida indemnização, por não assumir natureza retributiva; apreciação dos critérios de quantificação utilizados pelo Tribunal a quo; aferir se há lugar à dedução de eventuais compensações por via de adiantamentos feitos à autora por conta da indemnização final;
ii) Aferir dos pressupostos da indemnização por danos futuros no que concerne à aquisição de próteses, necessidade de manutenção/revisões das próteses, despesas com cremes hidratantes para a zona amputada, despesas com tratamentos de fisioterapia/terapia ocupacional, despesas com acompanhamento em Psicologia/Psiquiatria e despesas de cabeleireiro, tendo por base as alterações suscitadas no âmbito da impugnação da decisão relativa à matéria de facto; em qualquer caso, proceder à reapreciação dos critérios de quantificação de tais danos; saber se é de relegar a quantificação dos danos futuros para incidente de liquidação de sentença (o que a apelante expressamente defende relativamente aos danos futuros atinentes à necessidade de aquisição de próteses e às despesas com cremes hidratantes para a zona amputada);
iii) Quantificação da indemnização pelos danos futuros decorrentes do défice funcional permanente de que a autora alegadamente ficou a padecer em decorrência do acidente de viação em causa nos presentes autos; a partir de que momento se vencem os juros referentes aos danos resultantes do alegado défice funcional permanente da integridade físico-psíquica.
Tal como prevê o artigo 562.º do CC, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
Tratando-se de danos patrimoniais, a natureza material da lesão sofrida permite a efetiva indemnização do lesado mediante a remoção da alteração causada no respetivo património, sendo que a reconstituição natural (ou a indemnização específica) prevalece sobre o pagamento de uma quantia monetária a título de indemnização por equivalente. Assim, tal como prescreve o artigo 566.º, n.º 1, do CC, a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor. Nestes casos, prevê ainda o n.º 2 do citado artigo 566.º do CC: «Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos».
Por outro lado, prescreve o n.º 3 do artigo 566.º do CC: «Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados».
Ainda nos termos do disposto no artigo 564.º, n.º1, do CC, o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, prevendo o n.º 2 do citado preceito que na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.
Por último, o artigo 496.º, n.º 1, do CC dispõe que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
No que concerne ao valor peticionado pela autora a título de perdas salariais, computadas desde o dia do acidente, até fevereiro de 2019, o Tribunal a quo atendeu ao que consta da matéria de facto provada no sentido de que a autora sofreu um período de repercussão na atividade profissional temporária total de 900 dias (ponto 1.29 dos factos provados) e que as sequelas de que ficou a padecer - défice permanente da integridade físico-psíquica de 55 pontos - são compatíveis com o exercício da atividade habitual mas implicam esforços suplementares (cf. o ponto 1.24 dos factos provados). Mais ponderou que a autora, à data do acidente, exercia funções de diretora de uma agência de recursos humanos (X), com um rendimento mensal de €1.940,00 14 vezes por ano, acrescido do subsídio mensal de alimentação de 143,00 €, 11 vezes por ano, tendo considerado, ainda, o valor do prémio anual de produtividade de € 7.280,00 (cf. o ponto 1.39 dos factos provados).
Com base nestes factos, a 1.ª instância entendeu que a autora deixou de auferir, no aludido período de repercussão na atividade profissional temporária total, o montante médio de € 67.000,00 a título de vencimento; € 3.600, de subsídio de alimentação e € 14.560,00 de prémios de produtividade anuais, num total de € 85.160,00.
A este montante deduziu os montantes de € 35.000,00 e € 40.288,34 que considerou terem sido recebidos da ré e da segurança social, respetivamente, concluindo que a autora mantém ainda um prejuízo de perda de rendimentos no montante de € 9.871,66 valor que fixou a título de indemnização a pagar pela ré à autora a título de danos patrimoniais decorrentes de perdas salariais sofridas desde a data do acidente.
A recorrente não põe em causa a inclusão no cálculo da indemnização do valor do rendimento mensal auferido pela autora, correspondente a € 1.940,00 (conforme resulta agora definitivamente assente no ponto 1.39 dos factos provados), nem o montante auferido pela recorrida a título de subsídio de alimentação (de €143,00, auferido 11 vezes por ano). Insurge-se, porém, além do mais, contra os critérios de quantificação utilizados pelo Tribunal a quo na decisão recorrida. Segundo alega, se a autora sofreu um período de repercussão na atividade profissional temporária total de 900 dias, então o montante a atribuir à autora não é aquele que foi apresentado na sentença ora posta em crise, sustentando que o rendimento mensal de €1.940,00 deve ser multiplicado por 29 meses (que alega corresponder a 900 dias), o que perfaz a quantia de € 56.260,00 e não o montante parcelar de € 67.000,00 considerado pelo Tribunal a quo (a que acresce ainda o montante parcelar de €3.600,00 apurado a título de subsídio de alimentação que a autora deixou de auferir).
Por seu turno, a recorrida defende que os 900 dias de incapacidade total para o trabalho não correspondem a 29 meses sem trabalhar mas sim a 30 meses, para além de que ao valor em causa deverão acrescer os respetivos subsídios de férias e de natal, seja por inteiro, seja proporcionalmente aos meses que esteve sem trabalhar, o que corresponde à quantia de €66.768,29. A tal valor teria necessariamente de se acrescentar a quantia € 3.600,00 apurada a título de subsídios de alimentação (assim como dois prémios de produtividade, questão cuja apreciação será feita posteriormente).
Analisando mais de perto os critérios enunciados na sentença recorrida para calcular o montante parcelar de € 67.000,00 a título de rendimento mensal que a recorrida deixou de auferir durante o período de 900 dias em que sofreu repercussão temporária na atividade profissional total, conforme apurado em 1.29, observa-se que o Tribunal a quo fez, em nosso entender, uma correta ponderação da matéria de facto assente, não deixando de alicerçar o entendimento sufragado nos critérios legais aplicáveis.
Assim, ao período de 900 dias correspondem rigorosamente 29.569 meses.
Por outro lado, decorre da matéria de facto assente que a autora/recorrida, à data do acidente, auferia um rendimento mensal de 1.940,00 €, 14 vezes por ano (ponto 1.39 da matéria de facto provada), o que significa que nas contas a efetuar devem também ser considerados os montantes correspondentes aos subsídios de férias e de natal, seja por inteiro, seja proporcionalmente aos meses que a recorrida esteve sem trabalhar, o que, tudo somado, corresponde efetivamente ao montante parcelar de € 67.000,00 calculado pelo Tribunal a quo a título de vencimento que a recorrida deixou de auferir no período em causa.
A este valor há que somar o montante de € 3.600,00 de subsídio de alimentação, o que corresponde ao total de €70.600,00 e não ao valor indicado pela apelante.
Como se viu, a sentença recorrida atendeu ainda ao prémio anual de produtividade de €7.280,00 atribuído à autora, em acréscimo ao rendimento mensal e ao subsídio de alimentação, para efeitos de cálculo de indemnização pelas perdas salariais decorrentes do acidente durante o período de 900 dias em que a autora sofreu repercussão temporária na atividade profissional total.
Sustenta, porém, a apelante que o prémio anual de produtividade não pode ser considerado no cálculo da referida indemnização pois a respetiva atribuição estava dependente da avaliação da produtividade, e do desempenho profissional da autora, num ciclo temporal anual, não assumindo natureza retributiva, podendo ou não ser atribuído consoante as circunstâncias de cada caso concreto. Defende que tais prémios constituem um incentivo para o trabalhador, não sendo prestações atribuídas com regularidade ou periodicidade, derivando antes, em cada caso concreto, de certo comportamento laboral do trabalhador e, por isso, não passam de prestações pontuais, esporádicas e imprevisíveis, não podendo reconduzir-se ao conceito de retribuição, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 258.º do Código do Trabalho.
Já a recorrida defende que aquele prémio anual de produtividade não tinha caráter aleatório e unilateral por parte da entidade empregadora da recorrida, devendo ser tido em conta no cálculo dos lucros cessantes. Sustenta que tal prémio tinha natureza fixa, ainda que com variáveis em função de determinados parâmetros acordados entre as partes, sendo sempre devido como contrapartida da prestação laboral da autora, não estando a sua atribuição dependente da vontade unilateral da entidade patronal.
Nos termos que decorrem do artigo 258.º, n.º 1, do Código do Trabalho (CT) (17), considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.
Neste domínio, o citado preceito enuncia ainda no seu n.º 2 que a retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie.

Com relevo para a questão em apreciação, importa ainda atentar no disposto no artigo 260.º, do CT, com a epígrafe «prestações incluídas ou excluídas da retribuição», que prevê, no seu n.º1, al. c), o seguinte:
«Não se consideram retribuição:
(…)
c) As prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos períodos de referência respectivos, não esteja antecipadamente garantido».

Por outro lado, no n.º 3, do citado artigo 260.º do CT, ressalva-se que:
«O disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 não se aplica:
a) Às gratificações que sejam devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua atribuição esteja condicionada aos bons serviços do trabalhador, nem àquelas que, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da retribuição daquele;
b) Às prestações relacionadas com os resultados obtidos pela empresa quando, quer no respectivo título atributivo quer pela sua atribuição regular e permanente, revistam carácter estável, independentemente da variabilidade do seu montante».
Resta considerar que a retribuição pode ser certa, variável ou mista, sendo esta constituída por uma parte certa e outra variável (artigo 261.º, n.º 1, do CT), e a certa aquela que é calculada em função de tempo de trabalho (artigo 261.º, n.º 2, do CT).
Como tem sido entendido na jurisprudência e doutrina, da noção legal de retribuição retira-se que a mesma compreende tudo aquilo a que o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho, de forma regular e periódica, não prescindindo da necessária correspectividade entre a prestação do empregador e a atividade do trabalhador, abrangendo não só a retribuição base (salário propriamente dito), mas todas as demais prestações pecuniárias ou não, satisfeitas com carácter de regularidade e de continuidade (18), ou seja, corresponde ao conjunto de valores que a entidade empregadora está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em contrapartida da atividade por ele desempenhada, presumindo-se, até prova em contrário, constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador (19).
Deste modo, «[a] retribuição é constituída pelo conjunto de valores (pecuniários ou em espécie) que a entidade empregadora está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desenvolvida, nela avultando o elemento da contrapartida, elemento esse de grande relevo na medida em que evidencia o caráter sinalagmático do contrato de trabalho, permitindo, assim, excluir do âmbito do conceito de retribuição as prestações patrimoniais do empregador que não decorram do trabalho prestado, mas que, ao invés, prossigam objetivos com justificação distinta» (20).
A propósito das características da periodicidade e da regularidade que enformam o conceito de retribuição, esclarece o acórdão do STJ de 23-06-2010 (21): «[a] regularidade da retribuição está associada à sua constância; a periodicidade significa que a retribuição é satisfeita em períodos certos ou aproximadamente certos no tempo. A regularidade e periodicidade do pagamento, podendo, em certos casos, não significar que as prestações hajam de ser pagas mensalmente ou com ritmo temporal certo, são, em regra, aferidas por essas características, que constituem, por contraposição à ocasionalidade, elementos importantes para atribuir à prestação natureza retributiva.
(…)
Deste modo, pode dizer-se que a retribuição, constituída por um conjunto de valores, é, num primeiro momento, determinada pelo clausulado do contrato, por critérios normativos (como sejam o salário mínimo e o princípio da igualdade salarial) e pelos usos da profissão e da empresa; num segundo momento, a retribuição global – no sentido de que exprime o padrão ou módulo do esquema remuneratório do trabalhador, homogeneizando e sintetizando em relação à unidade de tempo, a diversidade de atribuições patrimoniais realizadas ou devidas – engloba não só a remuneração de base, como também prestações acessórias, que preencham os enunciados requisitos da regularidade e da periodicidade.
Assim, constituindo critério legal da determinação da retribuição a obrigatoriedade do pagamento da prestação pelo empregador, dela se excluem as meras liberalidades que não correspondem a um dever do empregador imposto por lei, instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, contrato individual de trabalho, ou pelos usos da profissão e da empresa, e aquelas prestações cuja causa determinante não seja a prestação da actividade pelo trabalhador – nela se compreendendo a disponibilidade inerente à obrigação assumida de, num quadro temporal e logístico determinado no contrato, prestar o trabalho -, mas sim causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho».
Revertendo ao caso dos autos, verificamos que da matéria de facto apurada resulta que a prestação relativa ao prémio de produtividade é paga à autora com periodicidade anual (1.39 dos factos provados), o que permite consubstanciar um efetivo caráter de regularidade ou continuidade. Acresce que tal prestação está quantificada com base em valores pré definidos, no caso, em €7.280,00.
Por outro lado, quanto a esta atribuição patrimonial, resulta ainda do ponto 1.39 da matéria de facto provada que a mesma acresce ao salário propriamente dito, tal como sucede com o subsídio mensal de alimentação, do que decorre que se trata de uma prestação regular e periódica (e não esporádica) que a entidade patronal estava obrigada a pagar à sua funcionária, conferindo a esta a justa expectativa do seu recebimento no período de tempo previamente determinado para o efeito (anualmente), independentemente dos montantes concretos a auferir.
Assim, o facto de tal atribuição poder eventualmente depender do cumprimento de determinados objetivos, também individuais e pré-determinados pela entidade patronal, não impede que a mesma integre a retribuição devida ao trabalhador, na medida em que o caráter regular e periódico do seu pagamento é, por si só, apto a conferir-lhe natureza retributiva (22). Efetivamente, o carácter regular deve aferir-se pela periodicidade das prestações que constituam prémios de produtividade, e não pelos montantes concretos de tais prestações.
Desta forma, tendo o Tribunal a quo dado como assente que a autora/recorrida, à data do acidente, exercia funções de diretora de uma agência de recursos humanos (X), com um rendimento mensal de € 1.940,00, 14 vezes por ano, acrescido do subsídio mensal de alimentação de € 143,00, 11 vezes por ano e do prémio anual de produtividade de € 7.280,00, matéria de facto que não mereceu impugnação em sede de apelação, importa concluir que também o prémio de produtividade integrava a retribuição da autora, por se tratar de um acréscimo patrimonial regular e periódico.
Ademais, cumpre salientar que o artigo 258.º, n.º 3, do CT, estabelece uma presunção legal, segundo a qual «[p]resume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador».
Entende-se, assim, que o prémio anual de produtividade de € 7.280,00 cujo pagamento regular e periódico, face à matéria de facto assente, não pode suscitar dúvidas, integra a retribuição da autora, devendo ser imputado no apuramento da retribuição do sinistrado/autor para efeitos de perdas salariais no período em referência.
Deste modo, improcede a alegação da recorrente no sentido de se considerar o prémio de assiduidade como não fazendo parte da retribuição da autora.
E assumindo tal prestação natureza retributiva resta concluir que tal valor deve ser considerado para o cálculo da indemnização devida a título de perdas salariais.
Sendo assim, deve atender-se ao valor de indemnização fixado na sentença recorrida, do que decorre que a autora/recorrida tem direito, a este título, à quantia de €85.160,00, conforme se decidiu naquela decisão.
A este montante há que deduzir os montantes que a autora recebeu da ré a título de adiantamento, e da segurança social, os quais, conforme resulta expressamente do facto vertido em 1.44 da matéria provada, ascendem ao total de 75.288,34 (€35.000,00 + € 40.288,34), pelo que autora/recorrida mantém ainda um prejuízo no montante de €9.871,66 conforme se decidiu na decisão recorrida.
Em sede de alegações vem ainda a apelante sustentar que liquidou à recorrida não só a quantia de € 35.000,00, como ainda adiantou por conta da indemnização final a quantia de €15.000,00, tudo no total de € 50.000,00.
Porém, o valor adicional de €15.000,00 que a recorrente veio entretanto alegar, em sede de apelação, ter adiantado por conta da indemnização final, não consta do elenco dos factos provados (ou não provados) que constam da sentença recorrida.
Assim, conforme resulta definitivamente assente nos autos, a demandante recebeu, a título de adiantamento da demandada, a quantia de € 35.000,00, e da segurança social a quantia de €40.288,34 (cf. o ponto 1.44 dos “Factos provados”).
Mais se verifica que a ora apelante não impugnou a decisão da matéria de facto proferida sobre o concreto ponto em referência.
Ora, a falta de impugnação do aludido ponto da matéria de facto pela ora recorrente/ré delimita necessariamente o poder de cognição do Tribunal ad quem, tal como decorre do disposto no artigo 640.º, n.º 1, al. a), do CPC.
Sendo assim, deve atender-se ao valor de indemnização fixado na sentença recorrida, do que decorre que a autora/recorrida tem direito a receber da recorrente/ré, a este título, à quantia de € 9.871,66 conforme decidiu a sentença recorrida.
Improcedem, assim, nesta parte, as conclusões da apelação.
No âmbito dos pedidos enunciados em ii) supra, veio a autora reclamar o ressarcimento das despesas previsíveis a realizar com aquisição de próteses, necessidade de manutenção/revisões das próteses, despesas com cremes hidratantes para a zona amputada, despesas com tratamentos de fisioterapia/terapia ocupacional despesas com acompanhamento em Psicologia/Psiquiatria e despesas de cabeleireiro (estas englobando também o valor já alegadamente gasto até à data da propositura da presente ação), tendo por base as sequelas resultantes para a autora do acidente em causa nos presentes autos.
Como se viu, o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (artigo 564.º, n.º 1, do CC), prevendo o n.º 2 do citado artigo 564.º do CC que na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.
Como resulta do citado normativo, a lei prevê a indemnização dos danos futuros, exigindo, porém, a sua previsibilidade.
Com efeito, determinável ou indeterminável, apenas o dano futuro previsível é indemnizável.
Assim, não se pode relegar a demonstração do dano futuro meramente hipotético para liquidação em execução de sentença (23).
«O dano é futuro e previsível quando se pode prognosticar, conjecturar com antecipação ao tempo em que acontecerá, a sua ocorrência.
No caso contrário, isto é, quando o homem medianamente prudente e avisado o não prognostica, o dano é imprevisível.
De harmonia com o disposto no normativo citado, o dano imprevisível não é indemnizável antecipadamente - o sujeito do direito ofendido só poderá pedir a correspondente indemnização depois de o dano acontecer, depois de lesado» (24).
No que concerne aos danos futuros patrimoniais previsíveis, decorrentes da necessidade, alegada pela autora, de passar a lavar e secar o cabelo fora de casa, por não o conseguir fazer em casa devido às sequelas de que ficou a padecer por força do sinistro em apreciação, a 1.ª instância, tendo considerado provados, entre outros, os factos agora excluídos da factualidade assente (agora enunciados sob os pontos 2.9, 3.0 e 3.1 da matéria não provada) entendeu que é de indemnizar a autora, para futuro, na quantia de € 11.514,51.
Para o efeito, o Tribunal a quo considerou demonstrado que a autora tinha necessidade de frequentar duas vezes por semana a cabeleireira, para lavar e secar o cabelo, o que não consegue fazer em sua casa, gastando, por mês, a quantia de 40,00, 12 vezes por ano, valor que multiplicou pelo número de anos previsíveis de vida da autora, tendo por base a esperança média de vida de 82 anos para as mulheres.
Mais atendeu ao valor de € 2.000,00 a título de despesas de cabeleireiro já efetuadas pela autora até data da propositura da presente ação (danos emergentes), o que tudo perfaz €13.514,51.
Insurge-se a recorrente contra a decisão recorrida na parte em que apreciou e decidiu este segmento do pedido, pugnando pela respetiva absolvição do pedido nessa parte tendo por base as alterações que suscitou no âmbito da impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
Decorre do antes enunciado que a decisão recorrida se baseou fundamentalmente em matéria de facto entretanto excluída da factualidade provada e declarada não provada.
Assim, não se comprovaram os factos alegados pela autora na petição inicial, quanto à necessidade de frequentar duas vezes por semana a cabeleireira, para lavar e secar o cabelo, o que não consegue fazer em sua casa, gastando, por mês, a quantia de 40,00, 12 vezes por ano.
Em consequência, por falta de prova de qualquer dano emergente, ou futuro que se apresente como previsível nesta sede, não se justifica a condenação da apelante/ré no valor de €13.514,51 peticionado pela autora/recorrida e fixado na decisão recorrida, a título de despesas de cabeleireiro já efetuadas e a efetuar, o que implica a absolvição da ré/recorrente, nesta parte.
Procedem, assim, nesta parte, as conclusões da apelação.
Passemos agora à análise do dano inerente ao custo com cremes hidratantes, para hidratar a zona amputada.
Neste particular, a sentença recorrida atribuiu à autora uma indemnização de € 4.950,00.
Para o efeito, o Tribunal a quo considerou demonstrado que a autora vai ter de utilizar cremes hidratantes, para toda a vida, para hidratar a zona amputada, no que gasta, por ano, a quantia de € 150,00, motivo por que, para a indemnizar deste prejuízo para futuro, entendeu adequada a quantia de € 4.950,00 € (150,00 € x 33 anos).
A recorrente/ré considera que a mera alegação feita pela autora de que vai ter de utilizar cremes hidratantes, não é suficiente para afirmar de modo inequívoco a existência de danos futuros, sustentando, ainda, que não resultou provado nos autos a quantidade de cremes que a autora/recorrida usa diariamente, ou consome mensal ou anualmente, nem o custo unitário dos aludidos cremes, por forma a apurar-se o valor da despesa alegada e justeza da mesma, pretendendo a respetiva absolvição do pedido nessa parte, tendo por base as alterações que suscitou no âmbito da impugnação da decisão relativa à matéria de facto ou, se assim não se entender, deverá a fixação da indemnização correspondente ser remetida para decisão ulterior, em incidente de liquidação.
Sobre esta matéria, provou-se unicamente que a autora vai ter de utilizar cremes hidratantes, para toda a vida, para hidratar a zona amputada, nos quais terá de despender quantia não apurada (ponto 1.50 da matéria de facto provada).
Assim sendo, provou-se efetivamente que a autora necessitará de utilizar cremes hidratantes, para toda a vida, para hidratar a zona amputada, ainda que não se tenha provado a restante matéria de facto em que o Tribunal a quo se baseou para determinar o valor concreto dos danos, ou seja, que a autora gaste anualmente a quantia de € 150,00 com cremes hidratantes para hidratar a zona amputada (cf. o ponto 2.6 da matéria de facto entretanto excluída da factualidade provada e declarada não provada).
Neste caso, estamos indiscutivelmente perante danos que se sabe, desde já, que existirão (face à matéria definitivamente vertida no ponto 1.50 dos factos provados), sendo previsível a necessidade permanente de recurso a tais produtos ao longo da vida da autora, mas que se desconhece a sua extensão e quantificação, porquanto, não só desconhecemos a quantidade e a qualidade dos cremes que a autora/recorrida usa diariamente, ou gasta mensal ou anualmente, como também nada sabemos relativamente ao respetivo custo unitário.
Como se viu, o artigo 564.º, n.º 2, do CC prevê expressamente que, na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis, dispondo o mesmo preceito que, se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.
Por outro lado, a necessidade de recurso aos critérios da equidade, nos termos do n.º 3 do artigo 566.º do CC (25), surge quando se encontre esgotada a possibilidade de recurso aos elementos com base nos quais se determinaria com precisão o montante dos danos (26).
Mas, mesmo nas situações em que não seja possível determinar o montante exato dos prejuízos, o recurso à equidade pressupõe que “o «núcleo essencial» do dano está suficientemente concretizado e processualmente demonstrado e quantificado, não devendo o juízo equitativo representar um verdadeiro e arbitrário «salto no desconhecido», dado perante matéria factual de contornos manifestamente insuficientes e indeterminados” (27), devendo, então, proferir-se condenação genérica, por não haver elementos factuais suficientemente consistentes para quantificar a indemnização devida (28).
Ora, no segmento em apreciação estamos perante danos futuros suscetíveis de configurar danos emergentes (29), sendo ainda possível tentar a quantificação de tais danos com maior precisão em incidente de liquidação, e não apenas com recurso à equidade (artigo 566.º, n.º 3, do CC (30)).
Importa ainda ponderar que - conforme esclarecem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa (31) -, «[m]esmo em casos em que o autor tenha quantificado a sua pretensão, a ação pode culminar com uma sentença de teor genérico ou ilíquido desde que, sendo apurada a existência do direito e da correspondente obrigação, os elementos de facto se revelem insuficientes para a quantificação, mesmo com recurso à equidade.
(…) Esta é, aliás, uma posição que encontra na jurisprudência um larguíssimo consenso (…)».
Assim, tal como salienta o Ac. do STJ de 19-05-2009 (32), «[s]empre que o tribunal verificar o dano, mas não tiver elementos para fixar o seu valor, quer se tenha pedido um montante determinado ou formulado um pedido genérico, cumpre-lhe relegar a fixação do montante indemnizatório para liquidação em execução de sentença».
Deste modo, deve a fixação da correspondente indemnização ser relegada para incidente de liquidação, por não dispormos de elementos para fixar o objeto ou a quantidade, nos termos previstos no artigo 609.º, n.º 3, do CPC, visto que está demonstrada a previsibilidade de tais danos futuros.
Consequentemente, na parcial procedência da apelação nesta parte, deve o valor de € 4.950,00 que foi fixado na sentença recorrida para indemnizar a autora pelos danos decorrentes da necessidade permanente de recurso a cremes hidratantes para hidratar a zona amputada, ao longo da sua vida, ser excluído do valor total atribuído naquela decisão a título de danos patrimoniais, relegando-se a quantificação de tais danos para liquidação posterior, ao abrigo do disposto nos artigos 564.º, n.º 2, do CC e 609.º, n.º 2, do CPC.
A sentença recorrida condenou a recorrente no pagamento da quantia de € 25.905,48 a título de indemnização por danos futuros derivados da necessidade do recurso a consultas/acompanhamento em Psicologia/Psiquiatria, mais atribuindo à autora/recorrida a quantia de € 41.736,62 para ressarcimento dos custos com sessões de fisioterapia/terapia ocupacional - seja no membro amputado, seja no contralateral, assim como a uma consulta prévia de fisiatria.

Para o efeito, o Tribunal a quo considerou demonstrado que:
- a autora tem de se submeter mensalmente a 20 sessões de fisioterapia/terapia ocupacional - seja no membro amputado, seja no contralateral, assim como a uma consulta prévia de fisiatria - e que as 20 sessões de fisioterapia custam € 130,00 e a consulta ronda € 15,00, o que dá uma despesa mensal de 145,00€, ou anual de € 1.740,00 motivo pelo qual, para a indemnizar deste prejuízo para futuro, entendeu adequada a quantia de € 41.736,62 (145,00 x 12 x 23,986564);
- a autora é acompanhada em consulta de Psicologia e Psiquiatria uma vez por mês, no que gasta a quantia mensal de €90,00, 12 meses por ano, concluindo que para a indemnizar deste prejuízo para futuro é adequada a quantia de € 25.905,48 (90€ x12 x 23,986564).
Ainda que reconheça a referência feita no relatório pericial, no sentido que é de admitir tratamentos de MFR, defende a recorrente que, procedendo a impugnação da matéria de facto, deverá ser absolvida do pedido atinente ao ressarcimento das despesas com sessões de fisioterapia/terapia ocupacional.
Quanto a este ponto, decorre das correspondentes alegações da apelação que a solução que a apelante defende para o litígio assenta exclusivamente no peticionado aditamento à matéria de facto não provada da matéria inicialmente vertida no ponto 1.27 dos factos provados, o que não sucedeu, improcedendo, como tal, a sustentada absolvição da ré do pedido atinente ao ressarcimento das despesas com sessões de fisioterapia/terapia ocupacional.
Defende, porém, a recorrente que o relatório pericial não se pronunciou quanto à frequência e duração de tais sessões, pelo que considera justo e adequado que a autora/recorrida realize 30 a 40 sessões de fisioterapia por ano (o que à razão de € 130 por cada vinte sessões, estaríamos perante o valor de €260,00 ano). Conclui que, face ao período normal de 33 anos de vida da autora, será adequado fixar um valor de €8.580,00 ao qual sustenta dever ser reduzido em cerca de 30%, pelo facto de tal valor ser recebido por inteiro, de uma só vez e antecipadamente.
Ora, também aqui estamos indiscutivelmente perante despesas previsíveis, como tal, em face de danos que se sabe, desde já, que existirão (face à matéria definitivamente vertida nos pontos 1.14, 1.22, 1.23, 1.24, 1.26, 1.27, 1.33, 1.34, 1.53, dos factos provados), sendo previsível a necessidade permanente de se submeter a sessões de fisioterapia/terapia ocupacional - seja no membro amputado, seja no contralateral -, assim como a uma consulta prévia de fisiatria.
Desconhecemos, porém, qual a periodicidade de tais sessões como também os custos das mesmas, bem como da consulta prévia de fisiatria (cf. o ponto 1.53 da matéria de facto provada).
Como tal, deve a fixação da correspondente indemnização ser relegada para incidente de liquidação, por não dispormos de elementos para fixar o objeto ou a quantidade, nos termos previstos no artigo 609.º, n.º 3, do CPC, visto que está demonstrada a previsibilidade de tais danos futuros.
De forma idêntica, sustenta a recorrente que a procedência da impugnação da matéria de facto determinará a respetiva absolvição do pedido referente ao ressarcimento das despesas com consultas de Psicologia e Psiquiatria, porquanto, segundo alega, do relatório pericial apenas resultou a necessidade de medicação psiquiátrica, nada tendo sido referido quanto a um acompanhamento médico nesta especialidade por um lado e a periodicidade por outro.
Ora, conforme resulta das correspondentes alegações de recurso, a absolvição reclamada pela apelante quanto ao correspondente segmento do pedido assenta exclusivamente no peticionado aditamento à matéria de facto não provada da matéria inicialmente vertida no ponto 1.60 dos factos provados, o que apenas sucedeu relativamente ao acompanhamento em consulta de Psicologia, improcedendo assim a pretendida absolvição da ré do pedido atinente ao ressarcimento das despesas com acompanhamento em consultas de Psiquiatria.
Efetivamente, as despesas com consultas de Psiquiatria configuram despesas que sabemos desde já que existirão (face à matéria definitivamente vertida nos pontos 1.20, 1.22, 1.24, 1.27, 1.33, 1.34, 1.36, 1.37, 1.54, dos factos provados), sendo previsível a necessidade permanente de se submeter a acompanhamento médico nessa especialidade.
Sustenta, todavia, a recorrente que para evitar eventual enriquecimento injusto da autora à custa da recorrente, há que reduzir ao montante das despesas com acompanhamento médico nesta especialidade em cerca de 30% atento o facto de a autora receber por inteiro, de uma só vez e antecipadamente o valor que eventualmente irá gastar de forma parcelar ao longo dos anos.
Porém, tal como resulta da matéria vertida em 1.54 dos factos provados, desconhecemos qual a periodicidade de tais sessões como também o custos das mesmas.
Nestes termos, a correspondente indemnização será relegada para incidente de liquidação, por não dispormos de elementos para fixar o objeto ou a quantidade, nos termos previstos no artigo 609.º, n.º 3, do CPC, visto que está demonstrada a previsibilidade de tais danos futuros.
Consequentemente, na parcial procedência da apelação nesta parte, deve alterar-se a parte dispositiva da sentença por forma a excluir a quantia de € 67.642,10 (€ 25.905,48 + € 41.736,62) (33) do valor total em que a ré foi condenada a título de danos patrimoniais, relegando-se a quantificação de tais danos para liquidação posterior, ao abrigo do disposto nos artigos 564.º, n.º 2, do CC e 609.º, n.º 2, do CPC.
A decisão recorrida condenou a ré/recorrente no pagamento da quantia de € 482.090,00 a título de indemnização por danos futuros derivados da necessidade de aquisição de próteses biónicas (de substituição da mão direita).
Para o efeito, o Tribunal a quo considerou que cada prótese tem um custo unitário de € 68.870,00 (doc. 15), com uma duração média de 5 anos, coincidente com o período máximo de garantia assegurado pela marca (Otto Bock), pelo que, atendendo à idade da autora, para a indemnizar para futuro no que concerne à aquisição de próteses, entendeu adequada a quantia de € 482.090,00 (68.870,00 € x 7 próteses).
Mais atribuiu à autora/recorrida a quantia de € 44.401,28 para ressarcimento dos custos com revisões e/ou reparações de tais próteses.
Para o efeito considerou que cada prótese necessitava, entre os 1º e 2º anos e 3º e 5 anos de manutenções/revisões, com os seguintes custos: a) – entre o 1º e 2º anos: - sensor de pressão e recalibração dos motores e engrenagens, com um custo total de € 1.652,00; b) - entre o 3º e 5º anos: - troca do sistema de baterias, recalibração de motores e engrenagens e sensor de pressão, com um custo total de € 4.332,00, ou seja, a manutenção de cada prótese tem um custo total de € 6.343,04, pelo que, atendendo ao número de próteses que considerou necessárias ao longo da vida da autora, julgou adequada a indemnização de € 44.401,28 (€ 6.343,04 x 7).
Tendo em conta a situação clínica atual da autora, defende a recorrente que a indemnização arbitrada a título de dano futuro no que concerne à aquisição de próteses deveria ter ficado relegada para incidente de liquidação, sustentando não ter ficado devidamente demonstrado o custo de cada prótese nem a durabilidade da mesma - 5 anos - nem a periodicidade de revisão da mesma, o custo dessa revisão, nem ainda o período de tempo em que perdurariam aquelas despesas com a prótese.
Com relevo para a questão em apreciação provou-se que a autora necessita do uso permanente de prótese mioeléctrica (cf. o ponto 1.31 dos factos provados), apurando-se, ainda, que cada prótese tem um custo unitário médio de €50.000,00, com duração não concretamente apurada, dispondo de um prazo de garantia de 3 anos ou de 5 anos, este último opcional (se for contratada essa extensão de garantia por mais 2 anos) para componentes mecânicos, acompanhamento e revisões incluídas no preço da prótese, estando sujeita a revisões anuais obrigatórias durante os 3 primeiros anos e incluídas no preço da prótese e as restantes opcionais, importando a manutenção de cada prótese em valor não concretamente apurado (ponto 1.49 dos factos provados).
Também neste caso estamos perante danos que se sabe que existirão, mas que se desconhece qual a respetiva extensão e quantificação, porquanto, não só desconhecemos qual a duração concreta de cada prótese como também nada se sabe relativamente ao valor necessário para a respetiva manutenção, sendo que apenas as revisões anuais obrigatórias durante os 3 primeiros anos estão incluídas no preço da prótese.
Por conseguinte, deve a fixação da correspondente indemnização ser relegada para incidente de liquidação, por não dispormos de elementos para fixar o objeto ou a quantidade, nos termos previstos no artigo 609.º, n.º 3, do CPC, visto que está demonstrada a previsibilidade de tais danos futuros.
Em consequência, na parcial procedência da apelação nesta parte, decide-se alterar a parte dispositiva da sentença por forma a excluir a quantia de €526.491,28 482.090,00 + € 44.401,28) (34) do valor total em que a ré foi condenada a título de danos patrimoniais, relegando-se a quantificação de tais danos para liquidação posterior, ao abrigo do disposto nos artigos 564.º, n.º 2, do CC e 609.º, n.º 2, do CPC.
Tal como resulta das conclusões 116 a 159 das alegações de recurso, vem a recorrente pôr em causa o montante indemnizatório que foi arbitrado em 1.ª instância a título de indemnização por danos patrimoniais futuros, decorrente do défice funcional permanente de que ficou a padecer em decorrência do acidente de viação em causa nos presentes autos.
Tal compensação foi fixada pelo Tribunal a quo na quantia global de €500.000,00. A decisão recorrida considerou que, à data do acidente, a autora tinha 44 anos de idade e exercia funções de diretora de uma agência de recursos humanos (X), com um rendimento mensal de € 1.940,00, 14 vezes por ano, acrescido do subsídio mensal de alimentação de € 143,00, 11 vezes por ano e do prémio anual de produtividade de € 7.280,00 bem como à esperança média de vida, entre os 80-82 anos, e ao défice permanente funcional da integridade físico-psíquica de que ficou portador, que não sendo impeditivo do exercício da atividade profissional lhe acarreta esforços suplementares.
Já a recorrente/ré defende que tal segmento da sentença recorrida deve ser revogado e substituído por decisão que quantifique a compensação pelo défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de que a autora ficou a padecer em montante não superior a € 100.000,00. Sustenta, no essencial, que tal défice não tem repercussão na esfera patrimonial do lesado e, nessa medida, deverá ser indemnizável enquanto dano não patrimonial, sendo que os correspondentes juros são devidos apenas a partir da sentença e não da data da citação, por se tratar de valor fixado através da equidade a atualizado à data da decisão. Alega que, não havendo perda de capacidade de ganho imediata, o dano de acréscimo de esforço, que serve de fundamento e limite ao montante a atribuir como compensação nunca poderá ser valorado de forma equivalente a uma hipotética perda de rendimento, devendo ainda ponderar-se facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, sendo que a equidade desempenha um papel corretor e de adequação do montante indemnizatório às circunstâncias específicas e à justiça do caso concreto, permitindo ainda a ponderação de variantes dinâmicas, concluindo que a sentença recorrida não recorreu ao método comparativo com outras decisões semelhantes de tribunais superiores para a fixação do valor da indemnização com recurso à equidade.

A autora/apelada, nas contra-alegações apresentadas, defende que tal dano configura um dano patrimonial, tal como entendeu a decisão recorrida. Sustenta que o valor de €500.000,00 fixado na decisão recorrida só poderia pecar por defeito e nunca por excesso, ponderando, para o efeito, os seguintes critérios:

«Usando esta ponderação, temos que a esperança média de vida da recorrida é, no mínimo, de 82 anos, tendo o sinistro ocorrido quando a mesma tinha 44 anos mas sendo a alta médica de 13 de Outubro de 2016, altura em que mesma tinha já 46 anos (até lá, a incapacidade foi total, pelo que entra noutras contas), tendo em conta o seu rendimento anual de 36.013,00€, o cálculo de base poder-se-ia configurar-se das seguinte formas: - 36.013,00€ de rendimento anual x 36 x 55% = 713.057,40€ ou - 36.013,00€ x 55% x 25,488842 = 504.861,30€, obtendo-se sempre um valor superior ao fixado pela Meritíssima Juiz a quo, motivo por que o valor de 500.000,00€ por si achado a pecar, só poderia ser por defeito e nunca por excesso». Conclui que não deve ser descontada qualquer percentagem na quantia arbitrada, porquanto recorrida, ao contrário de quem tem uma vida laboral ativa e que vai auferindo um rendimento mensal que vai evoluindo e progredindo na carreira e acompanhando a evolução dos preços e do custo de vida, não só viu o seu contrato de trabalho cessar por impossibilidade superveniente absoluta e definitiva já depois da realização da audiência de discussão e julgamento, como viu estagnada a possibilidade de progredir na sua carreira e dificilmente poderá, com a incapacidade e com as sequelas físicas e psíquicas de que ficou a padecer para toda a vida, arranjar uma ocupação remunerada, num mercado de trabalho em que escasseia o trabalho, ainda que para os totalmente capazes, sendo certo que se provou que a recorrente nunca mais trabalhou, mesmo antes de ter sido vítima, em junho de 2017, de um AVC.
Apreciando, cumpre desde adiantar que a qualificação, enquanto dano patrimonial futuro, da afetação da integridade física e/ou psíquica com repercussão nas atividades correntes da vida diária - ainda que compatível com o exercício da atividade profissional, mas implicando esforços suplementares na realização da mesma -, não merece qualquer reparo ou censura.
Assim, independentemente de tal défice funcional permanente da integridade físico-psíquica não se repercutir imediatamente na capacidade de ganho do lesado, o mesmo tem relevância patrimonial, dado constituir uma lesão que importa perda da capacidade funcional.
Esta diminuição da aptidão física afetará, necessariamente, a capacidade laboral da autora e a capacidade de ganho, traduzindo-se, como tal, numa fonte de danos patrimoniais futuros, indemnizáveis nos termos do artigo 564.º, n.º 2, do CC, tal como tem vindo a ser amplamente reconhecido pela jurisprudência (35). Com efeito, tal como se refere no Ac. do STJ de 19-11-2009 (36), em moldes que julgamos de sufragar inteiramente, «este acréscimo significativo de esforço, esta maior penosidade na execução das tarefas profissionais que o esperam, não será compensado com qualquer acréscimo suplementar de retribuição pela prestação laboral desenvolvida ou pelo exercício da actividade profissional liberal, sendo exactamente essa perda de retribuição suplementar pelo maior esforço desenvolvido, cuja causa radica nas sequelas da lesão, isto é, na incapacidade parcial permanente (no caso), um dos prejuízos futuros e previsíveis que deve ser indemnizado.
Acresce que não pode esquecer-se que a incapacidade funcional em causa pode repercutir-se, em termos de previsibilidade e normalidade, em outros factores como a possível antecipação de reforma com a inerente repercussão no seu montante, a maior dificuldade de progressão na carreira, a necessidade de escolha de profissão mais adequada à incapacidade existente, o que implicará, o afastamento de outras, porventura mais rentáveis ou pessoalmente mais apetecíveis, mas que envolveriam maior dificuldade de execução ou cujo exercício se torne mesmo impossível face à específica incapacidade funcional em causa (…).
Trata-se, pois, de factores que, não estando relacionados directamente com a perda efectiva da capacidade de ganho futuro apontam, todavia, para prejuízos futuros previsíveis na esfera patrimonial da vítima.
(…)
o dano funcional, gerando o inerente prejuízo funcional, repercute-se, a um tempo, na vida do lesado em geral e na vida do trabalho, aqui através das consequentes perdas de capacidade de ganho ou da efectiva redução de créditos, mas esta repercussão na área estritamente laboral não representa mais que uma parcela daquele dano ou prejuízo funcional (…)».
Deste modo, tratando-se de privação de outras oportunidades pessoais, e/ou profissionais, decorrentes do défice físico-psíquico, tal dano não pode deixar de ser considerado no âmbito do ressarcimento a título de danos patrimoniais futuros, «influenciando e majorando, portanto, no cálculo equitativo do seu quantum, mas não constituindo, pois, um dano a valorar em uma outra quantia, autónoma ou separada do quantum indemnizatório a fixar em sede de danos patrimoniais futuros, sob pena de constituir, como bem se adverte, entre outros, no Ac. STJ de 17.12.2009, uma “duplicação indemnizatória (…) violadora da lei e dos princípios da equidade que presidem à fixação do montante indemnizatório em causa”» (37).
Como tal, a incapacidade parcial permanente representa, em si mesma, um dano patrimonial futuro, nunca podendo reduzir-se à categoria dos danos não patrimoniais (38).
Neste contexto, deve entender-se que os danos patrimoniais futuros decorrentes de uma lesão física não se reduzem à redução da capacidade de trabalho, já que, antes de mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e integridade física. Como tal, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta a perda de rendimento que dela resulte ou a necessidade de um acréscimo de esforço para a evitar (39).
Por conseguinte, no cômputo da indemnização pelos danos patrimoniais futuros decorrentes do défice funcional permanente de que a autora ficou a padecer em decorrência do acidente de viação em causa nos presentes autos deve englobar-se quer a vertente laboral quer a vertente pessoal indemnizatória resultante das sequelas sofridas em resultado do acidente em apreço.
Resta, então, aferir da adequação do montante arbitrado pelo Tribunal a quo pelo dano futuro, na vertente patrimonial, pela perda de capacidade de trabalho decorrente da incapacidade de que padece a autora, em conjunto com as incapacidades funcionais resultantes do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica sofrido, fixado em 55 pontos.
Tal como se refere no Ac. do STJ de 18-12-2012: (40) «I - A perda da capacidade de ganho constitui um dano presente, com repercussão no futuro, durante o período laboralmente activo do lesado e, ainda, todo o seu tempo de vida. II - Sendo inapreensível qual vai ser a evolução do mercado laboral, do nível remuneratório e do emprego, a evolução do custo de vida, os níveis dos preços, do juros, da inflação, a evolução tecnológica, bem como de outros elementos que influem na retribuição (como é o caso dos impostos), necessário se torna, nos termos do art. 566.º, n.º 3, do CPC, recorrer à equidade para calcular o montante indemnizatório».
A este propósito, sublinha ainda o Ac. do STJ de 12-04-2007 (41): «(…) a utilização das fórmulas matemáticas, ou tabelas financeiras só possa servir para determinar o minus indemnizatório, o qual, terá posteriormente de ser corrigido com vários outros elementos, quer objectivos quer subjectivos, que possam conduzir a uma indemnização justa.
Em termos de danos futuros previsíveis, a equidade terá a palavra decisiva, correctora, ponderando todos os factores atrás enunciados.- art. 566.º-3 do CC.
Ao fazer intervir a equidade, não poderá ainda o Juiz de deixar de atender à natureza da responsabilidade (se ela é objectiva, se fundada na mera culpa, na culpa grave ou no dolo), à eventual concorrência de culpas, à situação económica do lesante e do lesado, e, por fim, às indemnizações jurisprudencialmente atribuídas em casos semelhantes».
Conclui-se, assim, que a valoração destes danos patrimoniais futuros, decorrentes da incapacidade ou défice funcional permanente de que a autora ficou a padecer assenta num critério de equidade, conforme decorre do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC, devendo o tribunal julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados, dada a impossibilidade de se averiguar o valor exato dos danos.
Perante a dificuldade de cálculo da indemnização do dano patrimonial futuro, ponderando em conjunto todas as incapacidades funcionais resultantes do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica sofrido, a jurisprudência tem vindo a enunciar possíveis critérios de apreciação e de cálculo.
Assim, relativamente a este dano patrimonial futuro, constitui entendimento jurisprudencial reiterado que uma justa indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir e que se extinguirá no final do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida, isto é, o tempo provável de vida do lesado (e não na vida profissional ativa do lesado, já que não é razoável ficcionar-se que a vida física desaparece no mesmo momento e com ela todas as suas necessidades), posto que só assim se logrará, na verdade, reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (42).
Por outro lado, e conforme se refere no citado Ac. do STJ de 8-05-2012, deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia.
Deste modo, tem vindo a ser defendido na jurisprudência que o uso da equidade deve ponderar, designadamente, a perda da capacidade de ganho, a retribuição auferida, a idade, o grau de incapacidade, a par das possibilidades de progressão da carreira, entre outros fatores, como sejam o progresso tecnológico, a política fiscal e de emprego, as regras de legislação previdencial, a expectativa de vida laboral, assim como a longevidade ou esperança média de vida, devendo ainda o julgador ter em consideração as decisões judiciais que fixem indemnizações similares, o que é exigido por uma interpretação e aplicação uniformes do direito (43).
Como tal, tendo como pressuposto essencial que as tabelas por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero caráter orientador, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade, importa avaliar o método de cálculo do dano patrimonial futuro enunciado na decisão recorrida, como meio auxiliar ou indicativo, porquanto estamos perante a aferição de um dano de natureza patrimonial.
No caso, importa considerar a idade da autora (44 anos, à data do acidente, ou 46 anos à data da consolidação médico-legal das lesões), as respetivas qualificações e contexto laboral da autora - à data do acidente exercia funções de diretora de uma agência de recursos humanos (X) -, o rendimento anual auferido pela autora (cf. o ponto 1.39 dos factos provados), com referência à data do acidente (€ 36.013,00), o período temporal correspondente ao período provável de vida da recorrente - atenta a sua esperança média de vida que em Portugal, ultrapassa os 83 anos nas mulheres (44) - atendendo a que as necessidades básicas da lesada não cessam no termo da sua vida ativa -, e o défice permanente da integridade físico-psíquica de 55% que lhe foi fixado (cf. o ponto 1.24 dos factos provados).
De acordo com a fórmula que julgamos ter sido seguida na decisão recorrida, e tomando como referência a data da consolidação médico-legal das lesões (45) (em 13-10-2016 - cf. o ponto 1.27 da matéria de facto provada) o valor obtido ascenderia a € 713.057,40 (€36.013,00 x 36 x 55%) valor que é, inclusivamente, superior ao que foi fixado na sentença recorrida.
Ainda assim, entendemos que tal valor deve sempre merecer um ajustamento liminar, dado o facto de ocorrer uma antecipação do pagamento de todo o capital duma só vez e de modo a evitar o enriquecimento injusto que poderia resultar desse facto, sendo que neste domínio a jurisprudência vem oscilando na consideração de uma dedução entre os 10% e os 33% (46), circunstância que julgamos não ter sido ponderada na decisão recorrida.
Ora, atendendo precisamente à atual tendência de rigidez das aplicações de capital em valores muito baixos, por efeito das taxas de juros mais baixas, afigura-se adequada uma dedução não superior a 10% relativa ao recebimento antecipado, tal como entendeu o Ac. do STJ de 19-05-2020 (47).
Desta forma, após dedução de uma parcela equivalente a 10%, o valor do capital obtido através do cálculo de base antes enunciado a título indicativo para o cálculo do dano patrimonial futuro ascenderia a €641.751,66 [€ 713.057,40 – (€ 713.057,40 X 10 % = 71.305,74) = € 641.751,66]], valor ainda assim muito superior ao fixado na sentença recorrida e que se revela, a nosso ver, excessivo, atendendo ao conjunto da matéria de facto provada e considerando os padrões seguidos em decisões jurisprudenciais recentes.
Trata-se, porém, de um valor que assenta, essencialmente, no cálculo aritmético de rendimentos específicos, e que, por isso, entendemos dever ser alterado, tendo por base o recurso à equidade, enquanto critério legalmente previsto, e considerando todos os elementos, quer objetivos quer subjetivos, que possam conduzir a uma indemnização justa e adequada.
Assim, importa considerar que, conforme resulta da factualidade provada em 1.24., e que não foi impugnada na presente apelação, as sequelas de que ficou portadora a autora, e que lhe causaram um défice permanente da integridade físico-psíquica de 55 pontos, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, ainda que impliquem esforços suplementares.
É certo que também se provou que, em consequência do acidente (das lesões sofridas, dos tratamentos a que teve de se submeter e das sequelas de que ficou a padecer definitivamente) a demandante nunca mais trabalhou (1.43), bem como que, competia-lhe, no exercício das suas funções de diretora apresentar aos seus clientes, a solicitação destes, uma “carteira” de trabalhadores, assim como recrutar pessoal, procurar novos clientes, com diversas reuniões semanais, onde tudo era apontado à mão, sendo a demandante dextra (ponto 1.41). Por outro lado, e porque a sua atividade profissional consistia, essencialmente, em lidar com terceiros, onde é necessária determinada imagem, a demandante, por força da amputação que sofreu, perdeu essa imagem, sentindo de forma particularmente brutal as sequelas de que ficou afetada permanentemente, sobretudo a amputação do antebraço direito, pois, não tendo a mão direita, apercebe-se do incómodo que os outros sentem ao cumprimentá-la, pois ou estranham utilizar uma prótese (quando não está em reparação) e cumprimentá-la com o aperto da prótese, ou estranham a demandante não ter a mão direita e hesitam em cumprimentá-la, o que, numa situação, ou noutra, lhe causa profundo incómodo, desgosto e amargura (ponto 1.37), circunstâncias que revelam as consequências extremamente negativas que as sequelas permanentes das lesões sofridas pela autora terão na possibilidade de aquela vir efetivamente a retomar sua atividade profissional habitual.
Porém, à luz da matéria de facto definitivamente assente, em especial do vertido no referenciado ponto 1.24 dos factos provados, não se mostra possível concluir que ocorra necessariamente, e em definitivo, uma perda efetiva de ganho futuro no âmbito do exercício da sua atividade profissional habitual, mas antes que a lesada tem de fazer um maior e considerável esforço para obter o mesmo rendimento (tais sequelas implicam esforços suplementares).
Ora, como se refere no Ac. do STJ de 13-07-2017 (48) «Em caso de défice funcional permanente que não seja impeditivo de exercício da atividade profissional do lesado, mas que implique ainda assim um maior esforço no desempenho dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expetável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual, não se mostra viável, em regra, estabelecer o quantum indemnizatório com base em cálculo aritmético de rendimentos específicos, devendo recorrer-se à equidade dentro dos padrões delineados pela jurisprudência em função do tipo de gravidade das sequelas sofridas».
Com efeito, «a fixação da indemnização não pode aqui seguir (…) a teoria da diferença (prevista no art. 566º, nº 2, do Código Civil) como se tais danos patrimoniais fossem determináveis, quando aquilo que está em causa é a atribuição de uma indemnização por danos patrimoniais indetermináveis, a qual (segundo o nº 3, do mesmo art. 566º, do CC) deve ser fixada segundo juízos de equidade, dentro dos limites que o tribunal tiver como provados» (49).
Por outro lado, ainda que a recorrida/autora venha em sede de resposta às alegações alegar que já depois da realização da audiência de discussão e julgamento a recorrida viu o seu contrato de trabalho caducar por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber, não estando sequer a sua entidade patronal obrigada a requalificar e/ou adaptar a recorrida à sua capacidade restante, certo é que tal alegação fáctica não pode ser considerada na presente apelação, por não estar abrangida no objeto do recurso nem ter sido requerida a ampliação da matéria de facto sobre tal matéria.
Neste domínio, vem ainda a apelante/ré alegar que o Tribunal a quo não deveria considerar como um dos critérios a ponderar para atribuição de um dano patrimonial futuro o tempo provável de vida ativa do lesado, sustentando que em 2017 a recorrida sofreu um AVC, que independentemente das lesões que sofreu em consequência do acidente objeto dos autos mas que lhe permitiam exercer a sua atividade profissional, com esforços acrescidos, com as sequelas sofridas pelo AVC tem a Recorrente muitas dúvidas.
No caso, resultou provado que, para agravar ainda mais o estado de saúde da demandante C. G., sofreu em 5.7.2017 um AVC, qual lhe trouxe sequelas nomeadamente a nível cognitivo, com um discurso, por vezes, incompleto e incoerente e com lapsos de memória (ponto 1.45 dos factos provados).
Porém, quanto a esta questão, julgamos não assistir razão à recorrente, pois mesmo não se tendo provado que o AVC sofrido pela autora em 5-07-2017 tenha resultado das sequelas decorrentes do acidente, tal facto é irrelevante para a fixação da indemnização, porquanto esta visa reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento danoso, nos termos previstos no artigo 562.º do CC.
Para efeitos do cálculo do dano patrimonial aqui em causa, com recurso à equidade, importa ainda considerar que, de acordo com o que revelam os autos, a autora em nada contribuiu para a eclosão do acidente.

Relevante se mostra, ainda, a seguinte factualidade que consta da matéria de facto provada:
- Na altura do acidente a autora tinha 44 anos de idade e era saudável, fisicamente bem constituída, dinâmica, alegre, trabalhadora, social, sociável e divertida (1.35);
- Em consequência do acidente de viação, a A. ficou a padecer das seguintes sequelas: ao nível do abdómen: cicatriz linear de 10 centímetros ao longo da crista ilíaca anterior direita; ao nível do membro superior direito amputação do membro pelo terço superior do antebraço; cicatriz linear no coto; cicatriz linear curvilínea de 10 cms no coto; ao nível do membro superior esquerdo: cicatriz linear de treze centímetros nos terços superior e médio, e posterior do antebraço; cicatriz linear de 10 cms nos terços superior e médio e posterior; ao nível do membro inferior direito: área de descoloração da pele de 10 por 9 cms no terço superior e medial da coxa (1.21);
- Ficou a padecer de um dano estético permanente de grau 6, numa escala de sete graus de gravidade crescente (1.25);
- Ficou a padecer de uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer no grau 3 numa escala de 7 graus de gravidade crescente (1.26);
- Ficou com as seguintes dependências permanentes de ajuda: medicação analgésica e psiquiátrica; tratamento de medicina física de reabilitação; e de prótese antebraquial direita (1.27);
- A autora necessita: uso permanente de prótese mioeléctrica; uso permanente de creme hidratante na zona amputada; ajuda de terceira pessoa para apoio à própria A. para alguma higiene pessoal (quando o marido e/ou filhos não estão disponíveis) ajuda a vestir e/ou despir determinadas peças de roupa; calçar, cerca de 4 horas por dia (1.31);
- A autora apresenta como queixas a nível funcional apresenta ao nível da manipulação e preensão: dificuldade em pegar e transportar objectos pesados e/ou volumoso com a mão esquerda; ansiedade, recordando o acidente com bastante frequência, vivenciando todos os acontecimentos, frequenta consultas de psiquiatria, fazendo medicação frequente; fenómeno doloroso no membro superior direito com sensação de membro fantasma (1.22);
- Ao nível situacional: dificuldade em pegar e transportar objectos pesados e /ou volumosos; dificuldade nas actividades da vida diária (vestir/despir, lavar-se pentear-se, cortar/arranjar carne / peixe (1.23);
- E porque a sua actividade profissional consistia, essencialmente, em lidar com terceiros, onde é necessária determinada imagem, a demandante, por força da amputação que sofreu, perdeu essa imagem, sentindo de forma particularmente brutal as sequelas de que ficou afectada permanentemente, sobretudo a amputação do antebraço direito, pois, não tendo a mão direita, apercebe-se do incómodo que os outros sentem ao cumprimentá-la, pois ou estranham utilizar uma prótese (quando não está em reparação) e cumprimentá-la com o aperto da prótese, ou estranham a demandante não ter a mão direita e hesitam em cumprimentá-la, o que, numa situação, ou noutra, lhe causa profundo incómodo, desgosto e amargura (1.37);
- À remuneração auferida pela autora, acrescia também viatura de serviço, telemóvel e computador portátil, inteiramente a cargo da entidade patronal (1.40);
- Internamente na empresa que dirigia, cabia-lhe também proceder à avaliação dos seus colaboradores, bem como fazer cobranças dos serviços prestados pela empresa e gestão dos equipamentos (1.42).

Além dos já enunciados elementos objetivos, os quais são demonstrativos das graves e irreversíveis consequências advindas para a autora em resultado do facto ilícito do qual foi vítima, e para o qual em nada contribuiu, importa ainda atender aos padrões seguidos em decisões jurisprudenciais recentes, uma vez que a quantificação do montante indemnizatório em causa é efetuada com recurso à equidade, prevendo o artigo 8.º, n.º 3, do CC que, nas decisões a proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.
Tal como salienta o citado Ac. do STJ de 1-03-2018, «[n]a fixação da indemnização por danos patrimoniais por perda de capacidade de ganho ou “dano biológico”, a comparação com outras decisões deste Supremo Tribunal revela-se particularmente difícil porque, diversamente do que por vezes as partes vêm invocar, tal comparação não assenta apenas na ponderação dos tradicionais factores de idade, esperança média de vida e índice de incapacidade geral permanente, antes tem de ter em conta o supra enunciado factor da conexão entre as lesões físicas sofridas e as exigências próprias de actividades profissionais ou económicas alternativas, compatíveis com as qualificações e competências de cada lesado concreto».
Assim, recorrendo ao método comparativo ao nível da indemnização pelo dano patrimonial futuro, emergente de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica parcial, e a título meramente exemplificativo, encontramos diversas decisões, ao nível da jurisprudência dos tribunais superiores, que entendemos de ponderar:
- Ac. do STJ de 06-04-2021 (50): sinistrado com 6 anos à data do acidente; as lesões sofridas pelo autor determinaram-lhe um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 50 pontos; As sequelas são compatíveis com a atividade de estudante, mas exigem esforços suplementares, mormente nas deslocações e locomoção; estes esforços suplementares manter-se-ão no exercício de atividade profissional futura, estando impossibilitado de exercer atividade profissional que exija andar, correr, saltar, permanecer largos períodos em pé; o STJ confirmou o valor da indemnização arbitrada a esse título no Tribunal da Relação (€300.000,00);
- Ac. do STJ de 19-05-2020 (51): sinistrado com 21 anos à data do acidente; as lesões sofridas pelo autor determinaram-lhe um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 55 pontos; as sequelas de que ficou a padecer são impeditivas do exercício da atividade profissional habitual, no entanto, são compatíveis com outras profissões da área de preparação técnico profissional do autor; o STJ reduziu para €450.000,00 o valor da indemnização arbitrada a esse título no Tribunal da Relação (€500.000,00), partindo de um rendimento mensal líquido de € 993,00, 14 meses por ano;
- Ac. do STJ de 19-09-2019 (52): sinistrado com 45 anos à data do acidente; défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 32 pontos, que o impede de exercer a sua profissão habitual de serralheiro mecânico, bem como qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional; auferia um rendimento mensal ilíquido de € 788,00, à data do acidente, que subiu cerca de dois meses depois para € 816,00, acrescido de € 80,00 de subsídio de alimentação; o STJ fixou em € 200.000,00 o valor da indemnização fixada a esse título pelo Tribunal da Relação (€150.000,00);
- Ac. do STJ de 23-05-2019 (53): a sinistrada ficou impedida de exercer a sua atividade profissional habitual de educadora de infância mas não de exercer outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional embora com acrescidas dificuldades; auferia uma retribuição mensal de € 1.706,20, catorze meses por ano; ficou com um défice funcional de 26 pontos; tinha 44 anos de idade à data do acidente; o STJ confirmou o montante de € 250.000,00 fixado pelo Tribunal da Relação a título de indemnização por perda de capacidade de ganho, aqui incluída a vertente patrimonial do dano biológico;
- Ac. do STJ de 11-04-2019 (54): sinistrado com 12 anos à data do acidente; défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 46 pontos; as sequelas de que ficou a padecer são compatíveis com o exercício da atividade de estudante, implicando esforços suplementares, sequelas que, no entanto, condicionarão, de forma indelével as suas opções profissionais futuras, sendo que o autor ingressou, em setembro de 2017, no curso de licenciatura; a indemnização foi arbitrada na quantia de € 390.000,00 partindo de um rendimento mensal médio de € 1.200,00, 14 meses por ano;
- Ac. do STJ de 1-03-2018 (55): sinistrado com 39 anos à data do acidente; as lesões sofridas pelo autor determinaram-lhe um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 53 pontos; as sequelas de que ficou a padecer são impeditivas do exercício da atividade profissional habitual, sendo no entanto compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional; o STJ fixou em €400.000,00 o valor da indemnização arbitrada a esse título no Tribunal da Relação (€ 280.000,00).
Ponderando então as circunstâncias do caso concreto em apreciação, sem deixar de atender aos padrões de indemnização adotados em decisões jurisprudenciais recentes, entende-se conforme à equidade fixar a indemnização devida à autora pelos danos patrimoniais futuros decorrentes da incapacidade ou défice funcional permanente de que a autora ficou a padecer, no montante de € 460.000,00 em vez dos € 500.000,00 fixados pela 1.ª instância.
Por conseguinte, procedem parcialmente, nesta parte, as correspondentes conclusões da apelante.
A recorrente sustenta, ainda, que os juros moratórios sobre a quantia fixada a título de indemnização pelo défice funcional permanente da integridade físico-psíquica/ dano biológico são devidos apenas a partir da data da sentença e não desde a data da citação da ré, uma vez que tal indemnização foi fixada com recurso à equidade. Alega que o termo inicial dos juros de mora, relativamente ao dano futuro da autora, deve contar-se a partir da prolação da decisão que os fixou e não da citação como consta daquela sentença recorrida.
Tal como resulta da al. b) do dispositivo da sentença recorrida, a ré foi condenada no pagamento de juros desde a data daquela decisão apenas relativamente ao montante indemnizatório atribuído a título de danos não patrimoniais, decidindo-se que sobre o montante relativo aos danos patrimoniais os juros são devidos desde a data da citação.

O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, de 09-05-2002 (56) - fixou a seguinte jurisprudência:
«Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação».
Tal como decorre de forma expressa da fundamentação enunciada no ponto 4.7 do aludido AUJ, «nesta problemática, não há que distinguir entre danos não patrimoniais e danos patrimoniais e ainda entre as diversas espécies ou categorias de danos patrimoniais, uma vez que todos são indemnizáveis em dinheiro e susceptíveis, portanto, do cálculo actualizado constante do n.º 2 do artigo 566º», ainda que resulte igualmente dos fundamentos enunciados no citado aresto que a orientação nele assumida pressupõe que tenha sido efetuada a atualização da indemnização pecuniária à data da decisão.
No caso, a indemnização pelos danos patrimoniais futuros decorrentes do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica foi fixada com base na equidade, e de forma atualizada, critério que também resulta ter sido observado na sentença recorrida, razão pela qual os juros de mora da indemnização pelos danos patrimoniais futuros decorrentes da incapacidade ou défice funcional permanente devem contar-se desde a data da decisão recorrida.
Por último, sustenta a apelante que liquidou à recorrida não só a quantia de €35.000,00, como ainda adiantou por conta da indemnização final a quantia de €15.000,00 pelo que sempre deverá na indemnização final que vier a ser arbitrada ser deduzida a referida quantia de €15.000,00.
Porém, como se viu já, o valor adicional de €15.000,00 que a recorrente veio, entretanto, alegar em sede de apelação ter adiantado por conta da indemnização final, não consta do elenco dos factos provados (ou não provados) que constam da sentença recorrida.
Por outro lado, conforme resulta definitivamente assente nos autos, a demandante recebeu, a título de adiantamento da demandada, a quantia de € 35.000,00, e da segurança social a quantia de €40.288,34 (cf. o ponto 1.44 dos “Factos provados”), valores que já foram devidamente considerados e deduzidos no valor de indemnização fixado a título de perdas salariais, computadas desde o dia do acidente, durante o período de repercussão na atividade profissional temporária total de 900 dias.
Assim, nada mais cumpre determinar, a propósito desta última questão suscitada pela apelante.
Procede, assim, ainda que parcialmente, a apelação.
Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo. Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.
No caso em apreciação, como a apelação foi julgada parcialmente procedente, ambas as partes ficaram parcialmente vencidas no recurso, pelo que devem as mesmas ser responsabilizadas pelo pagamento das custas do recurso (bem como da ação).

Síntese conclusiva:

I - O prémio de produtividade, pago anualmente, integra a retribuição devida à autora, por se tratar de um acréscimo patrimonial regular e periódico.
II - Determinável ou indeterminável, apenas o dano futuro previsível é indemnizável, não se podendo relegar a demonstração do dano futuro meramente hipotético para liquidação em execução de sentença.
III - Independentemente da sua repercussão imediata na capacidade de ganho do lesado, o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica tem relevância patrimonial, dado constituir uma lesão que importa perda da capacidade funcional, representando, como tal, um dano patrimonial futuro.
IV - A valoração do dano patrimonial futuro decorrente da incapacidade ou défice funcional permanente de que a autora ficou a padecer assenta num critério de equidade, conforme decorre do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC devendo o tribunal julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados dada a impossibilidade de se averiguar o valor exato dos danos.
V - Os juros de mora da indemnização pelos danos patrimoniais futuros decorrentes da incapacidade ou défice funcional permanente devem contar-se desde a data da decisão recorrida, e não a contar da citação, sempre que decorra da decisão que a correspondente indemnização foi fixada com base na equidade e de forma atualizada.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, em consequência do que:

a) Alteram a decisão recorrida - no que concerne ao montante indemnizatório referente ao dano patrimonial futuro decorrente do défice funcional permanente de que a autora ficou a padecer, condenando-se a ré a pagar a este título à autora o valor de € 460.000,00 em vez da quantia de € 500.000,00 atribuída na sentença recorrida;
b) Revogam a sentença recorrida, no segmento em que condenou a ré a pagar a autora o valor de €13.514,51 a título de despesas de cabeleireiro, e despesas futuras com acompanhamento em Psicologia, absolvendo-a nesta parte;
c) Em decorrência do enunciado em a) e b), alteram a alínea a) do dispositivo da sentença recorrida, reduzindo para € 585.016,70 a indemnização aí fixada a título de danos patrimoniais, e condenam a ré/recorrente a pagar à autora as quantias que se vierem a liquidar posteriormente, ao abrigo do disposto nos artigos 564.º, n.º 2, do CC e 609.º, n.º 2, do CPC, relativas a dano futuro no que concerne à aquisição de próteses biónicas (de substituição da mão direita) e custos com revisões e/ou reparações de tais próteses, dano futuro atinente a despesas com cremes hidratantes para a zona amputada, dano futuro atinente a despesas com tratamentos de fisioterapia/terapia ocupacional, - seja no membro amputado, seja no contralateral, assim como a uma consulta prévia de fisiatria, dano futuro atinente a despesas com acompanhamento em Psiquiatria, até aos montantes máximos que vêm peticionados a esse título.
d) Alteram a sentença recorrida relativamente à alínea b) do dispositivo, determinando que os juros de mora sobre a quantia de €460.00,00 fixada a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro decorrente do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica sejam calculados desde a data da decisão da 1.ª instância;
e) Decidem manter, em tudo o mais, o decidido na sentença recorrida, sendo os juros desde a citação até integral pagamento, sobre o montante relativo aos restantes danos patrimoniais já liquidados, e desde a data da decisão da 1.ª instância sobre o montante relativo aos danos não patrimoniais.
Custas da ação e da apelação pelas ré/apelante e autora/recorrida, na proporção dos respetivos decaimentos.
Guimarães, 30 de setembro de 2021
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (relator)
Joaquim Espinheira Baltar (1.º adjunto)
Luísa Duarte Ramos (2.º adjunto)


1. Conforme retificação do pedido inicial, entretanto requerida, e admitida pelo Tribunal a quo.
2. Neste sentido, cf., por todos, o Ac. do STJ de 18-06-2019 (relator: José Raínho), p. 152/18.3T8GRD.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
3. Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, p. 224-225.
4. Relatora: Fernanda Isabel Pereira, p. n.º 809/10.7TBLMG.C1.S1 - 7.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
5. Cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Vol. III, 4.ª edição (Reimpressão), Coimbra, 1985 - Coimbra Editora, pgs. 206 e 209.
6. Cf. o Ac. do STJ de 23-09-2009 (relator: Bravo Serra), p. 238/06.7TTBGR.S1 - 4.ª Secção, acessível em www.dgsi.pt.
7. Relator Filipe Caroço, p. 338/17.8YRPRT, acessível em www.dgsi.pt.
8. As quais, conforme resulta do aludido relatório pericial, correspondem «à necessidade permanente de recurso a medicação regular – ex: analgésicos, antiespasmódicos ou antiepilépticos, sem a qual a vítima não conseguirá ultrapassar as suas dificuldades em termos funcionais e nas situações da vida diária».
9. Relatório da Perícia Médico-legal, em Psiquiatria Forense, cuja realização foi entendida como necessária pelo próprio perito médico que subscreveu o relatório final da perícia de avaliação do dano corporal.
10. Cf., Ana Prata, Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata, Volume I, Coimbra, Almedina, 2017, p. 627-628.
11. Cf., Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição, Coimbra, Almedina, 2013, p. 591
12. Cf., Mário Júlio de Almeida Costa, Ob. cit., p. 605
13. Cf., por todos, o Ac. TRP de 11-06-2012 (relator: Caimoto Jácome), p. 2395/06.3TJVNF.P1 disponível em www.dgsi.pt
14. Cf. o Ac. STJ de 14-07-2009 (relator: Cardoso de Albuquerque) revista n.º 1842/04.3TBSTS.S1 - 6.ª Secção - sumariado em www.stj.pt.
15. Relator Oliveira Vasconcelos, proferido na revista n.º 2336/04.2TVLSB.L1.S1 - 2.ª Secção - disponível em www.dgsi.pt
16. Cf. o Ac. STJ de 24-11-2009 (relator: Silva Salazar) Revista n.º 1409/06.1TBPDL.S1 - 6.ª Secção - sumariado em www.stj.pt.
17. Lei n.º 7/2009, de 12-02.
18. Cf., por todos, o Ac. do STJ de 29-04-2010 (relator: Moreira Alves), p. 4092/05.8TBAVR.C1.S1; Ac. TRC de 10-05-2012 (relatora: Manuela Fialho), p. 518/11.0T4AVR.C1, disponíveis em www.dgsi.pt.
19. Cf., por todos, o Ac. TRP de 20-11-2017, (relator: Jerónimo Freitas), p. 1831/15.2T8VFR.P1, disponível em www.dgsi.pt.
20. Cf., o Ac. do STJ de 14-01-2015 (relator: Melo Lima), p. 2330/11.7TTLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
21. Relator Vasques Dinis, p. 607/07.STJLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
22. Neste sentido, cf., por todos, o Ac. do STJ de 24-05-2006 (Relator Mário Pereira), p. 05S2134, disponível em www.dgsi.pt.
23. Cf. o Ac. do STJ de 15-07-2005 (relator: Faria Antunes), p. 05A3397, disponível em www.dgsi.pt.
24. Cf. o Ac. TRC de 12-01-2010 (relator: Carlos Querido), p. 163/04.6TBOFR.C1, disponível em www.dgsi.pt.
25. Nos termos do artigo 566.º, n.º 3, do CC, «Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados».
26. Cf. o Ac. do STJ de 10-12-2019 (relatora: Assunção Raimundo), p. 1087/14.4T8CHV.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
27. Cf. o Ac. do STJ de 28-10-2010 (relator: Lopes do Rego), p. 272/06.7TBMTR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
28. Em sentido idêntico, cf. os Acs. do TRC de 11-10-2017 (relatora: Maria Catarina Gonçalves), p. 228/15.9T8SEI.C1; de 06-06-2006 (relator: Garcia Calejo), p. 1605/06, disponível em www.dgsi.pt.
29. Sendo que estes correspondem aos prejuízo sofridos, por contraposição aos lucros cessantes, os quais correspondem aos ganhos que se frustraram, aos prejuízo que advieram para o lesado por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património - cf. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição revista e atualizada, com a colaboração de Henrique Mesquita, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, p. 579.
30. Nos termos do artigo 566.º, n.º 3, do CC, «Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados».
31. Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p. 729.
32. Relator Azevedo Ramos, p. 2684/04.1TBTVD.S1, disponível em www.dgsi.pt.
33. Correspondente aos valores arbitrados na sentença recorrida para indemnizar a autora pelos danos decorrentes da necessidade permanente de consultas/acompanhamento em Psiquiatria (€ 25.905,48) e custos com sessões de fisioterapia/terapia ocupacional - seja no membro amputado, seja no contralateral, assim como a uma consulta prévia de fisiatria (€ 41.736,62).
34. Correspondente aos valores arbitrados na sentença recorrida para indemnizar a autora pelos danos decorrentes da necessidade futura de aquisição de próteses biónicas de substituição da mão direita (€482.090,00) e custos com custos com revisões e/ou reparações de tais próteses (€ 44.401,28).
35. Neste sentido, cf., por todos, o Ac. do STJ de 20-10-2011 (relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), p. 428/07.5TBFAF.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
36. Relator Moreira Alves, p. 585/09.6YFLSB, disponível em www.dgsi.pt.
37. Cf. o Ac. TRG de 2-11-2017 (relator: António Barroca Penha) p. 1315/14.6TJVNF.G1; acessível em www.dgsi.pt.
38. Cf. Ac. do STJ de 19-05-2009 (relator: Fonseca Ramos), p. 298/06.0TBSJM.S1; acessível em www.dgsi.pt.
39. Cf. Ac. do STJ de 4-06-2015 (relatora: Maria dos Prazeres Beleza), p. 1166/10.7TBVCD.P1.S1 - 7.ª Secção; acessível em www.dgsi.pt.
40. Relator: Fonseca Ramos, p. 1030/09.2TBFLG.G1.S1, com o sumário disponível em www.stj.pt.
41. Relator: Mário Cruz Proferido na Revista n.º 07A3836, disponível em www.dgsi.pt.
42. Cf., por todos, os Acs. do STJ de 8-05-2012 (relator: Nuno Cameira), p. 3492/07.3TBVFR.P1; de 18-12-2007 (relator: Santos Bernardino), p. 07B3715; o Ac. TRG de 11-03-2021 (relatora: Cristina Cerdeira) p. 1852/17.0T8GMR.G3; acessíveis em www.dgsi.pt.
43. Cf. o Ac. TRG de 17-12-2019 (relator: Alcides Rodrigues) p. 6491/17.3T8GMR.G1; acessível em www.dgsi.pt., e a jurisprudência nele citada.
44. Cf. dados publicados em https://www.pordata.pt/Portugal/Esperan%c3%a7a+de+vida+%c3%a0+nascen%c3%a7a+total+e+por+sexo+(base+tri%c3%a9nio+a+partir+de+2001)-418-5194.
45. Critério que é aceite pela própria autora/recorrida.
46. Cf., a propósito, o Ac. do STJ de 25-11-2009 (relator: Raul Borges), p. 397/03.0GEBNV.S1 - 3.ª Secção - disponível em www.dgsi.pt.
47. Relator Acácio das Neves; p. 3907/17.2T8BRG.G1.S1, disponível em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:3907.17.2T8BRG.G1.S1/; em sentido idêntico, cf. os Acs. do STJ de 30-03-2017 (relator: Olindo Geraldes; p. 2233/10.2TBFLG.P1.S1; de 26-05-2009 (relator: Paulo Sá), p. 3413/03.2TBVCT.S1, disponíveis em www.dgsi.pt.
48. Relator Tomé Gomes, proferido na Revista n.º 3214/11.4TBVIS.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
49. Cf. o Ac. do STJ de 1-03-2018 (relatora: Maria da Graça Trigo; p. 773/07.0TBALR.E1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
50. Relatora Fátima Gomes; p. 2908/18.8T8PNF.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
51. Relator Acácio das Neves; p. 3907/17.2T8BRG.G1.S1, antes referenciado.
52. Relatora Maria do Rosário Morgado; p. 2706/17.6T8BRG.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
53. Relatora Maria dos Prazeres Beleza; p. 2476/16.5T8BRG.G1.S2; acessível em www.stj.pt/wp-content/uploads/2017/10/jurisprudenciatematica_danocorporal2015aoutubro2019.pdf
54. Relator Oliveira Abreu; p. 465/11.5TBAMR.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
55. Relatora Maria da Graça Trigo; p. 773/07.0TBALR.E1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
56. Publicado no Diário da República, Série I-A, n.º 146, de 27-06-2002.