Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4074/17.7T8GMR.G1
Relator: ANTÓNIO BARROCA PENHA
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
DETERMINAÇÃO DO RENDIMENTO INDISPONÍVEL
SUSTENTO MINIMAMENTE DIGNO
ESCALA DE OXFORD
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- O critério geral e abstrato de “sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar”, previsto no art. 239º, n.º 3, al. b), i., do CIRE, terá que ser densificado e aplicado casuisticamente em função do caso concreto e das circunstâncias do insolvente e do respetivo agregado familiar, tendo como subjacente o reconhecimento do “princípio da dignidade humana”.

II- Nesta medida, a antiga escala da OCDE ou “escala de Oxford” não tem aplicação in casu, tanto mais que o próprio legislador à mesma não se refere, limitando-se a enunciar um critério genérico, correspondente ao “sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar”, a definir casuisticamente pelo tribunal.

III- Enquanto referência ou por princípio, o montante não abrangido pela cessão do rendimento disponível do insolvente, a quem foi concedida a exoneração do passivo restante, deverá corresponder, pelo menos, ao valor do salário mínimo nacional.

IV- Impõe-se a fixação do rendimento razoavelmente necessário para o sustento minimamente condigno do insolvente e do seu agregado familiar, mesmo que o insolvente aufira, na ocasião, um rendimento inferior àquele montante considerado razoável (salário mínimo nacional).

V- Os subsídios de férias e de Natal não se revelam imprescindíveis àquele “sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar”.

VI- Constitui dever do insolvente adaptar o seu estilo e nível de vida ao padrão social condizente com a situação em que, imprudentemente, se colocou.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:
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I. RELATÓRIO

Por sentença proferida a 26.07.2017, transitada em julgado, foi declarada a insolvência de Maria, residente em …, Celorico de Basto (cfr. fls. 25 a 27).

No seu relatório (art. 155º, do CIRE), a Administradora de Insolvência pronunciou-se no sentido de ser concedida à insolvente a exoneração do passivo restante (cfr. fls. 41 e 42).

No âmbito da Assembleia de Credores para apreciação de relatório, quanto à exoneração do passivo restante peticionado pela insolvente, foi determinada a notificação dos credores não presentes, para querendo, se pronunciarem, em 10 dias (cfr. fls. 51).
Com vista à decisão do pedido de exoneração do passivo restante, foi proferido despacho judicial (datado de 31.10.2017) a determinar a produção de prova tendente a apurar a situação económica da insolvente (cfr. fls. 63).
A insolvente apresentou requerimento, alegando factos referentes às suas despesas e rendimentos e juntou prova documental (cfr. fls. 64 a 76).

Foram ainda prestadas as informações constantes de fls. 78 e 79, referentes à situação laboral da insolvente.

Na sequência, foi proferida decisão a 05.12.2017, admitindo-se liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante apresentado pela insolvente e consignando-se, no que se refere às exclusões a que alude o disposto no n.º 3 do art. 239º, do CIRE, designadamente que:

Assim, para efeitos de determinação do montante relativo às exclusões previstas na alínea b) do n.º 3 do artigo 239.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, importa atender os factos resultantes dos autos e do relatório da Sra. A.I.

Considerando tais factos, entendemos que o montante relativo às exclusões previstas na alínea b) do n.º 3 do artigo 239.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, deve fixar-se em um salário mínimo nacional, que se considera ser o limite que assegura a subsistência com o mínimo de dignidade.
Excluem-se da exoneração os créditos previstos no artigo 245.º, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Notifique.
Publicite e Registe (cfr. Artigo 247.º do CIRE).

Inconformada com o assim decidido, veio a insolvente Maria interpor recurso de apelação, tendo sido proferida decisão singular, por este Tribunal da Relação de Guimarães, em que se julgou nula, por falta de fundamentação de facto, a decisão recorrida, baixando os autos à 1ª instância para suprir tal vício.

Na sequência, foi proferida nova decisão a 5 de Março de 2018, onde se discriminou os factos provados, com relevância para o incidente em causa, tendo-se concluído que:

Considerando tais factos, entendemos que o montante relativo às exclusões previstas na alínea b) do n.º 3 do art. 239º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, deve fixar-se em um salário mínimo nacional, que se considera ser o limite que assegura a subsistência com o mínimo de dignidade.
Na verdade, não tendo a insolvente rendimentos acima deste valor não se vislumbra sustentáculo para definir um valor superior.
Notifique.” (sublinhámos)

Mais uma vez, inconformada com esta última decisão, veio a insolvente Maria interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes

CONCLUSÕES

I. O douto despacho inicial que admitiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante ao excluir do montante disponível a ser cedido ao fiduciário o montante correspondente a um salário mínimo nacional, considerando este montante como suficiente para um sustento minimamente digno da insolvente e do seu agregado familiar, violou o disposto na al. b) n.º 3 i) do art. 239.º do CIRE bem como bem o princípio da dignidade humana contido no princípio do Estado de direito que resulta das disposições conjugadas dos artigos 1º, 59º, n.º2, alínea a e 63º, n.ºs 1 e 3, da CRP.

II. Antes de mais, a douta decisão recorrida viola o artigo 239.º n.º 2 e 3 do CIRE na medida em que o Tribunal elegeu como critério do montante da exclusão do rendimento disponível os rendimentos da insolvente em vez de considerar as suas despesas, como aliás determinado expressamente pelo artigo 239.º n.º 3 do CIRE, o qual define que despesas devem ser atendidas pelo Tribunal e em que medida, isto é, na medida do necessário à preservação da dignidade do ser humano, não assistindo assim razão ao Tribunal a quo quando afirma que não tem sustentáculo para definir um valor superior ao salário mínimo nacional porque a insolvente aufere um valor inferior a este.

III. Isto posto, o salário mínimo nacional determinado pelo Tribunal é manifestamente insuficiente para salvaguardar um sustento minimamente digno da agregado familiar da insolvente que é composto pela própria e pelo seu filho, como resulta do docs. 1, 2 e 3 juntos com a petição inicial, consideradas as necessidades usuais de uma adulta de 34 anos e de uma criança de 11 anos de idade, no que se refere alimentação, vestuário, material e actividades escolares, e as suas despesas de habitação com uma renda de € 190,00 e as habituais despesas de electricidade, gás e telecomunicações, no montante médio de € 65,00, como resulta dos documentos 1, 2, 3 e 4 juntos com o requerimento de 16/12/2017.

IV. Já no que diz respeito às despesas de saúde, se o menor tem as despesas de saúde usuais de uma criança de 11 anos, já a insolvente vê as suas despesas de saúde agravadas, bem como as despesas de deslocação às unidades de saúde, na medida em que padece não só de doença do foro psiquiátrico, mas também de doença do foro oncológico que determinou a realização de uma cirurgia para remoção do útero no dia 29 de Novembro de 2017 – cfr. docs. n.º 4, 5 e 6 juntos com a petição inicial e cfr. docs. n.º 4, 5 e 6 juntos com o requerimento de 16/12/2017, referindo-se ainda que, quanto às deslocações, pelo facto de residirem na freguesia de ..., do concelho de Celorico de Basto, que é um meio rural, necessitam de recorrer a transportes para aceder a qualquer serviço ou comércio.

V. Se é hoje unânime que apenas o salário mínimo nacional é o único montante capaz de salvaguardar um sustento minimamente digno do devedor, aquele constitui apenas o ponto de partida, devendo o mesmo ser elevado em função da composição e de específicas necessidades do agregado familiar, até ao montante máximo, não absoluto, como diz a douta decisão recorrida, de 3 salários mínimos nacionais.

VI. Aqui chegados, deve, como sustenta o Acórdão da Relação de Coimbra de 12-03-2013 em que foi relatora a Sra. Juíza Desembargadora Sílvia Pires, disponível in www.dgsi.pt, fazer-se apelo à velha escala da OCDE, para determinação da capitação dos rendimentos de um agregado familiar, a qual determina o índice 1 para o 1.º adulto do agregado familiar, o índice 0,7 aos restantes adultos, e o índice 0,5 para as crianças porque os membros do agregado familiar não têm todos necessidades iguais, devendo considerar-se também o custo marginal de uma pessoa extra que varia na medida em que o tamanho da família aumenta, ou na medida em que as necessidades dos diferentes membros podem ser distintas.

VII. Na verdade, quase todas as despesas da vida diária duplicam por cada membro a mais no agregado familiar, pois ocorrem de forma individual, não podendo ser compartilhadas, como a alimentação e higiene, o vestuário, as deslocações e as despesas de saúde, sendo que outras despesas que não duplicam, sofrem, porém, um aumento exponencial, como é o caso da renda e manutenção da habitação, como sejam a electricidade e a água.

VIII. Assim, fazendo apelo à dita escala, sendo o ponto de partida o salário mínimo nacional, e considerando o índice de 1 para a insolvente e o índice de 0,5 para a menor, o montante necessário para o sustento do insolvente e do seu agregado deve corresponder a 1,5 salários mínimos nacionais, considerados 14 vezes ao ano.

Finaliza, pugnando pela alteração da decisão recorrida, de modo que fique excluído do rendimento a ceder ao fiduciário o montante correspondente a 1,5 vezes o salário mínimo nacional, considerados 14 vezes ao ano.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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II. DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil).

No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto do presente recurso.

Neste âmbito, a única questão decidenda traduz-se na seguinte:

- Saber se se encontram reunidos os requisitos necessários para que o rendimento disponível para a recorrente ascenda a valor superior ao fixado na decisão recorrida.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

FACTOS PROVADOS

Com relevo para o presente incidente, o tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

a) A insolvente Maria presentemente beneficia de rendimento social de inserção no montante de € 205,02.
b) Quanto às despesas do seu agregado familiar (composto pela insolvente e sua filha menor), têm as necessidades usuais de uma adulta de 34 anos e de uma criança de 11 anos de idade, no que se refere alimentação, vestuário, material e atividades escolares.
c) Quanto às despesas da habitação, tem a seu cargo uma renda de € 190,00 e as habituais despesas de eletricidade, gás e telecomunicações, no montante médio de € 65,00.
d) No que diz respeito às despesas de saúde, se o menor tem as despesas de saúde usuais de uma criança de 11 anos, já a insolvente vê as suas despesas de saúde agravadas, bem como as despesas de deslocação às unidades de saúde, na medida em que padece não só de doença do foro psiquiátrico, mas também de doença do foro oncológico que determinou a realização de uma cirurgia para remoção do útero no dia 29 de Novembro de 2017.
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IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como é consabido, o atual CIRE (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) instituiu medidas excecionais de proteção do devedor pessoal singular, sendo uma das mais relevantes a exoneração do passivo restante.

Através deste instituto, após o património do devedor pessoa singular ter sido liquidado para pagamento aos credores, ou decorridos cinco anos após o encerramento do processo, as obrigações que, apesar dessa liquidação ou após o decurso do dito prazo, não puderem ser satisfeitas, em lugar de subsistirem, são tidas como extintas (art. 235º do CIRE).

De facto, sendo o devedor pessoa singular, pretendeu o legislador conceder-lhe a possibilidade de exoneração (extinção) das suas obrigações perante os credores da insolvência, que não puderam ser liquidadas no decurso do processo ou nos cinco anos subsequentes ao seu encerramento, em ordem a evitar que fique vinculado ao pagamento de tais obrigações até ao limite do prazo de prescrição, prazo este que, nosso direito civil, pode atingir vinte anos (art. 309º do C. Civil).

Assim, após a liquidação do seu património no processo de insolvência ou após o decurso do prazo de cinco anos posteriores ao encerramento do processo, o devedor tem a possibilidade de um “fresh start” e de recomeçar uma nova vida ou uma nova atividade económica, sem o peso da insolvência anterior e, sobretudo, sem o peso das obrigações que ainda permaneçam por solver.

Neste sentido, refere Assunção Cristas, que “apurados os créditos da insolvência e uma vez esgotada a massa insolvente sem que tenha conseguido satisfazer totalmente ou a totalidade dos credores, o devedor pessoa singular fica vinculado ao pagamento aos credores durante cinco anos, findos os quais, cumpridos certos requisitos, pode ser exonerado pelo juiz do cumprimento do remanescente. O objetivo é que o devedor pessoa singular não fique amarrado a essas obrigações.(1)

Esta solução teve por inspiração, como tem sido salientado pela doutrina e jurisprudência, a legislação dos Estados Unidos (discharge do Bankruptcy Code) e a legislação alemã (Restschuldbefreiung da InsO), permitindo ao devedor, sob certas condições e em função do seu comportamento no denominado período da cessão, “a possibilidade de não viver o resto da vida (ou, pelo menos, até ao decurso do prazo de prescrição) sob o peso de dívidas que tornariam impossível o retomar de uma vida financeiramente equilibrada.(2)

A exoneração do passivo restante resulta, necessariamente, de dois despachos, sendo o primeiro, denominado despacho inicial, que determina a obrigação de cessão do rendimento disponível pelo período de cinco anos após o encerramento do processo (art. 237º, al. b) do CIRE), e o segundo, denominado de despacho de exoneração, que determina, a final, a definitiva concessão da exoneração, decorrido o mencionado prazo de cinco anos e verificando-se o integral cumprimento de todas as obrigações constantes do despacho inicial (arts. 237º, al. b), 244º e 245º, n.º 1 do CIRE).

Com efeito, o despacho inicial de acolhimento do pedido de exoneração (não ocorrendo, pois, qualquer motivo que possa conduzir ao seu indeferimento liminar – art. 238º do CIRE) corresponde a uma declaração de que a exoneração poderá vir a ser concedida, passados cinco anos do fim do processo de insolvência, desde que o devedor cumpra as condições nele assinaladas e, em particular, dê cumprimento à obrigação de cedência do rendimento disponível que venha a auferir no aludido período de cinco anos subsequente ao encerramento do processo, conforme determinado no mesmo despacho inicial.

Neste sentido, a admissão do pedido não significa que a exoneração esteja concedida ou que o venha ser necessariamente. Significa tão só que: i) se não for aprovado e homologado nenhum plano de insolvência; e ii) se durante os cinco anos posteriores ao encerramento do processo de insolvência o devedor der cumprimento às várias imposições previstas na lei, será exonerado das suas obrigações insatisfeitas. No fundo, “a decisão final sobre a concessão ou não da exoneração só virá, portanto, a ter lugar depois de decorrido esse período (sem prejuízo da sua cessão antecipada, nas condições previstas no art. 243º do CIRE), na decisão final do incidente de exoneração, conforme prevê o art. 244º do mesmo CIRE.” (3)

Relativamente à cessão do rendimento disponível do devedor a favor do fiduciário, não obstante a controvérsia sobre a sua natureza, é posição maioritária da doutrina que se trata de uma “cessão de bens ou créditos futuros, destituída de fundamento contratual ou negocial, mas determinada «ex lege» por via de decisão judicial (constante do citado despacho inicial)”, sendo-lhe, aplicáveis, pois, os normativos previstos nos arts. 577º e segs. do C. Civil. (4)
A cessão é estabelecida, como se referiu, no despacho inicial, despacho este que é proferido na assembleia de apreciação do relatório, ou nos dez dias subsequentes (art. 239º, n.º 1 do CIRE).
Esse despacho determina, pois, que durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, designado por período da cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade, designada por “fiduciário”.

Assim, os rendimentos que o insolvente venha a adquirir após o encerramento do processo de insolvência transferem-se, no momento da sua aquisição, para o fiduciário, independentemente do consentimento dos devedores desses rendimentos (art. 577º, n.º 1 do C. Civil), transmitindo-se igualmente as garantias e outros acessórios dos créditos que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente (art. 582º, n.º 1 do Cód. Civil).

Como refere, nesta matéria, Assunção Cristas “a lei, ao mesmo tempo que dá ao insolvente um benefício [exoneração do passivo], impõe um conjunto estrito de requisitos e cria um regime particularmente garantístico para os credores, retirando ao devedor não apenas a possibilidade de dispor do seu património, o que resultaria das regras gerais, mas também a sua titularidade. A transmissão dos créditos para o fiduciário é o preço que o devedor paga para obter a futura exoneração.” (5)

No que se refere à determinação, ainda que por via reflexa, do montante do rendimento disponível (ou seja do montante a ceder ao fiduciário e que este destinará aos pagamentos antes referenciados), preceitua, no que ora importa, a alínea b), i. do n.º 3 do art. 239º do CIRE, que dele não faz parteo que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional.”
Nesta sede, como é consabido, não obstante alguma divergência inicial, constitui hoje jurisprudência pacífica que o previsto valor de (3) três salários mínimos nacionais corresponde ao limite máximo a fixar pelo juiz, limite que só pode ser ultrapassado em casos excecionais que o justifiquem, o que exige, naturalmente, uma mais exigente e aprofundada fundamentação do juiz quando ultrapasse o dito valor máximo. (6)

Partindo deste valor máximo, importa, todavia, definir o que seja o mínimo, isto é o que seja o valor que, à partida, garante o necessário a um sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, sendo certo que o legislador não indexou esse conceito a um valor pecuniário fixo – por referência ao salário mínimo ou a uma prestação social determinada –, antes o remeteu para o aludido conceito indeterminado ou aberto.

Nesta matéria, a ideia fundamental será a de que a exclusão, no rendimento disponível, do necessário para o sustento minimamente digno do devedor e dos membros do seu agregado familiar se fundamenta na salvaguarda da pessoa humana e da sua dignidade pessoal; princípio que tem, não só, acolhimento universal (cfr. arts. 1º e 25º, n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos Humanos), como, ainda, acolhimento na nossa própria Constituição (cfr. arts. 1º, 13º, 59º, n.º 1 e 67º, n.º 1).

Como refere Luís M. Martins, o aludido princípio consubstancia, enquanto alicerce da existência digna das pessoas, “o equilíbrio entre os conflituantes interesses legítimos do credor e os interesses do devedor, recuando o interesse do credor sempre que esteja em causa este princípio.(7)

Neste sentido, ainda, refere-se, entre outros, no Ac. RP de 12.06.2012 (8) que “o conceito de sustento minimamente digno do devedor é um conceito aberto, a objectivar face à singularidade que reveste a situação concreta de cada devedor/insolvente e que tem como subjacente o reconhecimento do princípio da dignidade humana.(9)

Luís Menezes Leitão também entende (citando o Ac. RL de 12.04.2011, in CJ, 2011, Tomo II, pág. 129-131) que “o montante indispensável a uma existência condigna deve ser objeto de uma ponderação casuística perante a situação em causa, sendo que nas despesas a ressalvar se incluem as necessidades em virtude da situação clínica do devedor.(10)

Este princípio, aliás, tem vindo a ser reiteradamente afirmado pelo Tribunal Constitucional em conexão com a temática da fixação do salário mínimo nacional, tendo aquele douto Tribunal considerado no Acórdão n.º 177/2002 (11) (com força obrigatória geral) que “… como resulta da análise dos sucessivos diplomas relativos à criação e às diversas actualizações introduzidas no respectivo montante, ao fixar o regime do salário mínimo nacional o legislador teve presente a intenção de garantir a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador.(12) (sublinhado nosso)

Em síntese, e tendo presente o antes exposto, e conforme vem sendo reiterado pela jurisprudência, designadamente a antes citada, o legislador estabeleceu na norma em apreço (art. 239º, n.º 3 al. b), i. do CIRE), um limite mínimo, definido por um critério geral e abstrato – o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar –, critério este a densificar e a aplicar casuisticamente pelo juiz em função do caso concreto e das circunstâncias do insolvente e do respetivo agregado familiar, e um limite máximo definido por um critério quantificável e objetivo – o equivalente a três salários mínimos nacionais –, limite máximo este que, como já referido, apenas poderá ser ultrapassado quando excecionais circunstâncias o justifiquem.

Nestes termos, sendo certo que, à luz da jurisprudência constitucional, a fixação do salário mínimo nacional tem subjacente a condição económica do nosso País, mas representa, também, segundo o próprio legislador, o “estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador”, legítimo será, pois, concluir que, pelo menos enquanto referência ou por princípio, o valor que assegura a subsistência, com o mínimo de dignidade, do trabalhador e do seu agregado familiar, será o valor correspondente a (1) um salário mínimo nacional. (13)

Esse mesmo entendimento resulta claramente, em sede da ação executiva, da redação do n.º 3 do art. 738º do C. P. Civil.

Com efeito, no art. 738º do CPC, depois de, no seu n.º 1, determinar a impenhorabilidade de dois terços da parte líquida de quaisquer vencimentos, salários … ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado, concretiza, no n.º 3, em claro paralelo com a norma do regime insolvencial ora em apreço, que tal impenhorabilidade tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional; não se aplicando, porém, tais limites, conforme prevê o n.º 4, quando o crédito exequendo for de alimentos, caso em que tal impenhorabilidade se confina à quantia equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo. (14)

De igual modo, conforme defendido pelo Ac. STJ de 02.02.2016 (15), “se a lei alude ao salário mínimo nacional para definir o limite máximo isento da cessão do rendimento disponível, também se deve atender a esse salário mínimo nacional, para no caso concreto, saber a partir dele, o quantum que se deve considerar compatível o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar.

Vincando o mesmo aresto mais à frente “… não entendemos que o “sustento minimamente digno” equivalha à atribuição de um mínimo pecuniário de estrita sobrevivência; de outro modo negar-se-ia ao instituto da exoneração a sua finalidade precípua de regeneração do insolvente para voltar à inclusão económica e social, expurgado de um passivo que não consegue solver.
As interpretações punitivas da lei correspondem, quantas vezes, a preconceitos e, num domínio em que o conceito de dignidade e a ideia de subsistência são primordiais, o padrão a adoptar deve ser aquele que, sem descurar os direitos dos credores, não afecte o devedor, remetendo-o aos limites de uma sobrevivência penosa, socialmente indigna, sob pena de a proclamada intenção de o recuperar economicamente constituir uma miragem.

(…) Nesta perspetiva, consideramos que, em regra, o SMN é o limite mínimo de exclusão dos rendimentos, no contexto da cessão de rendimentos pelo insolvente a quem foi concedida a exoneração do passivo restante, ou seja, nenhum devedor pode ser privado de valor igual ao salário mínimo nacional, sob pena de não dispor de condições mínimas para desfrutar uma vida digna.”

Por conseguinte, na lógica do anterior excurso, dentro do intervalo entre este valor mínimo (equivalente a um salário mínimo nacional) e o citado valor máximo (equivalente a três salários mínimos), a fixação concreta do que constitua o mínimo para o sustento minimamente condigno do devedor e respetivo agregado familiar, não obstante as dificuldades que encerra a prudente consideração de cada caso, “deverá obedecer aos critérios interpretativos e ao princípio constitucional da «proibição do excesso» (art.º 18º n.º 2 CRP), traduzindo-se, tanto quanto possível em adequação (isto é, apropriação ao caso concreto), necessidade e proporcionalidade (justa medida) – assim, Prof. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Coimbra, 3ª edição, págs. 428 ss. (16)

No caso, a “proibição do excesso” não deixará de considerar, por um lado, as necessidades fundamentais para um sustento minimamente do devedor e do seu agregado familiar, mas do outro terá em mente a necessária, tanto quanto possível, satisfação dos direitos dos credores, pois que olvidado este escopo do processo falimentar, facilmente a exoneração do passivo restante se transformaria num simples perdão de dívidas, num prémio ou na cobertura a uma fraude. (17)

De facto, e como tem sido salientado, “ao sacrifício financeiro dos credores terá de corresponder o sacrifício do insolvente através da compressão das suas despesas.(18)
Ou, ainda, que “constitui dever do insolvente adaptar o seu estilo e nível de vida ao padrão social condizente com a situação em que, imprevidentemente, se colocou, tratando-se, no fundo, da contrapartida decorrente da concessão do benefício da exoneração do passivo restante.(19)
E também que “o montante mensal que há-de ser dispensado ao insolvente no período da cessão não visa assegurar o padrão de vida que porventura teria antes da situação de insolvência mas apenas uma vivência minimamente condigna, cabendo ao visado adequar-se à especial condição em que se encontra, ajustando as despesas ou encargos ao nível de vida, em geral e na medida do possível, à nova realidade que enfrenta. Deste modo, não serão simplesmente as despesas enunciadas ou comprovadas que devem justificar o montante do rendimento indisponível, mas apenas aquelas que razoavelmente se justifiquem, traduzindo uma efectiva adaptação do padrão de vida do insolvente ao estatuto que lhe foi conferido.(20) (nosso sublinhado).
O que significa que a fixação do montante a excluir da cessão deve também ditar uma alteração do padrão de vida do devedor, obrigando-o a restringir os seus gastos numa lógica de contenção.

Recorde-se que, como já salientado, por efeito da concessão da exoneração do passivo restante os créditos sobre a insolvência extinguem-se definitivamente (art. 245º, n.º 1 do CIRE), salvo na hipótese, excecional, prevista no art. 246º do mesmo Código, de revogação da concessão da exoneração e no prazo de um ano após o respetivo trânsito em julgado.

Aqui chegados, a recorrente preconiza que, considerando o índice de 1 para a insolvente e o índice de 0,5 para a sua filha menor (com referência à antiga escala da OCDE ou escala de Oxford) o montante necessário para o sustento da insolvente e do seu agregado deve corresponder a 1,5 salários mínimos nacionais, considerados 14 vezes ao ano.

In casu, o tribunal a quo fixou como valor razoavelmente necessário, para o sustento minimamente digno da requerente, o montante mensal equivalente a um salário mínimo nacional.

Para o efeito considerou como critérios factuais a ter em conta que:

a) A insolvente Maria presentemente beneficia de rendimento social de inserção no montante de € 205,02.
b) Quanto às despesas do seu agregado familiar (composto pela insolvente e sua filha menor), têm as necessidades usuais de uma adulta de 34 anos e de uma criança de 11 anos de idade, no que se refere alimentação, vestuário, material e atividades escolares.
c) Quanto às despesas da habitação, tem a seu cargo uma renda de € 190,00 e as habituais despesas de eletricidade, gás e telecomunicações, no montante médio de € 65,00.
d) No que diz respeito às despesas de saúde, se o menor tem as despesas de saúde usuais de uma criança de 11 anos, já a insolvente vê as suas despesas de saúde agravadas, bem como as despesas de deslocação às unidades de saúde, na medida em que padece não só de doença do foro psiquiátrico, mas também de doença do foro oncológico que determinou a realização de uma cirurgia para remoção do útero no dia 29 de Novembro de 2017.

Mais considerou que, não tendo a insolvente rendimentos acima do valor fixado de um salário mínimo nacional, não se vislumbra sustentáculo para definir um valor superior.

Neste particular, cabe desde já realçar que, não obstante a insolvente auferir, neste momento, apenas o rendimento social de inserção de € 205,02, isso não invalida que não venha a auferir importância superior no futuro (repare-se que o n.º 2 do art. 239º, do CIRE, refere “rendimento disponível que o devedor venha a auferir …”), estando ainda o insolvente obrigado a declará-lo, nos termos da al. a) do n.º 4 do mesmo artigo 239º; sendo ainda obrigado a exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurá-la diligentemente quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto (al. b) do mesmo número).

Impõe-se, pois, a fixação do rendimento razoavelmente necessário para o sustento minimamente condigno da insolvente e do seu agregado familiar, tendo por base os apontados critérios, independentemente de a insolvente auferir, neste momento, um rendimento inferior àquele montante considerado razoável (salário mínimo nacional).

Ademais, o período de cessão é para durar cinco anos e só no fim de tal período é que haverá lugar à concessão ou não da exoneração do passivo restante do devedor (art. 244º, n.º 1, do CIRE).

Como já vimos, o conceito de “sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar” trata-se de um conceito indeterminado, vago e aberto, a densificar de acordo com as particularidades do caso concreto, tendo como ponto de partida o valor do salário mínimo nacional vigente.
Nesta medida, não obstante ser de atender à composição do agregado familiar e o conjunto dos rendimentos e despesas inerentes aos elementos que o compõe, não partilhamos a posição defendida pela recorrente (21) que, com recurso à antiga escala da OCDE ou “escala de Oxford”, conclui que teríamos necessariamente que considerar o índice de 1 (de acordo com aquela escala – 1º adulto) para a insolvente, equivalente portanto valor de um salário mínimo nacional, a que deveria de acrescer mais metade do mesmo SMN, correspondente ao índice de 0,5 (também conforme a mesma escala), referente ao “peso” do seu filho menor no aumento das necessidades do agregado familiar, o que, em conjunto, daria o rendimento mínimo disponível para a insolvente equivalente a 1,5 salários mínimos nacionais, ou seja, € 870,00 (€ 580,00 + 290,00). (22)

De facto, a apontada “escala de Oxford” é inaplicável no caso em apreço, tanto mais que o próprio legislador à mesma não se refere, limitando-se a definir um critério geral e abstrato correspondente ao “sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar.

Com a aplicação da dita “escala de Oxford”, deixaríamos de ter aquele critério, que resulta da própria lei (art. 9º, do C. Civil), genérico e indeterminado, a definir casuisticamente pelo julgador, como defendemos supra, para passarmos a ter, praticamente, uma “fórmula de aplicação matemática”, encontrando-se o rendimento mínimo disponível para o devedor/insolvente de acordo com a aplicação dos índices previstos naquela escala para os elementos que compõem o agregado familiar do insolvente (índice 1 para o 1º adulto insolvente do agregado familiar; 0,7 para os demais adultos do agregado familiar; e 0,5 para cada uma das crianças que compõem o mesmo agregado).

Como é sabido, esta antiga escala da OCDE tem a sua aplicação legal, no nosso País, em casos que nada têm a ver com o nosso, mais concretamente aplica-se para efeitos da determinação da condição de recursos a ter em conta na atribuição e manutenção das prestações do subsistema de proteção familiar e do subsistema de solidariedade, bem como para a atribuição de outros apoios sociais públicos. (23)

Nestes casos, é evidente as vantagens que a aplicação daquela escala traz consigo, pois que permite, de forma igualitária ou equivalente, encontrar critérios de cálculo de capitação dos rendimentos de cada agregado familiar, através dos diversos elementos que o compõe, para efeitos de atribuição e manutenção dos referidos apoios sociais.

No nosso caso, para além de não se nos afigurar ter sido essa a intenção do legislador, também sempre consideraríamos que a aplicação daquela “escala de Oxford” conduziria a situações manifestamente injustas: veja-se o exemplo de um insolvente que vivendo com os três filhos menores, teria, de acordo com a mencionada escala, garantido um rendimento mínimo disponível para si e seu agregado equivalente a 2,5 (1+0,5+0,5+0,5) salários mínimos nacionais (atualmente no valor global de € 1.450,00); enquanto se vivesse sozinho e a pagar alimentos aos mesmos três filhos menores, no valor de € 100,00 mensais para cada um, já teria unicamente garantido, conforme a mesma escala, o valor de um SMN, acrescido eventualmente (já não com base naquela escala) da referida quantia de alimentos devidos aos seus filhos menores (num total de € 880,00).

Por último, sempre diremos que a própria OCDE tem vindo a rever as denominadas “escalas de equivalência”, atribuindo pesos diferentes a cada um dos elementos do agregado familiar (24), não se compreendendo o porquê da escolha da escala de equivalência mais antiga.

A recorrente defende ainda que o rendimento mínimo garantido para si deverá ser considerado 14 vezes ao ano.
Presume-se que pretende aqui incluir os subsídios de férias e de Natal devidos a trabalhadores por conta de outrem.

Todavia, como já explicitámos supra, o que importa encontrar é um rendimento que garanta o sustento minimamente condigno do devedor e do seu agregado familiar, do qual se deverão pois excluir os subsídios de férias e de Natal, tanto mais que se nos afigura óbvio que tais subsídios não se revelam imprescindíveis àquele “sustento mínimo” que a lei estabelece. (25)

Ora, no caso em apreço, temos pois a devedora/insolvente que, auferindo o rendimento social de inserção de € 205,02, vive com o seu filho menor, tendo as despesas usuais inerentes à alimentação, vestuário, material e atividades escolares, de uma adulta e de uma criança de 11 anos.

Paga de renda de casa o valor mensal de € 190,00 e, em despesas de eletricidade, gás e telecomunicações, cerca de € 65,00 por mês.

No que se refere às despesas de saúde, cumpre relevar que a insolvente tem as suas despesas de saúde agravadas, bem como despesas de deslocação às unidades de saúde para consultas e tratamentos, tanto mais que padece não só de doença do foro psiquiátrico, mas igualmente de doença do foro oncológico, que lhe determinou uma cirurgia para remoção do útero, no dia 29.11.2017, sendo normal que as despesas médicas e medicamentosas daí advenientes possam vir a aumentar.

No que se refere ainda ao menor, não sabemos qual o valor dos alimentos que recebe do seu progenitor ou se o mesmo menor goza da intervenção do FGADM, em substituição daquele progenitor, sendo certo que, atenta à deficiente situação económica da progenitora, o agregado do menor e sua mãe sempre terá direito ao benefício proveniente da intervenção do FGADM, nos termos definidos pela Lei n.º 75/98, de 19.11, e D.L. n.º 164/99, de 13.05.

Por outro lado, em resultado da supra referida contrapartida do sacrifício imposto aos credores na satisfação dos seus créditos, e por forma a se encontrar um equilíbrio entre os dois interesses contrapostos, necessário se torna o empenho e o sacrifício da devedora/insolvente apelante, no sentido de comprimir ao máximo as suas despesas, reduzindo-as ao estritamente necessário.

Tudo visto e ponderado, procurando otimizar equilíbrios, admite-se elevar ligeiramente o valor fixado para o sustento minimamente digno da devedora/insolvente e do seu agregado familiar, em cada mês, para 1,2 salários mínimos nacionais (atualmente no valor global de € 696,00 mensais), valor esse a excluir do seu rendimento disponível (art. 239º, n.º 3, al. b), i., do CIRE).

Por último, sempre se dirá que é sempre admissível a ulterior alteração do circunstancialismo que esteve na origem da fixação do montante necessário para o sustento minimamente digno, a requerimento fundamentado do devedor, ponderado que seja o agravamento das despesas relevantes e atendíveis que devam ser excluídas da cessão, nos termos e para os efeitos do artigo 239º, n.º 3, al. b), iii), do CIRE.
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V- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação em presença e, em consequência, revogar o correspondente segmento da decisão recorrida, fixando-se em 1,2 salários mínimos nacionais, o valor a excluir do rendimento disponível da insolvente Maria, devendo esta entregar à fiduciária, no período da cessão, a parte dos rendimentos por si auferidos que exceder aquele valor.

Custas pela massa insolvente (arts. 303º e 304º, do CIRE).
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Guimarães, 17.05.2018

António José Saúde Barroca Penha
Eugénia Marinho da Cunha
José Manuel Alves Flores


1. In Exoneração do Devedor pelo Passivo Restante, Revista “Themis ”, Edição Especial, Novo Direito da Insolvência, 2005, pág. 167. Neste sentido, cfr. igualmente, Catarina Serra, in O Novo Regime Português da Insolvência – Uma Introdução, 2010, pág. 133.
2. Alexandre de Soveral Martins, in Um Curso de Direito da Insolvência, Almedina, 2016, pág. 584.
3. Assunção Cristas, ob. citada, págs. 169-174.
4. Vide, neste sentido, por todos, A. Cristas, ob. cit., pág. 176; A. Soveral Martins, ob. cit., págs. 600-602; e Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Iuris, 2015, págs. 860-861; e Luís Menezes Leitão, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Almedina, 2013, pág. 224, sendo que este último autor, defendendo anteriormente que estávamos antes “perante uma promessa de entrega de ganhos gerados pelo devedor, no momento em que o sejam”, tende agora a seguir a posição de que se trata de uma “efetiva cessão de créditos futuros.
5. A. Cristas, ob. cit., pág. 180; No mesmo sentido, ainda, L. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., págs. 860-861; e A. Soveral Martins, ob. cit., pág. 602.
6. Vide, neste sentido, por todos, Ac. STJ de 18.10.2012, proc. n.º 80/11.3TBMAC-C.E1.S1, relator Tavares de Paiva; Ac. RP de 02.06.2011, proc. n.º 347/08.8TBVCF-F.P1, relator Teles de Menezes; Ac. RP de 12.05.2014, proc. n.º 579/13.7TBVFR.P1, relator Caimoto Jácome; Ac. RL de 03.07.2014, proc. n.º 344/12.9TBCSC-F.L1-2, relator Ezaguy Martins; e Ac. RG 24.09.2015, proc. n.º 1084/13.7TBFAF.G1, relator Jorge Teixeira, todos disponíveis em www.dgs.pt.
7. In Recuperação de Pessoas Singulares, Vol. I, Almedina, 2ª edição, pág. 132.
8. Proc. n.º 51/12.2TBESP-E.P1, relator Rodrigues Pires.
9. No mesmo sentido, cfr. entre outros, Ac. RP de 12.06.2012, proc. n.º 3529/11.1TBVLG-B.P1; e Ac. RP de 11.09.2012, proc. n.º 666/11.6TJVNF-D.P1, ambos relatados por Vieira e Cunha; e Ac. RP de 15.09.2015, proc. n.º 24/14.0T2AVR-C.P1, relator José Igreja Matos, disponíveis in www.dgsi.pt.
10. Ob. citada, pág. 224.
11. In DR, 1ª série A, de 02.07.2004.
12. Além do citado Ac. TC n.º 177/2002, vide, ainda, no mesmo sentido, Ac. TC n.º 349/91, de 03.07.1991, relator Alves Correia; Ac. TC n.º 318/99, de 26.05.1999, relator Vítor Nunes de Almeida; e Ac. TC n.º 96/2004, de 11.02.2004, relatora Maria Helena Brito, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos.
13. Atualmente fixado no valor mensal de € 580,00 – art. 2º do D.L. n.º 156/2017, de 28.12.
14. Atualmente fixado no valor de € 207,01, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2018 – arts. 18º, n.º 1, e 30º, da Portaria n.º 23/2018, de 18.01.
15. Proc. n.º 3562/14.1T8GMR.G1.S1, relator Fonseca Ramos, acessível em www.dgsi.pt.
16. Cfr. Ac. RP de 12.06.2012, relator Vieira e Cunha, já citado.
17. Vide, neste sentido, Ac. RP de 12.06.2012 e Ac. RP de 11.09.2012, relator Vieira e Cunha; e AC. RG de 24.09.2015, relator Jorge Teixeira, já antes citados.
18. Cfr. Ac. RL de 25.10.2012, proc. n.º 3359/12.3TBOER.-E.L1-2, relatora Ondina Carmo Alves, acessível em www.dgsi.pt.
19. Cfr. Ac. RL de 13.12.2012, proc. n.º 1564/11.0TBSSB-F.L1-7, relator Luís Espírito Santo, disponível em www.dgsi.pt.
20. Vide AC. RL de 09.04.2013, proc. n.º 2669/12.4YXLSB-B.L1-7, relatora Maria da Conceição Saavedra, disponível também no mesmo sítio.
21. Citando o Ac. RC de 12.03.2013, proc. n.º 1254/12.5TBLRA-F.C1, relatora Sílvia Pires, disponível em www.dgsi.pt
22. Idêntica solução seguiu o Ac. RL de 11.10.2016, proc. n.º 1855/14.7TCLRS-7, relatora Carla Câmara, acessível em www.dgsi.pt.
23. Cfr. art. 5º do D.L. n.º 70/2010, de 16.06, sob a epígrafe “Capitação do rendimento do agregado familiar”; sendo muitas vezes utilizada para efeitos da intervenção do FGADM – cfr. art. 3º, nºs 2 e 3, do D.L. n.º 164/99, de 13.05.
24. Cfr. “OECD-modified scale” e “Square root scale”, enunciadas em https://www.oecd.org/eco/growth/OECD-Note-EquivalenceScales.pdf.
25. No mesmo sentido, cfr. por todos Ac. RC de 13.05.2014, proc. n.º 1734/10.7TBFIG-G.C1, relator Luís Cravo; e Ac. RG de 26.11.2015, proc. n.º 3550/14.8T8GMR.G1, relatora Maria Amália Santos, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.