Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2842/21.4T8VRL-C.G1
Relator: FERNANDO BARROSO CABANELAS
Descritores: NULIDADE DA DECISÃO
APOIO JUDICIÁRIO
RECURSO DA DECISÃO DO INDEFERIMENTO DO APOIO JUDICIÁRIO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/30/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Em sede de processo de inventário é devido o pagamento de taxa de justiça, a liquidar pelo requerente (artº 13º, nº2, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I-A). Não sendo obrigatória a constituição de mandatário (fora dos casos do artº 1090º do Código de Processo Civil), caso seja o requerente a praticar o ato, o pagamento da taxa de justiça só é devido após a notificação de onde conste o prazo de 10 dias para efetuar o pagamento e as cominações a que a parte fica sujeita caso não o efetue (artº 14º, nº6, do Regulamento das Custas Processuais).
2. Arrogando-se o(s) requerente(s) o benefício de apoio judiciário, incumbe-lhe(s) a apresentação, com o requerimento inicial, de documento comprovativo da referida concessão, na modalidade de dispensa de taxa de justiça (artº 552º, nº3, do CPC ex vi artº 13º, nº1, do RCP). Não se tratando de processo urgente (artº 552º, nº5, do CPC, caso em que bastaria a apresentação de documento comprovativo do pedido de apoio judiciário), ou é apresentado documento comprovativo de que o autor beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento total do pagamento de custas, e inexiste obstáculo ao prosseguimento da ação, ou sendo apenas feita menção à alegada formação de ato tácito de deferimento do pedido formulado, e impõe-se que seja confirmada junto da Segurança Social a decisão que recaiu sobre o pedido formulado, salvaguardando eventual revogação do ato tácito.
3. Dissipadas as dúvidas, e caso se venha a verificar que o requerente não beneficia de apoio judiciário, ou paga a taxa de justiça omitida, nos termos das disposições processuais respetivas, consoante o momento processual, acrescida de multa, ou serão extraídas as consequências decorrentes de tal omissão que os respetivos artigos cominem.
4. Em qualquer dos casos, não deve ser suspensa a instância, face ao disposto no artº 24º da Lei nº 34/2004, de 29 de julho.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório:

Em 29 de abril de 2022 foi apresentado requerimento, com a referência citius 42086443, com o seguinte teor:

Cabeça de Casal, com melhores sinais nos autos, vem no seguimento do V/despacho em referência e da guia que mandou à secretaria passar, expor e requerer o seguinte:

1. Salvo lapso, ou melhor, opinião, desconhecemos a Ref.ª 36799568 (26/04/2022), descrita no despacho à margem identificado, pelo que requeremos a perfeição desta referência nos notificando,
2. O despacho a que se responde, impende o cumprimento do art.º 642.º do CPC, à Cabeça de Casal, com o devido respeito, ora, o articulado pelo qual exige tal pagamento de custas é o articulado de recurso que impugna despachos desse tribunal a quo, no sentido de serem reconhecidos os apoios judiciários e consequentemente não ser exigido o pagamento de custas, pelo que para a admissão e subida do recurso não ser exigido o pagamento de custas, até que o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães decida a Apelação e a final se saber se são ou não exigidas custas,
3. Pelo supra também não é exigível o pagamento de multa, porquanto a requerente está no exercício de um direito e assim, sem necessidade de mais desenvolvimentos e sem apreciar o conteúdo da Guia Cível, que antes desta apreciação, decisão está prejudicada, se requer a V/Exa. a reforma da V/Decisão e em consequência seja admitido a subir o referido recurso sem o prévio pagamento de quaisquer custas nem tão pouco de multa, seguindo-se os ulteriores termos até final,

Outra,
4. Desconhece-se a razão pela qual os autos principais estejam parados sem atos nomeadamente de citação.
5. Requer-se que com a subida do referido recurso suba o presente acompanhado do despacho que sobre o mesmo recair.
6. Requer-se que a prolação do despacho que responda ao presente dê a oportunidade de prazo para se necessário se exercerem instâncias, impugnar quer o despacho agora em crise quer o que responda ao presente articulado,
Muito respeitosamente,
P.D.

Em 2 de maio de 2022 foi prolatado o seguinte despacho:
Refª 2914345 (29/04/2022)
A recorrente entende que não são devidas custas pela admissão e subida do recurso, até que o Tribunal da Relação decida se são ou não devidas custas, pelo que entende que a Secretaria mal esteve ao cumprir o art 642º do Cód de Proc Civil.
Aguardem os autos o que vier a ser decidido no apenso de recurso da decisão de indeferimento do apoio judiciário.
Posteriormente conclua.

O anterior despacho foi objeto de apelação pela cabeça de casal, tendo sido formuladas as seguintes conclusões:

A. Consideram-se aqui como integralmente reproduzidas as alegações, e os normativos invocados, que se consideram violados e em consequência,
B. A decisão que se impugna violou o dever de gestão processual, porquanto face a processos de apoio judiciário, seus recursos e reclamações, terem autonomia em relação ao processo principal, pelo que o despacho que se impugna não poderia mandar aguardar os autos o que venha a ser decidido no apenso «A» de recurso sobre decisão de apoio judiciário e reclamação contra a sua não admissão (art.º 643.º CPC), ou seja parar todos os atos, nomeadamente de citação,
C. A decisão que se impugna ser nula por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificassem, terem os autos que aguardar pela decisão a ocorrer no apenso «A»
D. A decisão que se impugna ser nula por omitir a decisão sobre a multa e sobre não ter decidido os termos do art.º 641.º n.º 5 e 6 do CPC,
E. A decisão ser nula pela incongruência de ser exigível a prévia decisão de apoio judiciário a correr termos no apenso «A» e cuja beneficiária é um Autora, coincidente com a Cabeça de Casal, e que o recurso nos autos principais sobre o apoio judiciário ser em coligação de 3 outros Autores, e onde a Cabeça de Casal os representa, ter que ficar prejudicado, a aguardar a decisão do apenso «A»,
F. A decisão ainda é nula do ponto de vista processual, porquanto o tribunal a quo, teria que decidir nos termos do art.º 641.º do CPC e em vez disso causa um anátema, que não decide e pretende com a eventual decisão que ocorrer no apenso «A» afetar 4 pessoas, cidadãos, distintos com razões de pedidos diferenciados sobre cada uma das suas proteções jurídicas requeridas, exigindo a reposição da justiça não pelo art.º 643.º do CPC, mas antes pelo presente recurso, causando ainda mais encargo à recorrente, mais ocupação dos recursos da justiça,
G. A decisão recorrida, enferma de erro na apreciação da matéria de facto, porquanto, tem o conhecimento oficioso, desde a PI, e nos seus documentos anexos, nomeadamente A a D, e ainda bem frisado em diversos requerimentos e no recurso da Cabeça de Casal, nos autos principais, que tem para decidir nos termos do art.º 641.º n.º 5 e 6 do CPC, não podia desconhecer que os Autores declararam a menção de terem deferimento tácito sobre os pedidos de apoio judiciário formulados, juntando documentos, assim como uma das autoras (M. L.) tem decisão judicial transitada em julgado que reconheceu o deferimento tácito aplicável ao presente processo, pelo que,
H. A decisão a quo erra quer quanto a pretender o pagamento de custas quer multa nos termos do art.º 642.º do CPC, quer por determinar aguardarem os autos o que vier a ser decidido no apenso do recurso apenso «A», que diga-se, para que se aguardem os autos tal decisão:
I. Ainda falta antes a decisão sobre a reclamação do art.º 643.º do CPC (apenso B) e após havendo a subida a decisão sobre o recurso (apenso A), e depois ao se verificar que o apenso «A» trata de uma requerente/autora de apoio judiciário e nos autos principais existe recurso que o tribunal a quo face ao despacho que se impugna ainda não cumpriu a previsão do art.º 641.º n.ºs 5 e 6 do CPC e que nele constam ainda 3 requerentes/autores que também recorreram de decisões que afetam os seus direitos de verem reconhecidos os deferimentos tácitos sobre os pedidos de apoio judiciário que formularam,
J. Tal «aguardem», seria para as “calendas gregas” que desconhecemos ou seja seria até o processo deixar de aguardar o que provir, sobre os apoios judiciários, como se os autos estivessem dependentes do que haja em se decidir nas impugnações, sobre os apoios judiciários, o que não se poderá acolher,
K. Por tais questões serem tão simples, só a falta ou má interpretação da matéria facto, assentida por um má e errada gestão processual, permitiria tal decisão, pelo que a decisão ora impugnada o foi sob erro de facto,
L. Quanto ao erro de direito, por simples, consideramos aqui como reproduzidas todas as normas jurídicas e princípios, que enforma este recurso, que por violados, a decisão não decidiu as questões que lhe cumpria solucionar (art.º 607.º n.º 2 in fine do CPC), os factos que assetam no aguardar os autos pelo recurso do apenso «A», não foi fundamentado com interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes ( art.º 607.º n.º 3 do CPC), não foram analisadas criticamente as provas e demais fundamentos que formaram a convicção (art.º 607.º n.º 4 do CPC), não decidiu as questões que foram colocadas à apreciação/decisão ( art.º 608.º n.º 2 do CPC),
M. Ainda quanto ao erro de direito, a decisão, protela e não reconhece uma decisão sobre apoio judiciário, que reconheceu o deferimento tácito, a uma das Autoras (M. L.), ou seja, violou, ofendeu o caso julgado, violando as previsões dos artigos 619.º n.º 2, 628.º 629.º n.º 2, al. a) in fine do CPC e que só por si merecia o recurso que consta nos autos principais ter subido e não decidir «Aguardem».
N. A decisão em crise ainda enferma de erro de direito, porquanto, quer ao exigir o prévio pagamento das taxas de justiça quer ao pretender a aplicação do art.º 642.º do CPC, ou seja de custas e de multa no mesmo montante, para só assim permitir apreciar a subida ou não subida de recurso cujas questões centrais serem sob apoio judiciário, fez um má e errada interpretação dos princípios e normas que norteiam tal instituto, ou seja violou as normas e as decisões do Tribunal Constitucional com força obrigatória geral:
a. art.ºs 18.º n.º 4, e 24.º n.º 1, 25.º n.º 3 da Lei n.º 34/2004 de 07/29;
b. art.º 12.º, 18.º, 20.º e 32.º n.º 10 da CRP e 6.º da CEDH;
c. Ac. do TC números 273/2012, proc. 116/12 da 2.ª Secção, publicado no DR, 2.ª Série n.º 120, 22 de junho de 2012; Ac. do TC n.º 353/2017, proc. 317, do Plenário, que permite extrair que não são exigíveis nesta pendencia o pagamento de taxas/custas, e que por má interpretação e aplicação da lei, ocorreu erro de julgamento,
O. Ainda como erro de direito, o facto de não haver razão para que a decisão ora recorrida não cumprisse os comandos previstos no art.º 641.º do CPC,
P. Do supra, deve a decisão ora impugnada ser substituída por outra que permita:
a. Não ser exigível qualquer custas ou multas nos termos do art.º 642.º do CPC para cumprimento das previsões sobre o art.º 641.º do CPC,
b. Não ser exigível o pagamento da multa a que se refere o art.º 642.º do CPC, porquanto os autores/recorrentes estarem no uso de um direito e por causa do uso desse direito, ao apoio judiciário,
c. Que as questões sobre apoio judiciário, tem autonomia, em relação ao processo principal e não permitem suspender, instancias, parar os autos, aguardarem despachos, para prosseguirem nomeadamente na realização de citações;
d. Que as citações a efetuar têm de ser por oficial de justiça face aos pedidos (menções) de apoio judiciário requeridos e enquanto os autos mantenham esta pendência,
e. Que seja reconhecido o caso julgado sob a decisão de apoio judiciário constante nos autos em referência à Autora, M. L., aplicável aos autos a quo,
f. Que o apenso «A» trata do apoio judiciário de uma Autora (M. G.) cuja decisão é pessoal e não pode afetar a individualidade dos direitos de cada um dos outros Autores no que respeita ao apoio judiciário que em coligação individualizando as suas posições recorreram nos autos principais, recurso este que reúne todos os pressupostos e validade para ser prolatada decisão nos termos do art.º 641.º do CPC,
Q. Pelo supra a decisão a quo ora recorridas, devem ser substituídas por outra de acordo com o Direito e a Justiça, requerendo-se desde já o efeito suspensivo de tal decisão.
Não houve contra-alegações.
Os autos foram aos vistos dos excelentíssimos adjuntos.
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II – Questões a decidir:

Nos termos do disposto nos artºs 608º, nº2, 609º, nº1, 635º, nº4, e 639º, do CPC, as questões a decidir em sede de recurso são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas que o tribunal deve conhecer oficiosamente, não sendo admissível o conhecimento de questões que extravasem as conclusões de recurso, salvo se de conhecimento oficioso.
As questões a decidir são, assim, apurar se existe fundamento processual para suspensão da instância e se o despacho recorrido é nulo por omissão de pronúncia.
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III – Fundamentação:

A. Fundamentos de facto:
Os factos provados com relevância para a decisão do presente recurso são os que constam do relatório antecedente.
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B. Fundamentos de direito.

A questão decidenda afigura-se-nos linear, a carecer de poucas considerações.
Como resulta expressamente do requerimento de interposição do recurso, o objeto do mesmo é o despacho de 2 de maio de 2022, referência citius nº 36836283, e somente esse. Por outro lado, no recurso não podem ser conhecidas questões sobre as quais a primeira instância não se pronunciou.
Os recorrentes arguiram a nulidade da decisão recorrida, com base no disposto no artº 615º, nº1, alínea b), e d), do CPC, na medida em que a decisão recorrida não fundamenta as razões pelas quais decidiu suspender a instância, nem se pronunciou sobre as questões levantadas pelos recorrentes no requerimento que deu origem ao despacho recorrido.

As causas de nulidade dos despachos, (ex vi artº 613º, nº3, do CPC) estão previstas no artº 615º do CPC:

Causas de nulidade da sentença:

1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.

4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.

As nulidades da decisão são vícios intrínsecos da própria decisão, deficiências da estrutura da sentença (no caso do despacho), o que não é confundível com o erro de julgamento, ou sequer com um alegado erro na forma de processo.

Ainda que referido a uma sentença, mas com igual cabimento quanto aos despachos, pode ler-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17/12/2018, disponível em www.dgsi.pt:
Os vícios determinativos de nulidade da sentença encontram-se taxativamente enunciados no referido art. 615º, do CPC, e reportam-se à estrutura ou aos limites da sentença, tratando-se de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, ou seja, a vícios formais da sentença ou relativos à extensão do poder jurisdicional por referência ao caso submetido ao tribunal.
Respeitam a vícios da estrutura da sentença os fundamentos enunciados nas alíneas b) - falta de fundamentação - e c) - oposição entre os fundamentos e a decisão -, e respeitam a vícios atinentes aos limites da sentença, os enunciados nas alíneas d) - omissão ou excesso de pronúncia - e e) - pronuncia ultra petitum.
Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” (Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734.).
Diferentemente desses vícios, são os erros de julgamento (error in iudicando), os quais contendem com erros ocorridos ao nível do julgamento da matéria de facto ou ao nível da decisão de mérito proferida na sentença/decisão recorrida, decorrentes de uma distorção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error iuris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa.
Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto, sendo que esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença (vícios formais), sequer do poder à sombra do qual a sentença é proferida, mas ao mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in iudicando, atacáveis em via de recurso (Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277).
Assente o supra exposto, dir-se-á que inexiste o preenchimento das citadas alíneas b), e d).
Por um lado, inexiste qualquer omissão de pronúncia, na medida em que a falta de pronúncia do tribunal recorrido sobre as questões levantadas pelos recorrentes deriva da circunstância de por força da suspensão decretada, ter ficado prejudicado o conhecimento imediato daquelas.
De igual forma, inexiste nulidade por falta de fundamentação.
Resulta do despacho integrado no seu contexto que se percebe perfeitamente o raciocínio feito pelo tribunal recorrido, bem como as consequências que retirou e as razões pelas quais o fez. É percetível a razão pela qual considerou ser de suspender a instância. Sendo percetível este iter cognitivo, resulta perfeitamente cognoscível e sindicável a motivação do tribunal, coisa diferente de se afirmar que o tribunal decidiu bem.
Improcedem, assim, as arguidas nulidades.
Importa agora apreciar o mais alegado.
Ainda que não claramente expressa, a decisão “Aguardem os autos o que vier a ser decidido no apenso de recurso da decisão de indeferimento do apoio judiciário” configura uma suspensão da instância por determinação do juiz, subsumível ao disposto no artº 272º, nº1, do CPC, dado não se verificar nenhuma das regras especiais de suspensão da instância previstas no artº 1092º, do Código de Processo Civil.
É essa circunstância que dita a admissibilidade do recurso, nos termos do artº 644º, nº2, alínea c), do CPC.
A questão que então se coloca e há que decidir é a de saber se tal suspensão da instância é justificada.
Pese embora a ampla discricionariedade conferida ao juiz pela parte final do artº 272º, nº 1, do CPC, não existe fundamento para tal suspensão quando a solução jurídica para a questão com a qual o juiz é confrontado resulta expressamente da lei, não dependendo da decisão de outra causa pendente, não se podendo considerar, por isso, haver um motivo justificado.
Os presentes autos não são de jurisdição voluntária, muito menos dependem das interpretações jurídicas feitas pelas partes.
Dispõe o artº 1º, do Regulamento das Custas Processuais, (doravante RCP) que “1. Todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados pelo presente Regulamento, 2. Para efeitos do presente Regulamento, considera-se como processo autónomo cada ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria.
De acordo com o artº 3º, nº1, do RCP, “As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte”.
O artº 6º, nº1, do mesmo diploma estatui que “A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela 1-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.”
Finalmente, e de acordo com o artº 14º do RCP, que regula a oportunidade de pagamento, “1. O pagamento da primeira ou única prestação da taxa de justiça faz-se até ao momento da prática do ato processual a ela sujeito, devendo: a) Nas entregas eletrónicas, ser comprovado por verificação eletrónica, nos termos da Portaria prevista no nº1 do artigo 132º do Código de Processo Civil; b) Nas entregas em suporte de papel, o interessado proceder à entrega do documento comprovativo do pagamento.”
É inequívoco que em sede de processo de inventário é devido o pagamento de taxa de justiça, a liquidar pelo requerente de inventário (artº 13º, nº2, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I-A). Não sendo obrigatória a constituição de mandatário (fora dos casos do artº 1090º do Código de Processo Civil), caso seja o requerente a praticar o ato, o pagamento da taxa de justiça só é devido após a notificação de onde conste o prazo de 10 dias para efetuar o pagamento e as cominações a que a parte fica sujeita caso não o efetue (artº 14º, nº6, do Regulamento das Custas Processuais).
Por outro lado, ainda em sede de custas, o artº 1130º, do Código de Processo Civil estatui sobre a responsabilidade pelas custas no processo de inventário.
Ora, arrogando-se o(s) requerente(s) o benefício de apoio judiciário, incumbe-lhes a apresentação, com o requerimento inicial, de documento comprovativo da referida concessão, na modalidade de dispensa de taxa de justiça (artº 552º, nº3, do CPC ex vi artº 13º, nº1, do RCP).
Não se tratando de processo urgente (artº 552º, nº5, do CPC, caso em que bastaria a apresentação de documento comprovativo do pedido de apoio judiciário), ou é apresentado documento comprovativo de que o autor beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento total do pagamento de custas, e inexiste obstáculo ao prosseguimento da ação, ou sendo apenas feita menção à alegada formação de ato tácito de deferimento do pedido formulado, e impõe-se que seja confirmada junto da Segurança Social a decisão que recaiu sobre o pedido formulado.
Dissipadas as dúvidas, e caso se venha a verificar que o requerente não beneficia de apoio judiciário, ou paga a taxa de justiça omitida, nos termos das disposições processuais respetivas, consoante o momento processual, acrescida de multa, ou serão extraídas as consequências decorrentes de tal omissão que os respetivos artigos cominem

Em qualquer dos casos, e de acordo com o artº 24º da Lei nº 34/2004, de 29 de julho:

Artigo 24.º
Autonomia do procedimento

1 - O procedimento de protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeite, não tendo qualquer repercussão sobre o andamento desta, com excepção do previsto nos números seguintes.
2 - Nos casos previstos no n.º 4 do artigo 467.º do Código de Processo Civil e, bem assim, naqueles em que, independentemente das circunstâncias aí referidas, esteja pendente impugnação da decisão relativa à concessão de apoio judiciário, o autor que pretenda beneficiar deste para dispensa ou pagamento faseado da taxa de justiça deve juntar à petição inicial documento comprovativo da apresentação do respectivo pedido.
3 - Nos casos previstos no número anterior, o autor deve efectuar o pagamento da taxa de justiça ou da primeira prestação, quando lhe seja concedido apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça, no prazo de 10 dias a contar da data da notificação da decisão que indefira, em definitivo, o seu pedido, sob a cominação prevista no n.º 5 do artigo 467.º do Código de Processo Civil.
4 - Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
5 - O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:
a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;
b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.


Por outro lado, nos termos do artº 28º do mesmo diploma,

Artigo 28.º
Tribunal competente

1 - É competente para conhecer e decidir a impugnação o tribunal da comarca em que está sedeado o serviço de segurança social que apreciou o pedido de protecção jurídica ou, caso o pedido tenha sido formulado na pendência da acção, o tribunal em que esta se encontra pendente.
2 - No caso de existirem tribunais de competência especializada ou de competência específica, a impugnação deve respeitar as respectivas regras de competência.
3 - Se o tribunal se considerar incompetente, remete para aquele que deva conhecer da impugnação e notifica o interessado.
4 - Recebida a impugnação, esta é distribuída, quando for caso disso, e imediatamente conclusa ao juiz que, por meio de despacho concisamente fundamentado, decide, concedendo ou recusando o provimento, por extemporaneidade ou manifesta inviabilidade.
5 - A decisão proferida nos termos do número anterior é irrecorrível.


Ora, aplicando-se em sede de recursos o regime geral, por força do artº 1123º, nº1, do Código de Processo Civil, e competindo em primeira linha as decisões sobre o apoio judiciário aos serviços da Segurança Social, que são passíveis de recurso para o tribunal de comarca, mas cujas decisões são irrecorríveis, inexiste fundamento para suspender um processo à espera de uma decisão sobre custas, quando o artº 24º, nº1, estatui expressamente sobre os casos de autonomia do procedimento de apoio judiciário e exceções à mesma.
Conclui-se, assim, que inexiste fundamento para suspender a instância. O tribunal recorrido ou entende que os requerentes beneficiam de apoio judiciário ou entende que não, e tomará as suas decisões com base nesse pressuposto. O Tribunal da Relação, na estrita vertente do apoio judiciário, não conhece das decisões tomadas pela Segurança Social nem das decisões tomadas pela 1ª instância em sede de recurso daquelas.
Revoga-se assim o despacho recorrido, ficando prejudicado o conhecimento do mais alegado.
No que tange às custas, não tendo havido vencimento da ação, têm de ficar a cargo de quem do recurso tirou proveito, no caso os recorrentes – artº 527º, nº1, do CPC.
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V – Dispositivo:

Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso interposto, revogando o despacho que decretou a suspensão da instância.
Custas pelos recorrentes, sem prejuízo do hipotético benefício de apoio judiciário – artº 527º, nº1, parte final, do CPC.
Notifique.
Guimarães, 30 de junho de 2022.

Relator - Fernando Barroso Cabanelas;
1.ª Adjunta – Maria Eugénia Pedro;
2.º Adjunto – Pedro Maurício.