Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
189/13.9TBMTR.G1
Relator: PAULO REIS
Descritores: PRESTAÇÃO DE CONTAS
PRESTAÇÃO FORÇADA DE CONTAS
CONTAS APRESENTADAS PELO AUTOR
PODERES DE AVERIGUAÇÃO
PRUDENTE ARBÍTRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/01/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO DE AMBAS AS PARTES
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Mostrando-se ultrapassada a primeira fase processual própria da ação de prestação de contas, a qual decorre desde a sua de dedução até ao despacho que determinou a notificação do autor para apresentar as contas, nos termos do disposto no artigo 943.º, n.º 1, do CPC, atento o desentranhamento da contestação apresentada pelo réu, o processo prossegue com o seu objeto circunscrito ao julgamento das contas apresentadas pelo autor não sendo sequer o réu admitido a contestar as contas apresentadas por via da cominação prevista no artigo 943.º, n.º 2, do CPC.
II- Nas circunstâncias processuais referenciadas fica definido no processo a existência da obrigação de prestar contas de acordo com o ato ou facto que justifica o pedido e que constitui a causa de pedir invocada pelo autor, não podendo o réu vir invocar posteriormente questões que tinha o ónus de suscitar em sede de contestação nem relevando a posterior negação ou invocação de factos destinados a derrogar ou contraditar outros que se devem considerar assentes por integrarem matéria que se deve considerar definitivamente adquirida e sobre a qual não há lugar a qualquer averiguação autónoma na subsequente fase processual.
III- Na falta de apresentação pelo réu das contas deve o juiz fazer uso dos poderes de averiguação concedidos pelo artigo 943.º, n.º 2, do CPC e do seu prudente arbítrio para julgar as contas apresentadas pelo autor sem deixar de ponderar que a obrigação de prestação de contas incumbe à parte contrária, que a não cumpriu.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

J. L., intentou ação de prestação de contas, com processo especial, contra A. S., pedindo que o réu preste contas de todos os atos que praticou no âmbito de acordo celebrado com o autor pelo qual o réu assumiu em exclusivo a gestão das verbas monetárias e do património relacionados com a prática agrícola do autor, atentos os apoios/subsídios monetários recebidos de instituições públicas, assim como do pagamento das despesas relacionadas com a prática agrícola do autor, visto o réu ser bancário e estar habituado a gerir, mais requerendo que, a final, seja o réu condenado a transferir e pagar o saldo positivo apurado.
Citado, o réu contestou a obrigação de prestar contas, negando que alguma vez tenha gerido ou administrado bens ou patrimónios alheios, na medida em que toda a atividade desenvolvida era uma atividade conjunta, gerida solidariamente por ambos, no âmbito de um projeto conjunto de exploração pecuária de gado ovino na aldeia de …, tendo ambos acordado que o autor encabeçaria a candidatura aos apoios e financiamentos públicos e, por sua vez, o réu cederia os terrenos necessários para que a candidatura e o projeto pudessem ser viáveis. Mais alega que a aludida candidatura foi aprovada no ano de 1991 e, ainda, que o autor encabeçou as candidaturas periódicas aos referidos apoios e financiamento públicos, sempre nos termos combinados, até ao ano de 2012, sem qualquer atrito entre ambos, sendo que ao longo da referida exploração conjunta reuniram várias vezes para analisarem e discutirem estratégias de prossecução da atividade, contas e outros assuntos relacionados com o projeto conjunto de exploração pecuária, tendo a última reunião ocorrido em finais do ano de 2011. Refere também que no âmbito de tal atividade abriram uma conta solidária em 25.01.1991, junto da Caixa … (conta n.º ………), para onde eram canalizados os apoios e financiamentos públicos e a qual era movimentada livremente por ambos, sendo que, no ano de 2012, o autor canalizou os subsídios para uma nova conta e vendeu, à sua revelia, todas as cabeças do rebanho que constituía a exploração pecuária de ambos, terminando, assim, a parceria entre ambos.
Por despacho de 20-01-2014 foi determinado o desentranhamento da contestação apresentada pelo réu, por falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação de tal articulado, o que foi reiterado por despacho proferido em 25-03-2014, ambos oportunamente notificados às partes.
Foi então proferido despacho, a 3-12-2014, cujo teor foi notificado a ambas as partes, determinando a notificação do autor para apresentar as contas, nos termos do disposto no artigo 943.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), atenta a falta de contestação ocorrida na sequência do despacho proferido em 20-01-2014 e a ausência de prestação de contas por parte do réu.
Notificado nos termos do artigo 943.º, n.º 1, do CPC, veio o autor requerer a prorrogação de prazo para apresentar contas, pelo período de 30 dias, o que foi deferido por despacho de 28-01-2015, após o que veio o autor apresentar contas, nos termos constantes do requerimento apresentado a 2-03-2015 pedindo a respetiva aprovação e a consequente condenação do réu a pagar ao autor o montante correspondente ao saldo positivo apurado a seu favor no âmbito do anexo que apresentou sob documento n.º1.
Foram determinadas diversas diligências tendentes a obter informações e efetuadas as averiguações tidas por convenientes, incluindo junto das entidades referidas pelo autor (Banco..., S.A., CAIXA ... de …, CRL e Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP - IFAP) no âmbito das diligências requeridas com o requerimento de apresentação de contas e notificado o réu para juntar aos autos todas as faturas referentes às despesas mencionadas no documento de prestação de contas, após o que o réu veio juntar diversos documentos e prestar os esclarecimentos suscitados.
Também o autor apresentou documentos e prestou esclarecimentos na sequência das diligências efetuadas.
Por despacho de 05-05-2015, foi nomeada perita (TOC) para analisar e emitir parecer sobre as contas apresentadas pelo autor, o que veio a acontecer mediante relatório datado de 29-01-2016 apresentado a 2-02-2016, com discriminação em anexo das receitas e despesas apuradas e aprovadas, reiterado por requerimento apresentado a 7-05-2019, nos termos do disposto no artigo 943.º, n.º 2, do CPC, emitindo o parecer no sentido do reconhecimento da existência de saldo favorável a favor do autor no valor de € 11.232,37 correspondente ao saldo apurado.
Foi designada data para prestação de esclarecimentos pela perita nomeada, a qual foi ouvida em declarações.

Na sequência de requerimento apresentado pelo réu, de 26-04-2017 veio o tribunal a quo proferir despacho, de 31-05-2017 no qual, além do mais, foi decidido o seguinte:
«Quanto às demais questões suscitadas no requerimento do réu, salvo o devido respeito, a obrigação da prestação de contas já se encontra definida, face ao teor do despacho de fls. 108 (de 03/12/2014 – ref. 27007953), pelo que a questão suscitada pelo réu se encontra, nesta fase, prejudicada».
Na sequência de despacho proferido nos autos foi o autor convidado a apresentar as contas na forma de conta corrente, o que veio a fazer mediante requerimento apresentado a 14-01-2019.
Posteriormente, foi proferida sentença, a qual se transcreve na parte dispositiva:
«(…)
Nestes termos e pelos fundamentos expostos:
a) Julgo parcialmente válidas as contas apresentadas pelo Autor J. L., reconhecendo e fixando as receitas no valor total de € 316.363,77 (trezentos e dezasseis mil e trezentos e sessenta e três euros e setenta e sete cêntimos) e despesas no valor total de € 305.131,40 (trezentos e cinco mil cento e trinta e um euros e quarenta cêntimos);
b) Não reconheço nem valido as demais receitas e despesas apresentadas pelo Autor J. L.;
c) E, em consequência, condeno o Réu A. S. a pagar ao Autor J. L. a quantia de € 11.232,37 (onze mil duzentos e trinta e dois euros e trinta e sete cêntimos), correspondente ao valor apurado do saldo a favor do Autor.
Custas a cargo do Réu e do Autor, na proporção de 22% e 78%, respectivamente, sem prejuízo do apoio judiciário que o Autor beneficia (cf. fls. 58).
Valor da acção: o acima fixado correspondente à quantia de € 316.363,77 (trezentos e dezasseis mil e trezentos e sessenta e três euros e setenta e sete cêntimos).
Registe e notifique».

Inconformadas, ambas as partes interpuseram recurso desta decisão.
O autor pugnou pela revogação da decisão recorrida e subsequente prolação de decisão que julgue parcialmente válidas as contas apresentadas pelo autor, reconhecendo e fixando as receitas no valor total de € 316.363,77 e as despesas no valor total de € 280.642,22 e, em consequência, condene o réu a pagar ao autor a quantia de € 35.721,55 correspondente ao valor apurado do saldo a favor do autor; ou subsidiariamente, caso assim não se entenda, - julgue parcialmente válidas as contas apresentadas pelo autor, reconhecendo e fixando as receitas no valor total de € 316.363,77 e as despesas no valor total de € 285.631,40 e, em consequência, condene o réu a pagar ao autor a quantia de € 30.732,37, correspondente ao valor apurado do saldo a favor do autor, terminando as alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«1.ª – Com todo o respeito, conforme infra expomos, o ora Recorrente não pode concordar com a douta sentença de que ora se recorre, na parte da decisão – da matéria de facto e de Direito – em que não se valorou devidamente que o Réu comprou para si um trator e contruiu um pavilhão/armazém em terreno de outrem (ou seja da sua filha), com o dinheiro gerado pela atividade do Autor.
2.ª – Sendo que, o Tribunal a quo deveria ter tido em conta que quem tinha a obrigação de apresentar contas era o Réu. E que, o Réu não apresentou as contas a que está obrigado, nem juntou aos autos os respetivos documentos.
3.ª – Aliás, como facilmente se constata folheando ou consultando os autos, o Réu não só não prestou as contas e juntou os documentos, como ao longo do processo apresentou inúmeros requerimentos anómalos e dilatórios tentando “dar a volta” à sua obrigação de prestar contas.
4.ª – Assim, perante tal postura do Réu, o Autor teve que apresentar contas, com a manifesta dificuldade de não ter os documentos necessários em sua posse.
5.ª – Com todo o respeito, conforme supra expomos e ao contrário do que se refere na douta sentença de que ora se recorre, ao aditar-se ao saldo obtido pela Sra. Perita o valor dos gastos nas obras de (re) construção do referido armazém, não se está a “duplicar de valores”.
6.ª – Conforme bem se expõe na douta sentença proferida pelo Tribunal a quo: “dos elementos recolhidos constatou-se que o empréstimo de € 20.000,00 foi contraído pelo Autor e que tal dinheiro entrou na conta por este titulada junto da CAIXA ..., logo, se toda a actividade do Autor era gerida a partir de tais contas, tal dinheiro foi utilizado na construção do aludido pavilhão e, nessa medida, como movimento das aludidas contas, foi já tido em conta no parecer elaborado pela Exma. Sra. Perita” [destaque nosso].
7.ª – Aliás, esta factualidade foi confessada pelo próprio Réu [nomeadamente, na alínea h), do artigo 7.º, do seu requerimento de 01/06/2015 e no artigo 6.º, do seu requerimento de 25/02/2015]. Aliás, na alínea h), do artigo 7.º do seu requerimento de 01/06/2015, o Réu confessou que os gastos em tais obras de (re)contrução foram € 23.718,17.
8.ª – Verificando-se que, à exceção do ano de início da atividade do Autor (1991), as despesas consideradas pela Sra. Perita (e dadas como provadas no ponto 20) para o ano de 2006 foram muito superiores às despesas de todos os outros anos, anteriores e posteriores – cfr. pontos 5 a 26 da matéria de facto dada como provada.
9.ª – Sendo que, se o armazém tivesse sido contruído e reconstruído em terreno propriedade do Autor, o saldo obtido pela Sra. Perita de € 11.323,27 seria adequado para determinar a situação patrimonial gerada pela atividade do mesmo.
10.ª – Sucede que, não obstante as obras de construção e reconstrução terem sido pagas com o dinheiro resultante da atividade agrícola do Autor, o armazém foi contruído e reconstruído em terreno alheio. Ou seja, com o dinheiro (gerado pela atividade agrícola) do Autor, o Réu construiu e reconstruiu um imóvel em terreno alheio (ou melhor, da sua própria filha).
11.ª – Portanto, julgando-se as contas segundo o prudente arbítrio do julgador, deve ter-se em conta o valor das obras de (re)construção de tal armazém que o Réu contruiu em terreno de outrem (da sua filha) com dinheiro do Autor – ou noutras palavras, tal valor não pode ser considerado uma despesa da atividade do Autor.
12.ª – Pelo que, o salvo melhor entendimento, o ponto 20) da matéria de facto dada como provada deverá ser alterado, dando-se como provado que:
20) No ano de 2006, o Réu, em nome e por conta do Autor, realizou despesas no valor de € 11.221,90 e obteve receitas no valor de € 29.483,19.
13.ª – Assim, para determinar a situação patrimonial gerada pela atividade do Autor, ao saldo obtido pela Sra. Perita de € 11.323,27 terá que aditar-se o dinheiro do Autor gasto nas obras de construção e reconstrução de tal armazém – pelo menos, na medida do valor do empréstimo que, comprovadamente, saiu das contas do Autor para pagar tais obras – ou seja € 20.000,00.
14.ª – E, ainda que se considerasse que o dinheiro do Autor gasto nas obras de construção e reconstrução de tal armazém devesse ser considerado, parcialmente, como despesa da atividade do Autor – o que se coloca por hipótese de Direito e dever de patrocínio – sempre, julgando-se as contas segundo o prudente arbítrio do julgador, ao saldo obtido pela Sra. Perita de € 11.323,27 teria que aditar-se o valor atual do armazém de € 17.000,00 conforme ressalta da verba 15.ª do relatório de pericial de avaliação junto a 01/02/2018.
15.ª – Com todo o respeito, também no que se refere ao trator, matrícula FT, na douta sentença de que ora se recorre não se podia ter olvidado que era o Réu quem tinha a obrigação de prestar contas e os respetivos documentos atinentes à atividade do Autor.
16.ª – Acrescendo que, conforme resulta do requerimento junto aos autos pela Sra. Perita a 11/10/2016 e o próprio Réu acabou por admitir [cfr. alínea h), do artigo 7.º, do seu requerimento de 01/06/2015 e artigo 6.º, do seu requerimento de 25/02/2015], o referido trator foi adquirido pelo preço próximo do indicado pelo Autor (€ 4.750,00) e pago através de conta bancária em que eram realizados os movimentos da atividade do Autor, ou seja da conta n.º ........1 do Banco ..., S.A. agora Banco ... S.A..
17.ª – Sendo que, como o preço do trator (900.000,00 escudos ou seja € 4.489,18) foi pago com dinheiro (gerado pela atividade agrícola) do Autor, que saiu da conta bancária n.º ........1 do Banco ..., S.A., o mesmo acabou por ser considerado como custo, no relatório realizado pela Sra. Perita.
18.ª – Assim, se o referido trator, matrícula FT, tivesse sido adquirido em nome do Autor, o saldo obtido pela Sra. Perita seria adequado para determinar a situação patrimonial gerada pela atividade do Autor (que corresponderia ao saldo obtido pela Sra. Perita de € 11.323,27 a que acresceria o valor dos bens do Autor gerados pela mesma).
19.ª – Sucede que, não obstante ter sido adquirido com o dinheiro resultante da atividade agrícola do Autor, o referido trator foi adquirido em nome do Réu (conforme resulta do o título de registo de propriedade junto aos autos pelo próprio Autor a 270v). Ou seja, o Réu comprou o referido trator para si, com dinheiro (gerado pela atividade agrícola) do Autor.
20.ª – Portanto, julgando-se as contas segundo o prudente arbítrio do julgador, deve ter-se em conta o valor do trator que o Réu adquiriu para si com dinheiro do Autor – ou seja, tal valor não pode ser considerado uma despesa da atividade do Autor.
21.ª – Assim, julgando-se as contas segundo o prudente arbítrio do julgador, como o referido trator não foi adquirido em nome do Autor, ao saldo obtido pela Sra. Perita de € 11.323,27 terá que se somar o preço do trator (€4.489,18). Pois só assim se poderá determinar, o mais aproximadamente possível – tendo em conta as limitações inerentes à não apresentação de contas e documentos por parte do Réu – a situação patrimonial gerada pela atividade do Autor.
22.ª – Pelo que, o salvo melhor entendimento, o ponto 8) da matéria de facto dada como provada deverá ser alterado, dando-se como provado que:
8) No ano de 1994, o Réu, em nome e por conta do Autor, realizou despesas no valor de € 12.328,48 e obteve receitas no valor de € 19.320,34.
23.ª – E, ainda que se considerasse que a aquisição do referido trator deve ser considerada, parcialmente, como despesa da atividade do Autor, sempre, julgando-se as contas segundo o prudente arbítrio do julgador, ao saldo obtido pela Sra. Perita de € 11.323,27 teria que somar-se o valor atual do trator de € 2.500,00 conforme ressalta da verba 13.ª do relatório de pericial de avaliação junto a 01/02/2018.
24.ª – Sendo que, tendo em conta o supra exposto, ao valor total da despesa fixado na sentença de que ora se recorre (€ 305.131,40), deverá ser deduzido o valor dos bens adquiridos ou contruídos em benefício de outrem, ou seja os € 4.489,18 do referido trator que o Réu comprou para si e os € 20.000,00 do armazém construído no terreno da sua filha.
25.ª – Devendo o valor total das despesas ser fixado em € 280.642,22.
26.ª – Devendo a douta sentença de que ora se recorre ser anulada/revogada e substituída por Acórdão que julgue parcialmente válidas as contas apresentadas pelo Autor J. L., reconhecendo e fixando as receitas no valor total de € 316.363,77 e as despesas no valor total de € 280.642,22 e, em consequência, condene o Réu A. S. a pagar ao Autor J. L. a quantia de € 35.721,55 (trinta e cinco mil, setecentos e vinte e um euros e cinquenta e cinco cêntimos), correspondente ao valor apurado do saldo a favor do Autor.
27.ª – Ou, subsidiariamente, caso assim não se entenda, devendo a douta sentença de que ora se recorre ser anulada/revogada e substituída por Acórdão que julgue parcialmente válidas as contas apresentadas pelo Autor J. L., reconhecendo e fixando as receitas no valor total de € 316.363,77 e as despesas no valor total de € 285.631,40 e, em consequência, condene o Réu A. S. a pagar ao Autor J. L. a quantia de € 30.732,37 (trinta mil, setecentos e trinta e dois euros e trinta e sete cêntimos), correspondente ao valor apurado do saldo a favor do Autor».

O réu, por seu turno, pugnou no sentido de que seja revogada a decisão recorrida produzindo-se a final decisão de não julgar integralmente boas as contas e não as aprovar, absolvendo-se o réu recorrente de pagar qualquer quantia ao autor, terminando as alegações com a formulação das conclusões (que se transcrevem):

«1. Com o presente recurso visa o recorrente questionar a apreciação da prova produzida e, com especial ênfase, demonstrar a errónea apreciação feita do teor do relatório pericial de fls. 260-262, datado de 29-01-2016, que a M.ª Juiz erigiu como âncora da sua decisão, nele estribando (mal) a factualidade vertida nos pontos 5) a 26) dos factos provados - como emerge de págs. 10, 11 e 12 da sentença -, assim como a flagrante incongruência entre o teor do referido relatório e a factualidade vertida nos pontos 1) e 4) dos factos provados, do que resultará ser posta em crise a douta decisão condenatória, com imperiosa absolvição integral do réu face aos pedidos formulados.

I - Da má apreciação da prova produzida
a) A errónea apreciação feita do teor do relatório pericial de fls. 260-262, a culminar na errada resposta dada nos pontos 5 a 26 dos factos provados
2. A Exma. Perita refere no relatório – fls. 260 a 262 - que existia uma “parceria” agrícola entre autor e réu, o que reafirmou em sede de esclarecimentos.
3. A Perita limitou-se, pois, nesta parte, a retratar aquela que é a realidade imanente aos documentos que lhe foram dados a apreciar – docs. de fls. 270v, fls. 294v, fls.147-165v, 168-182v, 185-200v e 203-218v, fls. 287, fls. 221 -, e nomeadamente os extractos das contas da em torno das quais girava a actividade financeira da “parceria”, a conta n.º 0000........1 do Banco ..., actualmente Banco ..., e a conta n.º .........51 da CAIXA ..., cujos extractos constam de fls. 237-255 e fls. 122-128, respectivamente, que “eram movimentadas pelo Sr. J. L. e pelo Sr. A. S. que detinham autorização para efectuar transacções” (vd. ponto 2 do relatório).
4. Conclui a Exma. Perita que “os extractos bancários dos anos de 1991 a 2012, foram a fonte de base e informação em relação às receitas e aos gastos desta actividade”, originando o documento 1 anexado ao parecer, “cujo saldo foi positivo, no montante de 11.232,37€” – sendo este montante de 11.232,37€ que a M.ª Juiz do Tribunal a quo acabou por acolher, desdobrando as receitas e despesas espelhadas no documento 1 anexado ao relatório (fls. 262) pelos pontos 5 a 26 da factualidade dada como provada, concluindo a final que o mesmo traduz “um saldo a favor do autor”.
5. Porém, do referido relatório pericial não se retira que o réu deva o que seja ao autor - mesmo que estivesse fixada a obrigação de prestar contas em função do desentranhamento da contestação.
6. Retira-se, tão só que, atendendo aos extractos de 1991 a 2012, a “parceria” (expressão usada pela perita) terá obtido receitas superiores aos encargos em 11.232,37 €.
7. Em bom rigor, como resulta do relatório pericial, as duas contas bancárias em torno das quais girava a actividade financeira da parceria “eram movimentadas por autor e réu, que detinham autorização para efectuar transacções”, donde não sabemos, por isso, quem foi o autor dos movimentos a débito ali espelhados, os quais, note-se, durante 21 anos - sim, 21 anos -, não geraram qualquer dissenso!!!
8. Não sabemos, o Tribunal não pode estar habilitado a saber, porque “ambos estavam habilitados a efectuar transacções”, se foi autor ou réu quem realizou cada um os movimentos a débito espelhados nos extractos.
9. Para o efeito, para assim decidir, o Tribunal teria que solicitar uma análise detalhada, escalpelizada, de cada um dos movimentos a débito retratados nos extractos, por forma a perceber a respectiva autoria.
10. Do extrato bancário da conta .........51, junto pelo autor com o requerimento de 02.03.2015 (fls. 122-128), resulta que essa mesma conta apresentava, à data do seu encerramento, ocorrido em 03.05.2012, um saldo positivo de apenas 3,76 €.
11. Seria de todo infundado, até imoral, extrair, da análise do referido extrato bancário, que o réu A. S. se tenha locupletado com os 11.232,37€ apurados pela Perita, e acolhidos na sentença, pois, para que o réu tivesse essa quantia na sua posse, a mesma teria que ser retirada da conta e essa operação, esse levantamento/transferência/débito de cheque, teria que estar necessariamente espelhado no respectivo extrato bancário, o que não sucede.
12. Do exposto resulta, pois, que ao condenar o réu a pagar ao autor o montante de €11.232,37, correspondente ao valor do saldo apurado, a sentença extrapolou inadmissivelmente o teor do relatório pericial, dele fazendo uma errónea interpretação, não existindo, enfim, elementos concretos que permitam estribar a resposta dada nos pontos 5 a 26 dos factos provados, que este Venerando Tribunal deverá dar como não provados em correcta interpretação do n.º 1 do artigo 662.º do CPC.
b) A flagrante incongruência entre o teor do relatório pericial e a factualidade vertida nos pontos 1) e 4) dos factos provados
13. O autor refere no artigo 10.º da petição que “pelo menos desde o ano de 1998 que o R., tendo-se voluntariado para o efeito (atenta a amizade entre A. e R.), assumiu em exclusivo a gestão das verbas monetárias e do património assim como do pagamento das despesas relacionadas com a prática agrícola do A (…)”
14. Ora, não obstante o autor apontar para o ano de 1998 o início do labor gratuito e puramente altruístico do réu, a verdade é que no ponto 1 dos factos provados, a coberto da justificação de o réu não ter apresentado “contestação válida e tempestiva”, a M.ª Juiz considerou que “entre 1991 e 2012, o réu assumiu em exclusivo a gestão das verbas monetárias e do património …do autor”, o que se não pode aceitar.
15. Por outro lado, dar-se como provado, a coberto da justificação de o réu não ter apresentado “contestação válida e tempestiva” que o mesmo “assumiu em exclusivo a gestão das verbas monetárias e do património assim como o pagamento das despesas relacionadas com a actividade agrícola do Autor”, colide frontalmente com o ponto 2 do relatório pericial onde se diz que, ambas as contas da “parceria”- conta n.º 0000........1 do Banco ..., actualmente Banco ..., e conta n.º .........51 da CAIXA ... -, “eram movimentadas pelo Sr. J. L. e pelo Sr. A. S. que detinham autorização para efectuar transacções”.
16. Se ambos, autor e réu, detinham autorização para efectuar transacções, tal asserção, é manifestamente incompatível com o facto provado em 1) na parte em que diz que “o Réu assumiu em exclusivo a gestão das verbas…”.
17. O mesmo raciocínio vale, mutatis mutandis, em relação ao facto dado como provado em 4), até porque as despesas com pavilhão e alfaias agrícolas estão devidamente repercutidas nas contas da “parceria” objecto de análise pela Perita, nada permitindo concluir que o réu tenha agido “em nome e representação do autor”
18. Enfim, não se pretende sindicar nesta sede que do desentranhamento da contestação resulte firmada a obrigação de prestar contas, mas apenas e só isso, não podendo dessa circunstância abrir-se caminho para decisões iníquas, construídas sobre insanáveis contradições.
19. Do exposto resulta, pois, que os factos dados como provados nos pontos 1) e 4), para além de extrapolarem a própria alegação do autor, revestem insanável contradição com o relatório pericial de fls. 260-262, que a M.ª Juiz erigiu como âncora da decisão, motivo pelo qual este Venerando Tribunal deverá dar os mesmos como não provados em correcta interpretação do n.º 1 do artigo 662.º do CPC.

II - Da inevitabilidade de não julgar boas in totum as contas e não as aprovar
20. Deverá ter-se sempre bem presente que uma das finalidades do processo especial de prestação de contas é o apuramento do saldo das contas e que tal resultado não se compadece com uma apreciação com recurso a valores estimados, isto é, por estimativa.
21. As contas terão sempre de ser julgadas com base em elementos dotados de um mínimo de consistência.
22. Se atentarmos nas contas apresentadas pelo autor no requerimento de 02.03.2015 (fls. 122-128) - que, rigorosamente não se mostram sequer correctamente apresentadas, uma vez que deveriam apresentar-se sob a forma de conta-corrente (artigo 944.º n.º 1 do CPC), sendo manifestamente extemporâneo o requerimento de 14-01-2019, nos termos melhor descritos no requerimento do réu de 15.01.2019 – verificamos que as mesmas foram elaboradas de forma pouco mais do que aleatória, na ausência de elementos contabilísticos e respectivos suportes, facto para o qual a Perita alerta no relatório.
23. O autor, talvez porque certo que beneficiaria de apoio judiciário e o réu não, atribuiu à acção o valor de 150.000,00 € (invocou, para não pagar taxa, uma urgência que curiosamente se esvaeceu ao longo dos mais de 6 anos que o processo já leva) e em 02.03.2015, segundo requerimento do autor, as contas apresentariam um resultado de 51.324,00 €, valor este que nada tem a ver com aquele que inicialmente foi atribuído à acção.
24. Fere as regras da experiência, da normalidade da vida e da razoabilidade das coisas que o autor tenha deixado que o réu, durante mais de duas décadas, não lhe prestasse contas de tão avultadas quantias, como resulta dos pontos 2) e 3) dos factos provados - provados, diga-se, como decorrência do desentranhamento da contestação -, sem se interessar ou insurgir contra isso, apenas o tendo interpelado desde Abril de 2013 (cf. ponto 3 dos factos provados).
25. No mais, demonstrativo da infidedignidade das contas apresentadas pelo autor, dá-se por integralmente reproduzido o teor de págs. 11 e 12 da sentença, onde, honra seja feita, se desmontou de forma sagaz o artificioso enredo de contas por este apresentadas, a roçar a má-fé.
26. Como se exarou na fundamentação do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27-03-2014, Relator Exmo. Desembargador António Figueiredo de Almeida, “é da essência do processo especial de apresentação de contas que as mesmas sejam rigorosas, baseadas em elementos concretos e tangíveis e não com recurso a valores estimados ou aproximados”.
27. Cabendo aqui plenamente, pela sua extrema similitude com o caso vertente, os argumentos expendidos no referido acórdão, onde, sem prejuízo do demais, se sumaria que, “independentemente do facto de as contas terem sido apresentadas pelas autoras, por não terem sido apresentadas pelos réus, o que verdadeiramente interessa é a fiabilidade real das contas apresentadas, a sua justificação material em face dos elementos disponíveis que, no caso presente, não podem justificar a sua aceitação, pelo que bem andou o tribunal a quo em não as julgar boas e não as aprovar.”
28. Ora, no caso vertente temos “zero” de fiabilidade real das contas, as quais foram elaboradas de forma quase aleatória, na ausência de elementos contabilísticos e respectivos suportes, sendo várias e graves as contradições em que o autor incorreu, como sagazmente se discorre a págs. 11 e 12 da sentença, não se tendo considerado, ademais, todas normais receitas numa actividade deste tipo como alertou a Perita no seu relatório, pelo que, tudo somado, deverá ser proferida decisão de não julgar boas in totum as contas e não as aprovar.
29. Temos, isso sim, muito de imoralidade do autor que, apoiando-se num enredo tão astucioso quanto desonesto - que começa por uma fantasiosa interpelação feita pelas entidades públicas que concederam apoios, sobre as contas pendentes, pasme-se, “entre as partes” (vd. Artigo 2.º da petição) -, desvirtua a realidade dos factos, atirando valores aleatoriamente ao ar, o que certamente este Venerando Tribunal não acolherá, absolvendo integralmente o réu do pedido».
Ambos os apelados apresentaram contra-alegações.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações dos recorrentes e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) -, o objeto do presente recurso circunscreve-se às seguintes questões:

1.ª - Extemporaneidade das contas apresentadas pelo autor e inobservância dos requisitos formais das contas apresentadas (recurso do réu);
2.ª - Impugnação da decisão sobre a matéria de facto (ambos os recursos);
3.ª - Em decorrência da eventual modificação da matéria de facto proposta pelos recorrentes, saber se a sentença deve ser alterada ou revogada na parte em que procedeu ao apuramento do saldo das contas e à condenação no pagamento do saldo apurado;
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª instância na decisão recorrida:
1.1.1. Entre 1991 e 2012, o Réu assumiu em exclusivo a gestão das verbas monetárias e do património assim como o pagamento das despesas relacionadas com a atividade agrícola do Autor.
1.1.2. O Réu vinculou-se a prestar contas ao Autor sempre que este as solicitasse e, por iniciativa própria, pelo menos uma vez por ano.
1.1.3. O Réu não prestou as contas anualmente, nem quando interpelado para o efeito pelo Autor desde, pelo menos, Abril de 2013.
1.1.4. O Réu, com as verbas monetárias propriedade do Autor, em nome e representação desde, construiu um pavilhão de apoio agrícola e comprou várias alfaias agrícolas.
1.1.5. No ano de 1991, o Réu, em nome e por conta do Autor, realizou despesas no valor de € 37.663,48 e obteve receitas no valor de € 39.046,63.
1.1.6. No ano de 1992, o Réu, em nome e por conta do Autor, realizou despesas no valor de € 10.913,34 e obteve receitas no valor de € 15.902,73.
1.1.7. No ano de 1993, o Réu, em nome e por conta do Autor, realizou despesas no valor de € 15.203,69 e obteve receitas no valor de € 15.183,75.
1.1.8. No ano de 1994, o Réu, em nome e por conta do Autor, realizou despesas no valor de € 16.817,66 e obteve receitas no valor de € 19.320,34.
1.1.9. No ano de 1995, o Réu, em nome e por conta do Autor, realizou despesas no valor de € 17.887,30 e obteve receitas no valor de € 21.823,00.
1.1.10. No ano de 1996, o Réu, em nome e por conta do Autor, realizou despesas no valor de € 14.321,15 e obteve receitas no valor de € 14.247,32.
1.1.11. No ano de 1997, o Réu, em nome e por conta do Autor, realizou despesas no valor de € 11.243,70 e obteve receitas no valor de € 11.237,87.
1.1.12. No ano de 1998, o Réu, em nome e por conta do Autor, realizou despesas no valor de € 14.260,22 e obteve receitas no valor de € 15.457,41.
1.1.13. No ano de 1999, o Réu, em nome e por conta do Autor, realizou despesas no valor de € 10.677,58 e obteve receitas no valor de € 8.902,06.
1.1.14. No ano de 2000, o Réu, em nome e por conta do Autor, realizou despesas no valor de € 6.065,93 e obteve receitas no valor de € 6.529,36
1.1.15. No ano de 2001, o Réu, em nome e por conta do Autor, realizou despesas no valor de € 9.970,80 e obteve receitas no valor de € 8.114,30.
1.1.16. No ano de 2002, o Réu, em nome e por conta do Autor, realizou despesas no valor de € 1.187,75 e obteve receitas no valor de € 11.099,98.
1.1.17. No ano de 2003, o Réu, em nome e por conta do Autor, realizou despesas no valor de € 17.963,12 e obteve receitas no valor de € 8.130,86.
1.1.18. No ano de 2004, o Réu, em nome e por conta do Autor, realizou despesas no valor de € 8.903,12 e obteve receitas no valor de € 8.930,79.
1.1.19. No ano de 2005, o Réu, em nome e por conta do Autor, realizou despesas no valor de € 9.779,72 e obteve receitas no valor de € 13.604,13.
1.1.20. No ano de 2006, o Réu, em nome e por conta do Autor, realizou despesas no valor de € 31.221,90 e obteve receitas no valor de € 29.483,19.
1.1.21. No ano de 2007, o Réu, em nome e por conta do Autor, realizou despesas no valor de € 10.667,40 e obteve receitas no valor de € 8.466,72.
1.1.22. No ano de 2008, o Réu, em nome e por conta do Autor, realizou despesas no valor de € 10.075,60 e obteve receitas no valor de € 12.292,18.
1.1.23. No ano de 2009, o Réu, em nome e por conta do Autor, realizou despesas no valor de € 15.164,03 e obteve receitas no valor de € 13.002,81.
1.1.24. No ano de 2010, o Réu, em nome e por conta do Autor, realizou despesas no valor de € 15.083,72 e obteve receitas no valor de € 15.961,37.
1.1.25. No ano de 2011, o Réu, em nome e por conta do Autor, realizou despesas no valor de € 11.491,87 e obteve receitas no valor de € 18.743,20.
1.1.26. No ano de 2012, o Réu, em nome e por conta do Autor, realizou despesas no valor de € 8.568,31 e obteve receitas no valor de € 883,76.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso

2.1. Extemporaneidade das contas apresentadas pelo autor e inobservância dos requisitos formais das contas apresentadas (recurso do réu).

Vem o réu invocar em sede de recurso a extemporaneidade das contas apresentadas pelo autor e inobservância dos requisitos formais das contas apresentadas.
Sustenta que as contas apresentadas pelo autor no requerimento de 02-03-2015 (fls. 122-128) não se mostram sequer corretamente apresentadas uma vez que deveriam apresentar-se sob a forma de conta-corrente, sendo manifestamente extemporâneo o requerimento de 14-01-2019, nos termos melhor descritos no requerimento do réu de 15-01-2019.
Compulsados os autos verifica-se que apenas a questão relativa à extemporaneidade do requerimento apresentado pelo autor (de 14-01-2019) - pelo qual este veio corresponder ao convite do tribunal a quo para, querendo, no prazo de 10 dias, apresentar as contas na forma da conta-corrente (despacho de 28-11-2018) -, foi anteriormente suscitada no processo pelo ora recorrente/réu, o que fez mediante requerimento apresentado 15-01-2019.
Com efeito, tal como resulta do enunciado em I. supra, o autor foi oportunamente notificado nos termos do artigo 943.º, n.º 1, do CPC(1), vindo requerer a prorrogação de prazo para apresentar contas, pelo período de 30 dias, o que foi deferido por despacho de 28-01-2015, após o que apresentou contas, nos termos constantes do requerimento apresentado a 2-03-2015 pedindo a respetiva aprovação e a consequente condenação do réu a pagar ao autor o montante correspondente ao saldo positivo apurado a seu favor no âmbito do anexo que apresentou sob documento n.º 1.
Mais resulta dos autos que apesar de não poder contestar as contas apresentadas (2), o réu veio exercer o “contraditório” sobre as contas então apresentadas pelo autor, requerendo fossem recolhidas todas as informações e feitas as pertinentes averiguações para apurar a bondade das contas apresentadas pelo autor, incumbindo-se, se necessário, pessoa idónea de dar parecer sobre todas ou parte das verbas inscritas pelo autor, nada referindo a propósito da irregularidade formal agora alegada em sede de recurso.
Porém, verifica-se que o tribunal a quo apreciou e decidiu de forma oficiosa e definitivamente tal questão mediante o convite que endereçou ao autor para, querendo, no prazo de 10 dias, apresentar as contas na forma da conta-corrente, o que este veio efetivamente a concretizar mediante requerimento apresentado nos autos (de 14-01-2019), o qual veio a ser considerado pelo tribunal a quo.
Daí que a única questão com pertinência para o presente recurso se prenda com a suscitada extemporaneidade do requerimento apresentado pelo autor (de 14-01-2019) - pelo qual este veio corresponder ao convite do tribunal a quo para «querendo, no prazo de 10 dias, apresentar as contas na forma da conta-corrente» (despacho de 28-11-2018).
Tal questão foi devidamente apreciada e indeferida pelo tribunal a quo no âmbito da sentença recorrida, com os seguintes fundamentos atinentes à parte agora novamente suscitada pelo réu em sede de recurso:
«(…)
Desde logo, cumpre esclarecer que no âmbito da presente acção especial de prestação de contas, uma vez que o Réu não contestou a acção, há que atender ao disposto no artigo 942.º, n.º 1, in fine, do Código de Processo Civil, segundo o qual, o Réu, não apresentando contestação, não pode deduzir oposição às contas que o Autor apresente.
Tendo presente tal disposição legal, desde logo cumpre explicitar que nos presentes autos foram notórias as diversas tentativas do Réu em tentar contornar tal disposição legal, no âmbito do “exercício do contraditório”, como é exemplo tal alegação ora em crise.
Assim, e no que toca à alegada extemporaneidade da apresentação das contas em forma de conta-corrente pelo Autor, cumpre salientar que em lado alguma a lei comina com a absolvição da instância a prática extemporânea de um acto por banda do Autor. Na verdade, ainda que fora de prazo, o Autor acabou por impulsionar os autos, respondendo ao convite que lhe foi dirigido, não se verificando qualquer circunstância que implicasse, por exemplo, a deserção da instância».
E parece-nos ser esta a solução mais adequada à luz dos factos apurados e dos critérios legais aplicáveis.
Efetivamente, o que está em causa é o eventual decurso do prazo concedido para o autor vir corrigir as contas inicialmente apresentadas, agora em forma de conta-corrente. Ora, tal como resulta do disposto no artigo 944.º, n.º 2, do CPC, disposição que se deve considerar aplicável também quando as contas são apresentadas pelo autor (3), a não apresentação pelo autor das contas segundo o estilo de conta-corrente não impõe a rejeição das contas como consequência inevitável. De forma idêntica, caso o autor não o faça na sequência do convite formulado pelo tribunal tal omissão não equivale à não apresentação de contas, para efeitos do n.º 4 do artigo 943.º do CPC.
Assim «a apresentação das contas sobre a forma de conta-corrente pretende facilitar a análise dos dados que são levados ao processo, com o objetivo final de determinar o quantitativo de receitas e despesas. Caso as contas sejam apresentadas de outra forma menos perfeita, sob o ponto de vista contabilístico, haverá que aquilatar se a forma utilizada, ainda assim, permite apurar essas receitas e despesas. Se assim suceder, não há razões que justifiquem a rejeição das contas por mera inobservância da forma de conta-corrente» (4).
Como salienta o Ac. do STJ de 9-11-2017 (5), «apresentação das contas sob a forma de conta corrente visa a representação do movimento patrimonial e monetário, a exposição sintética de todos os dados e movimentos monetários da actividade de uma determinada entidade, (no caso concreto seria da actividade de gestão do Réu).
A lei não impõe como consequência inevitável e inexorável a rejeição das contas. A não apresentação das contas sob a forma de conta-corrente pode determinar a sua rejeição mas não determina obrigatoriamente essa rejeição.
O preceito legal afirma literalmente “pode determinar” e não “determina”.
A redacção deste normativo não impõe que sempre que as contas não sejam apresentadas sob a forma de conta-corrente o Juiz tenha obrigatoriamente de as rejeitar. Pode ter de o fazer mas não é obrigado a fazê-lo.
Como se disse supra o presente processo visa fundamentalmente determinar o quantitativo que uma parte deve à outra, ou dito de outro modo determinar o saldo existente nas contas.
E a apresentação das contas segundo a técnica contabilística de escrituração na forma de conta-corrente pretende facilitar a análise dos dados que são levados ao processo».
Acresce que conforme salientam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa (6), «[a]pesar de o autor estar obrigado também a prestar contas segundo o estilo de conta-corrente e a especificar a proveniência das receitas e a aplicação das despesas, o tribunal, na apreciação do cumprimento de tal dever processual, não pode alhear-se do diverso circunstancialismo fáctico e jurídico subjacente. Na verdade, além de impender sobre o réu a obrigação de prestar contas, tem à sua disposição todos os elementos que lhe permitem fazer a especificação das receitas e das despesas, na medida em que foi o mesmo que procedeu à administração geradora da prestação de contas. Diversamente, o autor não dispõe, em princípio, de tais elementos (ou, pelo menos, da sua totalidade), o que conduz a que tenha de se socorrer de elementos vagos e incompletos, tornando menos exigível que faça tal discriminação de forma cabal e completa».
No caso vertente, e tal como refere a decisão recorrida, o autor acabou por impulsionar os autos, respondendo ao convite que lhe foi dirigido pelo tribunal a quo, não se verificando qualquer circunstância que implicasse a deserção da instância nem qualquer efeito preclusivo pela falta de resposta atempada à solicitação daquele tribunal.
Improcede, assim, nesta parte a apelação.

2.2. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto

Ambos as recorrentes põem em causa a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida.

O autor/apelante impugna a decisão relativa à matéria de facto incluída na sentença recorrida, nos seguintes termos:
i) O ponto 8) da matéria de facto dada como provada deverá ser alterado, dando-se como provado que «8) No ano de 1994, o Réu, em nome e por conta do Autor, realizou despesas no valor de € 12.328,48 e obteve receitas no valor de € 19.320,34» (conclusão 22.ª das alegações);
ii) O ponto 20) da matéria de facto dada como provada deverá ser alterado, dando-se como provado que «20) No ano de 2006, o Réu, em nome e por conta do Autor, realizou despesas no valor de € 11.221,90 e obteve receitas no valor de € 29.483,19» (conclusão 12.ª das conclusões).
Relativamente a ambos os pontos da matéria de facto impugnados verificamos que a discordância apresentada pelo apelante/autor baseia-se na alegado pressuposto de que ao valor total da despesa fixado na sentença recorrida (€ 305.131,40), deverá ser, de acordo com o entendimento do ora recorrente, deduzido o valor dos bens adquiridos ou construídos em benefício de outrem, ou seja os € 4.489,18 do trator que o réu comprou para si e os € 20.000,00 do armazém construído no terreno da sua filha, sustentando que só assim se poderá determinar, o mais aproximadamente possível - tendo em conta as limitações inerentes à não apresentação de contas e documentos por parte do réu - a situação patrimonial gerada pela atividade do autor.
Subsidiariamente, defende que mesmo que se considerasse que a aquisição do referido trator e o dinheiro gasto nas obras de construção e reconstrução de tal armazém devesse ser considerado, ainda que parcialmente, como despesas da atividade do autor, sempre ao saldo obtido pela Sra. Perita que emitiu parecer sobre as contas apresentadas (de € 11.323,27), teria que aditar-se o valor atual do armazém de € 17.000,00 conforme ressalta da verba 15.ª do relatório pericial de avaliação junto a 01-02-2018, fazendo o mesmo raciocínio para o trator, com referência à verba 13.ª do relatório pericial de avaliação (Conclusões 14.ª e 23.ª das alegações).
O réu, nas contra-alegações apresentadas, defende que a impugnação da matéria de facto deve improceder, sustentando, no essencial, que os valores relativos à construção reconstrução/construção do armazém/estábulos e à aquisição do trator consubstanciam inquestionavelmente despesas de atividade - seja atividade singular do autor, seja atividade em parceria - que se encontra repercutida no movimento das contas que foram a objeto de análise pela Exma. Perita, o que aliás resulta das contas apresentadas pelo próprio autor, em que os itens “Pavilhão Estábulos” e “Tractor” vêm reportados como despesas. Sustenta que, se finda a relação entre autor e réu se constata a existência de um “armazém agrícola” construído em terreno alheio, como autor recorrente reconhece, a questão apenas pode ser dirimida numa outra ação, no necessário confronto com esse terceiro, que não numa ação especial de prestação de contas.
Tal como resulta da análise conjugada do preceituado nos artigos 639.º e 640.º do CPC, os recursos para a Relação tanto podem envolver matéria de direito como de facto, sendo este último o meio adequado e específico legalmente imposto ao recorrente que pretenda manifestar divergências quanto a concretas questões de facto decididas em sede de sentença final pelo tribunal de 1.ª instância que realizou o julgamento, o que implica o ónus de suscitar a revisão da correspondente decisão.
A impugnação da decisão relativa à matéria de facto obedece a determinadas exigências, tal como resulta designadamente do disposto no artigo 640.º do CPC cujo incumprimento pode determinar a respetiva rejeição, pelo que deverá a questão do cumprimento dos ónus impostos ao recorrente ser apreciada em momento prévio à pretendida reapreciação da decisão proferida.
No que se reporta à impugnação aludida em i) e ii) supra, verifica-se que o recorrente indica, na motivação e nas conclusões das alegações, os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, nos termos enunciados supra. Mais se observa que também especifica, na motivação e nas conclusões das alegações, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os pontos da impugnação da matéria de facto, tal como também decorre do antes enunciado. Por último, o apelante também indica minimamente alguns elementos constantes do processo que permitem identificar com suficiência os concretos meios probatórios que, no seu entender, determinam uma decisão diversa da proferida, ainda que se verifique que o âmbito probatório do recurso está enunciado de forma algo genérica e dispersa.
Porém, no que respeita à impugnação deduzida, cumpre analisar previamente se a matéria que no entender do recorrente suscita as alterações preconizadas integra os poderes de cognição do tribunal em sede de decisão sobre a matéria de facto e se é relevante à luz do objeto da presente ação, ponderadas as circunstâncias do caso em apreciação.
Sob a epígrafe «Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal», dispõe o artigo 5.º do CPC, no n.º 1, o seguinte: «[à]s partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas». Acrescenta o n.º 2 do referido preceito que, «[a]lém dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções».
Decorre deste regime que se incluem nos poderes de cognição do tribunal determinados factos não alegados pelas partes nos respetivos articulados: os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, neste último caso desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções. Explica Lopes do Rego (7), em anotação ao artigo 264.º do anterior Código de Processo Civil, a qual se mantém atual na parte relativa à qualificação dos factos - que o regime se baseia numa fundamental distinção entre factos essenciais e factos instrumentais, esclarecendo, a propósito, o seguinte: «Os factos essenciais são os que concretizando, especificando e densificando os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor ou do reconvinte, ou a excepção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, se revelam decisivos para a viabilidade ou procedência da acção, da reconvenção ou da defesa por excepção, sendo absolutamente indispensáveis à identificação, preenchimento e substanciação das situações jurídicas afirmadas e feitas valer pelas partes. Os factos instrumentais destinam-se a realizar a prova indiciária dos factos essenciais, já que através deles se poderá chegar, mediante presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes - assumindo, pois, em exclusivo uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões e da defesa».
Perante este enquadramento, resulta manifesto que as circunstâncias atinentes aos valores que o autor pretende agora ver excluídos da obrigação de prestar contas baseiam-se num alegado direito ao reembolso de tais montantes ulteriormente invocado pelo autor e que depende de circunstâncias de facto, por natureza complexas, indispensáveis à identificação, preenchimento e substanciação das situações jurídicas afirmadas e que não foram tempestivamente alegadas, devendo, além disso, ser analisadas à luz da pretensão deduzida pelo autor nos presentes autos.
A ação de prestação de contas tem por objeto, conforme dispõe o artigo 941.º do CPC, o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se.
Daqui decorre que o apuramento do saldo configura o objetivo da propositura da ação de prestação de contas, o qual decorrerá, necessariamente, do prévio apuramento e da subsequente aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas
Neste contexto, e conforme vem sendo amplamente sustentado na jurisprudência, a obrigação de prestação de contas é estruturalmente uma obrigação de informação, que existe sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias (artigo 573.º do Código Civil) e cujo fim é o de estabelecer o montante das receitas cobradas e das despesas efetuadas, de modo a obter-se a definição de um saldo e a determinar a situação de crédito ou de débito (8). Como salienta o Ac. do STJ de 3-04-2003 (9), « a regra é a de quem está encarregado da administração de interesses alheios (ou alheios e simultaneamente próprios) está obrigado a prestar contas perante o titular desses interesses (…).
(…) estando o processo em causa especialmente desenhado para essa finalidade, não pode ser utilizado para outras finalidades não previstas na lei processual.
De facto, estranho seria que tal processo especial em vez de servir para apurar as receitas e despesas efectivamente verificadas, fosse utilizado para averiguar da boa ou má administração da pessoa obrigada a prestar contas e para a determinação dos rendimentos eventualmente deixados de auferir em consequência de má administração.
Para isso, será adequado o processo comum, não o processo especial de prestação de contas».
Revertendo ao caso em apreciação, verifica-se que para além da alegação firmada no artigo 16.º da petição inicial, no sentido de que «o R. tendo (com as verbas monetárias propriedade do autor), em nome (como gestor) e representação do A., construído um pavilhão de apoio agrícola e comprado várias alfaias agrícolas» - matéria que o tribunal a quo veio, no essencial, a atender no âmbito do ponto 4) dos factos provados constantes da decisão recorrida -, o autor limitou-se, neste domínio, a invocar que o réu «tem impedido de aceder e utilizar as mesmas», matéria que além de manifestamente irrelevante para a prossecução do objeto da presente prestação de contas também não autoriza que se considerem validamente alegados os pressupostos fácticos essenciais integradores de um eventual direito de crédito do autor sobre o réu (no caso do trator) ou mesmo contra terceiro na qualidade de dono da coisa benfeitorizada, no caso do armazém alegadamente construído em terreno de terceiro (o qual apenas poderá ocorrer por via da verificação dos pressupostos específicos enunciados no artigo 1273.º do Código Civil ou ponderando uma eventual obrigação de indemnizar por via da aferição dos pressupostos específicos da acessão industrial imobiliária).
Assim, o direito ao reembolso ou à compensação das despesas específicas com o custo do trator e do armazém, agora sustentado pelo autor, não foi concretamente invocado enquanto facto constitutivo da pretensão formulada nos presentes autos, assente no direito à prestação de contas, nem se mostra sequer espelhado no âmbito dos movimentos vertidos nas contas que o próprio autor, ora recorrente, veio apresentar nos termos do disposto no artigo 943.º, n.º 1, do CPC. Basta constatar que nas contas que apresentou o autor imputou a título de despesas (e, como movimentos a débito, no âmbito da conta-corrente subsequentemente apresentada nos autos), no ano de 1991, os valores relativos a 7 alfaias agrícolas (€12.950,00), 1 trator (€4.750,00), e no ano de 2008 a despesa no valor de €20.000,00 relativa a “Pavilhão (estábulos)”, não ressalvando que tais valores devem ser considerados ou ponderados no saldo final por via do direito ao reembolso ou à compensação por tais despesas específicas.
Porém, o recorrente/autor parece agora pôr em causa que a aquisição do referido trator bem como o dinheiro gasto nas obras de construção e reconstrução do armazém agrícola devam ser considerados como despesas da sua atividade. Mas tal alegação é totalmente incompatível com a matéria de facto por si alegada no âmbito da petição inicial apresentada no âmbito da presente ação de prestação de contas e que foi dada como provada na decisão recorrida.

Desde logo, a matéria vertida no ponto 4) dos factos provados, com o seguinte teor: «O Réu, com as verbas monetárias propriedade do Autor, em nome e representação desde, construiu um pavilhão de apoio agrícola e comprou várias alfaias agrícolas».
Acresce que a falta de impugnação deste concreto ponto da matéria de facto pelo ora recorrente/autor delimita necessariamente o poder de cognição do Tribunal ad quem, tal como decorre do disposto no artigo 640.º, n.º 1, al. a), do CPC.
De resto, o próprio autor reconhece nas alegações da presente apelação que os valores atinentes aos custos ou gastos suportados pela aquisição do trator e pela construção do armazém já estão refletidos no âmbito das despesas consideradas pela perita no parecer emitido sobre as contas apuradas, nos seguintes termos: «se o armazém tivesse sido construído e reconstruído em terreno propriedade do Autor, o saldo obtido pela Sra. Perita de € 11.323,27 seria adequado para determinar a situação patrimonial gerada pela atividade do mesmo» (conclusão 9.ª das alegações), e «Assim, se o referido trator, matrícula FT, tivesse sido adquirido em nome do Autor, o saldo obtido pela Sra. Perita seria adequado para determinar a situação patrimonial gerada pela atividade do Autor (que corresponderia ao saldo obtido pela Sra. Perita de € 11.323,27 a que acresceria o valor dos bens do Autor gerados pela mesma)» (conclusão 18.ª das alegações).
Nestes termos, o reembolso não efetuado de verbas monetárias propriedade do autor que foram despendidas em nome e representação deste (e já refletidas no âmbito das despesas que foram consideradas nas contas apuradas, enquanto despesas relacionadas com a atividade agrícola do autor) apenas poderá revestir a natureza de receita futura, eventual. Como tal, não há que a fazer refletir tais “receitas” nas contas prestadas, não assumindo relevância para efeitos do apuramento do saldo.
Deste modo, não é a ação de prestação de contas o local próprio para exercer o eventual direito ao reembolso ou à compensação de tais despesas específicas, tratando-se de matéria que está para além da causa de pedir e do pedido que delimita o objeto da presente ação, não integrando os poderes de cognição do tribunal em sede de decisão sobre a matéria de facto.
Sendo assim, resulta manifesto que a eventual demonstração de tais circunstâncias seria absolutamente inócua no enquadramento enunciado, não assumindo qualquer relevância jurídica à luz das circunstâncias específicas do caso em apreciação e atendendo ao objeto da ação, para além de que as alterações preconizadas assentam necessariamente em juízos conclusivos ou de direito baseados em factos que não foram oportunamente alegados nem constam da redação proposta, não podendo integrar a matéria de facto julgada provada.
Ora, no contexto de cada decisão a proferir, em função do concreto objeto do processo delimitado pelas partes, do regime jurídico aplicável e da pertinente subsunção jurídica se as questões suscitadas pelas partes não assumirem relevo para a decisão do litígio ou se estiverem prejudicadas pela solução de fundo dada a esse litígio, o tribunal, por razões de celeridade e de economia processual, ficará dispensado de delas conhecer (10) mostrando-se por isso desnecessária a reapreciação dos meios de prova indicados pelo autor recorrente.
Tal como salienta o Ac. do STJ de 17-05-2017 (11) relativamente ao conhecimento da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, «[o] princípio da limitação de actos, consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, proíbe a sua prática no processo - pelo juiz, pela secretaria e pelas partes - desde que não se revelem úteis para este alcançar o seu termo.
(…)
Nada impede que também no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão fáctica seja observado tal princípio, se a análise da situação concreta em apreciação evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir.
Com efeito, aos tribunais cabe dar resposta às questões que tenham, directa ou indirectamente, repercussão na decisão que aprecia a providência judiciária requerida pela (s) parte (s) e não a outras que, no contexto, se apresentem como irrelevantes e, nessa medida, inúteis» (12).
Em consequência, decide-se rejeitar a impugnação da decisão relativa à matéria de facto deduzida pelo autor, assim improcedendo as correspondentes conclusões do apelante/autor.
O réu/apelante insurge-se contra os factos que foram enunciados nos pontos 1) e 4), 5) a 26) dos factos provados defendendo que os mesmos devem ser considerados não provados.
O apelado/autor, nas contra-alegações apresentadas, defende que a impugnação da matéria de facto deve improceder.
Relativamente a todos os pontos da matéria de facto impugnados verificamos que a impugnação deduzida pelo réu baseia-se exclusivamente na reapreciação do teor do relatório pericial de fls. 260-262 que consubstancia o parecer técnico sobre as contas apresentadas emitido pela perita (TOC) nomeada nos autos. Porém, no que concerne à impugnação atinente aos pontos 5) a 26) dos factos provados verifica-se que o âmbito probatório do recurso está enunciado de forma genérica, não estabelecendo o recorrente a necessária ligação entre tal meio probatório e cada um destes factos concretamente impugnados. Esta circunstância é suscetível de comprometer de forma relevante a possibilidade de o Tribunal de recurso refazer o percurso ou raciocínio lógico-jurídico que era exigível ao próprio recorrente empreender para concluir de forma diferente daquilo que a 1.ª instância decidiu (sobretudo tendo em conta a motivação já exarada na decisão recorrida), ainda que não leve no caso à rejeição liminar da impugnação da matéria de facto quanto aos concretos pontos impugnados.
No que se reporta à impugnação referente aos pontos 1) «Entre 1991 e 2012, o Réu assumiu em exclusivo a gestão das verbas monetárias e do património assim como o pagamento das despesas relacionadas com a actividade agrícola do Autor» e 4) «O Réu, com as verbas monetárias propriedade do Autor, em nome e representação desde, construiu um pavilhão de apoio agrícola e comprou várias alfaias agrícolas», a discordância apresentada pelo apelante/réu baseia-se essencialmente na alegada incongruência entre o teor do referido relatório pericial e a decisão de considerar tais factos como provados socorrendo-se para o efeito do argumento de que a matéria de facto enunciada em 1) colide frontalmente com o ponto 2 do relatório pericial onde se refere que, ambas as contas da “parceria”- conta n.º 0000........1 do Banco ..., actualmente Banco ..., e conta n.º .........51 da CAIXA ... -, “eram movimentadas pelo Sr. J. L. e pelo Sr. A. S. que detinham autorização para efectuar transacções”, o mesmo sucedendo em relação ao facto dado como provado em 4), até porque as despesas com pavilhão e alfaias agrícolas estão devidamente repercutidas nas contas da “parceria” objecto de análise pela perita, nada permitindo concluir que o réu tenha agido “em nome e representação do autor”.
Liminarmente se dirá que relativamente a estes pontos da impugnação não assiste razão ao apelante.
Assim, importa ter presente que a decisão recorrida considerou a factualidade vertida nos pontos 1) a 4) dos factos provados como admitida nos autos, baseando-se para o efeito na «confissão ficta produzida na fase dos articulados por ausência de contestação do Réu aos factos alegados pelo Autor».
Ora, tal como resulta dos autos e se revela pela análise do vertido em I supra, por despacho de 20-01-2014 foi determinado o desentranhamento da contestação apresentada pelo réu, por falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação de tal articulado, o que foi reiterado por despacho proferido em 25-03-2014, ambos oportunamente notificados às partes. Por despacho de 3-12-2014, cujo teor foi notificado a ambas as partes, foi determinada a notificação do autor para apresentar as contas, nos termos do disposto no artigo 943.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), atenta a falta de contestação ocorrida na sequência do despacho proferido em 20-01-2014 e a ausência de prestação de contas por parte do réu.
Mais se observa que na sequência de requerimento apresentado pelo réu, de 26-04-2017 veio o tribunal a quo proferir despacho, de 31-05-2017 no qual, além do mais, foi decidido o seguinte:
«Quanto às demais questões suscitadas no requerimento do réu, salvo o devido respeito, a obrigação da prestação de contas já se encontra definida, face ao teor do despacho de fls. 108 (de 03/12/2014 – ref. 27007953), pelo que a questão suscitada pelo réu se encontra, nesta fase, prejudicada».
Analisando atentamente o requerimento apresentado pelo réu, de 26-04-2017 facilmente se constata que o apelante já ali vinha invocar, além do mais, que os factos alinhados nos autos não permitem atribuir ao réu a administração de bens alheios antes permitindo constatar a existência de uma “parceria” que já funcionava desde 1991, mais sustentando resultar do arrazoado de documentos/pareceres juntos aos autos a contitularidade de contas solidárias, sustentando que o réu – como o autor – tinha o direito de movimentar, levantar, transferir sozinho e livremente quaisquer quantias depositadas.
Ponderando em conjunto todas as circunstâncias processuais antes referenciadas resulta manifesto que tendo o tribunal a quo rejeitado a contestação oportunamente apresentada pelo réu, determinado a notificação do autor para apresentar as contas, nos termos do disposto no artigo 943.º, n.º 1, do CPC (atenta a falta de contestação ocorrida na sequência do despacho proferido em 20-01-2014 e a ausência de prestação de contas por parte do réu) e tomado ulteriormente posição sobre o âmbito e objeto da obrigação da prestação de contas já definida nos autos, despachos que o ora apelante não impugnou por meio de recurso imediato e autónomo, ficaram tais questões já decididas com força obrigatória dentro do processo, nos termos do disposto no artigo 620.º, n.º 1 do CPC, impedindo o tribunal de apreciar novamente as mesmas.
Nas palavras do Prof. Alberto dos Reis (13), «[c]itado para prestar contas, o réu, em vez de as prestar, pode suscitar uma questão prévia: pode alegar que não tem a obrigação de prestar contas. (…)
(…).
A questão pode apresentar-se sob dois aspectos. O réu pode dizer: não existiu nem existe entre mim e o autor qualquer relação jurídica por virtude da qual eu esteja obrigado a prestar-lhe contas. Mais concretamente: não se constituiu entre mim e o autor a relação jurídica que ele invoca para justificar o pedido de prestação de contas. Ou então: a relação jurídica invocada pelo autor é exacta; mas dela não deriva para mim a obrigação de prestar contas.
(…).
Como bem se compreende, tal alegação assume o carácter de questão prévia e prejudicial. Enquanto não for decidida não pode o processo avançar; e se for julgada em sentido favorável ao réu, a acção morre. A acção é de prestação de contas; contestada pelo réu a obrigação de as prestar, tem de resolver-se, antes de mais nada, esse problema.
Se o juiz a resolve a favor do autor, isto é, se decide que o réu está obrigado a prestar contas, o processo segue para o efeito de as contas serem prestadas; se o resolve a favor do réu, a acção finda, porque deixa de ter objecto».
No caso, mostra-se ultrapassada - há muito - a primeira fase processual própria da ação de prestação de contas, a qual decorre desde a sua de dedução até ao despacho que determinou a notificação do autor para apresentar as contas, nos termos do disposto no artigo 943.º, n.º 1, do CPC, atenta a falta de contestação ocorrida na sequência do despacho proferido em 20-01-2014 e a ausência de prestação de contas por parte do réu.
Deste modo, atenta a falta de contestação e não tendo o réu apresentado as contas no momento próprio, o processo prosseguiu com o seu objeto circunscrito ao julgamento das contas apresentadas pelo autor não sendo sequer o réu admitido a contestar as contas apresentadas atenta a situação de revelia operante e por via da cominação prevista no artigo 943.º, n.º 2, do CPC. Nesta situação, as contas são julgadas segundo o prudente arbítrio do julgador, depois de obtidas as informações e feitas as averiguações convenientes, podendo ser incumbida pessoa idónea para dar parecer sobre todas ou parte das verbas inscritas pelo autor.
Mostra-se, assim, definitivamente consolidado no processo o julgamento prévio sobre a existência da obrigação de prestar contas, de acordo com o ato ou facto que justifica o pedido e que constitui a causa de pedir invocada pelo autor (14) sendo oponível ao réu o efeito preclusivo do conhecimento de todas as questões que este tinha o ónus de suscitar em sede de contestação, não relevando a posterior negação ou invocação de factos destinados a derrogar ou contraditar outros que se devem considerar assentes, tal como decidiu - e bem - o tribunal a quo relativamente aos pontos 1) e 4) dos factos provados.
Trata-se de matéria definitivamente adquirida no processo razão pela qual não há lugar a qualquer averiguação autónoma na fase processual em referência.
Daí que se entenda que as referências enunciadas pela perita no respetivo relatório pericial relativamente à existência de uma “parceria” ou às consequências extraídas da natureza ou forma de movimentação das contas bancárias associadas à exploração ou atividade agrícola do autor, para além de conclusivas, nunca poderiam assumir relevo probatório autónomo no sentido de invalidar matéria de facto regularmente julgada provada em face da ausência de contestação.
Note-se, aliás, que o objeto da perícia foi oportunamente delimitado pelo despacho de 5-05-2015 no qual se decidiu nomear TOC para emitir parecer sobre as contas apresentadas, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 943.º, n.º 2, do CPC, não abrangendo os pressupostos de facto subjacentes ao julgamento prévio sobre a existência e o âmbito da obrigação de prestar contas.
Por último, para além de surpreendentes, revelam-se manifestamente inconsequentes as referências agora enunciadas pelo réu a propósito da impugnação ao ponto 1) dos factos provados, no sentido de limitar o âmbito temporal do facto ali considerado com referência ao período de 1998 a 2012, baseando-se, para o efeito, no que fora inicialmente alegado pelo autor no artigo 10.º da petição inicial.
Sucede que da alegação dos factos essenciais nucleares constante da petição inicial não subsiste qualquer dúvida quanto à delimitação do ato ou facto que justifica o pedido e que constitui a causa de pedir invocada pelo autor para justificar a obrigação de prestar contas por parte do réu, traduzido na assunção por este, em exclusivo, da gestão das verbas monetárias e do património assim como do pagamento das despesas relacionadas com a prática agrícola do autor, em toda a sua dimensão de receitas e despesas e mais concretamente atentos os apoios/subsídios monetários recebidos de instituições públicas.
Deste modo, ainda que o autor na petição inicial não tenha logo delimitado em termos temporais precisos o período concreto compreendido na prestação de contas, nada impedia que o fizesse posteriormente quando confrontado com a devolução do direito de apresentar as contas em função da não apresentação devida de contas pelo réu. Efetivamente, saber quando nasce e quando termina a obrigação de prestar contas é questão meramente concretizadora da obrigação de prestar contas já definida no processo e que pode deduzir-se dos factos essenciais nucleares que foram alegados em sede de petição inicial.
Trata-se, aliás, de questão sobre a qual nunca antes as partes suscitaram qualquer dúvida no processo. Com efeito, o que se verifica é que o próprio réu ao longo do processo e quando convidado para o efeito veio juntar aos autos diversos documentos comprovativos de despesas para serem consideradas na presente prestação de contas, abrangendo designadamente o ano de 1991, também não impugnando sob esta esta vertente os extratos bancários que foram juntos aos autos e que se reportam ao período a que se reportam as contas definitivamente admitidas nos autos (1991 a 2012), o mesmo sucedendo comas informações trazidas aos autos pelo IFAP, IP (de 15-06-2015) dando conta dos subsídios e prémios pagos ao autor em 1991, sendo certo que nos autos nunca foi questionado por qualquer das partes qual o período abrangido pela exploração agrícola em causa nos presentes autos mas única e exclusivamente os contornos da relação jurídica estabelecida entre autor e réu e que foi invocada para justificar o pedido de prestação de contas.
Daí que se conclua que o teor da matéria de facto que foi enunciada pelo tribunal a quo e que constitui o ponto 1.1.1. supra pode fazer parte do elenco dos factos provados, assim improcedendo, nesta parte, a impugnação apresentada pelo apelante/ réu quanto aos ponto 1) e 4) da matéria de facto provada.

Quanto à impugnação atinente aos pontos 5) a 26) dos factos provados, no sentido de ser dada como não provada tal matéria, decorre da motivação da sentença recorrida que a decisão relativa aos indicados pontos de facto se baseou no seguinte:
«No que respeita à factualidade vertida nos pontos 5) a 26) dos factos provados, o Tribunal atendeu ao teor do relatório pericial junto aos autos a fls. 260-262, que reflete uma análise técnica de toda a documentação junta aos autos e acima melhor identificada.
Conforme resulta da avaliação feita pela Exma. Sr. Perita, através da análise dos extractos bancários, foi possível apurar o saldo de € 11.232,37 a favor do Autor. A própria referiu que não atendeu às demais despesas apresentadas pelo Réu (designadamente aos documentos por este apresentados), por não estarem em nome do Autor e, nessa medida, não se afigurar seguro que tais despesas se reportassem às despesas advenientes da actividade agrícola do Autor. Por sua vez, a mesma, em sede de esclarecimentos, precisou que as contas bancárias em torno das quais girou a referida exploração agrícola também não reflectem todas as receitas advenientes de tal actividade comercial (mormente, e a título de exemplo, as receitas obtidas com a venda de animais).
Por sua vez, no que respeita ao empréstimo bancário, tal dinheiro terá acabado por entrar nas aludidas contas bancárias tituladas pelo Autor, pelo que, tendo a Exma. Sra. Perita tido em conta todos os movimentos bancários que resultam das mesmas, não se poderá fazer acrescer, como o pugnou o Autor, o valor gasto na reconstrução do alegado pavilhão, sob pena de se estar a duplicar valores. Por outras palavras: dos elementos recolhidos constatou-se que o empréstimo de € 20.000,00 foi contraído pelo Autor e que tal dinheiro entrou na conta por este titulada junto da CAIXA ..., logo, se toda a actividade do Autor era gerida a partir de tais contas, tal dinheiro foi utilizado na construção do aludido pavilhão e, nessa medida, como movimento das aludidas contas, foi já tido em conta no parecer elaborado pela Exma. Sra. Perita (cf. ofício de fls. 328 remetido a estes autos pela CAIXA ... em 18.04.2017).
No que respeita ao alegado pelo Autor quando ao dispêndio de € 5.000,00 com a construção do pavilhão, note-se que o Autor nada diz quanto à dificuldade de demonstrar tal despesa, sendo que, na conta-corrente que apresenta, a final, não reflecte tal verba, pelo que a concretização de tal despesa não se afigurou plausível.
Finalmente, e no que respeita às alfaias agrícolas, não se afiguraram verosímeis os movimentos vertidos nas contas apresentadas pelo Autor na medida em que não têm correspondência com os demais elementos carreados para os autos.
Concretizando.
No que respeita à alegada compra de um tractor, tendo em conta o título de registo de propriedade junto aos autos pelo próprio Autor (cf. fls. 270v), o mesmo terá sido adquirido pelo Réu em 20.10.1994, pelo que não se compreende como tal despesa vem reportada ao ano de 1991, no valor de € 4.750,00.
Por sua vez, no que respeita às alfaias agrícolas, há que atentar que, nas contas que apresentou, o Autor imputou, no ano de 1991, a despesa no valor de € 12.950,00, relativa à compra de 7 (sete) alfaias agrícolas. Contudo, nos autos havia alegado a compra, pelo Réu e num primeiro momento, de 10 (dez) alfaias agrícolas com o seu dinheiro (cf. requerimento apresentado em 16.02.2016 – fls. 269v) e, posteriormente, conforme resulta do teor do documento anexo com o requerimento apresentado em 21.07.2016 (fls. 294v), veio alegar a compra, pelo Réu e com o seu dinheiro, de 12 (doze) alfaias agrícolas, no ano de 1995, pelo valor total de € 16.912,69, ou seja, resulta evidente a contradição em que o Autor incorreu nos autos, não sendo coerente nem quanto ao número de alfaias compradas nem quando (em que ano) tais compras ocorreram. Por sua vez, e aquando confrontado com o relatório de avaliação junto aos autos em 01.02.2018 (fls. 343) e respectivos esclarecimentos datados de 05.06.2019 (fls. 366), aceitou o seu teor (note-se que foram avaliadas 12 alfaias) e, bem assim, os valores aí vertidos, que correspondem à quantia de € 5.960,00, ou seja, aceitou um valor bastante inferior ao que, a final, verteu nas suas contas.
Assim, e em suma, atentas as discrepâncias apresentadas entre tais valores, quantidades e anos de aquisição/realização da despesa, não se afigurou verosímil a verba vertida nas contas apresentadas pelo Autor a título de aquisição de 7 (sete) alfaias agrícolas, sendo que, também nesta parte, se afigurou a este Tribunal que tais valores também estarão reflectidos nas contas bancárias que, como acima se disse, foram objecto de apreciação pela Exma. Sra. Perita (cf. ofício de 06.10.2016 – fls. 299-300). Na verdade, e tendo em conta que os principais rendimentos obtidos pelo Autor advinham dos apoios que recebia do IFAP, tendo sido depositados nas aludidas contas bancárias, afigura-se consentâneo com as regras da experiência e do normal acontecer que a despesa com tais aquisições também tenha sido suportada com fundos advenientes de tais contas, pelo que, também nesta parte, se entende que estão também reflectidas no relatório pericial junto aos autos e cujo teor se atendeu nos termos acima vertidos».
O apelante/réu discorda desta apreciação, sustentando em sede de impugnação da matéria de facto, no essencial, que a sentença extrapolou inadmissivelmente o teor do relatório pericial, dele fazendo uma errónea interpretação, não existindo elementos concretos que permitam estribar a resposta dada nos pontos 5 a 26 dos factos provados.
Ora, relativamente aos fundamentos enunciados pelo recorrente resulta evidente, ao invés do que este defende, que a sentença recorrida atendeu e valorou adequadamente o que consta do teor do relatório pericial parecer da Exma. Sra. perita nomeada nos autos em 05-05-2015 (fls. 133) e cujas conclusões se acham vertidas no relatório de fls. 260-262, datado de 29-01-2016 e no ofício datado de 03-05-2019, que confirmou tais conclusões (fls. 393-396), tudo em conjugação com as regras da experiência, cujo resultado, reproduzido no documento 1 anexado ao referido relatório foi transposto para a resposta dada nos pontos 5 a 26 dos factos provados. Isso mesmo reconhece o apelante na conclusão 4.ª das alegações de recurso ao sustentar que: «Conclui a Exma. Perita que “os extractos bancários dos anos de 1991 a 2012, foram a fonte de base e informação em relação às receitas e aos gastos desta actividade”, originando o documento 1 anexado ao parecer, “cujo saldo foi positivo, no montante de 11.232,37€” – sendo este montante de 11.232,37€ que a M.ª Juiz do Tribunal a quo acabou por acolher, desdobrando as receitas e despesas espelhadas no documento 1 anexado ao relatório (fls. 262) pelos pontos 5 a 26 da factualidade dada como provada, concluindo a final que o mesmo traduz “um saldo a favor do autor”».
Também a questão que o réu novamente suscita a propósito das duas contas bancárias em torno das quais girava a atividade financeira da “parceria”, no sentido de afastar o relevo probatório do resultado da perícia (pois que alegadamente tais contas seriam movimentadas por autor e réu que detinham autorização para efetuar transações), resulta manifestamente inconcludente à luz dos pressupostos de facto subjacentes ao julgamento prévio sobre a existência e o âmbito da obrigação de prestar contas, tal como vertidos nos pontos 1) a 4) dos factos provados constantes da decisão recorrida.
Acresce que, como se viu, as referências enunciadas pela perita no respetivo relatório em relação à existência de uma “parceria” ou às consequências extraídas da natureza ou forma de movimentação das contas bancárias associadas à exploração ou atividade agrícola do autor, para além de conclusivas, nunca poderiam assumir relevo autónomo no sentido de invalidar matéria de facto regularmente julgada provada em face da ausência de contestação ou para derrogar o valor probatório das restantes conclusões da perícia, porquanto, tal como também resulta do referido relatório e foi confirmado pela perita em sede de esclarecimentos prestados perante o tribunal a quo, as receitas consideradas refletem efetivamente o que consta das contas bancárias em torno das quais girou a atividade de exploração agrícola que constitui o objeto da presente ação e respeitam ao correspondente relacionamento entre autor e réu, o mesmo sucedendo quanto às despesas pois esclareceu ter atendido a todas as despesas associadas à exploração agrícola que surgem refletidas nas referidas contas bancárias. Ainda que admitindo que as contas bancárias em torno das quais girou a referida exploração agrícola possam não refletir a totalidade das receitas advenientes de tal atividade comercial (concretamente, as receitas obtidas com a venda de animais), esclareceu a referida perita que as partes não apresentaram outros documentos que as titulassem, justificando ainda a razão que a levou a não atender a documentos de despesas que foram apresentados pelo réu mas que não considerou por estarem em nome pessoal deste.
E apesar da alusão de natureza conclusiva efetuada pela perita à existência de uma “parceria” certo é que o resultado da perícia acabou por espelhar e traduzir de forma evidente que nela apenas foram consideradas as despesas e receitas efetuadas em nome do autor, por ser uma exploração agrícola por conta e em representação deste, de harmonia com o julgamento prévio sobre a existência da obrigação de prestar contas e atendendo ao ato ou facto que justifica o pedido e que constitui a causa de pedir invocada pelo autor, concluindo então, tal como resulta das conclusões do referido relatório, que os extratos bancários dos anos de 1991 a 2012 foram a fonte de base e informação atinente às receitas e aos gastos dessa atividade, originando o documento 1 em anexo ao referido relatório do qual consta a discriminação por anos das atinentes receitas e correspondentes despesas.
No caso, estamos indiscutivelmente perante questão que assume natureza eminentemente técnica, exigindo conhecimentos especiais para o efeito. Por isso, importa atender à especial relevância que necessariamente assumirá o resultado da perícia realizada nos autos pois foi determinada pelo Tribunal a quo e realizada por pessoa idónea para o efeito visando precisamente o apuramento da questão central agora em referência, nos termos e para os efeitos expressamente previstos no artigo 943.º, n.º 2, do CPC, tendo por base os elementos documentais que foram requisitados às partes e junto de outras entidades mas sempre sob o contraditório das partes.
Como sublinha o Prof. Alberto dos Reis (15) «No julgamento das contas o juiz move-se com grande liberdade e largueza; mas não pode emitir a decisão que lhe apetecer; há-de lavrar a sentença que, em seu prudente arbítrio, corresponder ao estado dos autos».
A propósito das contas apresentadas pelo autor na situação em que o réu não as apresente nem conteste a obrigação de as apresentar, referem ainda António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa (16), «O prudente arbítrio não pressupõe “certeza”, sob pena de não haver lugar a tal tipo de julgamento, apelando mais a um juízo em que se ponderem, com razoabilidade, todos os elementos disponíveis, procurando obter um valor que, com forte probabilidade, envolva a menor margem de erro».
Daí que se justifique inteiramente a ponderação efetuada pelo tribunal a quo ao atender ao relatório pericial junto aos autos a fls. 260-262, que reflete uma análise técnica de toda a documentação junta aos autos e que foi explicitada na decisão recorrida.
Deste modo, a análise do meio probatório indicado pelo apelante/réu, concretamente a ponderação do relatório pericial de fls. 260-262 não impõe se proceda à indicada alteração que pretende se introduza à decisão de facto, no sentido de dar como não provados os pontos 5) a 26) dos factos provados.
Nestes termos, resta concluir que os fundamentos enunciados pelo apelante/réu relativamente ao concreto meio de prova indicado pelo apelante como relevante para a alteração da decisão da matéria de facto contida na decisão recorrida, no que concerne à impugnação relativa aos pontos 5) a 26) dos factos provados, não permitem infirmar de forma decisiva a valoração que a propósito foi feita pelo tribunal a quo, a qual se afigura razoável, prudente e absolutamente adequada à prova produzida.
Em consequência, improcede a impugnação da decisão relativa à matéria de facto apresentada pelo réu, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre os factos vertidos em 1.1. supra.

2.3. Reapreciação da decisão de mérito da ação

Na primeira fase da ação ficou devidamente definido que sobre o réu recaía a obrigação de prestação de contas, delimitada pelo ato ou facto que justifica o pedido e que constitui a causa de pedir invocada pelo autor e que no caso se traduz na assunção pelo réu, em exclusivo, da gestão das verbas monetárias e do património assim como do pagamento das despesas relacionadas com a prática agrícola do autor, em toda a sua dimensão de receitas e despesas e mais concretamente atentos os apoios/subsídios monetários recebidos de instituições públicas.
A decisão recorrida concluiu que na medida em que o réu se obrigou perante o autor a gerir as verbas monetárias e o património, assim como o pagamento das despesas relacionadas com a atividade agrícola deste [cf. ponto 1) dos factos provados], que a obrigação de apresentação de contas por banda do réu deriva da circunstância de um mesmo ter celebrado um contrato de mandato com o autor, na medida em que se obrigou a praticar atos jurídicos por conta de outrem, nos termos do artigo 1157.º, do Código Civil.
Mais considerou a 1.ª instância que, por força do contrato de mandato que celebrou com o autor, sobre si impende a obrigação de prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante o exigir [cf. artigo 1161.º, alínea d) do Código Civil e ponto 2) dos factos provados].
Ponderando as considerações jurídicas antes expendidas em face do quadro fáctico apurado nos autos julgamos que não se revela possível extrair diferente conclusão sobre esta matéria, o que também não vem posto em causa pelos apelantes que sobre esta matéria não suscitam qualquer questão.
Está em causa, na presente apelação, o julgamento das contas apresentadas pelo autor, as quais o réu não é admitido a contestar, conforme dispõe o artigo 943.º, n.º 2, do CPC, preceito que esclarece que tais contas são julgadas segundo o prudente arbítrio do julgador, depois de obtidas as informações e feitas as averiguações convenientes, podendo ser incumbida pessoa idónea de dar parecer sobre todas ou parte das verbas inscritas pelo autor.
Como salienta o Ac. do STJ de 21-04-2010 (17), «[e]m processo especial de prestação de contas recai sobre o réu que está obrigado a prestá-las o ónus de as apresentar tempestivamente, com a cominação de, não o fazendo, não poder contestar as contas apresentadas pelo autor, ficando, consequentemente, sujeito ao apuramento dos movimentos pecuniários e do saldo respectivo em função do julgamento prudencial das contas apresentadas pela parte contrária, complementadas pelas diligências e perícias que o tribunal haja determinado».
A 1.ª instância, apreciando as contas apresentadas, proferiu a decisão recorrida, na qual aceitou parcialmente as contas apresentadas pelo autor, relativas ao exercício das funções do réu por via do mandato celebrado, no período compreendido entre os anos de 1991 e 2012, reconhecendo e fixando as receitas no valor total de € 316.363,77, as despesas no valor total de € 305.131,40 e a existência de saldo a favor do autor no valor de € 11.232,37, condenando o réu a proceder ao respetivo pagamento, não reconhecendo nem validando as demais receitas e despesas apresentadas pelo autor.
Discordando desta decisão, dela interpuseram recurso ambas as partes, defendendo o autor que ao valor total da despesa fixado na sentença recorrida deverá ser deduzido o valor dos bens adquiridos ou construídos em benefício de outrem, ou seja os € 4.489,18 do trator que o réu comprou para si e os € 20.000,00 do armazém construído no terreno da sua filha. Subsidiariamente, defende que sempre ao saldo obtido pela Sra. Perita que emitiu parecer sobre as contas apresentadas (de € 11.323,27), teria que aditar-se o valor atual do armazém de € 17.000,00 e do trator. O réu, por seu turno, defende a rejeição das contas apresentadas e a revogação da condenação proferida, absolvendo-se o réu de pagar qualquer quantia ao autor.
Ultrapassada a questão suscitada pelo réu relativamente à extemporaneidade das contas apresentadas pelo autor e inobservância dos requisitos formais das contas apresentadas, tal como apreciada e decidida em 2.1. supra, bem como a questão da atendibilidade dos valores que o autor pretendia fossem considerados no saldo final das contas por via do direito ao reembolso ou à compensação por determinados gastos ou despesas específicas cumpre constatar que as restantes questões suscitadas pelo réu no que respeita à aprovação das receitas e das despesas era meramente factual e ficou resolvida quando se apreciou a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Resta acrescentar que face aos poderes de averiguação concedidos ao juiz pelo artigo 943.º, n.º 2, do CPC, dos quais fez uso a 1.ª instância, ao incumbir perita de elaborar uma perícia da qual consta parecer sobre as verbas inscritas pelo autor, bem como sobre as despesas efetuadas no período em causa, não nos merece qualquer censura a decisão recorrida pois ponderou o teor do relatório pericial junto aos autos que reflete uma análise técnica de toda a documentação junta aos autos, e que foi explicitada na decisão recorrida, de forma que se afigura razoável, justificada e adequada à situação dos autos, sobretudo considerando que ao autor não se exige o rigor que se deveria exigir caso as contas fossem apresentadas pelo réu.
Efetivamente, conforme entendeu o Ac. TRC de 16-12-2015 (18) em moldes que julgamos de sufragar inteiramente, «[n]este julgamento que o tribunal tem de fazer das contas apresentadas pelo Autor na falta de apresentação das mesmas pelo obrigado à sua prestação, o tribunal não pode ter as mesmas exigências de rigor que teria nas que tivessem sido apresentadas pelo devedor, pois o requerente da prestação forçada de contas, na maior parte dos casos, não disporá nem conseguirá obter os documentos comprovativos das receitas e despesas realizadas por outrem durante um período de tempo mais ou menos longo.
(…)
Os elementos a considerar para o julgamento das contas prestadas pelo Autor são aqueles que resultarem dos autos e aqueles que o tribunal conseguir apurar, apuramento esse que se fará com base em factos ocorridos, ou na sua ausência - o que acontece amiúde quando não é o sujeito sobre quem impende a obrigação de prestar as contas que o faz - com base em relatórios periciais que, com os dados existentes e aqueles que sejam de presumir, deem parecer sobre todas ou parte das verbas inscritas pelo autor».
Assim, tendo em conta a factualidade dada como provada [pontos 5) a 26) dos factos provados], cumpre considerar apuradas receitas no valor global de € 316.363,77 e despesas no valor total de € 305.131,40 como se considerou na sentença recorrida.
Daí que a decisão recorrida não mereça censura quando reconheceu a existência de um saldo positivo no montante de € 11.232,37.
Nesta conformidade, há que considerar prestadas as contas e condenar o réu no pagamento ao autor da quantia de a ré no pagamento à autora da quantia de € 11.232,37, correspondente ao saldo apurado.
Pelo exposto, cumpre julgar improcedentes as apelações apresentadas pelo réu e pelo autor e, em consequência, confirmar integralmente a sentença recorrida.
Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo.
Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.
No caso em apreciação, como as apelações foram julgadas improcedentes, ambos os apelantes ficaram vencidos nos recursos, pelo que devem as mesmas ser responsabilizadas pelo pagamento das custas dos respetivos recursos.

Síntese conclusiva:

I - Mostrando-se ultrapassada a primeira fase processual própria da ação de prestação de contas, a qual decorre desde a sua de dedução até ao despacho que determinou a notificação do autor para apresentar as contas, nos termos do disposto no artigo 943.º, n.º 1, do CPC, atento o desentranhamento da contestação apresentada pelo réu, o processo prossegue com o seu objeto circunscrito ao julgamento das contas apresentadas pelo autor não sendo sequer o réu admitido a contestar as contas apresentadas por via da cominação prevista no artigo 943.º, n.º 2, do CPC.
II - Nas circunstâncias processuais referenciadas fica definido no processo a existência da obrigação de prestar contas de acordo com o ato ou facto que justifica o pedido e que constitui a causa de pedir invocada pelo autor, não podendo o réu vir invocar posteriormente questões que tinha o ónus de suscitar em sede de contestação nem relevando a posterior negação ou invocação de factos destinados a derrogar ou contraditar outros que se devem considerar assentes por integrarem matéria que se deve considerar definitivamente adquirida e sobre a qual não há lugar a qualquer averiguação autónoma na subsequente fase processual.
III - Na falta de apresentação pelo réu das contas deve o juiz fazer uso dos poderes de averiguação concedidos pelo artigo 943.º, n.º 2, do CPC e do seu prudente arbítrio para julgar as contas apresentadas pelo autor sem deixar de ponderar que a obrigação de prestação de contas incumbe à parte contrária, que a não cumpriu.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedentes as apelações apresentadas pelo réu e pelo autor assim confirmando integralmente a sentença recorrida.
Custas em ambas as apelações pelos respetivos apelantes, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
Guimarães, 1 de outubro de 2020
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (relator)
Espinheira Baltar (1.º adjunto)
Luísa Duarte Ramos (2.º adjunto)



1. Nos termos do qual: «1 - Quando o réu não apresente as contas dentro do prazo devido, pode o autor apresentá-las, sob a forma de conta corrente, nos 30 dias subsequentes à notificação da falta de apresentação, ou requerer prorrogação do prazo para as apresentar. (…)».
2. Neste domínio, o n.º 2 do artigo 943.º do CPC, dispõe que «o réu não é admitido a contestar as contas apresentadas, que são julgadas segundo o prudente arbítrio do julgador, depois de obtidas as informações e feitas as averiguações convenientes, podendo ser incumbida pessoa idónea de dar parecer sobre todas ou parte das verbas inscritas pelo autor».
3. Cf., por todos, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Coimbra, Almedina, 2020, p. 394.
4. Cf., Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Ob. cit., pgs. 393-394.
5. Relator: José Sousa Lameira, revista n.º 628/14.1TBBGC-C.G1.S1, 7.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
6. Cf. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Ob. cit., pgs. 394.
7. Cf. Lopes do Rego, Comentário do Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 1999, p. 200-201.
8. Neste sentido, cfr. entre outros, os Acs. do STJ de 9-02-2006 (relator: Araújo Barros), revista n.º 05B4061; de 3-02-2005 (Relator: Salvador da Costa,), acessíveis em www.dgsi.pt.
9. Relator: Moreira Alves, revista n.º 03A073, disponível em www.dgsi.pt.
10. Cfr. o Ac. TRP de 23-04-2018 (relator: Jorge Seabra), p. 972/14.8T8GDM.P1, acessível em www.dgsi.pt.
11. Relatora: Fernanda Isabel Pereira; proferido na revista n.º 4111/13.4TBBRG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
12. Em sentido idêntico, cfr., entre outros, os Acs. TRG de 2-05-2019 (relatora: Maria Amália Santos), p. 3128/15.9T8GMR.G1; TRL de 30-04-2019 (relator: José Capacete), p. 30502/16.0T8LSB.L1-7; TRG de 11-07-2017 (relatora: Maria João Matos), p. 5527/16.0T8GMR.G1; TRG de 10-09-2015 (relatora: Manuela Fialho), p. 639/13.4TTBRG.G1; TRC de 24-04-2012 (relator António Beça Pereira), p. 219/10.6T2VGS.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
13. Cf. Alberto dos Reis, Processos Especiais, Vol. I - Reimpressão, Coimbra, 1982 - Coimbra Editora, pg. 325.
14. A propósito, refere Luís Filipe Pires de Sousa, Acções especiais de divisão de coisa comum e de prestação de contas, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, 1.ª edição, pg. 155: «É face à causa de pedir invocada pelo autor que se afere se existe ou não a obrigação de prestar contas».
15. Cf. Alberto dos Reis, Ob. cit., pg. 323.
16. Cf. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil anotado, Vol. II, Coimbra, 2020, Almedina, pgs. 394.
17. Relator: Lopes do Rego, revista n.º 6640/07.0TBSTB.E1.S1, 7.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
18. Relatora: Sílvia Pires, p. 423/08.7TBLMG.C1, disponível em www.dgsi.pt.