Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
314/21.6T8BRG-A.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
INCOMPETÊNCIA INTERNACIONAL
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA
REGULAMENTO (UE) 1215/2012
EXTENSÃO DE COMPETÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/02/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
O art. 35.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, estabelece que as medidas provisórias, incluindo as medidas cautelares, previstas na lei de um Estado-Membro, podem ser requeridas às autoridades judiciais desse Estado-Membro, mesmo que os tribunais de outro Estado-Membro sejam competentes para conhecer do mérito da causa.
O pressuposto é uma conexão entre os processos e os Estados-Membros e, por outro lado, que uma medida provisória determinada por um tribunal dum Estado-Membro que não seja competente para conhecer do mérito da causa apenas produz efeitos no território desse Estado-Membro, o que afasta a possibilidade de, nessas circunstâncias, ser determinada a aplicação duma medida provisória que seja executada ou produza os seus efeitos noutro Estado-Membro.
Os tribunais portugueses não são internacionalmente competentes para determinar que a requerida proceda a título provisório à regularização e manutenção do seguro de doença Techniker Krankenkasse (TKK) - Segurança Social Alemã adstrito ao contrato de trabalho que foi celebrado com o requerente, posto que esta medida não tem qualquer elemento de conexão com o território do Estado Português, designadamente porque a sua execução se efectiva necessariamente na Alemanha.
O direito constitucional de acesso ao direito e aos tribunais mostra-se assegurado através do tribunal alemão que internamente tenha competência para a questão, nos precisos termos estabelecidos pelo Regulamento em referência ex vi art. 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.

Alda Martins
Decisão Texto Integral:
1. Relatório

Por apenso à acção declarativa de condenação, com processo comum, que H. C., residente no Caminho …, n.º .., em …, move a X, com sede em …, na Alemanha, o Autor veio intentar o presente procedimento cautelar comum, pedindo que seja determinado provisoriamente que a Requerida proceda à regularização e manutenção do seguro de doença Techniker Krankenkasse (TKK) - Segurança Social Alemã do Requerente, adstrito ao contrato de trabalho que foi celebrado, recolocando aquele na condição de beneficiário para acesso imediato a cuidados de saúde. Mais requer que seja fixado à Requerida o prazo máximo de dez dias para o referido efeito e que seja fixada uma sanção pecuniária compulsória não inferior a 100,00 € por cada dia de atraso no cumprimento.
O Requerente alega, em síntese, que celebrou um contrato de trabalho com a Requerida no dia 1 de Abril de 2015. Após um longo período de baixa médica, apresentou-se ao serviço no dia 21 de Janeiro de 2020, mas a requerida não permitiu que retomasse o trabalho. Tal conduta configura um despedimento ilícito, na medida em que foi efectuado sem justa causa e sem precedência de processo disciplinar, razão pela qual o Requerente instaurou a acção principal contra a Requerida.

Nessa acção, o Requerente formula o seguinte pedido:

A - ser declarado ilícito o despedimento do Autor promovido pela Ré;
B - em consequência, ser a Ré condenada a reintegrar o Autor, no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, correspondente ao escalão 9 de acordo com as funções para as quais foi contratado e exerce, como estabelecido no “Acordo Complementar de Agrupamento Tarifário BAP”, ou a pagar uma indemnização nos termos da lei aplicável, que no caso concreto é correspondente a doze meses de salários, no valor de 57,431.81 €;
C - ser a Ré condenada a pagar ao Autor todas as quantias referidas, a título de créditos salariais que deveriam ter sido pagos pela Ré e não o foram, nomeadamente, a correcção / actualização do escalão salarial, no valor de 10,181.03 €;
D - ser a Ré condenada a pagar ao Autor o subsídio de alimentação, subsídio de deslocações e trabalho suplementar de 143 horas, referente aos meses de Abril a Junho de 2015, no valor de 10,639.22 €;
E - ser a Ré condenada a pagar ao Autor os salários devidos desde a data do despedimento, em 21 de Janeiro de 2020, até à presente data, no valor de 59,607.26 €;
F - ser a Ré condenada a pagar ao Autor os salários que entretanto se vierem a vencer até ao trânsito em julgado do presente processo;
G - ser a Ré condenada a pagar ao Autor os proporcionais correspondentes a 30 dias de férias por ano de trabalho, não pagas e não gozadas, referentes a dois meses de férias após baixa médica e as referentes ao ano de 2020, de acordo com a legislação aplicável, no montante de 39,158.05 €;
H - ser a Ré condenada a pagar ao Autor os proporcionais a 12 meses a título de subsídio de Férias e subsídio de Natal, no montante de 9,571.97 €;
I - ser a Ré condenada a pagar ao Autor os montantes relativos ao subsídio de renda de casa, estipulados no contrato de trabalho, dos últimos 68 meses, que não foram pagos pela Ré, que confere ao Autor um acréscimo à remuneração base num total de 17,000.00 €;
J - ser a Ré condenada a pagar ao Autor o complemento de reforma num total de 1,861.30 €, que deverá ser actualizado ao seu valor presente;
K - ser a Ré condenada a pagar ao Autor o prémio de fidelidade num total de 960.00 €;
L - ser a Ré condenada a pagar ao Autor o bónus referente à participação nos lucros da empresa, a calcular;
M - ser a Ré condenada a pagar ao Autor uma quantia - a fixar pelo Tribunal – a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial, causados na sequência do despedimento ilícito, nunca inferior a 50.000,00 €;
N - ser a Ré condenada a pagar ao Autor os juros sobre as quantias invocadas, à taxa legal, desde a data em que se verificou o incumprimento até efectivo e integral pagamento;
O - ser a Ré condenada a declarar o Autor como seu trabalhador à Segurança Social e às Finanças por todo o tempo que o Autor esteve ao seu serviço.

Nessa acção, foi proferida sentença em 2/12/2021, julgando verificada a excepção dilatória de incompetência internacional do tribunal e absolvendo a Ré da instância, tendo sido interposto recurso pelo ora Requerente e aí Autor em 6/01/2021.
Por outro lado, o Requerente alega na presente providência cautelar que é doente crónico com incapacidade parcial permanente e definitiva que carece de acompanhamento médico contínuo e de terapêuticas adequadas e reiteradas. Se o Requerente estivesse em exercício de funções, seria beneficiário do seguro de doença Techniker Krankenkasse - TKK (Segurança Social Alemã), como parte da sua retribuição mensal, e o acesso a tal assistência providenciar-lhe-ia todos os cuidados de saúde de que necessita. O apoio que o Requerente recebe do SNS português é manifestamente insuficiente para prover às suas necessidades actuais, dada a demora no acesso a consultas de diagnóstico e de especialidade e na concessão dos tratamentos. Por tal razão, a demora na tramitação da acção principal pode acarretar prejuízos irreparáveis, porque irreversíveis, na saúde do Requerente. Acresce que da adopção da presente providência não decorre qualquer prejuízo para os interesses da Requerida. Por outro lado, afirma que é competente para decidir a presente providência o Juízo do Trabalho da Comarca de Braga, onde corre a acção principal, ao abrigo do disposto no art. 35.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro de 2012.
O procedimento cautelar em apreço foi apresentado em 6/01/2022 e em 10/01/2022 foi proferido despacho a indeferir liminarmente o requerimento inicial por verificação da excepção dilatória de incompetência internacional do tribunal.

O Requerente interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:

«1. Não pretende o recorrente nas conclusões que se seguem, reduzir o objecto do presente recurso, que V.as Ex.as doutamente suprirão.
2. Nos presentes autos, o Tribunal a quo indeferiu liminarmente a providência cautelar apresentada alegando a excepção dilatória de incompetência internacional do juízo do trabalho do Tribunal de Braga.
3. O autor não pode conformar-se com a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo pelo que da mesma interpôs recurso.
4. Com o presente recurso pretende-se sejam apreciadas as seguintes questões, que reflectem as razões de discordância do recorrente com a douta sentença proferida: a) o erro na interpretação e aplicação do direito, pois no entender do recorrente o Tribunal a quo fez uma errada aplicação do direito; b) inexistência de transito em julgado da acção principal; c) a inverificação da incompetência internacional do Tribunal do Trabalho Português; d) omissão de pronúncia à questão do artigo 62.º do código de processo civil, e) omissão do reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, pois no entender do recorrente não poderia ter sido indeferida liminarmente a providência cautelar por não existir incompetência internacional do juízo do trabalho, vícios que deverão ser corrigidos e cuja reapreciação se peticiona.
5. A declaração de incompetência internacional invocada pelo Tribunal a quo encontra-se motivada numa análise crítica errada e tendenciosa, apenas com o intuito de não contrariar o pensamento proferido no processo principal. No entanto, o tribunal a quo não pode invocar uma decisão que não existe. A acção declarativa não se encontra transitada em julgado uma vez que o requerente interpôs recurso.
6. O Tribuna a quo omite no presente caso a aplicação do artigo 35.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, independentemente da natureza da jurisdição, e regula a competência em matéria de contratos individuais de trabalho.
7. O juízo do trabalho é internacionalmente competente para apreciar o presente procedimento cautelar de acordo com o artigo 35.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, que deve ser aplicado nos presentes autos. Este artigo diz expressamente que “… as medidas provisórias, incluindo as medidas cautelares, previstas na lei de um Estado-Membro podem ser requeridas às autoridades judiciais desse Estado-Membro, mesmo que os tribunais de outro Estado-Membro sejam competentes para conhecer do mérito da causa…”. No entanto, no caso dos autos, Portugal, também, é competente para conhecer do mérito da causa e resolver o litígio entre as partes.
8. O Tribunal a quo menciona situações em que Portugal não é competente. Mas, não é este o caso dos presentes autos. No caso presente Portugal é competente para conhecer do mérito da causa e resolver o litígio entre as partes.
9. O Tribunal a quo omite, também, que o mesmo Regulamento contém normas que regulam a extensão de competência e, também, o conhecimento oficioso da competência internacional por parte dos Estados-Membro, no caso Portugal, de acordo com o artigo 26.º do mesmo regulamento, circunstância que aqui deve ser aplicada uma vez que consta dos autos principais que a requerida foi devidamente citada pelo Tribunal a quo e compareceu a juízo.
10. Da conjugação do artigo 28.º 1 com o art.º 26.º 1, conhecimento oficioso em matéria de competência internacional à luz das regras estabelecidas do Regulamento, nos casos em que o requerido domiciliado num Estado-Membro seja demandado no tribunal de outro Estado-Membro, apenas é permitido quando aquele não compareça em juízo ou quando comparecendo a sua intervenção no processo tenha tido como único objectivo a arguição da incompetência do Tribunal – o que aqui não se verifica.
11. O art. 21.º do Regulamento estabelece que: 1. Uma entidade patronal domiciliada num Estado-Membro pode ser demandada: a) Nos tribunais do Estado-Membro em que tiver domicilio; ou b) Noutro Estado-Membro.
12. O artigo 26.º do Regulamento estabelece que: 1. Para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado-Membro no qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objectivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 24.º.
13. No processo principal a requerida foi citada, no seu domicílio social, compareceu em juízo, e não tendo apresentado defesa, para os efeitos do artigo 28.º 1 do Regulamento, o Tribunal não podia declarar-se oficiosamente incompetente. Só o poderia fazer caso a requerida tivesse apresentado defesa e apenas suscitado essa excepção, coisa que não fez. Por aplicação do n.º 1 do Artigo 26.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro, “para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado-Membro no qual o requerido compareça” a não ser por “existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 24.º”. No presente caso, acção de trabalho, tal competência não se encontra excluída por aplicação do artigo 24.º.
14. Prevê o artigo 26.º uma situação de extensão de competência por via da qual, excepto se se tratar de uma situação de competência exclusiva do artigo 24.º, é competente o tribunal de um Estado-Membro no qual o requerido compareça.
15. O Tribunal a quo omite, ainda, pronúncia quanto ao artigo 62.º do código de processo civil, aplicável no presente caso e expressamente apresentado nos autos pelo recorrente. Artigo que se refere directamente aos factores de atribuição da competência internacional a Portugal. Segundo este artigo os tribunais portugueses são internacionalmente competentes: a) Quando a acção possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa; b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram; c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da acção no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.
16. Nos termos da alínea b) do artigo 62.º do código de processo civil, para os tribunais portugueses serem internacionalmente competentes não é imprescindível que tenham sido praticados em território português todos os factos que constituem a causa de pedir, basta que algum desses factos o tenha sido, independentemente da sua importância no conjunto dos pressupostos do direito do autor, da complexidade do apuramento dos demais factos na instrução do processo ou da maior ligação dos demais factos a outro Estado.
17. O recorrente foi contratado pela requerida em Portugal. A entrevista de trabalho do recorrente foi realizada em Portugal. O contrato de trabalho do recorrente foi remetido pela requerida para Portugal e assinado pelo recorrente em Portugal. Os salários do recorrente foram pagos pela requerida, na conta bancária do recorrente, em banco português, em Portugal. O recorrente é trabalhador transfronteiriço com residência em Portugal. Consta expressamente do contrato de trabalho que o domicílio do recorrente é Portugal, lugar onde recebeu a correspondência remetida pela requerida. Lugar do seu domicílio pessoal e fiscal. Lugar onde se encontram alguns clientes da requerida. Lugar do incumprimento do contrato de trabalho por parte da requerida, nomeadamente, no que respeita ao incumprimento do pagamento dos salários – tudo conforme documentos presentes nos autos – factos que não podem deixar de ser considerados pelo Tribunal e que integram a causa de pedir da presente acção.
18. Por aplicação do disposto na alínea c) do artigo 62.º do código de processo civil, “… quando o direito invocado não possa tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da acção no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real…” é competente o Tribunal Português.
19. Após um longo período de baixa médica – certificado pelo Serviço Nacional de Saúde Português, lugar onde o recorrente se encontrou todo esse período; lugar onde foi avaliado em junta médica pela Direcção-Geral da Saúde e emitido o seu certificado de incapacidade parcial permanente, definitivo – o recorrente deparou-se com o despedimento ilícito praticado pela requerida sem precedência de processo disciplinar e com vários créditos salariais por receber.
20. Nessa sequência, despedido, incapacitado fisicamente, numa situação de grave dificuldade económica e financeira, sem recursos para suportar os custos de uma acção judicial – muito menos fora de Portugal – apresentou um pedido de apoio jurídico transfronteiriço no Tribunal de Trabalho de Estugarda, em 01.02.2020. No entanto, apesar de nunca ter sido notificado pelo dito Tribunal de qualquer solicitação ou decisão quanto a esse pedido de apoio, consta no processo principal que tal pedido de apoio jurídico transfronteiriço foi indeferido pela Alemanha – apesar das comprovadas dificuldades económicas e logísticas do recorrente – que litiga com apoio jurídico deferido pelo Instituto da Segurança Social em Portugal. Facto que também o impossibilitou de intentar a acção contra a requerida em Tribunal alemão, inclusive, pela impossibilidade de realizar eventuais deslocações à Alemanha para esse efeito. O surgimento da pandemia covid-19 veio agravar ainda mais todas estas dificuldades do recorrente.
21. Resulta, assim, que se verifica para o recorrente impossibilidade na propositura da acção no estrangeiro. Apenas o Estado Português assegurou as condições para que pudesse intentar a presente acção, inclusive, o deferimento do apoio jurídico Português, pelo que a acção tem obrigatoriamente que ser intentada em Portugal.
22. Tanto basta para que se possa determinar a competência dos Tribunais Portugueses no presente litigio e concluir que não se verifica violação das regras da competência internacional, sendo nula a excepção de incompetência internacional invocada pelo douto Tribunal a quo. Escolha que também tem que ver com a natureza pessoal e particular da situação em concreto, considerando que o recorrente se encontra em Portugal e em desvantagem face à entidade empregadora. E como tal, é competente o Tribunal do Trabalho de Braga.
23. Importa, ainda, atender ao disposto no Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial [Bruxelas I (publicado no JO l 351 de 20-12-2012)]. No considerando 18 de tal Regulamento, expressamente se consignou que no respeitante aos contratos de seguro, de consumo e de trabalho, é conveniente proteger a parte mais fraca por meio de regras de competência mais favoráveis aos seus interesses do que a regras gerais. A secção 5 do Regulamento – que abrange os artigos 20.º a 23.º – regula especificamente a competência em matéria de contratos individuais de trabalho. As regras do Regulamento referente à competência em matéria de contratos individuais de trabalho têm por objectivo proteger a parte contratante mais fraca (o trabalhador) por meio de regras de competência mais favoráveis aos interesses dessa parte -tal como decorre do Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 14 de Setembro de 2017 (casos C-168/16 e C-169/16), versado no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, 747/18.5T8PTM-A.E1, de 14/02/2019. Nessa sequência, os presentes autos devem ser tramitados em Portugal, no Tribunal do Trabalho da Comarca de Braga, por ser o Tribunal territorialmente competente para apreciar esta acção.
24. O Tribunal a quo tem o dever de salvaguardar os direitos do recorrente. O Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, no artigo 23.º – competência em matéria de contratos individuais de trabalho – diz expressamente que as partes só podem derrogar ao disposto na presente secção por acordos que: sejam posteriores ao surgimento do litígio; ou permitam ao trabalhador recorrer a tribunais que não sejam os indicados na presente secção. E o artigo 25.º especifica que os pactos atributivos de jurisdição bem como as estipulações similares de actos constitutivos de trusts não produzem efeitos se forem contrários ao disposto nos artigos 15.º, 19.º ou 23.º, ou se os tribunais cuja competência pretendam afastar tiverem competência exclusiva por força do artigo 24.º.
25. O juízo do trabalho é internacionalmente competente para apreciar o presente procedimento cautelar de acordo com o artigo 35.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, pois expressa que as medidas provisórias, incluindo as medidas cautelares, previstas na lei de um Estado-Membro podem ser requeridas às autoridades judiciais desse Estado-Membro, mesmo que os tribunais de outro Estado-Membro sejam competentes para conhecer do mérito da causa.
26. No entanto, no presente caso, o juízo do trabalho pode determinar a aplicação desta medida provisória por ser, também, competente para julgar a questão de mérito e resolver o litígio entre as partes. Como prevê o Regulamento esta decisão é eficaz nos Estados-Membro em causa sem necessidade de qualquer procedimento para reconhecer a sua força executiva. Esta medida provisória tem verdadeira eficácia e não se restringe apenas ao território do Estado-Membro, pode requerer a sua aplicação ao outro Estado-Membro em causa. Existe uma ligação entre os processos a que o presente regulamento se aplica e o território dos Estados-Membro.
27. Ao invocar a incompetência internacional dos Tribunais Portugueses o douto Tribunal a quo nega ao recorrente o acesso à Justiça e aos Tribunais no exercício dos seus direitos, liberdades e garantias face à ilicitude do seu despedimento. Violação dos Princípios legalmente consagrados na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente, os direitos: ao trabalho, à segurança no emprego, à saúde, cidadãos portadores de deficiência, igualdade, livre deslocação, acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva… Inconstitucionalidade que aqui se invoca para os devidos e legais efeitos por serem Princípios basilares de um Estado de Direito Democrático!
28. O artigo 68.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, trfere expressamente que: “… O presente regulamento substitui, entre os Estados-Membro, a Convenção de Bruxelas de 1968…”.
29. Os considerandos 3, 4, 10, 26 e 34 do Regulamento n.º 1215/2012 estabelecem que a União Europeia tem como objectivo manter e desenvolver um espaço de liberdade, de segurança e de justiça, nomeadamente facilitando o acesso à justiça, em especial através do princípio do reconhecimento mútuo de decisões judiciais e extrajudiciais em matéria civil. Certas disparidades das regras nacionais em matéria de competência judiciária e de reconhecimento de decisões judiciais dificultam o bom funcionamento do mercado interno. São indispensáveis disposições destinadas a unificar as regras de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial e a fim de garantir o reconhecimento e a execução rápidos e simples das decisões proferidas num dado Estado-Membro.
30. A confiança mútua na administração da Justiça na União justifica o princípio de que as decisões proferidas num Estado-Membro sejam reconhecidas em todos os outros Estados-Membro sem necessidade de qualquer procedimento específico. Além disso, o objectivo de tornar a litigância transfronteiriça menos morosa e dispendiosa justifica a supressão da declaração de executoriedade antes da execução no Estado-Membro requerido. Assim, as decisões proferidas pelos tribunais dos Estados-Membro devem ser tratadas como se se tratasse de decisões proferidas no Estado-Membro requerido.
31. Assim, deve ser sempre aplicado à providência o artigo 35.º do referido Regulamento. Sendo que, neste caso, o tribunal a quo, também, é competente para conhecer do mérito da causa nos autos principais e para a resolução do litígio entre as partes. Pelo que, se deve determinar a aplicação da presente medida provisória.
32. Face ao supra descrito, resulta que dos documentos juntos aos autos, das regras da experiência comum, e da Lei a aplicar no caso presente, existe uma frontal divergência e contradição. Ao invocar a incompetência internacional do juízo do Tribunal do Trabalho Português o Tribunal a quo cometeu uma injustiça. Erro notório na interpretação e aplicação da Lei vigente a aplicar no caso concreto. Evidenciando-se também nulidades, por omissão de pronuncia a questões relevantes e omissão da pratica de actos prescritos na lei que aqui se argúem para os devidos e legais efeitos, o que desde já requer.
33. Era, ainda, exigível que o Tribunal a quo tivesse procedido ao reenvio prejudicial dos autos para o Tribunal de Justiça da União Europeia, por razões de segurança e certeza jurídica na decisão a tomar. É sempre importante que o Tribunal de Justiça da União Europeia aprecie a questão e proferira uma decisão sobre a interpretação do direito da União e/ou sobre a validade dos actos adoptados, sendo este um processo especial de cooperação directa, capaz de garantir a uniformidade dos efeitos jurídicos das normas de direito da UE através de todo o seu território. Único meio de garantir e proteger os direitos dos cidadãos europeus, face ao desconhecimento dos regulamentos internacionais que, ainda, persiste nos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membro, e a Justiça das decisões. O reenvio é um dever imposto aos Estados, sempre que exista a mera possibilidade de se cometer uma injustiça e/ou existir dúvida na aplicação do direito internacional – o que aqui de certo aconteceu - procedimento essencial que o Tribunal a quo não realizou e tinha o dever de executar, antes de se precipitar na decisão a tomar.
34. Termos em que, deve o indeferimento liminar da providência ser devidamente reapreciado por esse Venerando Tribunal e alterado, por se afigurar essencial face à sua desconformidade com a lei em vigor, que impunham que a presente providência fosse decretada. Erro notório na apreciação e na aplicação do direito em causa, em clara violação da Lei.
35. A douta sentença recorrida viola entre outros os artigos 21.º n.º 1 al. b), 24.º, 26.º 1, 28.º, 35.º e 68.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012; artigos 10.º n.º 1, 14.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho; artigos 62.º, 607.º, 608.º, 613.º, 614.º 615.º, 617.º do Código de Processo Civil; artigos 7.º, 13.º, 14.º, 15.º, 18.º, 20.º, 26.º, 32.º n.º 2, 53.º, 59.º, 64.º, 71.º e 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.»
A Requerida apresentou resposta ao recurso do Requerente, pugnando pela sua improcedência.
O recurso foi admitido como apelação, com efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Ministério Público foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Vistos os autos, cumpre decidir em conferência.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, cabe apreciar e decidir da competência internacional do Juízo do Trabalho de Braga.

3. Fundamentação de facto

Os factos relevantes para a decisão são os que resultam do Relatório supra.

4. Apreciação do recurso

O Apelante sustenta o seu recurso, em grande parte, em imputações à decisão recorrida sem correspondência na realidade e que a sua mera leitura desdiz.

Assim, quanto às conclusões 5.ª a 8.ª, constata-se que se refere no despacho a quo:
«Este litígio é o mesmo que está em causa na acção declarativa dos autos principais. Nesta acção foi proferida decsão no sentido da incompetência internacional deste juízo do trabalho com o fundamento de que a requerida era uma sociedade comercial alemã, o contrato de trabalho foi celebrado na Alemanha e o local de trabalho era neste país.
Esta decisão ainda não transitou em julgado porque o requerente interpôs recurso.
O requerente sustenta a competência deste juízo do trabalho para apreciar o presente procedimento cautelar no art. 35º do Regulamento (UE) nº1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial.»
E, seguidamente, aplica-se e interpreta-se precisamente a norma citada, em dez páginas de fundamentação exaustiva e cuidada. Ou seja, não só a decisão não remeteu para a que foi proferida nos autos principais, que reconheceu não estar transitada em julgado, como não considerou haver imediata prejudicialidade decorrente do ali entendido, como, ainda, se baseou em norma e fundamentação essencialmente distintas e de acordo com o alegado pelo próprio Requerente no requerimento inicial da presente providência.
Por outro lado, como resulta de tal requerimento, apresentado em 6/01/2022, o Requerente fundamentou a competência do Juízo do Trabalho de Braga para apreciar o presente procedimento cautelar exclusivamente na aludida norma, ou seja, no art. 35.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, certamente porque, apesar do conhecimento que tinha do teor da decisão proferida na acção principal e do recurso que também em 6/01/2022 interpôs da mesma, estava bem ciente da impertinência que seria chamar à colação outros normativos.
Nessa conformidade, inexiste omissão de pronúncia pelo facto de o tribunal a quo – no conhecimento oficioso da questão da sua competência internacional, e apreciando-a nos termos colocados pelo Requerente – não se ter pronunciado sobre todas as normas da ordem jurídica portuguesa que em abstracto se referem a tal temática, pois o que daí se extrai é que, tal como aquele, tacitamente entendeu que nenhumas outras eram relevantes.
Apenas em sede de recurso é que o Apelante sustenta a competência do Juízo do Trabalho de Braga em normas do citado Regulamento que regulam a extensão da competência (conclusões 9.ª a 14.ª) e ainda no art. 62.º do Código de Processo Civil (conclusões 15.ª a 18.ª), cumprindo, agora sim, analisar tal pretensão.
Vejamos.
Estabelece o art. 26.º, n.º 1 do Regulamento que, para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do mesmo, é competente o tribunal de um Estado-Membro no qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objetivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 24.º.

Por outro lado, dispõe o art. 28.º:
1. Caso o requerido domiciliado num Estado-Membro seja demandado no tribunal de outro Estado-Membro e não compareça em juízo, o juiz deve declarar-se oficiosamente incompetente, salvo se a sua competência resultar do disposto no presente regulamento.
2. O tribunal suspende a instância enquanto não se verificar que foi dada ao requerido a oportunidade de receber o documento que iniciou a instância, ou documento equivalente, em tempo útil para providenciar pela sua defesa, ou enquanto não se verificar que foram efetuadas todas as diligências necessárias para o efeito.
Como decorre deste último normativo, a declaração de incompetência internacional por parte do tribunal é oficiosa, uma vez que só não tem lugar se houver norma do Regulamento que lhe atribua competência. Uma delas é a do art. 26.º, segundo a qual, para além dos casos em que a competência resulta de outras disposições do Regulamento, a competência resulta ainda de o requerido se apresentar em tribunal sem levantar a questão da incompetência.
Trata-se de uma competência por extensão, que se baseia na escolha das partes, ainda que tácita, pelo que não se verifica em qualquer uma de duas situações: a não comparência do requerido no processo; ou a imediata invocação pelo requerido, aquando da sua intervenção nos autos, da incompetência do tribunal.
Ora, a presente providência cautelar foi indeferida liminarmente, antes da intervenção da Requerida, e, por outro lado, nos autos principais, onde já fora citada, a mesma enviou comunicações em que, desde o início, referiu que contestava a competência do tribunal. Tal realidade não é prejudicada pelo facto de ali se ter desconsiderado a “defesa”, nos termos dos arts. 40.º, n.º 1, al. a) e 41.º do Código de Processo Civil, sendo inequívoco que a Requerida não assumiu qualquer comportamento, em qualquer lugar do processo, no sentido de que aceitava tacitamente a competência.
Em face do exposto, entende-se que não ocorre uma situação de extensão de competência.
Por outro lado, resulta do art. 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa que as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.
Também o art. 59.º do Código de Processo Civil estabelece que, sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º.
Bem andou, pois, o Requerente no seu requerimento inicial, ao omitir qualquer referência aos arts. 10.º do Código de Processo do Trabalho e 62.º do Código de Processo Civil, e ao alicerçar a sua pretensão exclusivamente no Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, posto que a Constituição assim o impõe.
Na verdade, o citado Regulamento é diretamente aplicável em todos os Estados-Membros, nos termos do art. 288.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, constituindo, no seu âmbito de aplicação, o regime geral em substituição dos regimes constantes das leis internas de cada Estado-Membro.
Assim sucede porque, tendo em conta a necessidade de uma aplicação uniforme do aludido Regulamento em todos os Estados-Membros, a mesma deve fazer-se sem intercorrência de normas internas e de acordo com a interpretação do Tribunal de Justiça da União Europeia. Ou seja, o juiz nacional, ao aplicar normas de direito da União, tem a obrigação de garantir a sua plena eficácia, “não aplicando, se necessário e no exercício da sua própria autoridade, qualquer disposição contrária da legislação nacional, mesmo posterior, sem que tenha de pedir ou aguardar a sua revogação prévia por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional.” (1)
Em face do exposto, a decisão recorrida não merece censura por ter atendido ao Regulamento europeu a que se vem fazendo referência, em detrimento do direito interno, aliás tal como proposto pelo Requerente no seu requerimento inicial.
Improcede também o que o Recorrente alega a propósito do apoio judiciário (conclusões 19.º a 22.º), na medida em que as normas sobre competência internacional são imperativas e, como se explicitou já, o juiz nacional encontra-se vinculado pelas que decorrem do Regulamento indicado, entre as quais não consta alguma que atenda a tal situação, nem o Apelante, aliás, a identifica.
Quanto às conclusões 23.ª e 24.ª, resulta do art. 21.º do Regulamento que, em matéria de contratos de trabalho, a empregadora deve ser demandada nos tribunais do Estado do seu domicílio, podendo ainda, em concessão ao princípio do favorecimento da parte mais fraca da relação, a que alude o considerando (18), ser demandada no tribunal do lugar onde ou a partir do qual o trabalhador efectua habitualmente o seu trabalho ou no tribunal do lugar onde efectuou mais recentemente o seu trabalho, bem como, não sendo possível determinar um local de trabalho habitual, no lugar onde se situa ou se situava o estabelecimento que contratou o trabalhador.
Fora destas regras, segundo as quais os tribunais portugueses não são internacionalmente competentes para o litígio dos presentes autos, os mesmos só poderiam sê-lo por força de pacto atributivo de competência, de acordo com o disposto no art. 23.º – o que, no caso, não ocorre –, ou da extensão de competência nos termos do art. 26.º, que igualmente não se verifica, como já referido.
Em suma, a competência internacional do tribunal a quo para o conhecimento da presente providência cautelar não pode assentar na sua competência para o conhecimento da questão de mérito que é objecto da acção principal, visto que a não tem, sendo competentes os tribunais alemães, como ali se decidiu.
Não obstante, o art. 35.º do Regulamento estabelece que as medidas provisórias, incluindo as medidas cautelares, previstas na lei de um Estado-Membro, podem ser requeridas às autoridades judiciais desse Estado-Membro, mesmo que os tribunais de outro Estado-Membro sejam competentes para conhecer do mérito da causa.
Como se refere na decisão recorrida, a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia tem sublinhado que, nos termos do Regulamento, a competência dos tribunais dum Estado-Membro para determinar a aplicação duma medida provisória depende da existência de um elemento de conexão entre o objecto da medida pretendida e o território desse Estado-Membro.
De outra forma, permitir-se-ia que as medidas provisórias fossem requeridas em qualquer Estado-Membro escolhido livremente pelo requerente, o que é precisamente o inverso do visado pelo Regulamento com a regra de que as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas nos tribunais desse Estado-Membro e as excepções decorrem de critérios aí previstos de forma taxativa.
A este propósito, é bem claro o considerando (16) do Regulamento ao referir que «o foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça.»
Por outro lado, o Regulamento assegura, nos termos do seu Capítulo III, que as decisões proferidas num Estado-Membro são reconhecidas e eficazes nos outros Estados-Membros sem quaisquer formalidades, porém, de acordo com o art. 2.º, alínea a) do mesmo diploma, para esse efeito o termo «decisão» abrange apenas as medidas provisórias, incluindo as medidas cautelares, decididas por um tribunal que, por força do Regulamento, é competente para conhecer do mérito da causa.
Em suma, ainda na senda da decisão recorrida, o art. 35.º do Regulamento é uma válvula de escape que, atendendo a uma situação de urgência, permite que os tribunais de um Estado-Membro que não são competentes para conhecer do mérito da causa determinem a aplicação duma medida provisória que possa ser eficaz apenas no seu território.
Assim, se o requerente pretende uma medida provisória que seja eficaz em todos os Estados-Membros, deve requerer a sua aplicação nos tribunais do Estado-Membro que são competentes para conhecer do mérito da causa; se considera suficiente uma medida provisória cuja eficácia se restringe ao território de um Estado-Membro, pode requerer a sua aplicação nesse Estado-Membro.
Esta interpretação radica ainda nos considerandos do Regulamento: no (13) afirma-se que «deverá haver uma ligação entre os processos a que o presente regulamento se aplica e o território dos Estados-Membros»; no (33) que, «se medidas provisórias, incluindo medidas cautelares, forem decididas por um tribunal competente para conhecer do mérito da causa, a sua livre circulação deverá ser garantida nos termos do presente regulamento. (…) Se medidas provisórias, incluindo medidas cautelares, forem decididas por um tribunal de um Estado-Membro que não seja competente para conhecer do mérito da causa, os seus efeitos deverão confinar-se, nos termos do presente regulamento, ao território desse Estado-Membro.»
O pressuposto é, assim, uma conexão entre os processos e os Estados-Membros e, por outro lado, que uma medida provisória determinada por um tribunal dum Estado-Membro que não seja competente para conhecer do mérito da causa apenas produz efeitos no território desse Estado-Membro, o que afasta a possibilidade de, nessas circunstâncias, ser determinada a aplicação duma medida provisória que seja executada ou produza os seus efeitos noutro Estado-Membro.
Ora, o Apelante pretende que seja determinado à Requerida que a título provisório proceda à regularização e manutenção do seguro de doença Techniker Krankenkasse (TKK) - Segurança Social Alemã adstrito ao contrato de trabalho que foi celebrado, recolocando-o na condição de beneficiário para acesso imediato aos cuidados de saúde.
O objecto desta medida não tem qualquer elemento de conexão com o território do Estado Português, designadamente porque a sua execução se efectiva necessariamente na Alemanha, logo, a mesma não pode ser determinada por um tribunal português com fundamento no art. 35.º do Regulamento.
Em face do exposto, também por esta via se conclui que o Juízo do Trabalho de Braga não é internacionalmente competente para decretar a medida cautelar e provisória requerida, sendo certo, todavia, que se mostra assegurado o direito constitucional de acesso ao direito e aos tribunais através do tribunal alemão que internamente tenha competência para a questão, nos precisos termos estabelecidos pelo Regulamento em referência ex vi art. 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
Improcedem, pois, as conclusões 25.ª a 32.ª.
Finalmente, improcede também a conclusão 33ª, em que o Recorrente sustenta que o tribunal recorrido deveria ter diligenciado pelo reenvio prejudicial dos autos para o Tribunal de Justiça da União Europeia, na medida em que a desnecessidade se encontra exaustivamente justificada no despacho, nos seguintes termos, que se acolhem (2):
«A jurisprudência do Tribunal de Justiça nesta matéria pode considerar-se consolidada porque remonta às disposições idênticas do art. 24º da Convenção de Bruxelas de 1968 e do art. 31º do Regulamento (CE) nº44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, e tem vindo a ser sucessivamente reafirmada ao longo dos anos.
Ainda recentemente, no Acórdão de 6 de Outubro de 2021, proferido no processo Skarb Państwa, o Tribunal de Justiça afirmou que 'nos termos do art. 35º do Regulamento nº 1215/2012, as medidas provisórias ou cautelares previstas na lei de um EstadoMembro podem ser requeridas às autoridades judiciais desse EstadoMembro, mesmo que os tribunais de outro EstadoMembro sejam competentes para conhecer do mérito da causa; este artigo atribui, portanto, competência jurisdicional internacional para decretar medidas provisórias ou cautelares, por um lado, aos órgãos jurisdicionais de um Estado-Membro, competentes para conhecer do mérito da causa, e, por outro, sob certas condições, aos órgãos jurisdicionais de outros EstadosMembros; no que respeita ao contexto em que se insere o referido artigo, importa salientar que resulta das disposições conjugadas do art. 2º al. a) do referido Regulamento e do seu considerando 33 que apenas as medidas provisórias ou cautelares decretadas por um órgão jurisdicional competente quanto ao mérito são qualificadas de decisão, cuja livre circulação deve ser assegurada ao abrigo do referido regulamento; em contrapartida, quando são decretadas medidas provisórias ou cautelares por um órgão jurisdicional de um EstadoMembro não competente para conhecer do mérito, o seu efeito está limitado, nos termos do Regulamento n.º 1215/2012, ao território desse EstadoMembro; daqui resulta que uma parte interessada tem a possibilidade de requerer uma medida provisória ou cautelar ou perante o órgão jurisdicional de um EstadoMembro competente para conhecer do mérito, cuja decisão a este respeito pode circular livremente, ou perante os órgãos jurisdicionais de outros EstadosMembros onde se encontram os bens ou a pessoa relativamente aos quais a medida deve ser executada' (Pontos 54 a 58).
Tem sido este igualmente o entendimento dos nossos tribunais superiores. Neste sentido pode ver-se o Ac. da Relação de Coimbra de 8 de Novembro de 2011, de acordo com qual 'o art. 31º do Regulamento Comunitário nº 44/2001 (respeitante à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial), ao dispor sobre a competência judiciária transnacional para adopção de medidas provisórias ou cautelares referidas a um direito feito valer em processo instaurado ou a instaurar no Tribunal de um Estado-Membro, contém a afirmação da competência dos Tribunais de outros Estados-Membros para adoptarem medidas de tutela cautelar previstas nas respectivas legislações, mesmo que a apreciação da questão de fundo (do direito pretendido acautelar) não caiba à jurisdição do Estado-Membro que adopte essas medidas; esta atribuição de uma competência especial a uma jurisdição diversa da da questão de fundo para as medidas cautelares decorre, na interpretação do art. 31º do Regulamento nº44/2001 efectuada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (nos Acórdãos Denilauler, de 1980, e Van Uden, de 1998), da existência de um elemento de conexão real entre o objecto da medida cautelar pretendida e a competência territorial nacional do Tribunal do Estado-Membro ao qual essas medidas são – devem ser – requeridas'. Este douto acórdão recusou o arresto do saldo de uma conta bancária sediada na Holanda, considerando que apenas a jurisdição holandesa era competente para determinar aplicação desta medida cautelar.
No mesmo sentido pode ver-se o Ac. da Relação de Guimarães de 2 de Maio de 2016 que, concordando integralmente com esta jurisprudência, admitiu que os tribunais portugueses decretassem o arresto do saldo de uma conta bancária domiciliada em França, mas apenas porque se tratava de uma conta bancária aberta na sucursal de um banco português naquele país e as sucursais são meras representações locais das sociedades que as constituem.
Na doutrina pode ver-se Miguel Teixeira de Sousa e Dário Moura Vicente que, referindo-se ao art. 24º da Convenção de Bruxelas de 1968, afirmavam que 'por força do disposto neste preceito, no âmbito de aplicação da Convenção, a competência para decretar providências cautelares é autonomizada relativamente à competência para decidir a acção principal. Por conseguinte, os tribunais dos Estados contratantes podem apreciar pedidos de concessão de providências desse tipo se as regras do respectivo direito interno a tal os autorizarem, independentemente de serem ou não competentes para julgar as competentes questões de fundo à face das regras da Convenção.
Podem assim ser requeridas a um tribunal português, por exemplo, o arresto de bens do devedor que se encontrem em Portugal, ainda que aquele esteja domiciliado em Espanha e aí seja devido o cumprimento da sua obrigação. Visa-se deste modo assegurar a eficácia das medidas cautelares, deferindo o seu decretamento às autoridades judiciais que, segundo o direito interno dos Estados contratantes, se encontrem melhor situados para o efeito.»
Por todo o exposto, improcede necessariamente o recurso.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente e em confirmar o despacho recorrido.
Custas pelo Apelante.
2 Junho de 2022

Alda Martins
Vera Sottomayor
Maria Leonor Barroso



1. Acórdão Simmenthal, C 106/77, EU:C:1978:49, n.ºs 21 e 24; Acórdão Filipiak, C 314/08, EU:C:2009:719, n.º 81; Acórdão Melki e Abdeli, EU:C:2010:363, n.º 43; Acórdão Åkerberg Fransson, C 617/10, EU:C:2013:105, n.º 45.
2. Além dos citados, v. também Acórdãos do TJUE Reichert e Kockler de 26 de Março de 1992, Van Uden de 17 de Novembro de 1998, Mietz de 27 de Abril de 1999 e Supreme Site Services e o. de 3 de Setembro de 2020.