Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
558/06.0TTBRG.3.G1
Relator: MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
REVISÃO
INCAPACIDADE PARCIAL PERMANENTE
INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA PARA O TRABALHO HABITUAL
BONIFICAÇÃO POR IDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/06/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I- A atribuição de IPATH pressupõe a fundamentação da resposta por parte do perito, não bastando o uso de uma fórmula conclusiva, sem qualquer alusão ao tipo de funções concretas que o sinistrado desempenha e, dentro destas, sem concretizar aquelas que estará impedido de exercer, sobretudo em caso de dissenso das partes.

II- A atribuição do factor de bonificação de 1.5 decorrente de o sinistrado ter atingido 50 anos de idade pode ter lugar na fixação inicial da incapacidade ou em incidente de revisão.

III- Neste último caso, a atribuição do factor de bonificação não ocorre pelo simples decurso do tempo quando o sinistrado atinge 50 anos, não se tratando de uma mera actualização automática.

IV- Ao invés, pressupõe a modificação na capacidade de trabalho/ganho do sinistrado proveniente de modificação das sequelas/disfunções, sendo aquela o fundamento substantivo do regime legal de revisão da incapacidade (25º LAT, 70º NLAT), o que é também consonante com a lei adjectiva (145º, CPT) que impõe a realização de perícias que seriam inúteis em caso de entendimento contrário.

V- A modificação das sequelas/disfunções deve ser objectivada pelos senhores peritos através do seu diferente enquadramento na TNI ou, caso se mantenham as mesmas rubricas, por atribuição de pontuação diferente (coeficientes).

VI- No exame de revisão, aquando da ponderação pelos senhores peritos da alteração das sequelas, deverá o dano ser avaliado na sua globalidade quanto à repercussão no corpo, funcional e situacional e, na pontuação a atribuir, deverá considerar-se a intensidade e gravidade do ponto de vista funcional, bem como a idade e profissão habitual.

VII- O incidente de revisão não pode servir para rectificar situações anteriores em que não foi aplicado o factor de bonificação idade podendo tê-lo sido, tudo sob pena de violação do caso julgado, de incerteza e insegurança jurídica.
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

AUTOR/SINISTRADO: J. R..
RÉ/ENTIDADE SEGURADORA: X COMAPNHIA DE SEGUROS, S.A.
PEDIDO: nestes autos de acção especial emergente de acidente de trabalho requereu o sinistrado a revisão da incapacidade permanente parcial (IPP) anteriormente fixada em 20%.

FUNDAMENTAÇÃO DA REVISÃO ((145º/2, CPT): por requerimento de 10-10-2018, alega que sofreu um agravamento da IPP.

Em concreto consta no requerimento que “…recentemente o sinistrado tem sofrido dores e limitações de movimentos no joelho esquerdo, o que o levou a recorrer a um médico da especialidade de ortopedia que diagnosticou inflamação no joelho e sugeriu a sua avaliação nos serviços clínicos da seguradora” e que “ “…solicitou à seguradora reavaliação com vista a obter tratamentos, mas sem qualquer sucesso”.

SINISTRO E IPP INICIALMENTE FIXADA

As sequelas referem-se a um sinistro ocorrido em 26/09/2005, quando o sinistrado prestava a actividade de serralheiro e procedia ao aperto de uma peça a um poste, este caiu e atingiu-o no joelho direito, provocando-lhe traumatismo nesse joelho.
Na decisão de fixação inicial da incapacidade atribuiu-se 7% de IPP, com enquadramento das sequelas no Cap.I-12.1.2.3-b), “Joelho”, sequelas de meniscectomia, com sequelas/sintomas articulares moderados.

INCIDENTE ANTERIOR DE REVISÃO DE INCAPACIDADE:

Teve lugar incidente de revisão, que terminou com decisão de mérito de 18-02-2016, considerando-se existir um agravamento de incapacidade (em 13%) e fixando-se o grau de IPP em 20%, com base em junta médica de 11-01-2016, enquadrando-se as sequelas no Cap.I -11.1.1.b), hipertrofia da coxa, superior a 2cm.

ACTUAL INCIDENTE DE REVISÃO

Na perícia médica singular junto do GML, datada de 09-06-2019, concluiu-se não haver modificação do quadro sequelar, mas atribui-se IPP de 26,5000%, com IPATH.
Esta atribuição é justificada pelo senhor perito como se segue:

“DISCUSSÃO….
4. As sequelas atrás descritas são causa de incapacidade permanente absoluta para a actividade profissional habitual.
5. Não há agravamento da IPP atribuída, somente se propõe a correcção referida na tabela abaixo indicada que, no entendimento do perito, deverá ser feita.”

NAS CONCLUSÕES CONSTA:
A data de consolidação médico-legal é fixável em 30/01/2015; Incapacidade perante parcial fixável em 26,5000%;- As sequelas atrás descritas são causa de incapacidade permanente absoluta para a actividade profissional habitual; Não há agravamento da IPP. Apenas se procede à correcção que, no entendimento do perito, deveria ter sido feita”.

Na RUBRICA REFERENTE ÀS SEQUELAS CONSTA:
“Cap.I-11.1.1.b) (a IPP foi agravada em 13%, passando de 7% para 20% em junta médica a 21-01-2016, considerando como nova data de alta, 30-01-2015, tendo o examinado nessa altura 56 anos, pelo que deveria ter sido considerado o fator 1,5 aos 13%, que ora se aplica”).

Ou seja, com referência ao último incidente de revisão, enquadram-se as sequelas na mesma rubrica e é atribuído o mesmo grau de IPP. Mas, acrescenta-se o factor de bonificação idade de 1.5% sobre o agravamento de 13% que já havia sido atribuído pela anterior junta médica e pela última decisão de mérito de revisão de incapacidade.
Não foi realizado inquérito profissional e análise do posto de trabalho, nem por CRP, nem pelo IEFP.
Não foi apresentado requerimento para realização de perícia por junta médica.
Seguidamente proferiu-se a seguinte decisão sofre a revisão de incapacidade:

DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO):

Pelo exposto, decido:
1. Condenar a seguradora a pagar ao sinistrado a pensão anual e vitalícia de € 3.176,75, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde o dia seguinte ao da apresentação do pedido de revisão até integral pagamento no que respeita às prestações vencidas;
2. Condenar a seguradora a pagar ao sinistrado a quantia € 4.483,71, a título de subsídio de elevada incapacidade, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde o dia seguinte ao da apresentação do pedido de revisão até integral pagamento;
3. Estas quantias são devidas desde o dia seguinte ao da apresentação do pedido de revisão.

FUNDAMENTOS/CONCLUSÕES DO RECURSO DA RÉ SEGURADORA:

1. Na sequência de acidente de trabalho sofrido em 26/9/2005, ao sinistrado foi fixada uma IPP de 7%.
2. Conforme decisão de 18/2/2016, constante dos autos principais a fls.., no âmbito de incidente de revisão, a IPP fixada ao sinistrado foi revista, tendo-lhe sido atribuída uma de 20%, em virtude do agravamento das sequelas decorrentes das lesões sofridas no acidente.
3. Veio o sinistrado, no presente incidente, afirmar que as sequelas tinham sofrido novo agravamento, reclamando a fixação de incapacidade superior.
4. Submetido ao exame médico de revisão a que se refere o art.145º do C.P.Trabalho, considerou-se que não se verifica qualquer agravamento das sequelas de que o sinistrado padece em resultado do acidente de trabalho – cfr.auto de exame médico de fls..
5. Contudo, o senhor perito médico deixou vertido no auto do referido exame que, pese embora não houvesse agravamento das sequelas, no seu entender existiu um erro na avaliação médica efectuada no último exame de revisão, fazendo constar que, no seu entender, devia ter sido aplicado o factor de bonificação a que se refere a 5ª instrução da TNI e que as sequelas dele constantes deveriam dar lugar à atribuição de IPATH.
6. O Mmº Juiz a quo aderiu na íntegra ao relatório pericial – incluindo em questões de direito – tendo deixado vertido na fundamentação da sentença recorrida que, apesar de não existir agravamento, aplica, agora, o factor de bonificação e atribui IPATH.
7. Consequentemente, condenou a R. no pagamento da diferença de um pensão anual e vitalícia devida pela IPATH com IPP de 26,50%, correspondente à diferença entre a que seria devida caso esta fosse originária e à pensão que foi anteriormente remida.
8. E condenou a R. no pagamento de subsídio de elevada incapacidade, com o mesmo fundamento.
9. A decisão recorrida não pode manter-se, devendo ser revogada.
10. O artigo 70º, n.º 1 da Lei 98/2009, de 4 de Setembro prevê os seguintes fundamentos de revisão da incapacidade: «Quando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada.»
11. Nesta norma não está previsto qualquer outro critério para o aumento do grau da incapacidade que não seja o da verificação de um efetivo agravamento clínico das sequelas.
12. Sobre esta matéria, a jurisprudência é, actualmente, unânime e, por todos, veja-se o Ac. STJ de 30/03/2017 – publicado (www.dgsi.pt – Proc.º 508/04.9TTMAI.3.P1.S1).
13. No caso em apreço não existiu qualquer agravamento do quadro sequelar do sinistrado, razão pela qual a IPP não pode ser agravada, nem ser atribuída IPATH.
14. Isto porque essa avaliação já foi efectuada anteriormente e o que existe actualmente é uma mera discordância com essa avaliação, que não é susceptível de modificar o que já transitou em julgado anteriormente.

Além do mais,

15. O Mmº Juiz a quo, ao decidir como decidiu, veio no presente incidente modificar o conteúdo de uma decisão que já havia transitado em julgado, sem que haja qualquer alteração de facto da situação do sinistrado.
16. A sentença recorrida é, pois, uma tentativa de emendar um erro de julgamento anterior, e essa tentativa colide com os princípios da certeza e segurança jurídicas, bem como o do caso julgado.
17. O que a sentença recorrida faz é aproveitar um incidente de revisão – que tem forçosamente de ser julgado improcedente em virtude da inexistência de agravamento das sequelas – para o transformar numa instância de recurso oficiosa de decisão anterior, transitada em julgado, modificando o seu conteúdo, sem que tal impulso processual recursivo tenha sido dado, em devido tempo, por qualquer das partes.
18. Tanto o exame de revisão realizado no incidente anterior como a subsequente sentença eram sindicáveis através dos meios próprios (junta médica, reclamação, ou recurso), que não foram desencadeados por quem tinha interesse e legitimidade para o fazer – arts.79º e 145º do C.P.Trabalho.
19. A sentença recorrida viola, portanto, o art.613º do C.P.Civil, aplicável ex vi do art.1º, nº2, a) do C.P.Trabalho e, de igual modo, os princípios da certeza e segurança jurídicas, consagrados no art.2º da Constituição da República Portuguesa, bem como o art.70º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, devendo ser revogada.

Termos em que, concedendo provimento ao recurso, deve a sentença recorrida ser revogado, devendo manter-se a IPP fixada ao sinistrado na sentença de incidente de revisão transitada em julgado…

CONTRA-ALEGAÇÕES DO SINISTRADO (representado pelo Ministério Público); defende a manutenção da decisão recorrida
Foram colhidos os vistos dos adjuntos e o recurso foi apreciado em conferência – art.s 657º, 2, 659º, do CPC.

QUESTÕES A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso1):

1- Atribuição de IPATH.
2- Atribuição do factor de bonificação 1.5% por idade (igual ou superior a 50 anos).

I.I FUNDAMENTAÇÃO

Os factos em que se baseia o acórdão são os constantes do relatório, em especial os referentes ao enquadramento das sequelas e ao grau de IPP.

A)A atribuição de IPATH

Como decorre da síntese do relatório deste acórdão, o senhor perito atribuiu ao sinistrado IPATH, sem que do auto pericial conste qualquer fundamentação, limitando-se a afirmá-la.
O sinistrado no seu requerimento de revisão também nunca invocou IPATH. Decorre do teor do requerimento que este foi apresentado porque se sente pior e a seguradora lhe tem recusado tratamento, formulando até um quesito a este respeito, ao passo que nenhum quesito específico sobre IPATH foi formulado.
Ficamos assim sem saber porque motivo o senhor perito considerou a IPATH, limitando-se a utilizar uma fórmula absolutamente conclusiva, sem qualquer fundamentação, sem qualquer alusão ao tipo de funções concretas que o sinistrado desempenha e, dentro destas, sem concretizar aquelas que estará impedido de exercer.
A lei impõe aos senhores peritos o dever de fundamentar todas as suas conclusões – Tabela nacional de incapacidades e doenças profissionais, Instruções gerais, ponto 8.
Ainda de acordo com o art. 485º do CPC, as partes podem reclamar sobre o relatório pericial em caso de deficiência, obscuridade ou contradição no dito relatório ou se as conclusões não se mostrarem devidamente fundamentadas. O próprio juiz pode, oficiosamente, determinar a prestação de esclarecimentos nos referidos casos.
Há deficiência quando a perícia não responde ou não o faz de modo completo relativamente às questões/pontos alvo da perícia. Há obscuridade quando não se alcança o sentido da resposta ou esta comporta mais do que um sentido. Há contradição em caso de incompatibilidade entre as várias respostas aos pontos ou entre as posições tomadas pelos peritos. Há deficiente fundamentação quando não se alcança de que meios se socorreu a perícia e de que forma lógica foram valorados.
É este o caso porque não se alcança porque motivo a IPATH foi atribuída pelo perito singular e, consequentemente, acolhida no despacho judicial.
Não é caso de anular a decisão judicial e de ordenar a repetição da perícia, porquanto, de todo o modo, não poderá ser agora atribuída IPATH.
Vejamos.
Tendo o acidente de trabalho ocorrido em 26/09/2005, é aplicável o direito substantivo decorrente da Lei 100/97 de 13/09 (doravante LAT) e o Dec. Lei 143/99 de 30/04. A TNI é a prevista no Dec. Lei 341/93, de 30/09.
Segundo o art. 25º da LAT, e centrando-nos no que ao caso mais interessa, as prestações por incapacidade para o trabalho podem ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, quando se verifique modificação da capacidade de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação.
A lei processual prevê o mecanismo para efectivar este direito que é o incidente de revisão da incapacidade. As suas fases essenciais são: o requerimento apresentado pela parte onde se fundamenta o pedido e/ou formula quesitos, a perícia médica singular, a perícia por junta médica quando as partes não se conformem com o resultado da perícia médica singular ou o juiz a entender indispensável e, finalmente, a decisão judicial de mérito, mantendo, aumentando ou reduzindo a pensão ou declarando extinta a obrigação de pegar – 145º CPT. Trata-se, portanto, do ponto de vista adjectivo, de um processado eminentemente técnico, composto por perícias médicas destinadas a verificar o estado actual da capacidade de ganho do sinistrado.
Do seu regime decorre, consequentemente, que a revisão da incapacidade tem por fundamento a ocorrência de alteração no quadro da lesão ou sequela anteriormente considerada (2).
Ora, nos termos supra ditos, as sequelas de que o sinistrado padece actualmente, bem como o grau de incapacidade, são as mesmas que lhe foram atribuídas no último exame de revisão por junta médica e na correspondente decisão judicial de fixação de incapacidade de 18-02-2016. Não havendo, desde então, alteração do quadro de sequelas decorrentes do acidente, fixando-se, na altura, grau de IPP em 20%, sendo as sequelas enquadradas no Cap.I-11.1.1.b), hipertrofia da coxa, superior a 2cm, tal como ora acontece, mantendo-se as mesmas sequelas e desvalorização inicial de 20%.
Ora, não ocorrendo alteração fáctica do quadro de sequelas e sua valorização subjacente à decisão de incapacidade inicialmente fixada ou à última decisão de revisão se a houver, não poderá ser atribuída incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, sob pena de se estar a reapreciar a mesma questão porque baseada em idênticos pressuposto e, portanto, em violação do caso julgado (3).

Assim improcede o recurso nesta parte.

B)A atribuição do factor de bonificação de 1.5 por o sinistrado ter atingido a idade de 50 anos:

A questão que aqui se coloca é a de saber se, não obstante não ocorrer modificação das disfunções/sequelas, como se confirma que não ocorreu, poderá ou não ser aplicado a bonificação de 1.5 decorrente do simples decurso do tempo, tendo o sinistrado completado 50 anos. Acrescendo que ao tempo da última revisão o sinistrado já tinha alcançado 50 anos e isso não foi tido em conta, apesar de, nessa data, ter havido alteração do quadro fáctico de sequelas.

Consta da TNI- Instruções gerais, 5-a) que:

Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0,5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação deste factor”.

A aplicação deste factor relaciona com a natural maior penosidade e dificuldade para o trabalho, com a inerente diminuição física e mental para o desempenho laboral, em geral constatadas a partir de certa idade e que o legislador situou na referida barreira etária.
Contudo, este factor não integra, por si só, um fundamento autónomo de revisão de incapacidade, tendo a TNI uma natureza instrumental em relação ao regime substantivo de acidentes de trabalho. Trata-se ali da enunciação prática relativamente à atribuição de coeficientes para cada sequela. Contudo, o regime substantivo está previsto na lei de acidentes de trabalho onde se fixam os pressupostos substantivos para atribuição de incapacidades para o trabalho, para a sua revisão ou actualização.
Ora, deste regime decorre que o referido factor idade só poderá ser aplicado aquando da fixação inicial de incapacidade ou posteriormente no âmbito de incidente de revisão. Sendo que os exames de revisão, nos termos supra ditos e pelas mesmas razões que aqui se convocam, têm lugar somente quando se verifique uma alteração da capacidade de ganho subsequente a uma alteração das sequelas.
Donde, em nosso entender não é defensável, à face da lei, entender que existe uma ficção legal de que ao atingir os 50 anos haverá automaticamente uma modificação da capacidade de ganho (4). Ou defender que é possível aplicar o factor 1.5 associado à idade e ao facto de lhe nunca ter sido aplicado antes, sem qualquer outra limitação (5).
Se assim fosse, tratar-se-ia de uma simples actualização automática das pensões, não fazendo sentido que a lei impusesse todo um processado inútil com realização obrigatória de perícias médicas destinadas precisamente a aferir modificação na capacidade de ganho (6).
Se é certo que a idade associada a uma lesão/sequela decorrente de acidente de trabalho acentua a penosidade laboral e dificulta a adaptação ao trabalho, para que a idade concreta de 50 anos possa ser valorada em incidente de revisão terá de previamente ser comprovada a alteração das rubricas das sequelas ou, mantendo-se as mesmas, a alteração da sua pontuação (coeficiente), valoração onde a idade poderá ser tida em conta.
O que passa por um entendimento da TNI e do dano, não só na sua vertente corporal/biológica, mas também do individuo no seu todo. Devendo a disfunção ser avaliada enquanto dano no corpo e na sua repercussão funcional e situacional, com preponderância das actividades profissionais. E na “pontuação a atribuir a cada sequela, segundo o critério clinico, deve o perito ter em conta a sua intensidade e gravidade, do ponto de vista funcional, bem como a idade e a profissão habitual” (7).
A própria TNI, conquanto forneça as bases de cálculo de avaliação do dano corporal ou prejuízo funcional, não deixa de ser flexível, permitindo que o perito se aproxime dos mínimos e máximos de variação dos intervalos dos coeficientes consoante o estado geral da vítima (físico e mental), natureza das funções exercidas, aptidão e capacidade profissional e idade- TNI-Instruções Gerais, pontos 6 e 7.

Por vezes a prática leva a uma certa mecanização e reduzida análise casuística dos casos, impedindo que se abranja a diversidade que cada caso comporta. Mas, na verdade, as tabelas são simples instrumento periciais auxiliares do perito e têm a vantagem de reduzir subjectividades e uniformizar critérios para casos similares, mas também de possibilitar a atribuição de factores de ajustamento ao caso.

Ora, lembrando que “ O perito serve-se da tabela, não serve a tabela” (8) deverão os senhores peritos saber interpretar as especificidades do caso, designadamente dando como provado o agravamento quando, com racionalidade, se possa concluir que a idade (a partir dos 50A) se repercute e agrava as sequelas, existindo afinal uma alteração objectiva na capacidade de ganho. Regra que é extensível ao julgador. Mas, repare-se que a ordem é esta: primeiro averigua-se se a idade se projectou negativamente e agravou a lesão, objectivada com alteração da rubrica ou do coeficiente e só depois se aplica o factor de 1.5. E não ao contrário, aplicando o factor só porque se atingiu tal idade, ficcionando abstractamente que há agravamento não comprovado médico-legalmente.

No caso concreto, não tendo sido apurada modificação clínica das sequelas, não pode, consequentemente, aplicar-se o factor de bonificação de idade como o fez o senhor perito, o que foi acolhido na decisão judicial, como forma de sanar o anterior erro ao desaplicar-se na anterior revisão tal factor, não obstante na altura ter ocorrido uma modificação do quadro de sequelas. A tal se opondo o caso julgado e as inerentes exigências de segurança e certeza jurídica.

III. DECISÃO

Pelo exposto, de acordo com o disposto nos artigos 87º do Cód. de Proc. Trabalho e 663º do Cód. de Proc. Civil, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e mantendo-se a pensão anteriormente atribuída.
Custas a cargo do recorrido, sem prejuízo da isenção de que beneficia.
Notifique.
Guimarães, 06-02-2020

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins


Sumário – artigo 663º n.º 7 do C.P.C

I- A atribuição de IPATH pressupõe a fundamentação da resposta por parte do perito, não bastando o uso de uma fórmula conclusiva, sem qualquer alusão ao tipo de funções concretas que o sinistrado desempenha e, dentro destas, sem concretizar aquelas que estará impedido de exercer, sobretudo em caso de dissenso das partes.
II- A atribuição do factor de bonificação de 1.5 decorrente de o sinistrado ter atingido 50 anos de idade pode ter lugar na fixação inicial da incapacidade ou em incidente de revisão.
III- Neste último caso, a atribuição do factor de bonificação não ocorre pelo simples decurso do tempo quando o sinistrado atinge 50 anos, não se tratando de uma mera actualização automática.
IV- Ao invés, pressupõe a modificação na capacidade de trabalho/ganho do sinistrado proveniente de modificação das sequelas/disfunções, sendo aquela o fundamento substantivo do regime legal de revisão da incapacidade (25º LAT, 70º NLAT), o que é também consonante com a lei adjectiva (145º, CPT) que impõe a realização de perícias que seriam inúteis em caso de entendimento contrário.
V- A modificação das sequelas/disfunções deve ser objectivada pelos senhores peritos através do seu diferente enquadramento na TNI ou, caso se mantenham as mesmas rubricas, por atribuição de pontuação diferente (coeficientes).
VI- No exame de revisão, aquando da ponderação pelos senhores peritos da alteração das sequelas, deverá o dano ser avaliado na sua globalidade quanto à repercussão no corpo, funcional e situacional e, na pontuação a atribuir, deverá considerar-se a intensidade e gravidade do ponto de vista funcional, bem como a idade e profissão habitual.
VII- O incidente de revisão não pode servir para rectificar situações anteriores em que não foi aplicado o factor de bonificação idade podendo tê-lo sido, tudo sob pena de violação do caso julgado, de incerteza e insegurança jurídica.

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso



1. Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s salvo as questões de natureza oficiosa.
2. Quanto ao facto de a revisão ter por fundamento a alteração da capacidade geral de ganho, tendo de alegar-se agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença, vd Carlos Alegre, Código de Processo de Trabalho, anotado e comentado, 2003, p. 339/340. Também já Alberto Leite Ferreira, Código de Processo de Trabalho Anotado, 4ª edição, p. 636/7, dizia que, à semelhança das sentenças que fixam alimentos provisórios, também as decisões que fixam pensões por incapacidades são alteráveis ainda que tenham transitado em julgado, desde que se tenha verificado alteração na capacidade de ganho e, assim, se modifiquem as circunstâncias que levaram à anterior condenação na prestação estabelecida.
3. Neste sentido Ac. STJ de 30-03-2017 e Ac.s RG de 17-12-2017, 3-03-2016 e de 20-09-2018, in www.dgsi.pt.
4. Tal como foi defendido na RP, ac. 1-02-2016, www.dgsi.pt. Já na RL, ac. de 30-05-2012, fez-se uma construção de que a idade pode realçar aspectos das sequelas, o que se considerou alteração objectiva do estado clínico, ou seja, um agravamento, pelo que, no fundo, não prescinde do pressuposto de modificação. A questão aqui será a forma como é aferida. Sendo que, em nossa opinião, o agravamento terá de ser visível pela enunciação das rubricas e/ou grau atribuídos.
5. O que se afirmou genericamente no sumário do ac. RE de 26-09-2019, www.dgsi.pt, embora, curiosamente, o factor idade não tenha sido aplicado no incidente de revisão, o qual foi julgado improcedente. O factor idade foi, antes, aplicado no processo principal como forma de “rectificar” o anterior despacho de homologação do acordo judicial que o não aplicou, considerando-se que aquele não formava caso julgado e porque se tratavam de direitos indisponíveis, caso muito específico e diferente dos autos.
6. No sentido de que a aplicação do factor de 1.5 decorrente de idade quando inserido em incidente de revisão pressupor a modificação das sequelas: RE, ac. 28-05-2015; RL ac. 13-01-2016, 22-05-2013; RP ac. 8-11-2018, www.dgsi.pt
7. Teresa Magalhães, Isabel Antunes, Duarte Nuno Vieira, Prontuário de Direito de Trabalho nº83, Maio-Agosto, 2009, p. 151, 156/7.
8. Teresa Magalhães, ob. cit. p. 165.