Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3109/17.8T8BRG.G1
Relator: JOSÉ DIAS CRAVO
Descritores: CONTRATO DE INVESTIMENTO DIRECTO
MEDIDA DE RESOLUÇÃO
BANCO DE PORTUGAL
ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – A recorrente celebrou com o Banco A um contrato de investimento directo, através do preenchimento de uma ordem de compra de valores mobiliários.

II – Com a medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal ao Banco A, em que ocorre a transferência parcial da actividade deste para o Banco B, o qual sucedeu ex lege nas relações jurídicas transmitidas, excluiu dessa transferência o produto financeiro adquirido pela A.

III – O Banco B não titula qualquer vinculação originária ou superveniente com a relação contratual exarada entre a A. e o Banco A.

IV – O regime de responsabilidade da sociedade cindida previsto no CSC, não tem aqui aplicabilidade, já que a resolução bancária é uma figura específica do Direito Bancário, regulada por lei especial, que em nada se confunde com a cisão prevista no CSC e que não reúne sequer a totalidade dos elementos característicos daquela operação societária.

V – Não tendo a A. cumprido o ónus que lhe assistia nos termos do disposto nos arts. 5º/1 e 552º/1, d) do CPC, não é devida a intervenção do juiz com vista ao suprimento de deficiências na alegação de facto quando esteja em causa a falta de alegação de factos essenciais que integrem a causa de pedir, mas apenas para suprir insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada.

VI – Ao falar na alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, a norma do artigo 437º do CC quer, manifestamente, aludir às modificações contra as quais, pelo seu carácter imprevisto, as partes não possam e não devam acautelar-se, já que este instituto situa-se no ponto de encontro entre a segurança na estabilidade das relações contratuais com o princípio da boa-fé que domina o direito das obrigações.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1 RELATÓRIO

M. C. casada, natural de …, V., em Itália, residente na Rua … Guimarães, intentou a presente acção (1) declarativa com processo comum contra BANCO B, S.A., com sede na Avenida da … Lisboa, pedindo que deverá:

A) ser o negócio celebrado entre o A. e R. anulado por erro na base do negócio e condenado o R. à devolução de EUR 50.000,00 e juros, que, em 31.05.2017, perfaziam já a quantia de EUR 9.775,34 euros e juros vincendos até integral pagamento;
B) Se assim não se entender, o que apenas e só por mero dever de patrocínio se pede, deve o R. ser condenado a pagar à A. uma indemnização no valor de EUR 50.000,00, acrescido de juros vencidos, que, em 31.05.2017, perfaziam já a quantia de EUR 9.775,34 euros, e juros vincendos até integral pagamento, recorrendo ao princípio geral que preside à obrigação de indemnizar que é o da reconstituição do lesado na situação em que o mesmo se encontraria, se não se tivesse verificado o ato lesivo por incumprimento dos deveres a que estava obrigado, conforme os arts. 304º, 304º-A, 311º, 312º, 312º-B, 312º-C a 312º-G, 314º, ss, todos do CVM;
C) Ou, caso assim não se entenda, ser o negócio celebrado entre a A. e R. resolvido, por alteração superveniente das circunstâncias e condenado o R. à devolução de EUR 50.000,00, acrescido de juros vencidos desde 26 de Julho de 2012 até efectivo e integral pagamento, sendo que os juros vencidos, em 30.06.2017, perfaziam já a quantia de EUR 3.841,10 euros e juros vincendos até integral pagamento.

Para fundamentar tal pretensão, alegou para o efeito, em resumo, que:

- os contratos de depósito à ordem e de depósito de títulos celebrados com a A. transferiram-se para o Banco B, aquando da aplicação da medida de resolução do Banco A;
- com data de 12-07-2012, existe um PEDIDO DE SUBSCRIÇÃO em nome da ora A., do valor mobiliário com a designação “TELECOMUNICAÇÕES A 2016 6,25%”, obrigações ou Notes que tinham como emitente, na data da subscrição, a TELECOMUNICAÇÕES A, SGPS, SA;
- este pedido ocorreu na agência do Banco A, sita em Braga, e que agora é do Banco B;
- a A. não assinou o referido documento de subscrição, pelo que a referida ordem/pedido de subscrição é nulo;
- admitindo que o referido ato de intermediação é válido, foi o R., na altura Banco A, que intermediou perante a ora A., a subscrição dos indicados títulos;
- as decisões de investimento que tomou, foram sempre com base na informação e conselhos que os gestores de conta lhe facultavam;
- foi categorizada pelo R. como investidora não qualificada ou não profissional;
- as informações prestadas formaram a convicção da A. de que lhe seria devolvido o capital, acrescido dos juros no termo do contrato, e se a A tivesse sido informada que o rating da Telecomunicações A era “grau especulativo” ou “lixo” e/ou que o capital e juros não estavam garantidos, não teria subscrito o referido produto;
- só em meados de Julho de 2016, a A. é informada que o pagamento do capital que ocorreria a 26 desse mês não ocorreria e só nessa altura a A. compreende que, afinal, o produto financeiro não tinha as características de que tinha sido informada pelo R.;
- o R. também não prestou as devidas informações relativas à natureza e aos riscos do produto financeiro;
- deve o R. responder, também, pelos danos causados à A., em consequência da violação dos deveres de organização e exercício da sua actividade, impostos por lei ou por regulamento emanado da autoridade pública;
- sendo assim, ou o negócio é anulado, pelo erro sobre o objecto do negócio e o R. devolve o valor investido pelo A. no montante EUR 50.000,00, acrescido de juros, ou, recorrendo ao princípio geral que preside à obrigação de indemnizar que é o da reconstituição do lesado na situação em que o mesmo se encontraria se não se tivesse verificado o ato lesivo, pagará o R. ao A. o valor investido, no montante EUR 50.000,00, acrescido de juros;
- a Telecomunicações A anunciou ao mercado que a 18 de Março de 2014, em reunião da assembleia de titulares das Notes aqui indicadas, obteve o consentimento para substituir o emitente das mesmas, deixando de ser a Telecomunicações A ou Telecomunicações A, SGPS, SA, para passar a ser a Telecomunicações A, SGPS, SA.;
- a Telecomunicações A, a emitente das obrigações subscritas por aqueles, como ela existia e como era conhecida em 2012, tinha acabado de desaparecer e, a partir de 18 de Março de 2014, a entidade emitente passou a ser uma outra sociedade;
- a A. nunca foi contactada pelo R. desta relevante alteração no investimento que tinha efectuado;
- A 28 de agosto de 2014 a MOODY’S veio informar os mercados que tinha diminuído o rating do Grupo X, SA, para Ba1, e diminuído a dívida não garantida da TELECOMUNICAÇÕESIF para Y2 e de outras obrigações juniores;
- O R. estava obrigado a prestar as informações relacionadas com a alteração significativa do risco do produto à A., pelo que deve o R. responder pelos prejuízos decorrentes dessa ocultação e, consequentemente, indemnizar a A. reconstituindo a situação em que a mesma se encontraria, se não se tivesse verificado o ato lesivo;
- por carta datada de 20 de Janeiro de 2015, e dirigida ao PRESIDENTE DA MESA DA ASSEMBLEIA GERAL da TELECOMUNICAÇÕES A, SGPS, SA, veio alertar para os graves riscos para os credores da Telecomunicações A que seria a alteração do devedor, para a Grupo X, SA, ou para qualquer uma das sociedades do Grupo X;
- a Telecomunicações A veio informar o mercado, a 2 de Junho de 2015, que o emitente das referidas obrigações Telecomunicações A, tinha sido substituído pela TELECOMUNICAÇÕESIF;
- o ora R. sabia que tinha ocorrido uma alteração do emitente, bem como sabia que tinha sido antecipado a maturidade do produto para quem pretendesse exercer esse direito, de 27 de Julho de 2016 para 30 de Junho de 2015;
- o R. nunca informou a A. da alteração do emitente bem como da antecipação da maturidade do produto, de 27 de Julho de 2016 para 30 de Junho de 2015, bem como da degradação económico-financeira da Grupo X e suas subsidiarias, inclusive, da TELECOMUNICAÇÕESIF, por forma a que esta exercesse esse direito;
- ao omitir esta informação, o R. impediu que a A., esclarecida e livremente, tomasse as decisões que entendesse e a que tinha direito, devendo assim o R. responder pelos prejuízos decorrentes dessa ocultação e, consequentemente, indemnizar a A. reconstituindo a situação em que a mesma se encontraria se não se tivesse verificado o ato lesivo, isto é, devolver o valor investido no montante EUR 50.000,00, acrescido de juros;
- a A. manteve-se sempre convencida que era credora da Telecomunicações A, sendo que só dias depois do pedido de recuperação judicial do Grupo X tomou consciência que passava a ser credora de uma empresa que desconhecia e a quem não tinha emprestado qualquer valor, tudo isto porque o R. nunca cumpriu o dever de informação destes direitos, mantendo a A. em erro e causando-lhe prejuízo;
- em consequência dos actos do R., todos os títulos que a A. detém, por força da Grupo X (actual garante) se encontrar em situação de recuperação judicial no Rio de Janeiro, deixaram de ser transaccionáveis em mercado regular e o seu valor pecuniário é quase nulo;
- em 19 de Julho de 2016, a Telecomunicações A INTERNACIONAL FINANCE B.V., informou que com a decisão judicial de deferimento do início do processo da Recuperação Judicial do Grupo X, S.A, perante a Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, as empresas Grupo X (incluindo a emitente) ficariam sujeitas a um regime de protecção face aos credores regulado pela lei brasileira, o que diminui, drasticamente, as possibilidades da A. se defender;
- conclui a autora que, ou o negócio é resolvido pela alteração superveniente das circunstâncias, devendo o R. devolver o valor investido pela A. no montante EUR 50.000,00, acrescido de juros vencidos e vincendos, ou recorrendo ao princípio geral que preside à obrigação de indemnizar que é o da reconstituição do lesado na situação em que o mesmo se encontraria se não se tivesse verificado o ato lesivo, pagará o R. à A. o valor investido no montante EUR 50.000,00, acrescido de juros.

O réu Banco B apresentou contestação, impugnando parcialmente a factualidade alegada, invocando a prescrição de quaisquer direitos de que a autora fosse porventura titular, e alegando em síntese que:

- o que existe é um contrato de registo e depósito de instrumentos financeiros;
-foi colocada à disposição da autora toda a documentação da emissão obrigacionista, que continha detalhada informação sobre o emitente das Notes e o grupo em que se inseria, bem como sobre os riscos inerentes à subscrição do produto financeiro;
- no que diz respeito ao dano invocado, a autora não alega factos suficientes para a sua demonstração, uma vez que é sabido que o Grupo X reembolsará uma parte muito substancial (senão a totalidade) do montante investido;
- quaisquer eventuais responsabilidades constituídas na esfera do Banco A nesse contexto não foram transferidas para o Banco B, nos termos da deliberação de resolução do Banco A;
- a autora foi informada de que a Telecomunicações A foi vendida ao Grupo A – e, em consequência, a TELECOMUNICAÇÕESIF passava a ser a emitente das obrigações – e teve a possibilidade de, nesse momento, solicitar o reembolso do capital investido e os juros que fossem devidos;
- durante 2016 a autora foi sendo informada pelo Banco B sobre diversas vicissitudes relacionadas com a TELECOMUNICAÇÕESIF;
- o pedido de devolução dos EUR 50.000,00 por alteração de circunstâncias (ou por erro no negócio) teria de ser apresentado contra o emitente e não contra o intermediário financeiro, que nunca recebeu o montante em questão;
- o crédito que a autora reclama nos autos terá sido reconhecido no processo de recuperação judicial do Grupo X, S.A., accionista única da TELECOMUNICAÇÕESIF e garante da emissão daquelas Notes, que corre os seus termos no Brasil;
- o Grupo X deu início, em Junho de 2017, a um programa para acordo com credores, através do qual oferece aos credores participantes a possibilidade de obterem o pagamento antecipado do seu crédito no âmbito do processo de recuperação judicial;
- a autora omitiu a alegação dos prejuízos decorrentes da putativa responsabilidade do Banco B, pressuposto do qual depende a obrigação de indemnizar.
Conclui que deverá a presente acção ser julgada improcedente.

A autora respondeu à matéria de excepção,

- estas obrigações encontravam-se custodiadas no Banco, sendo activos que estão depositados na conta à ordem dos AA;
- se os depósitos em numerário mereceram um determinado tratamento, também terão de merecer o mesmo tratamento os activos que se encontram depositados mas não em numerário (em títulos);
- não foi isso o pretendido pelo BP quando decretou a referida resolução;
- se tem a custódia das obrigações, o BANCO B, tem de assumir as responsabilidades decorrentes dos actos que foram praticados por uma entidade que veio a suceder;
- os AA só se aperceberam dos termos do negócio em Julho de 2016.

Invoca ainda a autora que as deliberações do BP violam direitos fundamentais, a saber, o direito de propriedade privada (art. 62º, CRP), o direito de acesso ao Direito e tutela jurisdicional efectiva, o direito à igualdade e o direito à fundamentação dos actos lesivos de direitos ou interesses legalmente protegido, todos eles previstos na Constituição da República Portuguesa.

Conclui que se devem dar como improcedentes as alegadas excepções, prosseguindo os autos os seus termos.

Procedeu-se a audiência prévia, na qual foi concedido às partes a oportunidade de alegarem, conforme consta da ata que antecede, o que as mesmas fizeram, dando por reproduzidas as posições já assumidas nos seus articulados.

Foi então proferido saneador sentença que, conhecendo do mérito da acção, a julgou não provada e improcedente e, em consequência, absolveu o réu dos pedidos formulados, tendo condenado a autora nas custas.
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Inconformada com essa sentença, apresentou a A. recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

1. Segundo ENGRÁCIA ANTUNES, os contratos de intermediação financeira são os negócios jurídicos celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de atividades de intermediação financeira.
2. No presente caso, estamos perante um contrato de registo e depósito, que mais não é do que um contrato celebrado entre um intermediário financeiro e o titular de determinados instrumentos financeiros, pelo qual aquele se obriga perante este a registar e/ou a manter em depósito tais instrumentos, bem assim como a prestar determinados serviços relativos aos direitos a eles inerentes.
3. Existe inúmera jurisprudência quanto à responsabilidade civil do intermediário financeiro, tendo-se a A. arrogado ao direito de selecionar a jurisprudência mais relevante na motivação, nomeadamente quanto à extensão da responsabilidade do intermediário financeiro quanto ao reembolso do capital investido por violação de deveres, prescrição e transmissão/sucessão Banco A/Banco B (e que se dá incorporada por remissão), claramente demonstrativos que a responsabilidade do intermediário financeiro é bastante extensa e nada simples de cercear.
4. Seguindo a sistematização (muito bem) adotada pela Meritíssima Juiz no douto despacho recorrido, iremos separar o presente recurso em dois distintos períodos temporais: o período anterior ao dia 03/08/2014 e o período posterior ao dia 03/08/2014, data da cisão societária levada a cabo por intermédio da decisão “medida de resolução“ do Banco de Portugal.
5. Entendemos, por isso, que relativamente ao período anterior ao dia 03/08/2014, ou seja, aquele período no qual os (f)actos terão sido praticados pela sociedade cindida Banco A, existem dois motivos distintos que presidem à discordância relativamente à decisão proferida:
a. Necessidade de reconhecimento do dever de indemnizar para se verificar quem é o sujeito da obrigação de indemnizar;
b. Interpretar a decisão de resolução do Banco de Portugal.
6. Tendo presentes os factos alegados nos arts. 96º, 97º, 98º, 143º, 146º, 148º, 149º, 150º, 151º, 152º, 153º, 155º, 156º, 159º, 160º, 161º, 162º, 163º, 167º, 168º, 169º, 170º, 171º, 175º, 179º, 180º, 185º, 201º, 202º, 203º, 204º, 205º e 206º (ou seja, praticados pelo Banco B em momento posterior à resolução do Banco A), entendemos que a decisão relativamente aos factos praticados no segundo período em análise é manifestamente desconforme com o direito, pelos seguintes motivos:
a. Foram alegados factos integradores do dano e do dano causal;
b. A A. alegou as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, encontrando-se, por isso, preenchidos os pressupostos de aplicação do art. 437º do CCiv.
7. É entendimento da A. que o tribunal, para poder verificar (e declarar) o sujeito da obrigação de indemnizar terá, antes de mais, de (re)conhecer e caracterizar o dever de indemnizar, ou seja, o tribunal não pode justificar, parcialmente, um saneador-sentença com a alegação que, como parte da responsabilidade se sustenta em ações ou omissões do Banco A, conclui-se que a pretensão da A. terá de improceder.
8. Isto porque, no entender da A., o processo (ainda) não contém todos os elementos probatórios necessários à prolação de uma decisão de mérito, nomeadamente porque a Juiz a quo não pode referir quem será o sujeito da obrigação de indemnizar, ou então reportar-se a transmissibilidade de determinada obrigação de indemnizar sem primeiramente conhecer do pedido formulado de responsabilidade civil.
9. Não tendo sido produzida prova relativamente a factualidade que integra a responsabilidade civil e a obrigação de indemnizar, somos do entendimento que o despacho recorrido enferma de nulidade por omissão de pronúncia sobre os pedidos da A., por violação do disposto no art. 615º nº1 CPC aplicável ao despacho recorrido ex vi do art. 613º nº3 do mesmo normativo, nulidade esta que deverá ser apreciada, primeiramente, pelo Juiz a quo, nos termos do disposto no art. 617º nº1 CPC, o que se deixa expressamente arguido e alegado, com as legais consequências.
10. Com a decisão de resolução, o Banco de Portugal pretendeu i) defender os ativos e passivos que estavam no Banco A dos ativos problemáticos, relacionados com o Grupo K; ii) que o cliente Banco A não suportasse ou assumisse as perdas em resultado do descalabro do Banco A, por se encontrar ligado ao Grupo K; iii) relativamente aos depósitos menciona-se expressamente que “não foram afetados quaisquer direitos legais ou contratuais dos depositantes”.
11. Uma vez que a decisão do tribunal a quo fez uma interpretação singela da deliberação do Banco de Portugal, entende a A. ser crucial efetuar uma análise do conteúdo da deliberação do BP, nomeadamente, conjugando as suas diversas alíneas.
12. A subalínea v) da alínea b) previa a intransmissibilidade para o Banco B das responsabilidades ou contingências nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais, sendo que a subalínea vii), da alínea b), por sua vez, na sua versão inicial, previa apenas a comercialização e intermediação financeira de dívida emitida por entidades que integravam o universo do Grupo K.
13. Contrariamente ao que considera o tribunal a quo, não foi apenas violada uma ou várias determinações ou disposições regulatórias.
14. No caso que analisamos, considerando os referidos requisitos, as responsabilidades não eram exigíveis à data de 03 de agosto de 2014, porque, como alega o A., além de só ter tido conhecimento das características essenciais do produto financeiro em 2016 (anulabilidade), a ausência de informação do direito ao reembolso antecipado bem como a alteração das circunstâncias (geradores de responsabilidade) ocorre em 2015.
15. Concluímos então que as responsabilidades que se pretendem assacar à R. não fazem parte dos passivos excluídos que ocorreram com a transferência de responsabilidades endereçadas pelo Banco A, porque i) os considerandos da deliberação não vão nesse sentido; ii) o comunicado do BP é claro que não é isso que pretende; iii) as posteriores alterações à deliberação de agosto de 2014, vista no seu conjunto, afastam a aplicação da subalínea v) e mandam aplicar a vii) — porque o tema é a comercialização e a intermediação financeira; mas também esta não se aplica pura e simplesmente porque não se subsume ao caso.
16. Tendo presentes os factos dados por provados sob os nºs 2.37, 2.38, 2.39 e 2.40, entendemos ser relevante chamar à atenção para a seguinte passagem: “fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais)”
17. Salvo o devido respeito por diferente opinião, entendemos que esta passagem visa esclarecer e aprofundar os passivos ou elementos extrapatrimoniais que estão excluídos da não transferência do Banco A para o Banco B, e que abarca duas situações:
a. Responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente, o que não se aplica ao presente processo, pois a ação foi interposta após a resolução do Banco A;
b. Responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais, o que, em nossa opinião, assume alguma importância nos presentes autos.
18. Isto porque existiu uma alteração na construção frásica da hipótese prevista na anterior alínea b), quando comparadas a Resolução de 03/08/2014 e a clarificação de 29/12/2015, pelo que se verifica que, enquanto a deliberação de 03/08/2014 englobava o dolo, a deliberação de 11/08/2014 passou a excluir o dolo.
19. Pelo que, em termos práticos, uma responsabilidade decorrente de dolo constituía, na deliberação de 03/08, passivo excluído, sendo que na deliberação de 11/08, não constaria do passivo excluído; ora, não constando do passivo excluído, constituiria passivo incluído na transferência de passivo para o Banco B.
20. Por outro lado, entendemos que, não obstante a deliberação do Banco de Portugal haver sido tomada pretensamente ao abrigo do disposto nos art.º 145.º-G, n.º1 e 145.ºH do RGIF, a verdade é que entendemos que se trata, antes de mais, de uma cisão societária, prevista no art. 118º nº1 a) CSC (É permitido a uma sociedade destacar parte do seu património para com ela constituir outra sociedade) e, como tal, sujeita (também) à disciplina do art. 122º CSC.
21. Neste sentido, já se pronunciou o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 16/03/2017, ao entender que parece-nos inteiramente correcta a análise jurídica elaborada pela Apelante no sentido de considerar que a operação de resolução do Banco A se configura como uma cisão de sociedade nos termos previstos no art.º 118.º n.º1 a) do Código das Sociedades Comerciais (CSC). Ora, nos termos do art.º122.º n.º1 do CSC, “a sociedade cindida responde solidariamente pelas dívidas que, por força da cisão, tenham sido atribuídas à sociedade incorporada ou à nova sociedade”.
22. Por outro lado, a redação do art. 145.º-G do RGICSF, à data da resolução, era a seguinte:

10 - O Código das Sociedades Comerciais é aplicável às instituições de transição, com as necessárias adaptações aos objetivos e à natureza destas instituições.
23. Defendemos, por isso, que as instituições de transição não terão de obedecer ao regime aplicável à cisão no CSC quanto a: i) existência e autoria do projeto de cisão; autoria da decisão de cisão; distribuição do capital social da sociedade incorporante.
24. Entendemos, por isso, que as instituições de transição deverão obedecer ao regime aplicável por força do CSC, pelo que a decisão de resolução que criou a instituição de transição viola o disposto no Código das Sociedades Comerciais quanto à responsabilidade solidária/conjunta pelas dívidas da sociedade cindida, atendendo a que a norma do art. 122º CSC é uma norma imperativa.
25. Assim sendo, parece-nos, e salvo melhor opinião, que um ato administrativo não pode ter força superior a uma norma imperativa, não a afastando.
26. Em face do exposto, entendemos que a decisão de resolução, e caso seja entendido que afasta a transmissão das dívidas do Banco A para a R., por violar uma norma imperativa do CSC, não poderá sobrepor-se a esta, o que se deixa desde já invocado com as legais consequências.
27. Entendeu a Meritíssima Juiz a quo que não tendo a autora alegado factos concretos integradores do dano nem do nexo causal, a sua pretensão terá necessariamente de improceder com tal fundamento.
28. Nas palavras de RUI PINTO DUARTE, o terceiro artigo (o 323) da secção dedicada às regras gerais sobre contratos de intermediação impõe aos intermediários financeiros deveres de informação relativamente ao período posterior à conclusão do contrato. Mas, é a própria letra do preceito que lembra que, noutro local (no art. 312) a lei também impõe aos intermediários financeiros deveres de informação relativamente ao período anterior à conclusão do contrato.

No que respeita a esses deveres de informação no período pré-contratual, é de sublinhar a regra do nº 2 do art. 312, segundo a qual a extensão e a profundidade da informação deverá ser tanto maior quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente. É óbvia a ligação desta regra com as que visam proteger os investidores não institucionais.
29. Sendo que, de acordo com ENGRÁCIA ANTUNES, alguns desses deveres informativos pós-contratuais possam corresponder a autónomos deveres secundários de prestação cuja violação seja igualmente fonte autónoma de responsabilidade civil para o intermediário (sobretudo, aqueles que visam informar o cliente das vicissitudes e dos resultados das suas operações de investimento, por forma a permitir-lhe tomar atempadamente eventuais decisões de desinvestimento).
30. Por outro lado, tenhamos presente que, no douto entendimento de AGOSTINHO GUEDES, neste caso, sendo o prestador das informações um Banco, a questão da responsabilidade coloca-se com mais acuidade. O dador aparece, perante o destinatário, portador de qualidades específicas que o habilitam a fornecer tais informações e que induzem o mesmo destinatário a nelas fazer fé, pois o cliente presume uma competência e organização, uma profissionalização específica, que os bancos objetivamente possuem. (2)
31. Isto porque, conforme defende MENEZES CORDEIRO, o dever de informação tenderá a abranger tudo quanto, pela natureza da situação considerada, não seja conhecido pela contraparte. Assim, ele será tanto mais intenso quanto maior for a complexidade do contrato e da realidade, por ele envolvida»; bem como será «tanto mais intenso e extenso quanto mais inexperiente e ignorante for a contraparte. (3)
32. Por outro lado, estando-se no âmbito de aplicação de um contrato, teremos, forçosamente, de cair no âmbito da responsabilidade contratual, sendo que, no entendimento de MENEZES CORDEIRO, “perante a falta de cumprimento, presume-se que: o devedor não cumpriu, violando as normas jurídicas que mandam cumprir – ilicitude; o devedor incorre no correspondente juízo jurídico de censura – culpa”.
33. Sendo que, conforme doutamente entendido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 15/12/2016, o n.º 2 do art.º 314.º consagra uma presunção de culpa do intermediário financeiro, no contexto da violação de deveres respeitantes ao exercício das actividades de intermediação financeira, quer elas tenham decorrido no âmbito contratual, quer pré-contratual, quer em qualquer outro caso no atinente aos deveres de informação, mas não abrange a ilicitude do facto, cujo ónus de alegação e facto impende sobre o investidor.
34. Assim, e atendendo a que se verifica a existência de um contrato de intermediação financeira entre A. e R. desde Agosto de 2014; que ocorreram factos relevantes que, salvo melhor opinião, deveriam ter sido comunicados pela R. ao A. ao abrigo do disposto no art. 312º-B, nº4 CPC, que caso a não comunicação de tais factos consubstancie um acto ilícito, presume-se a culpa da R. e que, demonstrando-se a final, face à existência de ilicitude, culpa, causalidade e dano, a R. deverá/será condenada a indemnizar o A, verificasse legitimidade substantiva da R. decorrente de atos ilícitos enquanto intermediária financeira.
35. Quanto à alegada falta de alegação do dano, sempre se dirá que foi alegado no art. 175º que o R. nunca informou a A. da alteração do emitente bem como da antecipação da maturidade do produto, de 27 de julho de 2016 para 30 de junho de 2015, bem como da degradação económico-financeira do Grupo X e suas subsidiarias, inclusive, da TELECOMUNICAÇÕESIF, por forma a que esta exercesse esse direito, ou seja, o direito de antecipação do reembolso do capital, nos precisos termos descritos no art. 170º da PI.
36. Verifica-se, assim, que a A. alegou o concreto facto integrador do dano: o exercício do direito de antecipação do reembolso/capital por um preço de 103,975% do montante de capital da Note.
37. Já quanto ao nexo causal, entendemos que o mesmo se encontra vertido nos factos alegados nos arts. 169º, 170º, 171º, 172º, 173º, 174º, 175º e 176º da PI.
38. Em face do exposto, e ressalvado o devido respeito, entendemos não assistir qualquer razão à Meritíssima Juiz a quo ao entender não haverem sido alegados o dano e o nexo causal.
39. Conforme foi já doutamente decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em ação de responsabilidade civil contra o Estado, por Acórdão de 17/06/1999: a alegação do dano consiste na enunciação de factos concretos que traduzem perda, diminuição ou afectação de bens, direitos ou interesses juridicamente tutelados do lesado, ou, frustações de benefícios; não mera invocação de valor pecuniário.
40. No entanto, e caso assim não seja doutamente entendido, sempre se dirá, e ressalvado o devido respeito, que é muito, não ter andado bem a Meritíssima Juiz a quo ao não convidar o A. a aperfeiçoar a petição, no que ao dano e nexo causal se refere.
41. Deveria, por isso, ter seguido a tendência jurisprudencial de convite ao aperfeiçoamento. Neste sentido, conferir, por todos, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27/06/2002, que (muito bem) entendeu que sendo a matéria de facto exígua no que se refere à caracterização do dano, bem como da culpa e do nexo causal entre a violação dos deveres da boa fé e o dano e, assim, deficiente a causa de pedir, deve ser convidado o autor a completar ou aperfeiçoar a petição, nos termos do disposto no artigo 508 ns.1 alínea b), 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil.
42. Já no tocante à alegada falta de alegação das circunstâncias em que as partes fundaram a sua decisão de contratar, sempre se dirá que a leitura dos arts. 63º, 64º, 65º, 66º, 70º, 86º, 87º, 92º, 197º e 198º da PI conduz, necessariamente, a uma conclusão diferente, atendendo a que de tais artigos, se retira que a A. fundou a decisão de contratar em: i) Taxa de juro e data da maturidade; ii) Ausência de risco; iii) Restituição integral do capital na data do vencimento.
43. Em face disto, e ressalvado o devido respeito, tendo sido alegadas as circunstâncias em que a A. fundou a decisão de contratar, estão reunidas as condições para que o tribunal a quo pudesse produzir prova e/ou conhecer do mérito do pedido de resolução pela alteração superveniente das circunstâncias do negócio ou, recorrendo ao princípio geral que preside à obrigação de indemnizar que é o da reconstituição do lesado na situação em que o mesmo se encontraria se não se tivesse verificado o ato lesivo, de pagamento do valor investido.
44. Como vimos anteriormente, a jurisprudência tem seguido a orientação que embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, e que, se o intermediário financeiro violou de forma grosseira o dever de informação a que estava obrigado, convencendo desse modo a A. a subscrever o papel comercial que, de outro modo, a mesma não subscreveria, o que o torna responsável pelos prejuízos causados à A., quer pela sua actuação na formação do contrato, quer na celebração e execução do mesmo”.
45. Em face de todo o exposto, entende a A. que o processo deveria prosseguir para produção de prova, nomeadamente quanto à modalidade da culpa do intermediário financeiro.
46. A decisão recorrida viola, por isso, o disposto nos arts. 5º nº3, 195º nº1, 572º b), 590º, 607º nº4, 608º nº2, 615º nº 1 c) e d), 616º b) e 662º nº 2 c) CPC; 7º nº1, 249º, 304º nº2, 304º-A nºs 1 e 2, 311º, 312º nº1, 312º-B nº4, 312º-E 314º nº2, 314º-D nº2, 323º e 328º CVM; 6º e 19º do Regulamento CMVM 2/2012; 19º da Diretiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros (DMIF); 74º do Decreto-Lei 298/92; 122º CSC; 405º, 437º e 799º CCiv.
C
NESTES TERMOS, E NOS MELHORES DE DIREITO QUE SERÃO SUPRIDOS POR V. EXAS., DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE POR PROVADO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER PROFERIDO ACÓRDÃO NO QUAL SE DECLARE E RECONHEÇA A LEGITIMIDADE SUBSTANTIVA DA R., FAZENDO V. EXAS. INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!
*

Notificado do recurso apresentado pela A., o Réu Banco B, S.A. apresentou as suas contra-alegações, que se encontram finalizadas com a apresentação das seguintes conclusões:

A. Não existe qualquer obrigação de o Tribunal a quo conhecer primeiro do direito alegado pela Recorrente e, só depois, da exceção perentória invocada pelo Banco B.
B. Esta solução proposta pela Recorrente implicaria a realização de audiência de julgamento e produção de prova que seriam, pura e simplesmente, inúteis porquanto ainda que se determinasse, a final, a existência de uma obrigação de indemnizar do Banco A nunca poderia haver uma condenação, na medida em que só o Banco B é parte no processo e tais responsabilidades permaneceram na esfera de responsabilidades do Banco A.
C. O princípio da economia processual, vertido, entre outras disposições, no artigo 608.º, n.º 1, do CPC, impõe ao Tribunal um dever de adequação da tramitação processual às especificidades da causa, de forma a exponenciar a eficiência na decisão das questões colocadas pelas partes, evitando a prática de atos inúteis e desnecessários.
D. Perante os factos considerados provados pelo Tribunal a quo no seguimento da audiência prévia, nada obsta – e, bem pelo contrário, tudo aconselha – a que seja proferida uma decisão de mérito em sede de saneamento, evitando-se, assim, a realização de atos inúteis que resultariam da prossecução do processo.
E. É manifestamente inadmissível e inapelavelmente contrariada pela letra das deliberações do Banco de Portugal e da legislação onde está prevista a resolução bancária a extensão do regime e tutela dispensados aos depósitos na Medida de Resolução aos produtos financeiros em causa nos autos, que são duas situações diversas que o legislador pretendeu diferenciar atendendo à diferente natureza dos depósitos (um produto sem risco, com capital garantido) dos investimentos em produtos financeiros (que implicam riscos de perda de capital) e à essencialidade dos primeiros na salvaguarda da confiança e estabilidade do sistema bancário.
F. A Medida de Resolução não operou a transferência – antes a afastou expressamente – de quaisquer responsabilidades ou contingências relacionadas com a violação de disposições regulatórias, qualquer que fosse a sua natureza, e, em particular, das responsabilidades ou contingências emergentes da comercialização de instrumentos de dívida emitidos por quaisquer entidades, como é o caso das Notes.
G. A resolução bancária é uma figura específica do Direito Bancário, à qual não pode ser aplicado o regime de responsabilidade previsto no Código das Sociedades Comerciais cuja aplicação − além de ser incompatível com o perímetro das responsabilidades transmitidas para o banco de transição, que foi expressamente delimitado pelo Banco de Portugal − desvirtuaria por completo os objetivos que nortearam a constituição do Banco B.
H. A Recorrente não refere a insuficiência da matéria de facto nas conclusões do seu recurso − razão pela qual, o recurso deve ser rejeitado nessa parte, como é pacífico na jurisprudência dos tribunais superiores (cfr. artigos 639.º e 640.º do CPC)
I. A matéria de facto selecionada pelo Tribunal a quo é manifestamente suficiente para sustentar a decisão de ilegitimidade substantiva que foi proferida, na medida que essa decisão assenta essencialmente na apreciação de uma questão de Direito, e no plano fatual pode ser sustentada apenas na factualidade atinente à subscrição das Notes e ao teor das deliberações do Banco de Portugal (que foi dada como assente pelo Tribunal a quo nas páginas 7 a 15 da Decisão Recorrida).
J. A tese que a Recorrente vem apresentar em sede de recurso a propósito da alegação dos factos que integram o dano e o nexo causal – que, aliás, assenta num facto controvertido – é completamente diferente daquela que apresentou na petição inicial: ao passo que ali se limitava a peticionar o pagamento da totalidade do montante investido nas Notes, acrescido de juros de mora agora vem dizer que o “facto integrador do dano [é] o exercício do direito de antecipação do reembolso/capital por um preço de 103,975% do montante de capital da Note”. Esta alteração na estratégia é sintomática da ausência de alegação do dano na petição inicial e indicia a bondade da decisão do Tribunal a quo a este respeito.
K. A tese da Recorrente assenta numa errada compreensão daquilo que são os factos que integram o dano e do ónus de alegar os factos constitutivos do seu direito, uma vez que sobre esses não há uma única referência nos artigos da petição inicial para onde remete. Os artigos da petição inicial para onde a Recorrente remete dizem respeito a um pressuposto diferente da obrigação de indemnizar – a ilicitude – e confirmam que não há qualquer referência aos prejuízos efetivamente sofridos pela Recorrente em virtude dos factos alegados, ou à situação em que estaria investida se não tivesse existido a (alegada) conduta ilícita por parte do Banco B.
L. A Recorrente incumpriu o ónus que lhe assistia nos termos do disposto nos artigos 5.º, n.º 1, e 552.º, n.º 1, alínea d) do CPC e, por essa razão, andou bem o Tribunal a quo ao absolver o Banco B do pedido, não sendo devida a intervenção do juiz com vista ao suprimento de deficiências na alegação de facto quando esteja em causa a falta de alegação de factos essenciais que integrem a causa de pedir, mas apenas para suprir insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada.
M. Os factos para onde a Recorrente remete a respeito da alegação de factos demonstrativos da existência de uma situação de alteração das circunstâncias não se referem às circunstâncias em que ambas as partes fundaram a sua decisão de contratar e estão longe de consubstanciar uma alteração de circunstâncias anormal passível de desencadear a aplicação do regime previsto no artigo 437.º do Código Civil. Os referidos factos concretizam, apenas, um risco próprio do negócio, que aliás justifica a remuneração associada às Notes.
N. O pedido de anulação por alteração das circunstâncias teria de ser apresentado contra o emitente das obrigações e não contra o Réu, que nunca recebeu o montante em questão, razão pela qual a presente discussão é, em bom rigor, irrelevante no âmbito do presente recurso.

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente e confirmada a Decisão Recorrida.
*

A Exmª Juíz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, não tendo havido pronúncia sobre a nulidade invocada (cfr. art. 617º/1 do CPC), em virtude da baixa prolongada da MM.ª Juiz que prolatou a decisão.
*

Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
*

2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex. vi dos arts. 663º/2; 635º/4; 639º/1 a 3; 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Consideradas as conclusões formuladas pela apelante, este pretende que:

- se declare nula a decisão recorrida, por omissão de pronúncia;
- se reaprecie a decisão de mérito da acção.
*

3 – OS FACTOS

Com relevância para a decisão da causa, por documentos e acordo das partes encontram-se provados os seguintes factos:

1. O BANCO A exercia a atividade bancária em Portugal, praticando com regularidade atos de intermediação bancária, entre outros, estando autorizado a exercê-la pelo Banco de Portugal.
2. A 3 de agosto de 2014, por reunião extraordinária do conselho de administração do BANCO DE PORTUGAL, foi aplicada ao Banco A uma medida de resolução devido, entre outras razões, ao aumento da exposição a outras entidades do Grupo K, conforme documento 1 junto a fls. 21 a 34 e que aqui se dá aqui por integralmente reproduzido, que determinou a constituição do Banco B e a transferência dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco A para o Banco B conforme tal deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal.
3. Com data de 12.07.2012, existe um PEDIDO DE SUBSCRIÇÃO em nome da ora A., do valor mobiliário com a designação “Telecomunicações A 2016 6,25%”, no montante de 50.000 euros, pedido este que ocorreu na agência do Banco A, sita em Braga, e que agora é do Banco B, conforme documento de fls. 34 v., que aqui se dá por reproduzido.
4. O valor mobiliário com a designação “Telecomunicações A 2016 6,25%” corresponde a obrigações ou Notes, que têm no mercado a denominação de “400,000,000.00 6.25 per cent Notes due 2016”, com o valor nominal de 1.000 euros, cada título, com o ISIN ....
5. Estas obrigações ou Notes tinham como emitente, na data da subscrição, a Telecomunicações A, SGPS, SA, sociedade aberta, NIPC ..., com sede em Av. …, Lisboa.
6. Foram admitidas à negociação em mercado regulamentado a funcionar em Portugal.
7. A ora A. era titular de uma CONTA DE DEPÓSITO À ORDEM sedeada no Banco R., com o n.º ....
8. Os títulos mencionados foram registados ou depositados no DOSSIÊ DE TÍTULOS n.º ..., por sua vez associada à CONTA referida no ponto anterior, junto do Banco réu, conforme documento de fls. 35 que aqui se dá por reproduzido.
9. A guarda referida obriga a A. a despender, com periodicidade trimestral, uma comissão de EUR 12,30 euros a favor do R..
10. Em 2012 a autora tinha 50 anos.
11. A autora foi categorizada pelo R. como investidora não qualificada ou não profissional.
12. A A. deu ordens para a aquisição de EUR 50.000,00 euros dos referidos títulos.
13. A entidade emitente das obrigações supra referidas foi a TELECOMUNICAÇÕES A, SGPS, SA.
14. A Telecomunicações A anunciou ao mercado que a 18 de março de 2014, em reunião da assembleia de titulares das Notes indicadas, obteve o consentimento para substituir o emitente das mesmas, deixando de ser Telecomunicações A ou Telecomunicações A, SGPS, SA, para passar a ser a Telecomunicações A, SGPS, SA
15. A partir de 18 de março de 2014 a entidade emitente passou a ser uma outra sociedade, completamente diferente à que existia em 2012, designada Telecomunicações A, SGPS, SA, subsidiária do Grupo X.
16. A MOODY’S veio informar a 18 de junho 2014 os mercados que o rating para as obrigações Telecomunicações A, SGPS, SA, e TELECOMUNICAÇÕESIF, tinha subido de Y2 para Baa3, porque era expectável que tinha assegurado a cobertura dos seus prazos de dívida de cerca de 1.3 mil milhões de euros nos próximos 18 meses.
17. A 16 de julho de 2014, foi enviado comunicação ao mercado, informando sobre as aplicações financeiras de 847 milhões de euros efetuadas pela Telecomunicações A em dívidas da RF (empresa do grupo português K), sem conhecimento do Grupo X e contabilizados no aumento do capital da brasileira em maio desse ano.
18. A RF não reembolsou Telecomunicações A deste investimento na altura da maturidade, num total de 897 milhões de euros.
19. Como os títulos tinham sido transferidos para a Telecomunicações A (por serem ativos da Telecomunicações A) que, por sua vez, tinham sido entregues para realização das entradas para a subscrição das ações do Grupo X e, ficando o Grupo X sem esses ativos, acordam as intervenientes, ainda no âmbito deste memorando, uma permuta e uma opção de compra: o Grupo X entregaria os títulos de dívida RF à Telecomunicações A e, por sua vez, a Telecomunicações A devolveria 474.348.720 ações ordinárias e 948.697.440 ações preferenciais do Grupo X que tinha subscrito com o aumento de capital em espécie às subsidiárias do Grupo X que tinham a posse desses títulos.
20. A Telecomunicações A viu assim diminuída a sua participação no capital social do Grupo X.
21. A 28 de agosto de 2014 a MOODY’S veio informar os mercados que tinha diminuído o rating do Grupo X, SA, para Ba1, e diminuído a dívida não garantida da TELECOMUNICAÇÕESIF para Y2 e de outras obrigações juniores.
22. A RF é uma sociedade que pertencia ao GRUPO K.
23. A 18 de janeiro de 2015, a Telecomunicações A veio informar os mercados que as Notes “400,000,000.00 6.25 per cent Notes due 2016” iriam permanecer no universo das empresas Grupo X, apesar de estar em marcha o processo de venda daquela sociedade ao Grupo A PORTUGAL, SA., conforme documento nº 21 de fls. 195 v. a 196, que aqui se dá por reproduzido.
24. A CMVM, dirigiu a carta datada de 20 de janeiro de 2015, ao PRESIDENTE DA MESA DA ASSEMBLEIA GERAL da Telecomunicações A, SGPS, SA, do Grupo X, conforme doc. 22 de fls. 196 v. a 198, que aqui se dá por reproduzido, na qual, no seu ponto 3, refere que “poderá desta forma resultar que que uma parte não determinada dos créditos sobre a Telecomunicações A (alguns dos quais beneficiam adicionalmente de garantia prestada pelo Grupo X) seja transformada em créditos sobre o Grupo X, com risco exclusivamente ligado a esta empresa”.
25. Conclui nessa carta que “Neste quadro, caberá ao Conselho de Administração explicitar em que medida a aprovação da proposta que submete à Assembleia Geral permite salvaguardar os interesses e as garantias dos credores da Telecomunicações A, entre os quais se contam os investidores de retalho, investidores profissionais, alguns também acionistas da Telecomunicações A SGPS”.
26. Na sequência do acordo para a venda da Telecomunicações A ao Grupo A, após a realização de uma assembleia de noteholders, que ocorreu a 19 de maio de 2015, a Telecomunicações A veio informar o mercado, a 2 de junho de 2015, que o emitente das referidas obrigações Telecomunicações A, tinha sido substituído pela TELECOMUNICAÇÕESIF, conforme doc. nº 23 de fls. 198 v..
27. O Grupo X veio comunicar, a 2 de junho de 2015, a conclusão da venda da Telecomunicações A, SGPS, S.A. ao Grupo A PORTUGAL, S.A..
28. A emitente, TELECOMUNICAÇÕESIF, anunciou ao mercado, a 03 de junho de 2015, que “qualquer titular de uma Note é elegível para exercer o direito de solicitar o reembolso das suas Notes no trigésimo dia útil após a data da conclusão da venda, que corresponde a 14 de julho de 2015” desde que o titular dê, até às 12h do dia 30 de junho de 2015, instruções nesse sentido à entidade com a guarda dos títulos, conforme documento nº 24 de fls. 199 a 202, que aqui se dá por reproduzido.
29. Ainda se informava que o preço de reembolso era de 103,975% do montante de capital da Note (portanto, acima do par) e que o banco que recebesse essa vontade do noteholder deveria bloquear as notes e informar o BANK INTERNATIONAL LIMITED, SUCURSAL EM PORTUGAL e a emitente dessa decisão de reembolso, conforme o citado doc. n.º 24 que se dá por integralmente reproduzido.
30. A 11 de junho de 2015 a MOODY’S informava que rating do Grupo X para as obrigações que emitia era de Y2, dois níveis abaixo de ‘Lixo’ e ainda que com a venda da Telecomunicações A ao Grupo A S.A. o Grupo X perdia os consideráveis fluxos de caixa que sustentavam a gestão da sua dívida.
31. O ora R., enquanto intermediário financeiro das Notes, sabia que tinha ocorrido uma alteração do emitente, bem como sabia que tinha sido antecipado a maturidade do produto para quem pretendesse exercer esse direito, de 27 de julho de 2016 para 30 de junho de 2015, bem como estava a par da degradação económico-financeira do Grupo X e suas subsidiárias, inclusive, da TELECOMUNICAÇÕESIF.
32. O ora R. também sabia que a A., para usufruir desse direito de antecipação do reembolso do capital, teria de manifestar a sua vontade até às 12h do dia 30 de junho de 2015.
33. A negociação desta emissão de Obrigações foi suspensa pela CMVM, no dia 21 de junho de 2016, nos termos do respetivo comunicado tornado público pelo que, a partir da data referida, deixou de ser possível a negociação daqueles títulos em mercado regulamentado.
34. Em 19 de julho de 2016, a Telecomunicações A INTERNACIONAL FINANCE B.V., informou que com a decisão judicial de deferimento do início do processo da Recuperação Judicial do Grupo X, S.A, perante a Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, anunciado ao mercado no dia 30 de junho e publicado em www.grupox.com.br/ri as Empresas Grupo X (incluindo a emitente) ficariam sujeitas a um regime de proteção face aos credores regulado pela lei brasileira.
35. A Autora tornou-se cliente do Banco A no dia 21 de novembro de 2011, conforme Contrato de Abertura de Conta de Depósitos à Ordem, conforme doc. n.º 6 de fls. 336 a 345, tendo entretanto celebrado o contrato de registo e depósito de instrumentos financeiros, em 27 de junho de 2012, conforme doc. n.º 7 de fls. 349 a 354, que aqui se dá por reproduzido.
36. O âmbito da transferência de ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais para o Banco B, foi definido pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal, através da referida deliberação de 3 de agosto, e de 11 de agosto de 2014 (17.00 horas), esta conforme ata junta como doc. 1 de fls. 270 v. a 277, que aqui se dá por reproduzida.
37. No dia 29 de dezembro de 2015, em sessão ordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, foi adotada a deliberação (deliberação contingências) relativa ao ponto da agenda “Clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingências definidas como passivos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 à Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20 horas), na redação que lhe foi dada pela Deliberação do Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014 (17 horas)”, conforme documento 2 de fls. 277 v. a 287, que aqui se dá por reproduzido.
38. Sob o ponto 20 dessa deliberação decidiu O Conselho de Administração do Banco de Portugal, ao abrigo da competência conferida pelo RGICSF para selecionar os ativos e passivos a transferir para o banco de transição, delibera o seguinte:

A) Clarificar que, nos termos da alínea (b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto, não foram transferidos do Banco A para o Banco B quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do Banco A que, às 20:00 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do Banco A;
B) Em particular, desde já se clarifica não terem sido transferidos do Banco A para o Banco B os seguintes passivos do Banco A:
(i) Todos os créditos relativos a ações preferenciais emitidas por sociedades-veículo estabelecidas pelo Banco A e vendidas pelo Banco A;
(ii) Todos os créditos, indemnizações e despesas relacionados com ativos imobiliários que foram transferidos para o Banco B;
(iii) Todas as indemnizações relacionadas com o incumprimento de contratos (compra e venda de ativos imobiliários e outros), assinados e celebrados antes das 20h00 do dia 3 de agosto de 2014;
(iv) Todas as indemnizações relacionadas com contratos de seguro de vida, em que a seguradora era o Banco A – Companhia de Seguros de Vida, S.A.;
(v) Todos os créditos e indemnizações relacionados com a alegada anulação de determinadas cláusulas de contratos de mútuo, em que o Banco A era o mutuante;
(vi) Todas as indemnizações e créditos resultantes de anulação de operações realizadas pelo Banco A enquanto prestador de serviços financeiros e de investimento; e
(vii) Qualquer responsabilidade que seja objeto de qualquer dos processos descritos no Anexo I.
39. No dia 29 de dezembro de 2015, em sessão ordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, foi adotada a deliberação (deliberação perímetro) relativa ao ponto da agenda “Transferências, retransmissões e alterações e clarificações ao Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto de 2014 (20.00h)”, conforme documento nº 3, junto a fls. 287 v. a 300.
39.1. Em Anexo e sob o título Texto consolidado do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto de 2014 (20.00 horas) com as clarificações e ajustamentos introduzidos pela deliberação de 11 de agosto de 2014 e pela presente deliberação, relativo a Ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco A, SA, objeto de transferência para o Banco B, SA, são os seguintes os “Passivos Excluídos”:
(i) Passivos para com (a) os respetivos acionistas, cuja participação seja igual ou superior a 2% do capital social ou por pessoas ou entidades que nos dois anos anteriores à transferência tenham tido participação igual ou superior a 2% do capital social do Banco A, membros dos órgãos de administração ou de fiscalização, revisores oficiais de contas ou sociedades de revisores oficiais de contas ou pessoas com estatuto semelhante noutras empresas que se encontrem em relação de domínio ou de grupo com a instituição, (b) as pessoas ou entidades que tenham sido acionistas, exercido as funções ou prestado os serviços referidos na alínea anterior nos quatro anos anteriores à criação do Banco B, SA, e cuja ação ou omissão tenha estado na origem das dificuldades financeiras da instituição de crédito ou tenha contribuído para o agravamento de tal situação; (c) os cônjuges, parentes ou afins em 1.º grau ou terceiros que atuem por conta das pessoas ou entidades referidos nas alíneas anteriores (d) os responsáveis por factos relacionados com a instituição de crédito, ou que deles tenham tirado benefício, diretamente ou por interposta pessoa, e que estejam na origem das dificuldades financeiras ou tenham contribuído, por ação ou omissão no âmbito das suas responsabilidades, para o agravamento de tal situação, no entender do Banco de Portugal;
(ii) Obrigações contraídas perante entidades que integram o Grupo K e que constituam créditos subordinados nos termos dos artigos 48.º e 49.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com exceção das entidades integradas no Grupo Banco A cujas responsabilidades perante o Banco A foram transferidas para o Banco B, sem prejuízo, quanto a estas entidades, da exclusão prevista na subalínea (v);
(iii) Obrigações contraídas ou garantias prestadas perante terceiros relativamente a qualquer tipo de responsabilidades de entidades que integram o Grupo K, com exceção das entidades integradas no Grupo Banco A cujas participações sociais tenham sido transferidas para o Banco B, SA;
(iv) Todas as responsabilidades resultantes da emissão de instrumentos que sejam, ou em algum momento tenham sido, elegíveis para o cômputo dos fundos próprios do Banco A e cujas condições tenham sido aprovadas pelo Banco de Portugal;
(v) Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, fiscais, penais ou contraordenacionais, com exceção das contingências fiscais ativas;
(vi) Quaisquer responsabilidades ou contingências do Banco A relativas a ações, instrumentos ou contratos de que resultem créditos subordinados perante o Banco A, S.A.;
(vii) Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira, processo de contratação e distribuição de instrumentos financeiros emitidos por quaisquer entidades, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados, cuja posição devedora não seja excluída por alguma das subalíneas anteriores, designadamente as subalíneas (iii) e (v), que (a) fossem exigíveis à data da medida de resolução em virtude de o respetivo prazo já se ter vencido ou, sendo os créditos condicionais, em virtude de a condição (desde que apenas desta dependesse o respetivo vencimento) já se ter verificado, e cumulativamente (b) resultassem de estipulações contratuais (negócios jurídicos bilaterais) anteriores a 30 de junho de 2014, que tenham cumprido as regras para a expressão da vontade e vinculação contratual do Banco A e cuja existência se possa comprovar documentalmente nos arquivos do Banco A, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.
(viii) Com efeitos a partir de 29 de dezembro de 2015, todos os direitos e responsabilidades do Banco B, decorrentes dos instrumentos de dívida não subordinada enumerados no Anexo 2B (excluindo os detidos pelo Banco B), juntamente com todos os passivos, contingências e elementos extrapatrimoniais, na medida em que estejam relacionados com os referidos instrumentos de dívida (incluindo (i) a emissão, comercialização e venda dos mesmos, e (ii) decorrentes de documentos contratuais ou outros instrumentos, celebrados ou emitidos pelo banco, e com conexão com esses instrumentos, incluindo documentos de programa ou subscrição, ou quaisquer outros atos do banco praticados em relação a esses instrumentos, em data anterior, simultânea ou posterior à data das respetivas emissões);
(ix) A Responsabilidade Oak Finance.

40. Sob as alíneas A) e B) do seu Anexo 2C, O Conselho de Administração do Banco de Portugal, ao abrigo da competência conferida pelo RGICSF para selecionar os ativos e passivos a transferir para o banco de transição, deliberou o seguinte:

A) Clarificar que, nos termos da alínea (b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto, não foram transferidos do Banco A para o Banco B quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do Banco A que, às 20:00 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do Banco A;
B) Em particular, desde já se clarifica não terem sido transferidos do Banco A para o Banco B os seguintes passivos do Banco A:

(i) Todos os créditos relativos a ações preferenciais emitidas por sociedades-veículo estabelecidas pelo Banco A e vendidas pelo Banco A;
(ii) Todos os créditos, indemnizações e despesas relacionados com ativos imobiliários que foram transferidos para o Banco B;
(iii) Todas as indemnizações relacionadas com o incumprimento de contratos (compra e venda de ativos imobiliários e outros), assinados e celebrados antes das 20h00 do dia 3 de agosto de 2014;
(iv) Todas as indemnizações relacionadas com contratos de seguro de vida, em que a seguradora era o Banco A – Companhia de Seguros de Vida, S.A.;
(v) Todos os créditos e indemnizações relacionados com a alegada anulação de determinadas cláusulas de contratos de mútuo, em que o Banco A era o mutuante;
(vi) Todas as indemnizações e créditos resultantes de anulação de operações realizadas pelo Banco A enquanto prestador de serviços financeiros e de investimento; e
(vii) Qualquer responsabilidade que seja objeto de qualquer dos processos descritos no Anexo I.
41. Por deliberação do dia 13.07.2016, o Banco Central Europeu revogou a autorização para o exercício da atividade de instituição de crédito do Banco A, S.A. (“Banco A”), decisão essa da qual não foi interposto recurso para o Tribunal Geral da União Europeia, conforme documento de fls. 1053 a 1055 que aqui se dá por reproduzido.
*
4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Não estando em causa na apelação recurso da matéria de facto, passemos de imediato à apreciação das questões a decidir, seguindo a ordem elencada supra (cfr. ainda art. 608º/1 do CPC):

I) Da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia – art. 615º/1, d) do Código de Processo Civil

Assim o prescreve o art. 615°/1, d) do CPC, segundo o qual é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Um vício que tem a ver com os limites da actividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos quer no art. 608º/2 do CPC: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras», quer, com referência à instância recursiva, pelas conclusões da alegação do recorrente, delimitativas do objecto do recurso, conforme resulta dos artigos 635º/4 e 639º/1 e 2, do mesmo diploma legal.

Se o juiz deixa de conhecer questão submetida pelas partes à sua apreciação e que não se mostra prejudicada pela solução dada a outras, peca por omissão; ao invés, se conhece de questão que nenhuma das partes submeteu à sua apreciação nem constitui questão que deva conhecer ex officio, o vício reconduz-se ao excesso de pronúncia.
Vício relativamente ao qual importa definir o exato alcance do termo «questões» por constituir, in se, o punctum saliens da nulidade.

Como é comummente reconhecido, vale a este propósito, ainda hoje, o ensinamento de ALBERTO DOS REIS, na distinção a que procedia: «[….] uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção.»
«São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.» (4)

O mesmo é dizer, conforme já decidido no Supremo Tribunal de Justiça (5), «O tribunal deve resolver todas e apenas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, mas não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação das regras de direito, pelo que os argumentos, motivos ou razões jurídicas não o vinculam», ou dizer ainda, «O juiz não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente».

Diz, a este mesmo propósito, LEBRE DE FREITAS: «’Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação’ não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido.

Por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida.
Por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5-2) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas.» (6)

Numa aparente maior exigência, referia ANSELMO DE CASTRO: «A palavra questões deve ser tomada aqui em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem. Esta causa de nulidade completa e integra, assim, de certo modo, a da anulabilidade por falta de fundamentação. Não basta à regularidade da sentença a fundamentação própria que contiver; importa que trate e aprecie a fundamentação jurídica dada pelas partes. Quer-se que o contraditório propiciado às partes sob os aspectos jurídicos da causa não deixe de encontrar a devida expressão e resposta na decisão.»
Mas logo o mestre de Coimbra ressalvava: «Seria erro, porém, inferir-se que a sentença haja de examinar toda a matéria controvertida, se o exame de uma só parte impuser necessariamente a decisão da causa, favorável ou desfavorável. Neste sentido haverá que compreender-se a fórmula da lei “exceptuadas aquelas questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”». (7)

Entende a recorrente que a decisão em causa no recurso é nula, pois a Juiz a quo não pode referir quem será o sujeito da obrigação de indemnizar, ou então reportar-se a transmissibilidade de determinada obrigação de indemnizar sem primeiramente conhecer do pedido formulado de responsabilidade civil.

Contrapondo a recorrida com o princípio de economia processual, já que a solução proposta pela Recorrente implicaria a realização de audiência de julgamento e produção de prova que seriam, pura e simplesmente, inúteis porquanto ainda que se determinasse, a final, a existência de uma obrigação de indemnizar do Banco A nunca poderia haver uma condenação, na medida em que só o Banco B é parte no processo e tais responsabilidades permaneceram na esfera de responsabilidades do Banco A.

Quid iuris?

Afigura-se-nos não assistir qualquer razão à recorrente.

Com efeito, não estando em causa a identificação das questões a resolver que consta da sentença (8), mas apenas a ordem do seu conhecimento, temos que, como resulta do já referido art. 608º do CPC, cuja epígrafe é “Questões a resolver – Ordem de julgamento”, e bem refere a recorrida, Não existe qualquer obrigação de o Tribunal a quo conhecer primeiro do direito alegado pela Recorrente e, só depois, da exceção perentória invocada pelo Banco B, já que, não estando em causa qualquer questão processual, o juiz resolveu todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (cfr. nº 2 do mencionado art. 608º).
Assim, não existindo qualquer obrigação legal do Tribunal conhecer primeiro do pedido formulado de responsabilidade civil, porque a questão ficou prejudicada pela solução dada a outras, nada mais se lhe impunha resolver ou pronunciar.

Em face do acima exposto, entendemos que a decisão recorrida não padece da nulidade que lhe é apontada.

II) Reapreciação da decisão de mérito da acção

Questiona aqui a recorrente a interpretação feita pelo Tribunal a quo da deliberação do Banco de Portugal, que concluiu encontra-se abrangido no “passivo excluído”, o valor peticionado nos autos a título de indemnização, com fundamento na violação do direito à informação ou no erro por atos ou omissões do Banco A. Isto é, atendendo ao conteúdo das mencionadas deliberações do Banco de Portugal, que excluem do âmbito dos passivos transferidos para o réu Banco B os direitos invocados na presente ação, na parte em que estes se encontram fundados em ações ou omissões ilícitas do Banco A, conclui-se que a pretensão da autora terá necessariamente que improceder nessa parte.
Igualmente questiona a recorrente não ter alegado factos concretos integradores do dano nem do nexo causal, o que conduziu à improcedência da sua pretensão com tal fundamento. Isto porque pretendia que sempre poderia ser imputada a responsabilidade ao Banco B pelas práticas omissivas ocorridas em 2015 alegadas na petição, nomeadamente por violação do dever de informação quanto à alteração da entidade emitente das referidas obrigações, informada pela Telecomunicações A em maio de 2015, quanto à venda da Telecomunicações A SGPS ao Grupo A, quanto à degradação da situação financeira da emitente e ao exercício do direito ao reembolso antecipado.

Finalmente, questiona o entendimento da decisão recorrida que conclui que não se mostram verificados os pressupostos do invocado art. 437º. Isto porque a A. também invocava a alteração das circunstâncias ao abrigo do disposto no art. 437º do Código Civil, peticionando subsidiariamente a resolução do negócio celebrado. Não se pronunciando quanto ao entendimento que Ainda que assim se não entendesse, afigura-se que a resolução do negócio, a ser procedente, apenas determinaria a restituição dos títulos, não do valor neles titulado peticionado, porquanto a prestação do réu se reconduz no contrato em causa, à sua guarda e depósito.
Quid iuris?

Vejamos os três aspectos separadamente.

Começamos, desde já, por dizer, antecipando a decisão, que a solução do tribunal a quo merece o nosso integral acolhimento. Assim, integrando-se e dando-se aqui por reproduzido tudo o que ali se disse, entende-se ser apenas de dizer mais o seguinte:
I - Censura a apelante, a interpretação da medida de resolução e deliberações do Banco de Portugal que exclui o valor peticionado nos autos a título de indemnização, com fundamento na violação do direito à informação ou no erro por atos ou omissões do Banco A.

Ora, é pacífico que a recorrente não celebrou um contrato de depósito bancário, tendo antes celebrado um contrato de investimento directo, através do preenchimento de uma ordem de compra de valores mobiliários (9).

Classificado o negócio celebrado pela A. com o Banco A, verifica-se, como bem exposto na sentença recorrida, o que aqui se dá por integrado a fim de evitar repetições, que, com a medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal ao mesmo, em que ocorre a transferência parcial da actividade do Banco A para o Banco B, o qual sucedeu ex lege nas relações jurídicas transmitidas, exclui dessa transferência o produto financeiro adquirido pela A. Logo, não foi o mesmo transmitido para o Banco B. Pelo que os direitos titulados pela autora com referência ao contrato de intermediação financeira celebrado com o Banco A perduram na esfera jurídica da instituição de crédito objecto de resolução. Revelando-se, pois, assertiva, a absolvição do R. Banco B.

Acresce que a alegada responsabilidade do R., que na perspectiva da recorrente sempre se teria por transferida por forçado regime de responsabilidade da sociedade cindida previsto no CSC, não tem aqui aplicabilidade, já que a resolução bancária é uma figura específica do Direito Bancário, regulada por lei especial, que em nada se confunde com a cisão prevista no CSC e que não reúne sequer a totalidade dos elementos característicos daquela operação societária, como aliás a própria Recorrente refere (10).

E não se diga que esta solução conduz a um vazio de responsabilização, pois as pessoas que viram os seus créditos ou alegados créditos ficar na esfera jurídica do Banco A continuaram na mesma posição que teriam se não tivesse ocorrido a resolução do Banco A, destinada precisamente a evitar uma sua liquidação desordenada, gozando, além do mais, da garantia, prevista no art. 145º-B/3 do RGICSF, de que nunca poderão assumir, no processo de liquidação, um prejuízo superior àquele que assumiriam se o banco resolvido tivesse entrado em liquidação no momento imediatamente anterior à medida de Resolução.

II - Quanto à imputada responsabilidade ao Banco B pelas práticas omissivas ocorridas em 2015 alegadas na petição, nomeadamente por violação do dever de informação quanto à alteração da entidade emitente das referidas obrigações, informada pela Telecomunicações A em maio de 2015, quanto à venda da Telecomunicações A SGPS ao Grupo A, quanto à degradação da situação financeira da emitente e ao exercício do direito ao reembolso antecipado, também a recorrente questiona não ter alegado factos concretos integradores do dano nem do nexo causal, o que conduziu à improcedência da sua pretensão com tal fundamento.

Todavia, como bem refere a recorrida, a tese da Recorrente assenta numa errada compreensão daquilo que são os factos que integram o dano e do ónus de alegar os factos constitutivos do seu direito, uma vez que sobre esses não há uma única referência nos artigos da petição inicial para onde remete. Os artigos da petição inicial para onde a Recorrente remete dizem respeito a um pressuposto diferente da obrigação de indemnizar – a ilicitude – e confirmam que não há qualquer referência aos prejuízos efetivamente sofridos pela Recorrente em virtude dos factos alegados, ou à situação em que estaria investida se não tivesse existido a (alegada) conduta ilícita por parte do Banco B.

Assim, tendo a recorrente incumprido o ónus que lhe assistia nos termos do disposto nos arts. 5º/1 e 552º/1, d) do CPC, bem andou o Tribunal a quo ao absolver o R. Banco B do pedido, não sendo devida a intervenção do juiz com vista ao suprimento de deficiências na alegação de facto quando esteja em causa a falta de alegação de factos essenciais que integrem a causa de pedir, mas apenas para suprir insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada (11).

III – Finalmente, quanto ao aspecto que a recorrente também questiona do entendimento da decisão recorrida que conclui que não se mostram verificados os pressupostos do invocado art. 437º, temos que os factos para onde a Recorrente remete a respeito da alegação de factos demonstrativos da existência de uma situação de alteração das circunstâncias não se referem às circunstâncias em que ambas as partes fundaram a sua decisão de contratar e estão longe de consubstanciar uma alteração de circunstâncias anormal passível de desencadear a aplicação do regime previsto no artigo 437.º do CC. Os referidos factos concretizam, apenas, um risco próprio do negócio, que aliás justifica a remuneração associada às Notes. Não se ignora que só por si, as crises financeiras não podem ser consideradas circunstâncias anormais, que escapam à regra, totalmente imprevisíveis, mas antes situações cíclicas e repetidas no tempo (12). Ao falar na alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, a norma do artigo 437º do CC quer, manifestamente, aludir às modificações contra as quais, pelo seu carácter imprevisto, as partes não possam e não devam acautelar-se, já que este instituto situa-se no ponto de encontro entre a segurança na estabilidade das relações contratuais com o princípio da boa-fé que domina o direito das obrigações.

Acresce que, como bem se refere na sentença recorrida, Ainda que assim se não entendesse, afigura-se que a resolução do negócio, a ser procedente, apenas determinaria a restituição dos títulos, não do valor neles titulado peticionado, porquanto a prestação do réu se reconduz no contrato em causa, à sua guarda e depósito. Logo, o pedido de anulação por alteração das circunstâncias teria de ser apresentado contra o emitente das obrigações e não contra o Réu, que nunca recebeu o montante em questão, razão pela qual a presente discussão não tem qualquer conveniência.

Improcede, assim, a apelação.
*

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

I – A recorrente celebrou com o Banco A um contrato de investimento directo, através do preenchimento de uma ordem de compra de valores mobiliários.
II – Com a medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal ao Banco A, em que ocorre a transferência parcial da actividade deste para o Banco B, o qual sucedeu ex lege nas relações jurídicas transmitidas, excluiu dessa transferência o produto financeiro adquirido pela A.
III – O Banco B não titula qualquer vinculação originária ou superveniente com a relação contratual exarada entre a A. e o Banco A.
IV – O regime de responsabilidade da sociedade cindida previsto no CSC, não tem aqui aplicabilidade, já que a resolução bancária é uma figura específica do Direito Bancário, regulada por lei especial, que em nada se confunde com a cisão prevista no CSC e que não reúne sequer a totalidade dos elementos característicos daquela operação societária.
V – Não tendo a A. cumprido o ónus que lhe assistia nos termos do disposto nos arts. 5º/1 e 552º/1, d) do CPC, não é devida a intervenção do juiz com vista ao suprimento de deficiências na alegação de facto quando esteja em causa a falta de alegação de factos essenciais que integrem a causa de pedir, mas apenas para suprir insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada.
VI – Ao falar na alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, a norma do artigo 437º do CC quer, manifestamente, aludir às modificações contra as quais, pelo seu carácter imprevisto, as partes não possam e não devam acautelar-se, já que este instituto situa-se no ponto de encontro entre a segurança na estabilidade das relações contratuais com o princípio da boa-fé que domina o direito das obrigações.
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.
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Guimarães, 08-11-2018

(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Maria Cristina Cerdeira)


1. Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Braga – JC Cível – Juiz 2
2. GUEDES, Agostinho Cardoso, “A Responsabilidade do Banco por informações à luz do art. 485 do Código Civil”, Revista de Direito e Economia, Ano XIV, 1988, pp. 138/139.
3. CORDEIRO, António de Menezes, Manual de Direito Bancário, Almedina, Coimbra, 3ª edição, 2008, pp. 358/359.
4. CPC Anotado, 5º, 143.
5. Ac. STJ de 30.04.2014, Proc. Nº 319/10.2TTGDM, in www,dgsi.pt.
6. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 320.
7. DIREITO PROCESSUAL CIVIL DECLARATÓRIO, VOL. III, Almedina. Coimbra, 1982 – Págs. 142,143.
8. E que, transcrevendo-se, se reconduzem “essencialmente ao seguinte: - se a obrigação que corresponde do lado passivo ao direito à indemnização peticionado nos autos, fundado em factos anteriores à medida de resolução pelo Banco de Portugal, se transmitiu ao réu Banco B; - se se verificam os pressupostos da obrigação de indemnizar no que respeita aos factos alegadamente praticados ou omitidos pelo réu após a medida de resolução pelo Banco de Portugal; - em caso afirmativo, se se verifica a prescrição invocada pelo réu.
9. Como apurado e supra elencado nos factos provados em 3., Com data de 12.07.2012, existe um PEDIDO DE SUBSCRIÇÃO em nome da ora A., do valor mobiliário com a designação “Telecomunicações A 2016 6,25%”.
10. Neste sentido, vd. os Acs. da RL de 7-03-2017 e de 11-05-2017, proferidos respectivamente nos Procs. nºs 6961/16.0T8LSB.L1 e 31411/15.6T8LSB.L1, ambos acessíveis in www.dgsi.pt.
11. Neste sentido, vd. os Acs. do STA e STJ de 17-06-1999 e de 12-11-2009, proferidos respectivamente nos Procs. nºs 044687 e 1521/05.4TBCBR.C1.S1, ambos acessíveis in www.dgsi.pt.
12. Neste vd. o Ac. da RC de 5-11-2013, proferido no Proc. nº 1167/10.5TBACB-E.C1, acessível in www.dgsi.pt.