Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5712/19.2T8VNF-D.G1
Relator: FERNANDA PROENÇA
Descritores: INCIDENTE DE QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA
PAGAMENTO DA TAXA DE JUSTIÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/09/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Se o incidente de qualificação da insolvência for procedente, mas tiver sido impulsionado por um particular que não beneficie de apoio judiciário, não esteja dispensado de proceder ao pagamento prévio da taxa de justiça, nem beneficie de qualquer isenção objectiva ou subjectiva de custas, aquele tem que pagar taxa de justiça e pode posteriormente reivindicar à parte vencida o seu pagamento em sede de custas de parte (arts. 25º, nº 1, e 26º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais);
II - Se o mesmo incidente for improcedente e tiver sido impulsionado por um particular que não beneficie de apoio judiciário, não esteja dispensado de proceder ao pagamento prévio da taxa de justiça, nem beneficie de qualquer isenção objectiva ou subjectiva de custas, aquele tem que pagar taxa de justiça e as custas finais ficam a seu cargo, por ser susceptível de ser responsabilizado a final pelo pagamento de custas (artº 527º, nº 1, do Código de Processo Civil).
III - Se assim não for, permite-se que alguém impulsione uma lide sem pagar qualquer taxa de justiça ou sem ser condenado em custas a final, obrigando ao funcionamento desnecessário da máquina judiciária, sendo oportunamente proferida sentença de qualificação da insolvência como fortuita, com custas pela massa insolvente e em detrimento dos credores (na parte em que deixarão de receber a quantia que aquela massa terá que afectar ao pagamento das custas em que vier a ser condenada).
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório.

No apenso de qualificação de insolvência, do processo de insolvência com o nº 5712/19.2T8VNF-D.G1, pendente no Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão, J2, Comarca de Braga, foi proferido o seguinte despacho:
“O Ministério Público levanta na promoção a questão do pagamento da taxa de justiça pelo credor que juntou requerimento de alegações a pronunciar-se sobre a qualificação, nos termos do artigo 188º, nº1 do CIRE.
A este respeito já se pronunciou o Acórdão do TRG de 27-7-2017 (proferido no processo nº 3057/13.0TJVNF do j3 deste Juízo de Comércio) pugnando por uma leitura contextualizada da regra geral que rege a condenação em custas decorrente do artigo 527º CPC conjugada com o regime do incidente de qualificação de insolvência previsto no artigo 188º e ss do CIRE.
De facto, o regime do incidente de qualificação de insolvência apenas considera peças processuais centrais do incidente referido os pareceres que o administrador de insolvência e o Ministério Público estão obrigados a apresentar nos autos, conforme se depreende do teor do artigo 188º, nº5 CIRE.
Ora, abrangendo as custas a taxa de justiça- artigos 529º, nº1 CPC e 3º, nº1 RCP- e pressupondo o pagamento da taxa de justiça a possibilidade de o obrigado ao pagamento ser responsabilizável pelas custas, não é devida taxa de justiça pelo impulso processual desencadeado por quem, dentro da tramitação prevista no artigo 188º e ss do CIRE, não é ulteriormente responsabilizável pelas custas, em função da incidência de uma regra de custas que atribui essa responsabilidade à massa insolvente, no caso de improceder o incidente de qualificação de insolvência, sendo certo que no caso de procedência total ou parcial, os responsáveis pelas custas são os afetados pela qualificação da insolvência, nos termos dos artigos 303º e 304º do CIRE.
Assim, entendemos que a alegação por escrito a que se reporta o artigo 188º, nº1 CIRE não gera para o interessado a obrigação de pagar taxa de justiça pelo correspondente impulso processual. No mesmo sentido decisão sumária singular do TRC de 6-12-2016 proferida no processo nº 1540/14.0T8ACB-B.
Pelo que entendemos não ser de notificar o alegante para pagar taxa de justiça por não ser devida.
Notifique.”
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Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o Digno Sr. Procurador da República, o qual, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões:
“III - Conclusões:

1. Não obstante busca exaustiva, não se encontrou jurisprudência/doutrina que aborde a temática em questão;
2. Por outro lado, a decisão sindicada escora-se numa decisão sumária do Tribunal da Relação de Guimarães que, por sua vez, também procura quentura numa outra decisão de idêntico valor proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra;
3. Tais decisões ancoram o seu entendimento no facto segundo o qual o requerente (credor particular) do incidente de qualificação não paga taxa de justiça por não poder ser responsável pelo pagamento de custas a final, nos seguintes pressupostos:
3.1. se o incidente for procedente as custas finais ficam a cargo do (a) afectado (a) pela qualificação, porque vencido (a) nos termos gerais (artº 527º, nº 1, do Código de Processo Civil);
3.2. se o incidente não for procedente as custas finais ficam a cargo da massa insolvente (arts. 303º e 304º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas);
14 Nos termos do artº 188º, nº 5, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, insusceptível de recurso.
4. Tal entendimento viola frontalmente as regras gerais do pagamento de taxa de justiça (inexistindo qualquer norma especial que o contrarie) de acordo com as quais isso é obrigatório desde que o credor (que impulsiona o apenso) não beneficie de apoio judiciário [1], não esteja dispensado de proceder ao pagamento prévio da taxa de justiça [2] nem beneficie de qualquer isenção objectiva ou subjectiva de custas [3];
5. É pacífico, então, que quanto ao pagamento de taxa de justiça/custas nos incidentes de qualificação da insolvência podemos (e devemos) arribar às seguintes conclusões:
5.1. se o incidente for procedente as custas finais ficam a cargo do (a) afectado (a), porque vencido (a) nos termos e último responsável pela lide (artº 527º, nº 1, do Código de Processo Civil);
5.2. se o incidente for procedente mas tiver sido impulsionado por um particular que não beneficie de apoio judiciário [1], não esteja dispensado de proceder ao pagamento prévio da taxa de justiça [2] nem beneficie de qualquer isenção objectiva ou subjectiva de custas [3], aquele tem que pagar taxa de justiça e pode posteriormente reivindicar à parte vencida o seu pagamento em sede de custas de parte (arts. 25º, nº 1, e 26º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais);
5.3. se o incidente for improcedente e não tiver sido impulsionado por um particular [antes pelo (a) Excelentíssimo (a) Senhor (a) administrador (a) da insolvência/Ministério Público, que não pagam taxa de justiça pela sua intervenção processual] as custas finais ficam a cargo da massa insolvente (arts. 303º e 304º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas);
5.4. se o incidente for improcedente e tiver sido impulsionado por um particular que não beneficie de apoio judiciário [1], não esteja dispensado de proceder ao pagamento prévio da taxa de justiça [2] nem beneficie de qualquer isenção objectiva ou subjectiva de custas [3], aquele tem que pagar taxa de justiça e as custas finais ficam a seu cargo, por ser evidentemente susceptível de ser responsabilizado a final pelo pagamento de custas (artº 527º, nº 1, do Código de Processo Civil);
6. Se assim não for estamos a permitir que alguém impulsione uma lide indevidamente [como sucede, pois que quer o (a) administrador (a) da insolvência quer o Ministério Público consideraram a insolvência fortuita] sem pagar qualquer taxa de justiça ou ser condenado em custas a final e obrigando ao funcionamento desnecessário da máquina judiciária, sendo oportunamente proferida sentença de qualificação da insolvência como fortuita, com custas pela massa insolvente e em detrimento dos credores (na parte em que deixarão de receber a quantia que aquela massa terá que afectar ao pagamento das custas em que vier a ser condenada);
7. Foram violados os arts. 303º e 304º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, por equívoca interpretação, 1º, nº 1, 3º, nº 1, 6º, nº 1, 7º, nº 4, 13º, nº 1, al. a), do Regulamento das Custas Processuais, 145º, nº 1, nº 3 e nº 4, 527º, nº 1, 552º, nº 3 e nº 4, 558º, al. f), e 560º do Código de Processo Civil, por não aplicação.

Termos em que se conclui como supra, proferindo-se douto acórdão que revogue o douto despacho averiguado (1) e ordene a notificação do credor L. J. para proceder em 10 (dez) dias ao pagamento da taxa de justiça em falta devida pela apresentação do requerimento/petição inicial (2), nos termos das disposições conjugadas dos arts. 552º, nº 3, 558º, al. f), e 560º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artº 17º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, assim se fazendo inteira Justiça!”.
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Não resulta dos autos que tenham sido produzidas contra-alegações.
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O recurso foi admitido por despacho de 15/06/2020, como de apelação, a subir imediatamente, em separado, e com efeito meramente devolutivo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a única questão que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber se o credor reclamante que requereu a abertura do incidente de qualificação da insolvência está sujeito ao pagamento de taxa de justiça.
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III. Fundamentação de facto.

Os factos provados são os que resultam já do relatório do presente acórdão.

Mais há a considerar o seguinte:

- Ao abrigo do disposto no artº 188º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o credor L. J. apresentou o seu parecer de qualificação da insolvência e concluiu que a mesma deveria ser considerada culposa, requerendo a abertura do incidente de qualificação da insolvência.
- Nos termos do artº 188º, nº 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o (a) Excelentíssimo (a) Senhor (a) administrador (a) da insolvência apresentou o seu parecer de qualificação da insolvência e concluiu que a mesma deveria ser considerada fortuita.
- Em vista, e antes de emitir o seu parecer, o Ministério Público suscitou a questão de aquele credor ser obrigado a pagar taxa de justiça.
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IV. Fundamentação de direito.

Delimitada que está, sob o n.º II, a questão essencial a decidir, é o momento de a apreciar.
Vejamos então se o credor reclamante que requer a abertura do incidente de qualificação da insolvência, está sujeito ou não ao pagamento de taxa de justiça.
Os processos de insolvência estão sujeitos a custas e ao pagamento da correspondente taxa de justiça, o que decorre dos arts. 301º a 304º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, 529º, nº 1, do Código de Processo Civil, e 3º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais.
De facto, como afirma o Digno Sr. Procurador nas suas alegações de recurso, o processo não é tendencialmente gratuito para os respectivos intervenientes, pois que a actividade jurisdicional não é exercida gratuitamente, impendendo sobre os litigantes o ónus de pagar determinadas «taxas» para que possam pôr em marcha a máquina da justiça.
A decisão recorrida, ancorando-se numa decisão sumária deste Tribunal da Relação de Guimarães, que por sua vez se havia ancorado numa outra decisão sumária do Tribunal da Relação de Coimbra, entendeu que, se o incidente de qualificação da insolvência for procedente é condenado ao pagamento de custas o (a) afectado (a) pela qualificação; se o incidente de qualificação não for procedente é responsabilizada pelo pagamento das custas a massa insolvente; e por isso não é devida taxa de justiça por um credor particular que requeira o incidente de qualificação da insolvência porque não poderá ser condenado em custas a final.
Salvo o devido respeito por opinião em contrário, não podemos concordar com tal entendimento.
Com efeito, como bem afirma o apelante, o actual regime processual do incidente de qualificação da insolvência foi alterado pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, pelo que, ao contrário do que sucedia, o processado tendente à qualificação da insolvência, passou a ter carácter não obrigatório.
Como resulta da própria exposição de motivos da proposta de Lei nº 39/XII (que veio dar origem à citada Lei), “outra das novidades consiste na transformação do actual incidente de qualificação da insolvência de carácter obrigatório num incidente cuja tramitação só terá de ser iniciada nas situações em que haja indícios carreados para o processos de que a insolvência foi criada de forma culposa pelo devedor ou pelos seus administradores de direito ou de facto, quando se trate de pessoa colectiva (artigos 36.º, 39.º, 188.º, 232.º e 233.º)”.
E dessa forma, o artº 36º, nº 1, al i), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, passou a dispor que, “na sentença que declarar a insolvência, o juiz (...) caso disponha de elementos que justifiquem a abertura do incidente de qualificação da insolvência, declara aberto o incidente de qualificação, com caráter pleno ou limitado, sem prejuízo do disposto no artigo 187.º”, sendo que, por seu turno, o artº 188º, nº 1, do mesmo diploma legal preceitua que “até 15 dias após a realização da assembleia de apreciação do relatório, o administrador da insolvência ou qualquer interessado pode alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação, cabendo ao juiz conhecer dos factos alegados e, se o considerar oportuno, declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência, nos 10 dias subsequentes”.
Assim, aquilo que era anteriormente um processado obrigatório, passou a ser facultativo, constituindo um incidente.

Ora, dispõe o Regulamento das Custas Processuais que:

- “todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados pelo presente Regulamento” (artº 1º, nº 1);
- “as custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte” (artº 3º, nº 1);
- “a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento (…)” (artº 6º, nº 1);
- “a taxa de justiça devida pelos incidentes … é determinada de acordo com a tabela ii, que faz parte integrante do presente Regulamento” (artº 7º, nº 4);
- “a taxa de justiça é paga nos termos fixados no Código de Processo Civil…” (artº 13º, nº 1);
- “o pagamento da primeira ou única prestação da taxa de justiça faz-se até ao momento da prática do acto processual a ela sujeito, devendo:
a) nas entregas eletrónicas, ser comprovado por verificação eletrónica, nos termos da portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º do Código de Processo Civil;
b) nas entregas em suporte de papel, o interessado proceder à entrega do documento comprovativo do pagamento” (artº 14º, nº 1);
- “ficam dispensados do pagamento prévio da taxa de justiça:
a) O Estado, incluindo os seus serviços e organismos ainda que personalizados, as Regiões Autónomas e as autarquias locais, quando demandem ou sejam demandados nos tribunais administrativos ou tributários, salvo em matéria administrativa contratual e pré-contratual e relativas às relações laborais com os funcionários, agentes e trabalhadores do Estado;
b) (Revogada.)
c) (Revogada.)
d) O demandante e o arguido demandado, no pedido de indemnização civil apresentado em processo penal, quando o respectivo valor seja igual ou superior a 20 UC;
e) As partes nas acções sobre o estado das pessoas;
f) As partes nos processos de jurisdição de menores” (artº 15º, nº 1).

E a regra geral do artº 527° do Código de Processo Civil estabelece que:

- “a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito (nº 1);
- “entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for” (nº 2).

Ora, no caso em recurso, temos que o credor que requereu a abertura do incidente de qualificação da insolvência não beneficia de apoio judiciário, não está dispensado de proceder ao pagamento prévio da taxa de justiça, nem beneficia de qualquer isenção objectiva ou subjectiva de custas.
Donde resulta que, o pagamento em causa é por si devido.
É que, a decisão recorrida, como o afirma o apelante, parte de um princípio que temos por equívoco: o de que o credor requerente da qualificação da insolvência, caso fique vencido, não é susceptível de ser responsabilizado pelo pagamento de custas.
Não entendemos que assim seja.

Resumidamente, a tramitação dos incidentes de qualificação pode ser construída numa das seguintes situações:

a) o juiz declara aberto o incidente de qualificação da insolvência de forma oficiosa (na sentença, na assembleia de credores, ulteriormente em casos específicos);
b) o juiz declara aberto o incidente de qualificação da insolvência a pedido (efectuado na petição inicial ou na assembleia de credores, em regra);
c) o incidente é aberto na sequência da alegação (impulso processual) de um qualquer interessado (credor);
d) o incidente é aberto na sequência da alegação do Ministério Público (hipótese aparentemente não prevista na norma, sendo que a mens legis seguramente não a afastou) ou do (a) próprio (a) Senhor (a) administrador (a) da insolvência (hipótese mais corrente).
Nos casos das hipóteses a) e b) supra, é evidente que não há lugar ao pagamento de taxa de justiça.
Também no caso da hipótese d) não há lugar a esse pagamento, considerando que o Ministério Público está isento de custas nos termos do artº 4º, nº 1, al. a), do Regulamento das Custas Processuais, e o Senhor (a) administrador (a) da insolvência, por ser um colaborador da justiça, e sendo a apresentação do seu parecer/alegação um acto legalmente obrigatório (logo que aberto o incidente), está naturalmente desonerado de tal pagamento.
No entanto já assim não será quando o incidente é aberto por impulso de um credor (hipótese c)), como sucede no caso dos autos.
De facto, tal incidente de qualificação da insolvência nunca teria sido aberto, se tal não tivesse sido requerido pelo referido credor (pois que a posição quer do apelante, quer do Sr. Administrador da Insolvência, são no sentido de que esta deve ser considerada como fortuita).
Ou seja, não haveria nenhuma actividade processual se o credor não o tivesse feito.
E tal actividade processual incluirá, além do mais, que venha a ser proferida sentença de qualificação da insolvência como fortuita.
Ora, as custas a fixar nessa decisão, não poderão ficar a cargo da massa insolvente.

Assim, tal como entende o apelante, consideramos que, quanto ao pagamento de taxa de justiça/custas nos incidentes de qualificação da insolvência, podemos chegar às seguintes conclusões:

- se o incidente for procedente as custas finais ficam a cargo do (a) afectado (a), porque vencido (a) nos termos e último responsável pela lide (artº 527º, nº 1, do Código de Processo Civil);
- se o incidente for procedente mas tiver sido impulsionado por um particular que não beneficie de apoio judiciário, não esteja dispensado de proceder ao pagamento prévio da taxa de justiça, nem beneficie de qualquer isenção objectiva ou subjectiva de custas, aquele tem que pagar taxa de justiça e pode posteriormente reivindicar à parte vencida o seu pagamento em sede de custas de parte (arts. 25º, nº 1, e 26º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais);
- se o incidente for improcedente e não tiver sido impulsionado por um particular (antes pelo Senhor (a) administrador (a) da insolvência/Ministério Público, que não pagam taxa de justiça pela sua intervenção processual) as custas finais ficam a cargo da massa insolvente (arts. 303º e 304º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas);
- se o incidente for improcedente e tiver sido impulsionado por um particular que não beneficie de apoio judiciário, não esteja dispensado de proceder ao pagamento prévio da taxa de justiça, nem beneficie de qualquer isenção objectiva ou subjectiva de custas, aquele tem que pagar taxa de justiça e as custas finais ficam a seu cargo, por ser susceptível de ser responsabilizado a final pelo pagamento de custas (artº 527º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Se assim não for, estamos a permitir que alguém impulsione uma lide indevidamente (como sucede no caso dos autos, pois que quer o (a) administrador (a) da insolvência quer o Ministério Público consideraram a insolvência fortuita) sem pagar qualquer taxa de justiça ou ser condenado em custas a final e obrigando ao funcionamento desnecessário da máquina judiciária, sendo oportunamente proferida sentença de qualificação da insolvência como fortuita, com custas pela massa insolvente e em detrimento dos credores (na parte em que deixarão de receber a quantia que aquela massa terá que afectar ao pagamento das custas em que vier a ser condenada).
Nesta medida, o credor requerente do incidente de qualificação da insolvência, teria que apresentar juntamente com o seu parecer de qualificação, o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida (ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade da sua dispensa, ou invocar a situação de dispensa do pagamento prévio ou de uma qualquer isenção).
Não sendo paga a taxa de justiça (ou não sendo um caso da sua dispensa, de isenção ou da existência de apoio judiciário), como não foi, então a consequência será a que foi requerida pelo apelante.
Procede pois o recurso.
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V. Decisão.

Perante o exposto, acordam as Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, e, em consequência, revogar a decisão recorrida, ordenando-se a notificação do credor L. J. para proceder em 10 (dez) dias ao pagamento da taxa de justiça em falta devida pela apresentação do requerimento, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 552º, nº 3, 558º, al. f), e 560º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artº 17º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Sem custas.
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Guimarães, 9 de Julho de 2020

Assinado electronicamente por:
Fernanda Proença Fernandes
Alexandra Viana Lopes
Anizabel Pereira
(O presente acórdão não segue na sua redacção as regras do novo acordo ortográfico, com excepção das “citações” efectuadas que o sigam)