Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
212/13.7TBMCD.G1
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: SEGURO DE VIDA
DOAÇÃO MORTIS CAUSA
BENEFICIÁRIO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
DEVER DE INFORMAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O requerimento de interposição de recurso, ao identificar a decisão de que se recorre, delimita, numa primeira vez, o objecto do recurso. Depois o recorrente tem a faculdade de, nas conclusões, o restringir, questionando apenas segmentos da decisão de que recorreu. Mas, já não lhe é permitido ampliar esse objecto, indo para além da decisão recorrida, com o propósito de abranger uma outra de que não recorreu.

II - Não se imputando aos réus a autoria das assinaturas que constam nos contratos de seguro que as autoras juntaram aos autos, fica desde logo afastada a aplicação do regime do n.º 2 do artigo 374.º CC.

III - A instituição de um beneficiário num contrato de seguro de vida não tem a natureza de doação mortis causa.

IV - As cláusulas relativas ao "beneficiário" nos três contratos de seguro juntos aos autos não são cláusulas contratuais gerais, pelo que não se lhes aplica o regime destas.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I

E. A. instaurou a presente acção declarativa, que corre termos no Juízo Central Cível e Criminal de Bragança, contra Manuel e Maria, formulando os pedidos de:

"1)- Declarar e reconhecer que a A. E. A. é a única herdeira legítima do remanescente da Herança aberta e indivisa por óbito de sua irmã, Lurdes;
2)- Declarar a anulabilidade dos contratos de seguro de vida e aplicações financeiras identificados nos arts.º 15.º a 17.º desta P.I.;
3)- A título subsidiário, declarar a nulidade dos contratos de seguro de vida e aplicações financeiras identificados nos arts.º 15.º a 17.º desta P.I., sendo nula a doação, por constituir disposição com efeitos mortis causa, sem constar de disposição testamentária válida e na forma prescrita por lei;
4)- Condenar os RR. a reconhecerem os pedidos formulados em 1) a 3) para todos os efeitos e consequências legais;
5)- Condenar os RR., a entregarem e restituírem à Herança aberta e indivisa por óbito de Lurdes, a quantia de 821.585,76 € (…), acrescida de juros vencidos e vincendos até à sua efectiva entrega e restituição.".

Alegou, em síntese, que os contratos de seguro de vida, de que junta cópia, não foram subscritos pela sua irmã Lurdes, falecida a 24 de Novembro de 2009, de quem é herdeira. Para além disso, a indicação do réu Manuel como beneficiário em tais contratos não corresponde à sua vontade, havendo, nessa parte, uma divergência entre a vontade declarada e a vontade real. Os réus Manuel e Maria apoderaram-se dos valores aí aplicados e frutos dos gerados, devendo restituí-los ao "acervo e património da sua Herança, aberta e indivisa, com o seu óbito".

Os réus contestaram afirmando, em suma, que os contratos foram subscritos pela falecida Lurdes, que os celebrou conscientemente e neles expressou a sua efectiva vontade.

As autoras, na sequência da posição assumida pelos réus na contestação, requereu a intervenção principal "do Banco X, S.A. e da Companhia de Seguros Y, S.A., (…) para assegurar a legitimidade passiva, e cuja falta constituiria excepção dilatória de ilegitimidade passiva".

Essa intervenção principal foi admitida e as intervenientes apresentaram o seu articulado, ao qual as autoras responderam.

Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença em que se decidiu:

"Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e prejudicado o conhecimento da excepção de caducidade e, em consequência
Declaro que a autora E. A. é a única herdeira legítima do remanescente da Herança aberta e indivisa por óbito de sua irmã, Lurdes; e condeno o réu Manuel a entregar ou restituir à Herança aberta e indivisa por óbito de Lurdes, a quantia de € 821 585, 76 (oitocentos e vinte e um mil quinhentos e oitenta e cinco euros e setenta e seis cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, a contar da citação e até à sua efectiva entrega e restituição.
Absolvo os réus do demais peticionado; e a autora e os réus do pedidos de condenação como litigantes de má fé."

Inconformado com esta decisão, o réu Manuel dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo, findando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:

1. A douta sentença recorrida não faz correta aplicação do direito sendo que, também a decisão sobre a matéria de facto merece reparos, impondo-se assim alteração da decisão final designadamente mediante a total improcedência do pedido e consequente absolvição do R..
2. Por considerar que não foi feita prova sobre a veracidade das assinaturas apostas nos documentos que constituíam as aplicações financeiras em causa nos autos e das quais o R. seria beneficiário, determinou o tribunal a quo, ser desnecessária a apreciação das demais questões levantadas nos autos, por prejudicadas.
3. Tal como melhor consta da douta sentença, o tribunal imputou ao R. o ónus da prova da veracidade dos documentos outorgados pela falecida Lurdes, incluindo a assinatura desta, não obstante ter indeferido a prova pericial requerida pelo mesmo aquando da junção aos autos dos originais de tais documentos.
4. Considerou o tribunal que o R. não fez prova da autenticidade dos documentos que a seu ver lhe aproveitariam e, como tal, ao arrepio das mais elementares regras processuais, sem mais, deu como provado o exacto oposto, ou seja, a sua falsidade.
5. Andou mal o tribunal a quo pois, não obstante não ter considerado que o exame pericial requerido pelo R. fosse dilatório ou impertinente, recusou a sua realização, indevidamente, assim inibindo o R. de provar a autenticidade das assinaturas constantes dos documentos em causa nos autos.
6. A prova pericial podia e devia ter sido admitida assim se colocando em causa o douto despacho que a indeferiu.
7. O tribunal não tinha fundamento válido para recusar a prova sendo que, também o poderia ter ordenado oficiosamente para que dúvidas não restassem nos autos.
8. Andou ainda pior o tribunal ao considerar que o ónus da prova da autenticidade das assinaturas, da autenticidade dos documentos em causa nos autos, seria imputável ao R. para, a partir daí e, só daí, decidir nos autos como fez.
9. Dispõe o n.º 2 do artigo 374.º do CC que incumbe à parte que apresenta um documento a prova da sua veracidade mas, o R. não apresentou qualquer documento e, nem o apresentou junto da A. com vista a que esta agisse de uma ou outra forma.
10. Foi a A. que, como facto constitutivo do direito a que se arroga na PI, arguiu a falta de veracidade dos documentos aqui em questão e assinaturas neles apostas e, como tal, era à A. que incumbia a prova de falta de autenticidade e veracidade dos documentos e assinaturas em causa nos autos. Era a ela que tal factualidade aproveitava. Só a ela!
11. Ao contrário do considerado pelo tribunal a quo, não é aplicável o disposto naquele n.º 2 do artigo 374.º do CC, ou seja, não é imputável ao A. o ónus da prova da veracidade daqueles documentos mas, à própria A., o oposto, ou seja, incumbia à A. fazer prova do facto constitutivo do seu alegado direito ou seja, a falta de veracidade dos documentos em questão e assinaturas neles apostas.
12. A A. nenhuma prova produziu nesse sentido e, da mesma forma, em momento algum provou que os documentos não correspondem à verdade e nem que a assinatura neles aposta não fosse feita pelo punho da falecida Lurdes, facto que apenas a si aproveitaria.
13. O tribunal respondeu à matéria de facto sem fundamento em qualquer prova produzida em audiência de julgamento, no que toca a estas questões, para além da referida falta de prova por parte do R.
14. Nem o tribunal podia imputar ao R. o ónus da prova da autenticidade dos documentos e assinaturas porquanto o ónus da prova do facto constitutivo do alegado direito da A. impende sobre a mesma, nem podia dar como provado o oposto, como fez e nos termos em que o fez, ou seja, única e exclusivamente com base na alegada falta de prova por parte do R. relativamente à autenticidade das assinaturas.
15. A falta de prova de um determinado facto, não implica a prova da realidade factual que lhe é oposta significando apenas e só que os factos constantes do quesito têm de entender-se como não alegados, sequer o que significa não se terem como provados os factos quesitados e não que se tenham como demonstrados os factos contrários (cfr. v.g., Ac. Rel. Porto de 14.04.94, Colo Jur 1994-11-213 e Jur. e Doutrina ali referidas e Acs. STJ de 8.2.66,28.5.68,30.10.70,11.6.71, 23.6.73, 5.6.73, 23.10.73, 4.6.74, in Bol. M.J., respectivamente, 154-304, 177-260, 200-254, 208-159, 218-239, 228-195, 228-239 e 238-211).
16. Neste mesmo sentido ainda e de forma ainda mais esclarecedora cfr. o Douto Ac. do STJ de 25/11/2008 no processo 3501/08 da 1ª Secção, in www.dgsi.pt. que aqui se dá por integralmente reproduzido, destacando-se: (…).
17. O tribunal a quo deu como provada a factualidade constante dos pontos 15, 16 e 17 única e exclusivamente com base na falta de prova de autenticidade cujo ónus entendeu ser do R. não suportando tal decisão sobre a matéria de facto dada como provada em qualquer outra prova, em nenhum outro documento, em nenhum depoimento testemunhal.
18. Mostra-se assim incorrectamente julgada a matéria daqueles pontos 15, 16 e, 17 da matéria de facto provada, devendo a mesma passar a não provada.
19. Mostram-se igualmente incorrectamente julgados os pontos, 20, 21, 23 e, 24, todos da matéria de facto dada como provada, os quais devem passar a ser considerados como não provados.
20. A autenticidade dos documentos alegadamente emitidos por um hospital e em que o tribunal suporta parte da sua decisão, foi, em devido tempo, colocada em crise pelos R. que impugnaram, na PI, a assinatura e teor dos mesmos. Cfr. artigo 14.º da contestação
21. No que a estes documentos, em momento algum foi feita prova nos autos que corroborasse o seu teor e, ou assinatura, incumbindo à A. tal prova.
22. Quanto a este ponto, nenhuma das testemunhas depôs nos autos no sentido de confirmar o teor daqueles documentos designadamente no que respeita aos períodos de internamento ali mencionados.
23. No que respeita ao ponto 23 dos factos provados, considerou o tribunal que tal matéria foi objecto de concordância pelos RR e, como tal deu-a como provada quando efectivamente, a matéria constante do ponto 23 dos factos provados, retracta o alegado pela A. em 70 da PI.
24. Conforme melhor decorre do artigo 11.º da contestação, esta matéria foi devidamente impugnada por não corresponder à verdade para além de que, nenhum meio de prova foi invocado para fundamentar a resposta a esta matéria devendo, por isso, ser a mesma dada como não provada.
25. Quanto ao demais, vale aqui o mesmo que se alegou quanto aos pontos 15, 16 e 17 da matéria de facto dada como provada pois, todos os factos que constam dos pontos 20, 21 e 24, são factos constitutivos do alegado direito da A..
26. Foi a A. que os invocou sendo que, nenhuma prova fez relativamente aos mesmos. Prova alguma foi produzida em audiência de julgamento que suportasse a decisão do tribunal ora recorrida quanto a estes pontos e, nem qualquer outro suporte probatório é referido pelo tribunal.
27. Deve assim, ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, dando-se como não provada a matéria constante dos pontos 15, 16, 17, 20, 21, 23 e, 24, dos factos provados, com as legais consequências.
28. No entanto, se dos autos não resulta prova pericial que permita aferir da autenticidade das assinaturas constantes dos documentos aqui em questão, da restante prova produzida, resultou provada a autenticidade dos documentos e das assinaturas em causa nos autos assim como da vontade da falecida Lurdes.
29. O tribunal fez tábua rasa de todos os depoimentos testemunhais apresentados em juízo, designadamente das testemunhas, José; Filipe; A. A.; L. R.; Elisabete; Álvaro; Teresa; M. P.
d. Estes depoimentos, foram prestados com manifesta isenção e credibilidade impondo-se a sua consideração nos autos por forma a determinar-se como não provada factual idade já atrás elencada (pontos 15, 16, 17, 20, 21, 23 e, 24) e, a considerar-se como provada a matéria que consubstancia: a) a celebração dos três contratos que retractam as aplicações financeiras em questão nos autos; b) a vontade e conhecimento de que o beneficiário das mesmas seria o R. e que era este quem a falecida queria beneficiar sendo que, em momento algum pretendeu deixar o que quer que fosse à A. ou até às filhas desta; c) o esclarecimento e conhecimento de tais produtos e envio das condições dos mesmos pela seguradora em questão.
30. Esta matéria foi factualmente alegada pelos RR., designadamente nos pontos 2, 3, 4, 5, 15, 17, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 30, 34, 35, 36 e, 38 da sua contestação e, ainda nos artigos 3, 4 e, 24 da contestação da Y e, 10 da contestação do Banco X, a qual, por isso deverá ser considerada como provada.
31. Ora, dos documentos em causa nos autos consta que a falecida Lurdes fez três aplicações financeiras indicando livre, consciente e voluntariamente como beneficiário das mesmas em caso de morte (da sua morte) o aqui R., ora apelante.
32. Neste mesmo sentido o depoimento das testemunhas registados no sistema H@bilus, designadamente: (…).
33. Estes depoimentos consubstanciam e corroboram a factual idade alegada pelos RR, conforme excertos/passagens atrás reproduzidas e devidamente localizadas no registo áudio, localização que aqui igualmente se dá por reproduzida, atento o seu número e extensão, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido:
34. Com base nos mesmos depoimentos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e cujas passagens relevantes atrás se transcreveram devidamente localizadas no registo áudio localização que aqui igualmente se dá por reproduzida atento o seu número e extensão, resultou provado que a falecida Lurdes pretendia beneficiar o R. e nunca a A. e, ou as suas filhas com quem não se dava, considerando inclusivamente não ter família.
35. A intenção e o facto de pretender beneficiar o R. era do conhecimento de todos quantos lidavam com a falecida Lurdes, para além do R. surgir em todos os testamentos como grande beneficiário. 36. A falecida Lurdes via no R. um filho. Era no R. que a falecida Lurdes depositava a sua confiança, era com ele que ela contava para tudo, para a apoiar, para gerir os seus bens, para lhe dar apoio nas tarefas mais complexas e, até para a ajudar nas actividades mais simples do dia a dia.
37. Era notório e público o afastamento entre a falecida e a A. sua irmã (e filhas desta) sendo por isso, mais do que evidente que a falecida Lurdes procurou sempre que os seus bens fossem distribuídos por aqueles por quem nutria carinho e nunca beneficiando a irmã e ou sobrinhas.
38. Nos sucessivos testamentos que outorgou, jamais a falecida procurou beneficiar a A. e ou suas sobrinhas (filhas daquela) omitindo-as em todos eles de forma significativa.
39. Quanto ao esclarecimento e conhecimento de tais produtos e envio das condições dos mesmos pela seguradora em questão, importa, para além dos depoimentos testemunhais, dar relevância aos próprios documentos que constituem a proposta e retractam a proposta em si.
40. A própria falecida Lurdes, declarou que era conhecedora e percebeu as declarações que prestou assim como foi conhecedora das condições dos produtos por si subscritos sendo que, nenhuma prova foi produzida em contrário pela A., a quem incumbia o ónus correspondente porquanto tal factual idade seria constitutiva do direito a que se arroga nos autos.
41. Com base nos mesmos depoimentos testemunhais atrás referidos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e cujas passagens relevantes atrás se transcreveram devidamente localizadas no registo áudio localização que aqui igualmente se dá por reproduzida atento o seu número e extensão, resulta provada a consciência e conhecimento da falecida relativamente a esta matéria.
42. Com particular destaque, veja-se, entre outros igualmente registados no sistema H@bilus, o depoimento da testemunha L. R. que depôs com manifesta isenção e credibilidade e nem sequer foi alvo de referência na fundamentação à resposta à matéria de facto por parte do tribunal recorrido.
43. Esta testemunha corroborou o recebimento das condições gerais e particulares das aplicações subscritas pela falecida Lurdes porquanto as encontrou na casa desta após o óbito, prontificando-se inclusivamente a entregar tal documentação ao tribunal o que, a requerimento do R., foi indeferido.
44. Não obstante e apesar do indeferimento, o tribunal ordenou que os ditos documentos lhe fossem entregues conforme acta de fls... e, estranhamento nem sequer lhes faz alusão na douta sentença.
45. As condições dos produtos foram efectivamente enviadas pela R. Y e, mais, foram efectivamente recebidos pela falecida Lurdes que delas tomou efectivo conhecimento, conhecimento esse que já tinha porquanto as mesmas já lhe haviam sido transmitidas ao balcão da R. Banco X na altura da sua subscrição.
46. Mostra-se incorrectamente dada como provada a matéria seguinte constante dos factos provados: 15.º - Lurdes nunca quis beneficiar com os seguros identificados em 10.º, 11.º e 12.º a pessoa que aí consta, Manuel, pelo que tal indicação não foi da vontade e deliberação da mesma; 16.º - Tal como não tinha, nem teve conhecimento e consciência de que o réu, em caso de morte sua, seria o beneficiário de tais aplicações financeiras.; 17.º - Lurdes não se deslocou ao Banco X, nem lhe foi feita, antes ou depois, qualquer explicação das condições particulares ou gerais de tais produtos financeiros; 20.º - Lurdes esteve internada nos hospitais, por diversos períodos de tempo, nomeadamente na altura a que se refere o documento número 5 junto com a petição, não tendo estado na Agência do Banco X, nem tendo assinado esse documento, com consciência de actualizar qualquer assinatura ou conta de que fosse co-­titular com o Réu; 21.º - Lurdes esteve internada desde o dia 3/02/2006 a 3/03/2006, de 8/07/2006 a 17/07/2006, de 10/11/2008 a 17/11/2008, de 13/01/2009 a 26/01/2009, de 26/02/2009 a 6/03/2009, de 4/06/2009 a 18/06/2009, de 19/07/2009 a 22/07/2009, de 8/08/2009 a 11/08/2009 e de 17/11/2009 a 24/11/2009;: 23.º Com o propósito de os fazer seus e deles se aproveitar e apossar, contra a vontade da autora; 24.º - As condições particulares e gerais dos aludidos seguros de vida e aplicações financeiras não foram do conhecimento de Lurdes, não tendo sido por ela recebidos.
47. Não foi produzida qualquer prova nos autos que permitisse tal decisão.
48. Pelo contrário, da prova documental e testemunhal produzida, é possível afirmar que a falecida Lurdes efectivamente realizar as aplicações financeiras junto da Y instituindo como beneficiário o R. em caso de morte, beneficiando-o dessa maneira, facto que para além de retratado documentalmente e do conhecimento dos profissionais por quem tal procedimento passou, era também do conhecimento de todas as pessoas com quem a falecida se relacionava pois que, fazia questão de o dizer para quem quisesse ouvir. Era o R. quem iria beneficiar das aplicações.
49. A falecida tinha plena consciência da constituição dessas aplicações e seus termos assinando e requerendo as mesmas, designando beneficiário, termos e condições que a mesma declarou conhecer e que lhe foram sobejamente explicados aquando da sua constituição, nomeadamente quanto à questão de indicação de beneficiário.
50. A falecida Lurdes teve ainda contacto com essas condições e termos contratuais mediante o envio pela Y do referido clausulado e extractos, dos quais consta de forma evidenciada o nome do R. como beneficiário desses mesmos produtos financeiros, documentação efectivamente recebida por aquela.
51. Mais, em vida recebeu também extractos dessas aplicações, uma vez mais com evidência de que o beneficiário em caso de morte seria o R. e, mais ainda, foi recebedora dos vários extractos emitidos e enviados pela R. Banco X onde igualmente se mostravam evidenciadas tais aplicações financeiras.
52. A falecida em momento algum efectuou qualquer reclamação ou procurou alterar o que quer que fosse pois tudo estava conforme a sua vontade!
53. Consequentemente, deverá a matéria dos pontos 15, 16, 17, 20, 21, 23 e, 24 (dos factos provados) ser dada como não provada e, por força da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente a prova testemunhal, impõe-se seja dada como provada a matéria das contestações, designadamente:

Da Contestação do R. Manuel:

Art.º 2.º: "Lurdes celebrou contratos de aplicação ou produto financeiro, seguro de vida, da Y Seguros e do Banco X, denominado Banco X Seguro 4% (A45) datado de 21 de Junho de 2007, onde figura como Tomadora de Seguro a dita Lurdes, no montante de 500.000,00 €;
Art.º 3.º: A Lurdes procedeu à aplicação financeira e contrato de seguro de vida da Y Seguros e do Banco X, denominado Banco X Seguro, 11,45% (10) datado de 13 de Setembro de 2007, onde figura como tomadora de Seguro, Lurdes no montante de 208.000,00 €;
Art.º 4.º: Celebrou também seguro de vida na Y Seguros e do Banco X denominado Banco X Seguro Investmais, datado de 16 de Setembro de 2008, onde figura como tomadora do seguro, Lurdes, no montante de 50.000,00€.
Art.º 5.º: A ali tomadora de seguro, livre, conscientemente, deliberadamente e por ser a verdadeira vontade expressa da dita Lurdes, indicou nos referidos contratos, como beneficiário dos seguros, o Réu marido Manuel.
Art.º 15: Todas as aplicações financeiras/seguros de vida foram subscritos pela Lurdes, livre, conscientemente e com o conhecimento pleno dos seus elementos, fins e benefícios.
Art.º 19.º Quer a agência do Banco X quer a Y, entregaram e enviaram para a residência da dita Lurdes as cópias das subscrições ou aplicações financeiras/contratos de seguro que a mesma pessoalmente recebia, lia e entendia.

Da Contestação da Y:

Art. 3.º: A defunta Lurdes celebrou como tomadora de seguro, ao balcão do Banco X, agência de Macedo de Cavaleiros, com a Ré, os seguintes contratos: a) seguro de vida denominado Banco X Seguro 4% (A45), datado de 21 de Junho de 2007 no montante de 500.000,00 € apólice 52/1346 b) seguro de vida denominado Banco X Seguro 11,45% (10), datado de 13 de Setembro de 2007 no montante de 208,000,00 €, apólice 55/66585 c) de seguro de vida denominado Banco X Investmais, datado de 16 de Setembro de 2008 no montante de 50.000,00 € apólice 52/36451;
Art. 4.º: Naqueles três contratos e respectiva apólice constava como beneficiário o aqui réu marido Manuel.
Art. 24.º: Dos contratos juntos consta expressamente que a tomadora declarou e subscreveu por seu punho e letra: "3. Declaro que tomei conhecimento do conteúdo de informação fornecidas nas informações pré-contratuais; 4- Declaro que me foram facultadas todas as informações de que necessitava para a compreensão do contrato que estou a subscrever; 5- Declaro que fiquei esclarecido quanto à natureza do produto que estou a subscrever; 7- Declaro ainda que recebi as Condições Gerais do produto ... "

Da Contestação da R. BANCO X:

Art.º 10 Esta percebeu claramente o tipo de aplicação financeira que estava a levar a cabo, tendo sido ela quem comunicou ao funcionário seu interlocutor quais os valores que pretendia investir e que indicou sponte sua o nome do co-R como sendo a pessoa que, nas condições que bem conheceu, designadamente à sua morte, iria beneficiar do valor de cada um desses investimentos."
54. Nessa medida deve ser alterada a douta sentença com a incontornável absolvição do R. da totalidade do pedido.
55. A douta sentença viola, entre outros, o disposto nos artigos 374.º do CC, 413.º, 445.º, 476.º, 477.º, todos do CPC.

As autoras contra-alegaram sustentado a improcedência do recurso e requerendo também "a ampliação do âmbito do recurso, nos termos do art.º 636.º,n.º 1 e 2 do C.P.C., para que face à pluralidade de fundamentos da acção, o Tribunal de recurso conheça dos fundamentos em que as Recorridas decaíram, requerendo-o, a título subsidiário, nas presentes Alegações, bem como atendendo à prova testemunhal gravada, se atenda à mesma, para com base nela, nos documentos e nos depoimentos que se vão transcrever, se dê como provados os mesmos factos dados como provados pelo Tribunal a quo, ainda que por razões diferentes, prevenindo a hipótese de eventual procedência, que se coloca por mero dever de patrocínio."

Apresentou, então, entre outras, as seguintes conclusões:

4)- Bem como atendendo à prova testemunhal gravada, para que se aprecie a mesma, para com base nela, nos documentos e nos depoimentos que transcreveram e dão como reproduzidos, se dê como provados os mesmos factos dados como provados pelo Tribunal a quo, ainda que por razões diferentes, prevenindo a hipótese de eventual procedência, que se coloca por mero dever de patrocínio.
5)- Como consta da douta Sentença recorrida e de harmonia com a sua fundamentação, o ónus da prova da genuinidade ou autenticidade das pretensas assinaturas das aplicações financeiras, seguros de vida, da Y de Seguros e do Banco X, identificadas em 8.º, 10.º, 11.º e 12.º dos factos provados, cabia ao R. e conforme melhor adiante se explicará também cabia às Intervenientes Principais, Y e Banco X, cujo chamamento foi admitido nos autos, tendo as mesmas apresentado Contestação e indicado prova.
17)- Prescreve ainda o art.º 5.º, n.º 1 e 2 desse diploma Legal que "- As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las" e " A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.
18) E o n.º 3 desse diploma Legal preceitua que "O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.", pelo que tal prova cabia também à Banco X.
19)- Tando ficado provado que não houve qualquer contacto directo e imediato do Banco X com Lurdes, para negociação prévia ou contemporânea dos seguros e aplicações financeiras.
20)- Pelo que a Banco X não fez a comunicação, nem informou a Segurada, nos termos que lhe competia, atento o disposto no art.º 6.º do mesmo Diploma, informação ao consumidor que vem sendo reforçada no quadro da actividade seguradora, com reforço da protecção do aderente.
21)- Pelo que, por determinação especial da Lei, o ónus da prova, cabia ao R. e à Interveniente Principal Banco X.
22)- Para além disso, por força do disposto nos art.º 12.º e 15.º do mesmo Diploma legal, "são proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé", e "as cláusulas contratuais gerais proibidas por disposição deste diploma são nulas".
23)- Nulidade que se invoca para todos os efeitos legais e que é de conhecimento oficioso.
29)- (…) incumbia à Banco X, por força do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras (RGICSF) – DL 298/92 de 31/12 e o DL n.º 357-A/2007 de 31/10, prestar especiais deveres de informação e assistência, respeito consciencioso pelos direitos e interesses dos clientes, com regras de conduta dos Banqueiros e seus Funcionários, de competência técnica, e com deveres de lealdade, Y, neutralidade e diligência, vigiando os interesses do Cliente, com independência e transparência.
30)- Como a actuação do Banco X, por si e seus Funcionários, envolve responsabilidade obrigacional, por infracção desses deveres legais, presume-se a sua culpa, nos termos do art.º 799.º, n.º 1 e 800.º do Código Civil.
31)- Pelo que estando estabelecida tal presunção legal de culpa, incumbia ao Banco X provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.
32)- Face á existência de tal presunção legal, a favor das AA., nos termos dos arts.º 350, n.º 1 e 344.º, n.º 1 do Código Civil, as Autoras não tinham o ónus da prova.
37)- Regras de conduta que constam também de normas e regras deontológicas da profissão, como é o caso, do Código de Conduta do Banco X, disponível na Net, que consagra os princípios de actuação e as normas de conduta, na e pelo, Banco X no exercício da sua actividade, o qual vincula os membros dos órgão sociais do Banco X e os seus Trabalhadores ou Colaboradores, conforme se estipula nos arts. 1.º e 2.º.
38)- Estando consagrado no art.º 10.º, al. c) um princípio de actuação de independência, segundo o qual os Colaboradores do Banco X estão adstritos ao dever de respeitar a independência entre "os seus interesses pessoais e os do Banco X e os dos Clientes, evitando situações susceptíveis de originar conflitos entre esses interesses".
39)- E no art.º 14.º, n.º 2, al b), no que respeita à consideração dos interesses dos Clientes, "No exercício das suas funções, os Colaboradores do Banco X diligenciam para que, na prestações de informações e no aconselhamento dos Clientes, seja assegurado, com rigor e boa fé", "O cabal esclarecimento sobre as características dos produtos…" e "o fornecimento de todos os elementos conducentes a uma tomada de decisão fundamentada, consciente e esclarecida quanto á existência dos riscos potenciais envolvidos nas operações, bem como sobre a existência de eventuais conflitos de interesses e sobre as respectivas previsíveis consequências financeiras".

40)- E o Artigo 25.º - Proibição de Aceitação de Vantagens

1. Os Colaboradores do Banco X não devem aceitar ou solicitar quaisquer vantagens, incluindo empréstimos, prendas ou outros benefícios ou favores de pessoas com as quais se relacionem, por força e no exercício da sua actividade profissional.
2. São excepções à proibição estipulada no número anterior, e desde que não seja afectada a imparcialidade e a independência dos Colaboradores no exercício da sua actividade profissional:
a) A aceitação de ofertas de valor meramente simbólico conforme os usos sociais, como sejam, por exemplo, os presentes natalícios e de outras datas festivas, que não configure a aceitação de vantagens económicas;
b) Os objectos e brindes promocionais de escasso valor e os convites que não excedam os limites considerados aceitáveis pelos usos sociais.

41)- E o Artigo 26.º - Conflitos de Interesses

1. Os Colaboradores não podem intervir na apreciação nem no processo de decisão, sempre que estiverem em causa operações, contratos ou outros actos em que sejam directa ou indirectamente interessados os próprios, os seus cônjuges, parentes e afins, da linha recta e até ao quarto grau da linha colateral, ou pessoas que com eles vivam em união de facto ou economia comum, ou ainda sociedades ou outros entes colectivos em que aqueles detenham, directa ou indirectamente, qualquer interesse.
2. Sempre que ocorra qualquer situação, relacionada com um Colaborador ou com o seu património, que seja susceptível de pôr em causa o normal cumprimento dos seus deveres ou o desempenho objectivo e efectivo das suas funções, no interesse do Banco X ou dos seus Clientes, o Colaborador dará do facto imediato conhecimento à estrutura hierárquica ou, sendo membro do Conselho de Administração, aos demais membros do órgão".
42)- Os factos provados, nomeadamente pelos depoimentos das Testemunhas, cuja transcrição que se efectuou se dá por reproduzida, e demais documentos juntos aos autos, demonstram quer pela actuação do R., como Funcionário do Banco X, e que se apropriou e apossou das quantias em discussão, propriedade exclusiva de Lurdes e contra a vontade Desta, como decorre dos factos provados em 13.º, 14.º, 18.º, 22.º e 23.º, quer da própria actuação do Banco X, que é também responsável pelos seus Colaboradores e Trabalhadores, que tais aplicações financeiras e seguros sempre seriam negócios nulos, cujo objecto seria legalmente impossível, sendo também contrário á Lei, e contrário á ordem pública e ofensivo dos bons costumes.
43)- Pois além dos preceitos legais invocados, tal negócio ofenderia princípios e valores éticos ou axiológicos fundamentais, acolhidos na ordem jurídica no seu conjunto, cuja postergação sempre seria ofensiva dos bons costumes, que pressupõem a rectidão, isenção, liberdade e independência, devendo cada área profissional observar todas as regras prescritas de boas condutas e os princípios vinculantes das mesmas.
44)- Nulidade que também se invoca nos termos do art.º 280.º, n.º 1 e 2 do Código Civil e é de conhecimento oficioso.
45)- Tal dever de informação da Seguradora e dever especial de esclarecimento do Segurado, encontra-se também especialmente previsto nos art.º 18.º, 21.º, 22.º e 78.º do DL N.º 72/2008 de 16/04, devendo no seguro de pessoas, a pessoa segura ser informada do regime de designação e alteração do beneficiário, e como dispõe o n.º 3 deste art.º 78 "compete ao tomador do seguro provar que forneceu as informações referidas nos números anteriores".
46)- A Seguradora Y estava também obrigada a comunicar e enviar por registo à Segurada as apólices, conforme consta das condições particulares, no art.º 18.º, que impõe tal situação como condição de validade e eficácia, mediante "correio registado ou outro meio do qual fique registo escrito".
47)- Nem a Y, nem o R. apresentaram qualquer prova da comunicação mediante correio registado.
48)- Nem a Y provou ter qualquer prova do registo escrito de qualquer comunicação na sua sede, que comprovasse tal envio e comunicação à Falecida.
51)- Na procuração outorgada por Lurdes a favor do R., doc. n.º 10 junto com a P.I., não consta o poder de o R. fazer negócio consigo mesmo.
60)- Pelo que com base em tal falso documento, o facto provado em 25.º, deverá ser dado como não provado, pelo menos quanto à conta n.º 2016015328930 mencionada na ficha de substituição de assinaturas e que assim acrescentou um 2.º e novo titular a essa conta bancária.
70)- Pelo que face aos factos provados e que pelas razões supra expostas se deverão manter, com ressalva do facto 25.º, o Tribunal da Relação ponderando toda a prova produzida e numa correta análise hermenêutica da mesma, deverá manter a douta Decisão proferida, e a título subsidiário, e por mera cutela se requer em ampliação do objecto do recurso, deverá julgar procedentes os demais pedidos formulados pelas Recorridas, bem como as nulidades invocadas, que são de conhecimento oficioso.

As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635.º n.º 3 e 639.º n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil(1), delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir consistem em saber se:

a) "a prova pericial podia e devia ter sido admitida" (2);
b) há erro no julgamento da matéria de facto referida nas conclusões 27.ª e 53.ª das alegações de recurso e na conclusão 60.ª das contra-alegações das autoras;
c) "o ónus da prova da autenticidade das assinaturas (…) dos documentos em causa nos autos, seria imputável ao R." (3)
d) "deve ser alterada a douta sentença com a incontornável absolvição do R. da totalidade do pedido" (4);
e) se ocorrem as nulidade invocadas nas conclusões 23.ª, 42.ª e 44.ª das contra-alegações.
f) em sede de ampliação do âmbito do recurso, se verificam as anulabilidades e nulidades invocadas nos artigos 21.º, 22.º, 27.º, 33.º, 36.º e 40.º, nos artigos 31.º, 34.º, 41.º e 42.º, nos artigos 58.º a 60.º e no artigo 63.º e na segunda parte do artigo 38.º, todos da petição inicial.

II

1.º

Foram julgados provados os seguintes factos:

1.º - Lurdes faleceu no dia 24 de Novembro de 2009, no estado de viúva.
2.º - A qual não deixou descendentes, nem ascendentes vivos.
3.º - E. A. é irmã única de Lurdes.
4.º - A autora E. A. requereu Inventário por óbito de sua Irmã, que se encontra pendente no Tribunal de Macedo de Cavaleiros, sob o n.º 309/11.8TBMCD.
5.º - No âmbito do qual foi nomeado Cabeça de Casal o Réu, como Testamenteiro, nomeado no Testamento supra referido.
6.º - Nele, a Autora E. A. reclamou os activos financeiros, aplicações, dinheiros e seguros financeiros, que integram o remanescente da Herança de Lurdes.
7.º - O Réu negou a sua existência e não os relacionou.
8.º - Na sequência de informações bancárias solicitadas pela Autora E. A., através do Tribunal, a Banco X, juntou aos referidos autos, documentos comprovativos da existência dos valores monetários e seguros financeiros de Lurdes.
9.º - Documentos que foram enviados e notificados à Mandatária Judicial da Autora e foram recebidos no dia 28 de Maio de 2012.
10.º - Nomeadamente, a aplicação ou produto financeiro, seguro de vida, da Y Seguros e do Banco X, denominado Banco X Seguro 4% (A 45), datado de 21 de Junho de 2007, onde figura como Tomadora do Seguro, Lurdes, no montante de quinhentos mil euros (€ 500 000, 00), cobrados na conta com o NIB …, Agência de Macedo de Cavaleiros.
11.º - Bem como a aplicação financeira, seguro de vida, da Y Seguros e do Banco X, denominado Banco X Seguro 11,45% (C10), datada de 13 de Setembro de 2007, onde figura como Tomadora do Seguro, Lurdes, no montante de duzentos e oito mil euros (€ 208 000, 00), cobrados na conta com o NIB …, Agência de Macedo de Cavaleiros.
12.º - E a aplicação financeira, seguro de vida, da Y Seguros e do Banco X, denominado Banco X Seguro Investmais, datada de 16 de Setembro de 2008, onde figura como Tomadora do Seguro, Lurdes, no montante de cinquenta mil euros (€ 50 000, 00), cobrados na conta com o NIB ..., Agência de Macedo de Cavaleiros.
13.º - Os valores e aplicações financeiras referidos em 10.º, 11.º e 12.º eram propriedade exclusiva de Lurdes, constituídos com valores e dinheiros seus.
14.º - O R. nunca depositou qualquer importância sua ou a expensas do seu património e rendimentos nas contas de Lurdes, nomeadamente na conta bancária n.º …, do Banco X, com os saldos da qual foram constituídos os seguros e aplicações financeiras de Lurdes.
15.º - Lurdes nunca quis beneficiar com os seguros identificados em 10.º, 11.º e 12.º a pessoa que aí consta, Manuel, pelo que tal indicação não foi da vontade e deliberação da mesma.
16.º - Tal como não tinha, nem teve conhecimento e consciência de que o réu, em caso de morte sua, seria o beneficiário de tais aplicações financeiras.
17.º - Lurdes não se deslocou à Banco X, nem lhe foi feita, antes ou depois, qualquer explicação das condições particulares ou gerais de tais produtos financeiros.
18.º - Na data das aplicações identificadas em 10.º, 11.º e 12.º, o réu Manuel era funcionário bancário, na Banco X, Agência de Macedo de Cavaleiros.
19.º - Lurdes autorizou o réu Manuel a movimentar algumas da suas contas.
20.º - Lurdes esteve internada nos hospitais, por diversos períodos de tempo, nomeadamente na altura a que se refere o documento número 5 junto com a petição, não tendo estado na Agência do Banco X, nem tendo assinado esse documento, com consciência de actualizar qualquer assinatura ou conta de que fosse co-titular com o Réu.
21.º - Lurdes esteve internada desde o dia 3/02/2006 a 3/03/2006, de 8/07/2006 a 17/07/2006, de 10/11/2008 a 17/11/2008, de 13/01/2009 a 26/01/2009, de 26/02/2009 a 6/03/2009, de 4/06/2009 a 18/06/2009, de 19/07/2009 a 22/07/2009, de 8/08/2009 a 11/08/2009 e de 17/11/2009 a 24/11/2009.
22.º - No dia 22 de Dezembro de 2009, o réu Manuel procedeu ao levantamento e resgate dos valores relativos às aplicações identificadas em 10.º, 11.º e 12.º, no montante de € 821 585, 76 (oitocentos e vinte e um mil quinhentos e oitenta e cinco euros e setenta e seis cêntimos).
23.º - Com o propósito de os fazer seus e deles se aproveitar e apossar, contra a vontade da autora.
24.º - As condições particulares e gerais dos aludidos seguros de vida e aplicações financeiras não foram do conhecimento de Lurdes, não tendo sido por ela recebidos.
25.º - A co-titularidade das contas de Lurdes com o Réu marido era da vontade desta, do seu conhecimento e consciência.
26.º - Lurdes, outorgou testamento em 07-05-2007, dizendo o seguinte:

"Lega a M. C. (…) a casa de habitação com respectivo cabanal anexo, sita (…);
Lega à dita M. C., e aos irmãos desta, Manuel, e Catarina, o recheio da casa atrás referida;
a) Lega a o prédio urbano (…) sito (…), da seguinte forma:

Lega aos seus afilhados Fernando, casado, e Francisco, solteiro (…) o rés-do-chão do prédio identificado na alínea a).
Lega a Catarina (…) o primeiro andar lado direito do prédio identificado na alínea a) (…);
Lega a Cândida e Carmo (…) o primeiro andar lado esquerdo do prédio identificado na alínea a) (…);
Lega a João (…) e Pedro o segundo andar do prédio identificado na alínea a) (…);
Lega a Luísa (…) as águas furtadas do prédio identificado na alínea a);
Lega a M. C., Manuel, e Catarina o logradouro do prédio da alínea a) (…);
Lega a O. L. (…) o veículo automóvel ligeiro marca "Peugeot" (…);
Lega o jazigo da família (…) aos referidos irmãos M. C., Manuel, e Catarina (…);
Lega a Júlia (…) a quantia de cinquenta mil euros, da conta n.º …, na agência do Banco X em Macedo de Cavaleiros;
Lega a Amélia (…) a quantia de cinquenta mil euros da conta n.º …, na agência do Banco X em Macedo de Cavaleiros;
Lega a Manuel (…) o saldo total existente na conta n.º …, na agência do Banco X em Macedo de Cavaleiros;
Lega a M. N. (…) o saldo existente na conta n.º ..., na agência do Banco X em Macedo de Cavaleiros;
Ficam ainda os legatários com encargo de mandarem celebrar, cada um, um trintário de missas pela família C. e V..

Na eventualidade de os legatários João e Pedro, não poderem vir aceitar ou repudiarem os legados, designo-os substitutos, mútua e reciprocamente um do outro.
Também, na eventualidade, da legatária Catarina não puder aceitar os legados ou os vier a repudiar, designo, como substitutos os seus ascendentes, em primeiro lugar a sua mãe, e no caso de esta não puder ou quiser aceitar, o seu pai.
Nomeio como testamenteiro o legatário Manuel (…)".

2.º

Nas suas contra-alegações, as autoras requerem "a ampliação do âmbito do recurso, nos termos do art.º 636.º, n.º 1 e 2 do C.P.C., para que face à pluralidade de fundamentos da acção, o Tribunal de recurso conheça dos fundamentos em que as Recorridas decaíram".
Neste capítulo regista-se que na sentença se diz que:

"Ora, no presente caso, os réus não lograram fazer prova de que a assinatura fosse verdadeira.
(…) Ora, não provada, como vimos, a veracidade da assinatura constante dos ditos documentos, estes carecem de força probatória das declarações que deles constam como sendo da imputada titular".
(…) improcede o pedido de anulabilidade dos contratos de seguro de vida e aplicações financeiras identificados nos artigos 15.º a 17.º da petição inicial, porque, sendo pressuposto da invocada anulabilidade a alegada divergência entre as declarações constantes dos referidos documentos e a vontade real da declarante.(artigo 247.º do Código Civil) e o vício de a vontade da declarante ter sido determinada por dolo (artigo 254.º do Código Civil), a apreciação desses vícios resulta prejudicada em razão de se não ter provado que a suposta declarante Lurdes tivesse sido a autora das indicadas declarações.
(…) A título subsidiário, a autora formulou o pedido de declaração da nulidade dos mesmos contratos de seguro de vida e aplicações financeiras, que, pelas similares razões acabadas de referir - falta de vontade de acção e de vontade da declaração -, também deverá improceder."

Portanto, a anulabilidade dos contratos, bem como a sua nulidade, não foram apreciadas por, salvo melhor juízo (5), o Meritíssimo Juiz a quo ter considerado que o conhecimento das mesmas estava prejudicado em virtude de não se ter demonstrado que a assinatura que neles figura é da autoria de Lurdes, motivo por que se concluiu que ela não celebrou tais negócios jurídicos. E, nesse cenário, então não havia que declarar a sua anulabilidade ou nulidade (com base no invocado na petição inicial).
Os fundamentos da anulabilidade, dado o afirmado no artigo 54.º, só podem ser (6) os vícios da vontade expostos nos artigos 21.º, 22.º, 27.º, 33.º, 36.º e 40.º e os que radicam na circunstância de o réu Manuel ser "funcionário bancário, na Banco X, Agência de Macedo de Cavaleiros", cfr. artigos 31.º, 34.º 41.º e 42.º, todos da petição inicial.
E os dois fundamentos da nulidade encontram-se nos artigos 58.º a 60.º e no artigo 63.º e na segunda parte do artigo 38.º, todos do mesmo articulado.
O artigo 636.º n.º 1 dispõe que "no caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação."

Com a ampliação do âmbito do recurso pretendeu-se conceder à parte vencedora, que por ter obtido vencimento não tem legitimidade para recorrer da decisão que julgou improcedente algum dos fundamentos que invocou para sustentar a sua pretensão, uma ferramenta processual que permita a reapreciação desse mesmo fundamento quando o reconhecimento da sua procedência passa a constituir a única e última hipótese para se poder manter o seu vencimento.

Sendo assim, excluindo a questão de facto referida na conclusão 60.ª das contra-alegações das autoras (7), a ampliação do recurso está balizada por aqueles quatro fundamentos, dois de anulabilidade e outros dois de nulidade.
As nulidades de conhecimento oficioso que se diz existirem serão apreciadas fora do âmbito da ampliação do recurso.

3.º

Segundo o réu Manuel "a prova pericial podia e devia ter sido admitida", pois "o tribunal não tinha fundamento válido para recusar (…) [essa] prova" (8).

Nos termos do artigo 644.º n.º 2 d) o recurso da decisão que não admite um meio de prova tem se ser imediatamente interposto (9); esse recurso não pode, por intempestividade, ser interposto conjuntamente com o recurso que mais tarde ataca a sentença. E se, porventura, o tribunal não tomar posição quanto a essa solicitação, então haverá uma omissão que se traduz numa nulidade, e como tal tem que ser suscitada, em devido tempo, perante o tribunal que a cometeu (10).

Acresce que no requerimento de interposição deste recurso, o réu Manuel diz expressamente que, "não se conformando com o teor da douta sentença proferida, da mesma vem interpor o competente recurso de apelação". É o réu quem aqui (de)limita o objecto do recurso.

Ora, o requerimento de interposição de recurso, ao identificar a decisão de que se recorre, delimita, numa primeira vez, o objecto do recurso. Depois, o recorrente tem a faculdade de, nas conclusões, o restringir, questionando apenas segmentos da decisão de que recorreu. Mas, já não lhe é permitido que amplie esse objecto, indo para além da decisão recorrida, com o propósito de abranger uma outra de que não recorreu.
Neste contexto, não se pode agora conhecer da questão da (in)admissibilidade da prova pericial que foi requerida.

4.º

O réu Manuel expressa a sua censura quanto ao julgamento realizado pelo tribunal a quo relativamente à matéria de facto que se encontra em 15, 16, 17, 20, 21, 23 e 24, dos factos provados, nos artigos dos articulados identificados na conclusão 53.ª. Porém, constata-se que o teor dos artigos 3.º e 4.º da contestação da ré Y é, na sua essência, uma repetição do que figura nos artigos 2.º a 5.º da contestação dos réus Manuel e Maria. Consequentemente, neste segmento não se repetirá tais factos.
As autoras, por sua vez, colocam em crise o julgamento do facto 25 dos factos provados.

Nos artigos mencionados na citada conclusão 53.ª alega-se que:

a) Lurdes celebrou contratos de aplicação ou produto financeiro, seguro de vida, da Y Seguros e do Banco X, denominado Banco X Seguro 4% (A45) datado de 21 de Junho de 2007, onde figura como Tomadora de Seguro a dita Lurdes, no montante de 500.000,00 €.
b) Lurdes procedeu à aplicação financeira e contrato de seguro de vida da Y Seguros e do Banco X, denominado Banco X Seguro, 11,45% (10) datado de 13 de Setembro de 2007, onde figura como tomadora de Seguro, Lurdes no montante de 208.000,00 €.
c) Celebrou também seguro de vida na Y Seguros e do Banco X denominado Banco X Seguro Investmais, datado de 16 de Setembro de 2008, onde figura como tomadora do seguro, Lurdes, no montante de 50.000,00€.
d) A ali tomadora de seguro, livre, conscientemente, deliberadamente e por ser a verdadeira vontade expressa da dita Lurdes, indicou nos referidos contratos, como beneficiário dos seguros, o Réu marido Manuel.
e) Todas as aplicações financeiras/seguros de vida foram subscritos pela Lurdes, livre, conscientemente e com o conhecimento pleno dos seus elementos, fins e benefícios.
f) Quer a agência do Banco X S.A., quer a Y, entregaram e enviaram para a residência da dita Lurdes as cópias das subscrições ou aplicações financeiras/contratos de seguro que a mesma pessoalmente recebia, lia e entendia.
g) Dos contratos juntos consta expressamente que a tomadora declarou e subscreveu por seu punho e letra: "3. Declaro que tomei conhecimento do conteúdo de informação fornecidas nas informações pré-contratuais; 4- Declaro que me foram facultadas todas as informações de que necessitava para a compreensão do contrato que estou a subscrever; 5- Declaro que fiquei esclarecido quanto à natureza do produto que estou a subscrever; 7- Declaro ainda que recebi as Condições Gerais do produto ... "
h) Esta percebeu claramente o tipo de aplicação financeira que estava a levar a cabo, tendo sido ela quem comunicou ao funcionário seu interlocutor quais os valores que pretendia investir e que indicou sponte sua o nome do co-R como sendo a pessoa que, nas condições que bem conheceu, designadamente à sua morte, iria beneficiar do valor de cada um desses investimentos.

Na perspectiva do recurso e da ampliação do mesmo, deve julgar-se não provados os factos 15, 16, 17, 20, 21, 23, 24 e 25 dos factos provados e deverá ter-se por demonstrados os factos atrás descritos sob a) a h).

Vejamos.

Examinada a prova produzida nos autos relativa à matéria de facto agora em apreciação, nomeadamente os depoimentos prestados em julgamento, temos que a testemunha M. M. (11) declarou que o réu Manuel, por ser funcionário do Banco X, intervinha somente para rentabilizar as contas da sua falecida tia Lurdes; esta disse-lhe que ele tinha autorização para movimentar as suas contas bancárias, mesmo depois de Maio de 2007. Lurdes tinha inteira confiança no réu Manuel (12). Dizia que este lhe punha o dinheiro a render e que lhe estava grata. Em termos intelectuais a sua tia estava bem; "estava boa do juízo". No seu último ano de vida esteve em casa do réu Manuel. Antes, desde 2006, Lurdes teve vários internamentos hospitalares e esteve aí com ela (13). E o réu Manuel também a visitou nessas ocasiões, tendo-lhe constado que por vezes levava documentos para Lurdes assinar. Durante muitos anos a sua mãe e a sua tia não se falavam. Mas depois, alguns anos antes da morte da sua tia, reataram as relações e o conflito foi ultrapassado, principalmente depois de 2003. Sabe que, "a partir de determinada altura", o réu Manuel passou a ser co-titular de contas da sua tia. O réu Manuel levava muitas vezes papéis para a sua tia assinar. Nunca a viu a assiná-los. A partir de 2006, quando ficou fisicamente debilitada, a sua tia deixou de ir à Banco X; era o réu Manuel que ia a casa dela para ela assinar documentos. Acha que a sua tia não tinha conhecimento de que, nas três aplicações financeiras aqui em causa, colocou o réu Manuel como beneficiário, pois ela dizia-lhe que ia deixar dinheiro à sua mãe.

Rosário (14) relata que a sua tia Lurdes sempre disse que lhes (15) queria deixar umas "lembranças", "alguma coisa", "não na totalidade". Ela dizia que a irmã era a herdeira e "nós tínhamos boas relações familiares", "mantivemos sempre relações familiares", "eu lembro-me desde miúda, sempre houve relações familiares boas". Confrontada com o teor de um dos testamentos (de 1999), de onde resulta que nessa data as relações não eram boas, esclareceu que o seu pai e o marido da sua tia tiveram "divergências familiares" e que "dez anos para a frente acontece muita coisa" (16). Mas a sua mãe e a sua tia não se zangaram. A partir de 1995, ano em que morreu o seu tio, houve uma reaproximação familiar. A normalidade das relações foi retomada em 2002. Depois do seu pai morrer em 2003 as duas irmãs o relacionamento entre elas melhorou muito e ficou normal. Nos anos anteriores à morte da sua tia, ela esteve por diversas vezes internada no hospital. A sua mãe, a depoente e a sua irmã, visitaram-na nesses momentos. E o réu Manuel também a visitava e, por vezes, levava-lhe documentos para ela assinar. Ela assinava-os "de cruz". Uma vez o réu Manuel e o Sr. Cruz (gerente da agência do Banco X) foram lá e viu que não explicaram nada à sua tia "dos papéis que levavam" e disseram que depois passavam por lá e que voltavam lá outra vez (17). Já antes de 2006 que a sua tia não ia ao Banco X. O réu Manuel ia a casa dela para tratar dos assuntos e ela não contacta com qualquer outro funcionário do Banco X. Era o réu Manuel que lhe levava a pensão. Ela estava "lúcida" e confiava no réu Manuel, dizendo que este geria o dinheiro para o fazer render. A sua tia esteve com a saúde frágil, mas não ficou "mentalmente afectada", estava "boa da cabeça", "sabia o que queria". A sua tia não tinha consciência de que o réu Manuel era o beneficiário das três aplicações financeiras, por que queria deixar dinheiro a outras pessoas e dizia à sua mãe que ela ia ficar bem. Não sabe por que é que a tia não contemplou as sobrinhas no último testamento. Repete que a tia "assinava de cruz" os documentos que o réu Manuel lhe apresentava, mas nunca a viu a fazer isso. Mas há pessoas que assistiram a tal. Nessas ocasiões não lhe era explicado o que assinava. As cartas do Banco X eram, ou remetidas pelo correio, ou o réu Manuel levava-as em mão.

José (18) conheceu Lurdes por ela ser cliente do Banco X. Chegou até a ir vê-la a casa dela e ao hospital. Pensa que a última vez que ela foi à agência foi meses antes de falecer, mas "uma vez por acaso". Tem conhecimento das três aplicações financeiras em discussão neste processo, mas não teve intervenção, directa ou indirecta, nas mesmas. Não esteve com Lurdes por causa dessas aplicações. O réu Manuel tinha as funções de tesoureiro na agência do Banco X. A "ficha de substituição", pela qual a conta de Lurdes passou a ter também como titular o réu Manuel, foi por aquela assinada -"não tenho dúvidas"- e por si (o depoente) visado, pois envolvia um funcionário do Banco X. A data que lá figura é a do processamento do documento. O réu Manuel levava documentos a casa de Lurdes para ela os assinar. Mas o depoente nunca levou qualquer documento para ela o assinar fora das instalações do Banco X. É possível que a assinatura de Lurdes tenha sido recolhida fora das instalações do Banco X. Lembra que chegou a ir a hospitais para recolher a assinatura de alguns clientes. Tanto quanto viu, Lurdes tinha "uma boa relação" com o réu Manuel. Nas aplicações de € 500 000,00 e € 208 000,00 as assinaturas são de Lurdes. Na aplicação de € 50 000,00 houve, previamente uma "carta de ordem", que teve o n.º 755, por ela assinada, onde expressava a vontade de fazer essa aplicação. Os respectivos movimentos foram enviados por correio para casa de Lurdes. Não sabe se ela depois conferiu essas cartas.

Filipe (19) foi gestor de conta de Lurdes, mas nunca falou com ela. Aquando da realização das três aplicações financeiras não a atendia; apenas falava com o réu Manuel pois ele era co-titular da conta. Não explicou nada a Lurdes quanto a essas aplicações. As instruções para a realização das aplicações foram dadas pelo réu Manuel. E uma dessas instruções era a do nome do "beneficiário". Não tem conhecimento do que foi falado acerca deste assunto entre o réu Manuel e Lurdes. Tratou dos documentos e depois de já estarem preenchidos eles foram levados pelo réu Manuel para Lurdes os assinar. A assinatura desta era visada pela gerência, e parece-lhe ser dela. Entre 2006-2009 só se recorda de Lurdes ter ido à agência do Banco X uma ou duas vezes, mas "não esteve comigo". Não teve intervenção no processo da "ficha de substituição", de 2006, junta aos autos, pela qual o réu Manuel passou a ser co-titular da conta de Lurdes. O Banco X enviava-lhe os extractos bancários. A Y também enviava extractos. Tinha conhecimento de que havia uma relação de amizade entre o réu Manuel e Lurdes, mas sabia pouco dessa relação. Agiu sempre de acordo com as instruções dos titulares da conta. A aplicação de € 50 000,00 tinha uma carta prévia a ordenar a sua realização.

Júlia (20) relata que o réu Manuel tratava dos assuntos daquela no banco. Lurdes achava que o réu Manuel era útil; tratava-lhe das coisas. Sabe que "ultimamente" aquela colocou este como co-titular de contas suas. Não sabe quando é que o réu Manuel começou a poder movimentar as contas daquela. Nos últimos anos de vida, Lurdes esteve internada no hospital por várias vezes. Ela estava "boa da cabeça", mas "muito mal do resto". O réu Manuel ia muitas vezes a casa de Lurdes com papéis para esta assinar. Não se recorda das "datas concretas". Ele chegava e ela assinava, "ela assinava tudo", "era só por os papéis à frente", não chegava a ler os papéis. Lurdes dizia que queria deixar "lembranças a muita gente", incluindo o réu Manuel. Os maridos de Lurdes e da autora E. A. em determinada altura "desentenderam-se", mas com as "mulheres nunca houve problema nenhum". Mas mais adiante já diz que durante um período de tempo elas não se falavam e que a tia não falava com as sobrinhas. Antes daquela falecer, esta e as suas filhas visitavam-na muitas vezes; isso já acontecia há cerca de "meia dúzia" de anos antes da morte de Lurdes. Confrontada com o teor do testamento não consegue explicar por que a irmã e as sobrinhas não era aí contemplada. Refere que elas eram herdeiras "forçosas". Confrontada com o facto de o réu Manuel figurar como beneficiário nas aplicações, reponde que "duvido muito que ela se apercebesse disso", "parece muito estranho". "Acho" que houve um excesso de confiança no réu Manuel.

Amélia (21) começou a trabalhar para Lurdes há 33 anos e deixou esse trabalho há 28 anos, "fazia lá limpezas". Manteve com ela uma relação de amizade. À data da sua morte ainda se dava com Lurdes. Visitou-a muitas vezes no hospital quando ela esteve lá internada nos anos que antecederam a sua morte. Toda a gente sabia que ela era uma pessoa rica. Lurdes tinha muita confiança e consideração pelo réu Manuel. Aquela nunca lhe referiu que este era co-titular de contas suas. Afirma que Lurdes disse que queria deixar bens às sobrinhas. O réu Manuel visitava Lurdes muitas vezes na casa desta. Os maridos da autora E. A. e da sua irmã tiveram desavenças, mas no fim da vida de Lurdes as irmãs já se tinham reaproximado; "elas chegaram-se". E as sobrinhas visitavam a tia. "Acho" que Lurdes se lesse um documento entendia o seu conteúdo.
U. C. (22) viveu na casa de Lurdes durante "muitos anos" nessa casa viviam ainda o marido dela a autora E. A. e marido e os pais das duas irmãs. Foi para lá criança e saiu com 14/16 anos, tendo então ido viver com a autora E. A.. Era sobrinha do marido de Lurdes. Esta tinha "património e dinheiro". Ela estava convencida de que a irmã seria a sua herdeira; o "grosso" do dinheiro era para a irmã. Queria deixar algumas coisas a outras pessoas e queria deixar a irmã e as sobrinhas "bem". A relação entre Lurdes e o réu Manuel era de "trabalho". Nunca viu este sem ser a dizer "preciso de uma assinatura", "era quase uma ordem"; "por mim ela não sabia" o que estava a assinar. Lurdes estava convencida de que o réu Manuel "zelava" pelos seus (daquela) interesses, confiava nele. Ela esteve internada no hospital por várias vezes. Houve um desentendimento, há mais de quarenta anos, entre os maridos das duas irmãs e depois das mortes daqueles estas reaproximaram-se; as relações passaram a ser boas. Mais adiante diz que a "zanga" não foi entre elas, que nem sequer "discutiram". Nos últimos anos de vida já não ia ao Banco X. O gerente visitou-a em casa dela. Sabe que o réu Manuel podia movimentar as contas de Lurdes; não tem conhecimento de que fosse co-titular.

Jacinta (23) conheceu Lurdes em 1975. Esteve com esta quando ela foi internada no hospital, pois trabalhava lá como enfermeira. As sobrinhas e a irmã iam lá visitá-la com frequência. Constava que tinha muito dinheiro. Não falou com Lurdes sobre a quem tencionava deixar os bens. Sempre "soube" que as irmãs tinham um relacionamento de "amizade". Depois da morte do seu marido, Lurdes "aborreceu-se comigo", dizia que "deixaram morrer o meu marido". Viu os réus Manuel e Maria visitarem Lurdes quando ela estava no hospital. "Penso" que as irmãs se davam bem. Lurdes "queria muito" às sobrinhas.

Fátima (24) conheceu Lurdes. Nos últimos anos de vida desta é que teve mais "intimidade" com ela, depois de ela enviuvar. Visitou-a no hospital e viu-a várias vezes a conversar com a autora E. A.. Ela preocupava-se muito com a família; com a irmã e com as sobrinhas.

A. A. (25) conheceu Lurdes por ter lavrado alguns testamentos dela, no Cartório. Era a própria que fazia a marcação desses actos. Nas últimas vezes ia sozinha. Não conhece o réu Manuel. As conversas que teve com aquela, enquanto testadora, foram sempre em privado. Lurdes quando fez os testamentos estava em perfeitas condições intelectuais (26). Disse-lhe que tinha duas sobrinhas com quem não falava. Não se lembra se ela mencionou que eram filhas de uma irmã.
J. T. conheceu Lurdes por volta de 1987. Foi arrendatário dela e do marido, de "um baixo", até à morte de ambos. Pagava a renda inicialmente ao marido dela, depois à própria Lurdes e finalmente ao réu Manuel. Viu este a ir a casa dela, levando com ele papéis.

L. R. (27) conheceu Lurdes. O marido dela, que faleceu em 1995, era amigo do seu (do depoente) sogro, pai do réu Manuel. E ela e a sua sogra andaram juntas na escola. Depois de ficar viúva, a sua mulher e o seu cunhado, o réu Manuel, tiverem uma maior "proximidade" com ela. O réu Manuel "era como se fosse filho dela". Ele visitava-a com grande frequência. E o seu último ano de vida foi viveu na casa do réu Manuel. A Lurdes estava zangada com a irmã, não se falavam; isso já se verificava em 1978. E o relacionamento entre os maridos também não era bom. Visitou Lurdes quando ela esteva internada no hospital. Por uma das vezes viu lá a sobrinha Manuela. Viu a autora E. A. a visitar a irmã quando ela esteve internada no hospital de Macedo de Cavaleiros. O depoente e a sua mulher tinham um convívio muito próximo com Lurdes. Ela era uma pessoa esclarecida. Mostrou ao depoente e ao réu Manuel o teor do testamento que fez. E passou uma procuração a este. Lurdes contou (28) que tinha ido ao Banco X, que tinha feito três aplicações financeiras e que o beneficiário, em caso de morte, era o réu Manuel. Falou nisso várias vezes. Não sabe se foi o réu Manuel quem "tratou da papelada" dessas aplicações. Ele cuidava das contas bancárias de Lurdes. Esta sabia que o réu Manuel tinha uma autorização sua para movimentar contas bancárias e que era co-titular em contas dessas. Tinha "plena consciência" disso. Confiava "perfeitamente" no réu Manuel. Lurdes contou-lhe que se deslocou ao Banco X para fazer as aplicações financeiras. Não tinha conhecimento pormenorizado do seu dia-a-dia.

Elisabete (29) tomou conhecimento das aplicações financeiras por que, aquando da morte de Lurdes, foi quem processou a "indemnização". Trabalha no departamento que tem essa matéria a seu cargo. Estas aplicações foram subscritas ao balcão do Banco X, agência de Macedo de Cavaleiros. Depois da subscrição as condições gerais do contrato são remetidas para a morada do da pessoa segura; no "início do contrato". Nessas condições gerais está incluída a menção de quem é o beneficiário. As propostas quando chegam à Y já estão preenchidas. Não sabe se Lurdes esteve efectivamente no balcão do Banco X para subscrever as aplicações financeiras. Elas foram processadas informaticamente pelo balcão de Macedo de Cavaleiros. Quem trata da subscrição deve entregar ao cliente as condições gerais e deve também explicar o seu teor. Não sabe se nestes casos em concreto isso foi feito. O Banco X, "no fundo", interveio como mediador e tem obrigação de prestar as necessárias informações ao cliente.

Álvaro (30) conheceu Lurdes. Teve "um ou dois" contactos com ela. A "ficha de substituição" ou "ficha de actualização", como a de 22-2-2006 (31), pode excepcionalmente ser subscrita noutra data, mas isso não corresponde ao que em regra se faz. As assinaturas nessa ficha de 22-2-2006 são de Lurdes e do réu Manuel. A data aí aposta é a do "fecho" do procedimento. Ela pode ter sido aposta 2 ou 3 dias antes, "mas normalmente é no mesmo dia". Também relata que o gerente pode deslocar-se ao exterior para recolher uma assinatura; pode ir ao hospital recolher uma assinatura do cliente ou a casa deste. E sabe que o gerente José foi a casa de Lurdes algumas vezes.

Lembra-se de Lurdes ter feito as aplicações financeiras aqui em causa. Recorda-se que teve intervenção na aplicação de € 500 000,00 (folha 42 (32)). Quando o impresso "me chegou" viu ele já estava preenchido; a letra é do "Filipe". Foi ele que lhe levou o documento. Não me agradou que ele já viesse assinado. A assinatura não foi aposta à minha frente. Nunca me foi dito que o documento vinha do réu Manuel. Fez então uma "abordagem" a Lurdes para lhe explicar "exactamente" o produto, motivo por que "assinei no produto". Expliquei-lhe com toda a "firmeza e clareza" o produto. E disse-lhe para quem ia o dinheiro em caso de morte. O facto de o réu Manuel estar "envolvido" "criou-me dúvidas" e dado a quantia em causa, tinha que acompanhar o "caso"; "competia-me a mim verificar esta situação". Disse-lhe que se por hipótese morresse o dinheiro ficaria para o réu Manuel acrescentado que podia fazer o "oposto", que posteriormente podia "alterar". É "por isso que eu assino aqui nesta zona". A conversa foi no "1.º andar" da agência. Estas conversas não as tinha na presença de terceiros. Explicou a Lurdes que tipo de produto era este; "sem dúvidas nenhumas". A assinatura era dela. E a subscritora levou uma cópia com ela. Eu "assino nesse espaço exactamente para validar" as informações que aí constam. Esta senhora era "perspicaz". Esta foi a primeira vez que falou com Lurdes "por um caso concreto".
Não teve intervenção nas outras duas aplicações, mas tinha conhecimento delas. Estas também foram preenchidas com a letra do Sr. Filipe.
A aplicação de € 208 000,00 (folha 43 (33)) é um produto com uma taxa de rentabilidade diferente. A assinatura por baixo do carimbo do Banco X é de Luís, gerente da agência, e a que está na parte de baixo é do Sr. Filipe. A assinatura do Sr. Filipe indica que ele falou com a cliente, que lhe explicou o produto e que verificou a assinatura. "Os meus colegas não deixaram de dar conta disso, tenho a certeza", mas não posso "precisar isso com 100% de certeza absoluta". Diz o mesmo em relação à terceira aplicação.

Na aplicação de € 50 000,00 (folha 44 (34)) consta em baixo à direita a assinatura do gerente Sr. José e à esquerda a do Sr. Filipe. Não está assinado por Lurdes, mas menciona-se que se segue a instrução por ela dada na carta 755/2008 (conforme instruções da cliente registadas em 755/2008). Esta aplicação foi visada pelo Sr. José. A referência à carta 755/2008 corresponde à letra do Sr. José.
Nos extractos que eram enviados à cliente figuravam as aplicações financeiras. Na agência todos conheciam os poderes do réu Manuel em relação às contas de Lurdes. Esta tinha uma relação de confiança com aquele.

Teresa conheceu Lurdes há 25 anos e desde aí manteve sempre um relacionamento com ela. Lurdes disse muitas vezes que não tinha família; queixava-se muito quanto a isso. Inicialmente convenceu-se de que assim era. Referia-se ao réu Manuel como ele sendo um filho; "o Manuel é que é o meu filho". Tinha-o em grande consideração (35). Visitou-a quando esteve internada no hospital. Aí nunca viu a autora E. A., nem as filhas desta. A última vez que viu Lurdes foi cerca de oito meses antes dela falecer. Ela sabia o que queria fazer.

M. P. conhecia Lurdes desde "miúda". A sua avó falava muito com ela. Nunca a visitou em casa dela. Só entrava no estabelecimento comercial que ela tinha. Aos 25 anos foi para Lisboa e regressou a Macedo de Cavaleiros em Janeiro de 2004. Tomou conta de Lurdes, durante 3 meses, em 2009, quando ela se encontrava a viver na casa dos aos réus Manuel e Maria. Estava com ela durante as tardes. Só muito tarde é que soube que a autora E. A. era irmã de Lurdes. Esta uma vez disse era da sua vontade deixar ao réu Manuel "umas aplicações"; "fazia questão que as pessoas soubessem" isso. Falava de outros bens que ficariam para outras pessoas; já tinha feito testamento.
Conjugando esta prova com os documentos que estão nos autos, no que se reporta aos factos 15 e 16, que, sublinhe-se, são factos negativos, verifica-se que temos apenas os depoimentos de M. M., Rosário e Júlia, que limitam-se a fazer meras conjecturas; não mencionam um qualquer facto objectivo que permita, com suficiente segurança, dele extrair tais conclusões. É verdade que no campo das hipóteses o que dizem é possível que tenha acontecido, mas é igualmente possível que assim não seja. Todavia, não esqueçamos que o tribunal decide com base em factos, não em função de palpites ou de probabilidades. É, portanto, pacífico que tais conjecturas são manifestamente insuficientes para se ter estes factos (negativos) como provados. Acresce que há prova testemunhal em sentido oposto (36), bem como documental, pois dos oito testamentos (37) feitos por Lurdes e das autorizações que deu ao réu Manuel, resulta, claramente, que, desde pelo menos o final da década de 90, tinha confiança nele e que o queria beneficiar, aquando da sua morte, com património seu. E, por outro lado, aqueles oito testamentos apontam, inequivocamente, no sentido de que Lurdes não tinha o propósito de, na hora da sua morte, privilegiar a sua irmã e as suas sobrinhas com bens seus, pois nunca neles se refere a qualquer uma delas. E o testamento de 5-11-1996 evidência um significativo mal-estar com a irmã, a aqui autora, E. A. e as filhas desta, pois nele fez questão de deixar dito que sente um "abandono de minha família que nunca me deram o amor e carinho de que tanto necessito".

Relativamente aos factos 17 e 24, salvo melhor juízo, há que ter presente os depoimentos de José, Filipe (38) e Álvaro, dos quais se destaca o deste último, pois, no seu longo depoimento (39), depôs com grande convicção, de forma objectiva e isenta (40); revelou-se uma testemunha muito credível.
Destes depoimentos resulta, com grande clareza, que José e Filipe não prestaram qualquer esclarecimento a Lurdes relativamente às três aplicações.

Já Álvaro relata, com absoluta segurança e convicção, que na aplicação de € 500 000,00 foi ele quem, depois de lhe ser entregue a respectiva documentação já preenchida, mas antes dela ser processada, recebeu Lurdes, na agência do Banco X, e, a sós, lhe explicou os pontos principais do conteúdo da mesma e se certificou de que era da vontade desta subscrevê-la, bem como desejava que o réu Manuel fosse o respectivo beneficiário em caso de morte.
Mas, nas outras duas aplicações, de € 208 000,00 e de € 50 000,00, já não teve intervenção alguma. E não há qualquer depoimento no sentido de que, antes de as subscrever, Lurdes foi esclarecida e informada quanto ao conteúdo das mesmas. E isso teria que vir, em primeira linha, de alguém que trabalhasse no Banco X. E, como se viu, quem lá trabalhava diz, justamente, que nestas duas aplicações não deu explicação ou informação alguma.

Não há qualquer prova, suficientemente sólida, que nos assegure que para fazer estas duas aplicações, Lurdes não se deslocou ao Banco X (prova de um facto negativo, salienta-se). As declarações de muitas testemunhas de que Lurdes nos últimos anos de vida já não saía de casa não se podem ter como absolutamente rigorosas, visto que aqui e ali há notícia de uma ou outra vez que saiu da sua casa. Não o fazia com frequência, mas não esteve enclausurada na sua habitação durante esses anos. Não se provou igualmente o facto (negativo) de que após a subscrição das três aplicações não foram remetidas a Lurdes as condições particulares ou gerais de tais produtos. Há, sim, depoimentos no sentido de que era habitual enviar por correio essa documentação.

Assim, nos factos 17 e 24 deve ter-se por provado, apenas, que:

"A Lurdes não foi dada, antes de os subscrever, qualquer explicação acerca das condições particulares e/ou gerais dos produtos financeiros com os valores de € 208 000,00 e de € 50 000,00."
No que toca aos factos 20.º e 21.º há abundante prova testemunhal de que Lurdes, na parte final da sua vida, foi sujeita a muitos internamentos hospitalares. Veja-se que M. M., Rosário, José, Júlia, Amélia, U. C., Jacinta, Fátima, L. R. e Teresa referem, uns com mais precisão do que outros, que a Lurdes, uns anos antes de morrer, esteve várias vezes internada no hospital. Pese embora não mencionem as datas concretas (o que é absolutamente razoável), estes depoimentos, cruzados com os documentos juntos aos autos relativos a essa matéria, constituem, no seu conjunto, prova suficiente para se ter como assente o que figura no facto 21. O que consta na segunda metade do facto 20.º (uma vez mais trata-se de factos negativos) não se pode julgar como provado, visto que do que disseram José, Filipe e Álvaro resulta que a assinatura pode ter sido recolhida fora das instalações do Banco X, independentemente de se saber se, a ter sido assim, se desrespeitou algum regulamento interno dessa instituição. Por outro lado M. M., Rosário, Júlia, L. R. e Álvaro dizem expressamente que Lurdes estava no pleno gozo das suas capacidades intelectuais (41). E isso resulta implicitamente de vários outros depoimentos, sendo de sublinhar que ninguém disse nada em sentido contrário. Por isso temos que concluir que ela tinha consciência do que fazia, designadamente ao actualizar a sua ficha bancária.

Nestes termos, dos factos 20.º e 21 julga-se provado, unicamente, que:

"Lurdes esteve internada desde o dia 3/02/2006 a 3/03/2006, de 8/07/2006 a 17/07/2006, de 10/11/2008 a 17/11/2008, de 13/01/2009 a 26/01/2009, de 26/02/2009 a 6/03/2009, de 4/06/2009 a 18/06/2009, de 19/07/2009 a 22/07/2009, de 8/08/2009 a 11/08/2009 e de 17/11/2009 a 24/11/2009."

Relativamente ao facto 23.º inexiste qualquer prova objectiva e segura. Os depoimentos de M. M., Rosário, Júlia e U. C., de uma forma mais directa ou mais indirecta, mesmo que subliminarmente, vão nesse sentido, mas não ultrapassam os limites da mera especulação. Temos outras testemunhas que nos dizem que Lurdes estava intelectualmente em condições normais, como, aliás, acima já se escreveu. Por essa razão, disso deve extrair-se que ela sabia o que fazia, designadamente que queria beneficiar o réu Manuel. Perante este quadro não há fundamento suficiente para se julgar provado este facto 23.
Do que atrás já se deixou dito, não querendo cair em repetições, resulta principalmente que Lurdes sabia bem o que fazia, pelo que não pode deixar de se manter como provado o facto 25.

Quanto aos factos e) e g) que o tribunal a quo julgou não provados, no que toca à autoria das assinaturas (alegadamente) de Lurdes na subscrição das aplicações de € 500 000,00 e de 208 000,00, pois a de € 50 000,00 foi subscrita com fundamento na "carta de ordem" 755/2008, anteriormente enviada aquela (42), há uma questão que previamente se tem que solucionar.

Neste capítulo o Meritíssimo Juiz a quo, tendo por subjacente o disposto no artigo 374.º n.º 2 do Código Civil, considerou que:

"A lei faz incidir sobre a parte a quem o documento aproveita, aquela que dele pode retirar vantagem e, por conseguinte, a quem interessa a sua apresentação, o encargo de diligenciar pela obtenção da prova destinada a demonstrar que a assinatura atribuída à contraparte (43) é verdadeira e, consequentemente, a vincula ao cumprimento da obrigação ou das obrigações dele emergentes. E se não lograr alcançar tal prova, se não cumprir o ónus probatório que legalmente lhe está cometido de demonstrar que a assinatura pertence à parte a quem é atribuída - que a assinatura foi feita pelo seu punho -, a pretensão fundada na subscrição do documento pela parte contrária não triunfará.
Ora, no presente caso, os réus não lograram fazer prova de que a assinatura fosse verdadeira.
(…) Ora, não provada, como vimos, a veracidade da assinatura constante dos ditos documentos, estes carecem de força probatória das declarações que deles constam (…)"
Com o devido respeito, parece-nos que há aqui um enorme equívoco.
Ao contrário do que se diz neste trecho da sentença, a assinatura dos documentos em questão (44) não é "atribuída à contraparte"; as assinaturas em causa são atribuídas a Lurdes, não ao réu Manuel e/ou à ré Maria. Não se imputando aos réus a autoria das assinaturas em causa, fica desde logo afastada a aplicação do n.º 2 do artigo 374.º do Código Civil.
Este 374.º enuncia os caminhos a seguir face à conduta que for adoptada pela parte a quem é atribuída a autoria de um documento particular. Mas tem que estar em causa uma assinatura de uma das partes; tem que ser a assinatura da "pessoa contra quem a respectiva autoria se imputa" (45).
Sendo assim, não se pode concluir que este preceito impõe aos réus Manuel e Maria o ónus da prova da autenticidade da assinatura atribuída a Lurdes.
Afigura-se que, radicando os pedidos das autoras, entre outros factos, na alegação de que "as assinaturas deles constantes não (…) saíram do seu [de Lurdes] punho" (46), é a elas que, à luz do princípio enunciado no artigo 342.º n.º 1 do Código Civil, cabe o ónus da prova da falsidade das assinaturas.
Essa prova não foi feita. Não existe qualquer documento ou depoimento que, com o mínimo de rigor e certeza necessários, permita afirmar que as assinaturas não são de Lurdes.

No entanto, independentemente dessa questão, atentos os depoimentos de José, Filipe e Álvaro, deve ter-se por assente que as assinaturas que estão nos documentos das folhas 42 e 43 são de Lurdes.
E como já se disse por mais de uma vez, Lurdes não tinha as suas capacidades intelectuais afectadas, pelo que se tem que aceitar que agiu conforme queria. Também já se deu nota da grande proximidade que tinha com o réu Manuel, expressa em diversos factos, dos que se podem salientar, por figurarem em documentos, a procuração emitida, ainda antes de 2000, para que este movimentasse as suas contas e a vontade, expressa em vários testamentos, de o beneficiar quando falecesse.

Assim, deve ter-se como provado que:

- "Lurdes celebrou contratos de aplicação ou produto financeiro, seguro de vida, da Y Seguros e do Banco X, denominado Banco X Seguro 4% (A45) datado de 21 de Junho de 2007, onde ela figura como Tomadora de Seguro, no montante de € 500 000,00."
- "Lurdes procedeu à aplicação financeira e contrato de seguro de vida da Y Seguros e do Banco X, denominado Banco X Seguro, 11,45% (10) datado de 13 de Setembro de 2007, onde ela figura como tomadora de Seguro, no montante de € 208 000,00."
- "Celebrou também seguro de vida na Y Seguros e do Banco X denominado Banco X Seguro Investmais, datado de 16 de Setembro de 2008, onde figura como tomadora do seguro Lurdes, no montante de € 50 000,00."
- "A ali tomadora de seguro, livre, consciente, deliberadamente e por ser a verdadeira vontade expressa da dita Lurdes, indicou nos referidos contratos, como beneficiário dos seguros, o réu Manuel."
- "Todas as aplicações financeiras/seguros de vida foram subscritos por Lurdes, livre e conscientemente." (47)

No que se reporta ao facto f), é certo que houve várias testemunhas (48) a dizerem que isso é a prática do Banco X e da Y. Mas, entre o que é prática nessas instituições e aquilo que efectivamente foi feito vai ainda uma significativa diferença. Ora, salvo melhor juízo, não se produziu prova suficientemente segura de que tal correspondência foi realmente remetida a Lurdes.
Examinados os documentos das folhas 42 e 43, tem-se por demonstrado o que se encontra em g), mas somente em relação a essas aplicações (49). Porém, o mesmo já não é verdade em relação à subscrição da folha 44 (50), pois esta não foi assinada por Lurdes. Mas, para que não haja equívocos, deve mencionar-se, sim, que Lurdes apôs a sua assinatura depois dos dizeres em causa.

Assim, só se julga provado que:

- «Nas aplicações de € 500 000,00 e de € 208 000,00 Lurdes apôs a sua assinatura depois dos dizeres: "3. Declaro que tomei conhecimento do conteúdo da informação fornecidas nas informações pré-contratuais; 4- Declaro que me foram facultadas todas as informações de que necessitava para a compreensão do contrato que estou a subscrever; 5- Declaro que fiquei esclarecido quanto à natureza do produto que estou a subscrever; 7- Declaro ainda que recebi as Condições Gerais do produto (...)"».

Finalmente, em relação ao facto h) vale tudo quanto acima já se escreveu relativamente ao facto 24.º.

Deste modo, considera-se provado que:

- "Lurdes percebeu que subscreveu aplicações financeiras, tendo manifestado essa vontade ao Banco X, indicando os valores que pretendia investir e o réu Manuel como a pessoa que, à sua morte, iria beneficiar do valor de cada um desses investimentos."

5.º

Estão provados os seguintes factos:

1.º - Lurdes faleceu no dia 24 de Novembro de 2009, no estado de viúva.
2.º - E não deixou descendentes, nem ascendentes, vivos.
3.º - E. A. é irmã única de Lurdes.
4.º - A autora E. A. requereu Inventário por óbito de sua Irmã, que se encontra pendente no Tribunal de Macedo de Cavaleiros, sob o n.º 309/11.8TBMCD.
5.º - No âmbito do qual foi nomeado Cabeça-de-casal o réu Manuel, como Testamenteiro, nomeado no Testamento supra referido.
6.º - Nele, a Autora E. A. reclamou os activos financeiros, aplicações, dinheiros e seguros financeiros, que integram o remanescente da Herança de Lurdes.
7.º - O réu Manuel negou a sua existência e não os relacionou.
8.º - Na sequência de informações bancárias solicitadas pela Autora E. A., através do Tribunal, a Banco X, juntou aos referidos autos, documentos comprovativos da existência dos valores monetários e seguros financeiros de Lurdes.
9.º - Documentos que foram enviados e notificados à Mandatária Judicial da Autora e foram recebidos no dia 28 de Maio de 2012.
10.º - Nomeadamente, a aplicação ou produto financeiro, seguro de vida, da Y Seguros e do Banco X, denominado Banco X Seguro 4% (A 45), datado de 21 de Junho de 2007, onde figura como Tomadora do Seguro, Lurdes, no montante de quinhentos mil euros (€ 500 000,00), cobrados na conta com o NIB ..., Agência de Macedo de Cavaleiros.
11.º - Bem como a aplicação financeira, seguro de vida, da Y Seguros e do Banco X, denominado Banco X Seguro 11,45% (C10), datada de 13 de Setembro de 2007, onde figura como Tomadora do Seguro, Lurdes, no montante de duzentos e oito mil euros (€ 208 000,00), cobrados na conta com o NIB ..., Agência de Macedo de Cavaleiros.
12.º - E a aplicação financeira, seguro de vida, da Y Seguros e do Banco X, denominado Banco X Seguro Investmais, datada de 16 de Setembro de 2008, onde figura como Tomadora do Seguro, Lurdes, no montante de cinquenta mil euros (€ 50 000,00), cobrados na conta com o NIB ..., Agência de Macedo de Cavaleiros.
13.º - Os valores e aplicações financeiras referidos em 10.º, 11.º e 12.º eram propriedade exclusiva de Lurdes, constituídos com valores e dinheiros seus.
14.º - O réu Manuel nunca depositou qualquer importância sua ou a expensas do seu património e rendimentos nas contas de Lurdes, nomeadamente na conta bancária n.º …, do Banco X, com os saldos da qual foram constituídos os seguros e aplicações financeiras de Lurdes.
15.º - Eliminado.
16.º - Eliminado.
17.º - A Lurdes não foi dada, antes de os subscrever, qualquer explicação acerca das condições particulares e/ou gerais dos produtos financeiros com os valores de € 208 000,00 e de € 50 000,00.
18.º - Na data das aplicações identificadas em 10.º, 11.º e 12.º, o réu Manuel era funcionário bancário, na Banco X, Agência de Macedo de Cavaleiros.
19.º - Lurdes autorizou o réu Manuel a movimentar algumas da suas contas.
20.º e 21.º - Lurdes esteve internada desde o dia 3/02/2006 a 3/03/2006, de 8/07/2006 a 17/07/2006, de 10/11/2008 a 17/11/2008, de 13/01/2009 a 26/01/2009, de 26/02/2009 a 6/03/2009, de 4/06/2009 a 18/06/2009, de 19/07/2009 a 22/07/2009, de 8/08/2009 a 11/08/2009 e de 17/11/2009 a 24/11/2009.
22.º - No dia 22 de Dezembro de 2009, o réu Manuel procedeu ao levantamento e resgate dos valores relativos às aplicações identificadas em 10.º, 11.º e 12.º, no montante de € 821 585, 76 (oitocentos e vinte e um mil quinhentos e oitenta e cinco euros e setenta e seis cêntimos).
23.º - Eliminado.
24.º - foi-lhe dada resposta conjuntamente com o facto 17.
25.º - A co-titularidade das contas de Lurdes com o Réu marido era da vontade desta, do seu conhecimento e consciência.
26.º - Lurdes outorgou testamento em 07-05-2007, dizendo o seguinte:

"Lega a M. C. (…) a casa de habitação com respectivo cabanal anexo, sita (…);
Lega à dita M. C., e aos irmãos desta, Manuel, e Catarina, o recheio da casa atrás referida;
a) Lega a o prédio urbano (…) sito (…), da seguinte forma:
Lega aos seus afilhados Fernando, casado, e Francisco, solteiro (…) o rés-do-chão do prédio identificado na alínea a).
Lega a Catarina (…) o primeiro andar lado direito do prédio identificado na alínea a) (…);
Lega a Cândida e Carmo (…) o primeiro andar lado esquerdo do prédio identificado na alínea a) (…);
Lega a João (…) e Pedro o segundo andar do prédio identificado na alínea a) (…);
Lega a Luísa (…) as águas furtadas do prédio identificado na alínea a);
Lega a M. C., Manuel, e Catarina o logradouro do prédio da alínea a) (…);
Lega a O. L. (…) o veículo automóvel ligeiro marca "Peugeot" (…);
Lega o jazigo da família (…) aos referidos irmãos M. C., Manuel, e Catarina (…);
Lega a Júlia (…) a quantia de cinquenta mil euros, da conta n.º …, na agência do Banco X em Macedo de Cavaleiros;
Lega a Amélia (…) a quantia de cinquenta mil euros da conta n.º …, na agência do Banco X em Macedo de Cavaleiros;
Lega a Manuel (…) o saldo total existente na conta n.º …, na agência do Banco X em Macedo de Cavaleiros;
Lega a M. N. (…) o saldo existente na conta n.º ..., na agência do Banco X em Macedo de Cavaleiros;
Ficam ainda os legatários com encargo de mandarem celebrar, cada um, um trintário de missas pela família C. e V..
Na eventualidade de os legatários João e Pedro, não poderem vir aceitar ou repudiarem os legados, designo-os substitutos, mútua e reciprocamente um do outro.
Também, na eventualidade, da legatária Catarina não puder aceitar os legados ou os vier a repudiar, designo, como substitutos os seus ascendentes, em primeiro lugar a sua mãe, e no caso de esta não puder ou quiser aceitar, o seu pai.
Nomeio como testamenteiro o legatário Manuel (…)".
27.º - Lurdes celebrou contratos de aplicação ou produto financeiro, seguro de vida, da Y Seguros e do Banco X, denominado Banco X Seguro 4% (A45) datado de 21 de Junho de 2007, onde ela figura como Tomadora de Seguro, no montante de € 500 000,00.
28.º - Lurdes procedeu à aplicação financeira e contrato de seguro de vida da Y Seguros e do Banco X, denominado Banco X Seguro, 11,45% (10) datado de 13 de Setembro de 2007, onde figura como tomadora de Seguro Lurdes, no montante de € 208 000,00.
29.º - Celebrou também seguro de vida na Y Seguros e do Banco X denominado Banco X Seguro Investmais, datado de 16 de Setembro de 2008, onde figura como tomadora do seguro Lurdes, no montante de € 50 000,00.
30.º - A ali tomadora de seguro, livre, consciente, deliberadamente e por ser a verdadeira vontade expressa da dita Lurdes, indicou nos referidos contratos, como beneficiário dos seguros, o réu Manuel.
31.º - Todas as aplicações financeiras/seguros de vida foram subscritos por Lurdes, livre e conscientemente.
32.º - Nas aplicações de € 500 000,00 e de € 208 000,00 Lurdes apôs a sua assinatura depois dos dizeres: "3. Declaro que tomei conhecimento do conteúdo da informação fornecida nas informações pré-contratuais; 4- Declaro que me foram facultadas todas as informações de que necessitava para a compreensão do contrato que estou a subscrever; 5- Declaro que fiquei esclarecido quanto à natureza do produto que estou a subscrever; 7- Declaro ainda que recebi as Condições Gerais do produto (...)".
33.º - Lurdes percebeu que subscreveu aplicações financeiras, tendo manifestado essa vontade ao Banco X, indicando os valores que pretendia investir e o réu Manuel como a pessoa que, à sua morte, iria beneficiar do valor de cada um desses investimentos.
6.º
Perante estes factos, não há dúvidas de que Lurdes subscreveu os três contratos identificados nos autos.
Consequentemente, (agora) já não está prejudicado o conhecimento das anulabilidades e nulidades invocadas na petição inicial.
Vamos então começar pelo que se alega nos artigos 21.º, 22.º, 27.º, 33.º, 36.º e 40.º da petição inicial, ou seja, pelos alegados "vícios da vontade" e "divergência" entre a vontade declarada e a vontade real de Lurdes.
Examinada a matéria de facto assente, nela nada se encontra que possa traduzir-se nestes vícios.
O mesmo se passa quanto ao alegado nos artigos 31.º, 34.º 41.º e 42.º da petição inicial, a que também se faz alusão nas conclusões 37.ª a 41.ª das contra-alegações, que tem como núcleo o facto do réu Manuel ser "funcionário bancário, na Banco X, Agência de Macedo de Cavaleiros". Neste segmento nada se descortina nos factos provados que nos permita chegar às conclusões que, neste capítulo, são extraídas pelas autoras.

Por sua vez, os fundamentos de nulidade invocados nos artigos 58.º a 60.º da petição inicial radicam no facto de o réu Manuel figurar como "beneficiário" de Lurdes, em caso de morte desta.
Aqui, como emerge das condições particulares, estamos na presença de contratos de seguro de vida. E tendo o Regime Jurídico do Contrato de Seguro (51) só entrado em vigor depois de estarem celebrados estes três contratos, há que aplicar a legislação anterior a este diploma, no caso o disposto no artigo 460.º do Código Comercial que estabelece que:

"No caso de morte ou quebra daquele que segurou. sobre a sua própria vida ou sobre a de um terceiro, uma quantia para ser paga a outrem que lhe haja de suceder, o seguro subsiste em benefício exclusivo da pessoa designada no contrato, salvo, porém, com relação às quantias recebidas pelo segurador, as disposições do Código Civil relativas a colações, inoficiosidade nas sucessões e rescisão dos actos praticados em prejuízo dos credores."
Sendo assim, não estamos "perante uma doação mortis causa" (52).

Acresce que se afigura que não há aqui um verdadeiro animus donandi (53), visto que essa declaração de vontade está limitada ao período de vigência do negócio jurídico (neste caso 3 anos), findo o qual o beneficiário nada recebe se a pessoa segura se mantiver viva.

Em matéria de nulidades há ainda aquela que se alega no artigo 63.º e na segunda parte do artigo 38.º da petição inicial, mencionada igualmente na conclusão 20.ª das contra-alegações, onde as autoras colocam em causa o (in)cumprimento dos deveres de comunicação e de informação, a que se reportam os artigos 5.º e 6.º do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais (54). Cumprimento esse que tem que ser prévio à celebração do negócio jurídico.
Vistos os factos provados, dúvidas não restam de que, no primeiro dos contratos -€ 500 000,00-, estes deveres foram cumpridos, em relação às respectivas condições particulares.

Mas o mesmo já não se pode dizer quanto às condições particulares dos outros dois. Nada se provou que evidencie que aqueles deveres foram observados antes da celebração de tais contratos, sendo certo que não é "suficiente que o aderente assine um documento previamente elaborado em que admita terem sido cumpridas as exigências legais no que respeita à comunicação e ao esclarecimento das cláusulas, até porque esta cláusula, que também tem de ser comunicada, será provavelmente abusiva [19º-d) e 21º-e)]." (55) Na verdade, o legislador pretende que haja um efectivo cumprimento dessas obrigações, não ficando o mesmo demonstrado se quem adere ao conjunto pré-definido do clausulado assina depois de aí se dizer que foi informado e esclarecido. A ser boa tal conclusão, então ela também podia ser extraída se a assinatura estivesse por baixo de todas as cláusulas; neste caso sempre se poderia argumentar que o aderente leu o contrato antes de o assinar. É por se saber que isso muitas das vezes não acontece, e por que com frequência há cláusulas que não são de fácil compreensão para o cidadão médio, que o legislador estabeleceu aquelas obrigações. Não se trata de uma formalidade inócua.
Mas voltemos atrás. Vejamos os exactos contornos do nosso caso.
As autoras não questionam qualquer uma das cláusulas das condições particulares; não colocam em crise a duração do contrato, o fundo autónomo de investimento, a participação nos resultados ou a liquidação das importâncias seguras. As autoras questionam exclusivamente a cláusula beneficiária, dizendo que há nela um vício da vontade, pois Lurdes não queria instituir o réu Manuel como beneficiário (56).
Esse vício da vontade não se provou.

Por outro lado, a cláusula em que o réu Manuel é investido na qualidade de "beneficiário" não é uma cláusula contratual geral, pois estas são, sim, (apenas) aquelas que foram "elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar" (57). A cláusula relativa ao "beneficiário" não tem estas características; ela só foi preenchida aquando da celebração do contrato e em conformidade com a vontade expressa por Lurdes (58).
Não se aplicando, então, a esta cláusula o regime das cláusulas contratuais gerais, naturalmente que ela não está sujeita ao disposto nas normas apontadas nas conclusões 22.º e 23.º das contra-alegações.

De qualquer modo, fazendo um parêntesis, note-se que nos segundo e terceiro contratos, onde não se observou os deveres de comunicar e de informar, à luz dos artigos 8.º a) e b) e 9.º n.º 1 do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, as suas cláusulas contratuais gerais "consideram-se excluídas", o que implica que nesse caso "as omissões resultantes da supressão de cláusulas são integradas (…) por aplicação das normas supletivas pertinentes ou por recurso às regras relativas à integração dos negócios jurídicos" (59). A nulidade do contrato só se verifica se ocorrer o cenário extremo previsto no artigo 9.º n.º 2 do mesmo diploma. Quer isso dizer que, no nosso caso, a aplicação do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais não nos conduz à nulidade dos segundo e terceiro contratos.

E não se vê, de todo, como é que a estipulação beneficiária possa, sem mais, contrariar o princípio da boa-fé (60) ou os "princípios e valores éticos ou axiológicos fundamentais, acolhidos na ordem jurídica no seu conjunto, cuja postergação sempre seria ofensiva dos bons costumes, que pressupõem a rectidão, isenção, liberdade e independência" (61). Logo, não estamos na presença da nulidade invocada na conclusão 44.ª das contra-alegações.
E, independentemente de muitos dos factos referidos nas conclusões 29.ª a 44.ª não terem o menor suporte nos fatos provados, não se vislumbra nesta cláusula qualquer violação, por parte da ré Banco X, dos "especiais deveres de informação e assistência, respeito consciencioso pelos direitos e interesses dos clientes" (62), pelo que não ocorre a nulidade identificada na conclusão 42.ª das contra-alegações.
Portanto, esta cláusula não padece de vício algum.
Aqui chegados resta constatar que os três contratos atacados pelas autoras não enfermam de vício algum que coloque em causa a sua validade, leia-se os pedidos formulados na petição inicial sob 2 a 5 têm que ser julgados improcedentes (63).

III

Com fundamento no atrás exposto, julga-se procedente o recurso pelo que:

a) revoga-se a decisão recorrida no segmento em que condenou "o réu Manuel a entregar ou restituir à Herança aberta e indivisa por óbito de Lurdes, a quantia de € 821 585, 76 (oitocentos e vinte e um mil quinhentos e oitenta e cinco euros e setenta e seis cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, a contar da citação e até à sua efectiva entrega e restituição";
b) absolve-se os réus dos pedidos formulados na petição inicial sob 2 a 5;
c) mantém-se no mais a sentença recorrida.

Custas pelas autoras.
10 de Julho de 2018


(António Beça Pereira)
(Maria Amália Santos)
(Ana Cristina Duarte)


1. São deste código todas as disposições adiante mencionadas sem qualquer outra referência.
2. Cfr. conclusão 6.ª das alegações de recurso.
3. Cfr. conclusão 8.ª das alegações de recurso.
4. Cfr. conclusão 54.ª das alegações de recurso
5. Com o devido respeito, afigura-se que o Meritíssimo Juiz não exprimiu o seu pensamento com a clareza desejável.
6. Lamentavelmente, a fundamentação de direito das autoras na sua petição inicial é muito pobre. Num processo com o valor e a complexidade como é o caso dos presentes autos, veja-se, a título de exemplo, que na petição inicial só se invoca duas normas: os artigos 2145.º e 946.º do Código Civil, cfr. artigos 5.º e 60.º dessa peça. Excluindo a situação a que se faz apelo ao referido artigo 946.º, ficamos sem saber quais os preceitos legais de onde, no entendimento das autoras, resulta a anulabilidade e a nulidade dos contratos.
7. Cfr. artigo 636.º n.º 2.
8. Cfr. conclusões 6.ª e 7.ª das alegações de recurso.
9. No prazo de 15 dias.
10. Cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. II, 1945, pág. 513. Isso também resulta do artigo 199.º e Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Processo Civil, 3.ª edição, pág. 180.
11. É filha da autora E. A. e sobrinha da falecida Lurdes.
12. A testemunha diz isso por várias vezes.
13. Refere que "acha" que esses internamentos estão documentados no processo.
14. É filha da autora E. A. e sobrinha da falecida Lurdes.
15. Refere-se à irmã e sobrinhas.
16. A referência aos dez anos resulta de a tia ter morrido dez anos depois (2009).
17. Esta afirmação da testemunha não se compreende. Ao que parece, nesse momento, a tia não terá assinado esses "papéis" "de cruz".
18. Foi gerente de uma agência do Banco X durante 29 anos, mas agora já está aposentado. Trabalhou na agência de Macedo de Cavaleiros de 2003 até 2010 e depois foi para Vila Flor.
19. É funcionário do Banco X. Trabalhou na agência de Macedo de Cavaleiros de 1991 até 2009.
20. Conhecia Lurdes desde pequena. Ela era muito amiga dos seus pais. Manteve essa relação de amizade até à morte dela, apesar de no último ano de vida daquela se ter afastado um pouco.
21. Conhece a autora E. A. e os réus Manuel e Maria, mas estes quando souberam que foi indicada como testemunha neste processo deixaram de "me dar as boas horas".
22. Conhece a autora E. A. e os réus Manuel e Maria.
23. Conhece a autora E. A. e os réus Manuel e Maria.
24. Conhece a autora E. A. e os réus Manuel e Maria.
25. Diz ser conservadora e notária.
26. Esta palavra não é usada, mas é esse o sentido do que disse.
27. A sua mulher é irmã do réu Manuel. A sua mulher foi contemplada no testamento.
28. Fica subentendido que foi ao depoente, à sua mulher e aos réus Manuel e Maria.
29. É funcionária da Companhia de Seguros Y há 15 anos.
30. Foi funcionário do Banco X durante 33/34 anos e esteve na agência de Macedo de Cavaleiros, como subgerente, durante 18 anos. A gravação das declarações prestadas na tarde da sessão do dia 14-10-2016 está em más condições, havendo bastantes palavras que não se compreendem. Parece haver uma interferência, pois ouve-se uma música no "fundo". O mesmo problema existe em partes da gravação das palavras desta testemunha, até por volta do minuto 20, da sessão do dia 9-7-2017.
31. Folhas 53 e 54.
32. Cujo original está na folha 838.
33. Cujo original está na folha 839.
34. Cujo original está na folha 840.
35. A testemunha não usa esta palavra, mas é isso que resulta do que diz.
36. L. R. e Álvaro. Já o depoimento de M. P., nesta parte, não se apresenta como credível por a versão que apresenta ser inverosímil.
37. Cfr. folhas 202 a 206, 665 a 668, 671 a 675, 677 a 680, 682 a 686, 688 a 692, 694 a 696 e 698 a 701.
38. Era o gestor de conta de Lurdes, mas, por incrível que pareça, nunca falou com ela.
39. E por alguma razão o seu depoimento foi prestado em três sessões.
40. E com elevada educação e real vontade de colaborar.
41. Ela tinha, sim, problemas de saúde de ordem física.
42. Eta subscrição, propriamente dita, não está por ela assinada.
43. Sublinhado nosso.
44. Cfr. folhas 42 e 43.
45. José Alberto González, Código Civil Anotado, Vol. I, 2011, pág. 495.
46. Cfr. artigo 39.º da petição inicial. Esta alegação está até em contradição com o os "vícios da vontade" e o "erro da declarante" que se alega nos artigos 21.º, 22.º, 27.º, 32.º e 33.º do mesmo articulado. Este vício ou erro só existirá se, para além do mais, Lurdes tivesse assinado as subscrições das aplicações; se não as assinou não interveio nesse negócio jurídico, pelo que não pode existir o apontado vício ou erro.
47. A parte do "conhecimento pleno dos seus elementos, fins e benefícios", que figura na parte final do facto e), será adiante apreciada com os factos g) e h). E a circunstância de estar consciente de que subscrevia uma aplicação financeira não significa, automaticamente, que estivesse informada quanto ao seu conteúdo.
48. Cfr. José, Filipe, Álvaro e Elisabete.
49. As de € 500 000,00 e de 208 000,00.
50. A de € 50 000,00.
51. Decreto-Lei n.º 72/2008 de 16 de Abril.
52. Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, Vol. I, 4.ª Edição Renovada, pág. 35.
53. Cfr. artigo 940.º do Código Civil.
54. Decreto-Lei nº 446/85 de 25 de Outubro.
55. Jorge Morais de Carvalho, Manual de Direito do Consumo, 4ª Edição, pág. 100. Nesta linha de raciocínio veja-se o Ac. Rel. Lisboa de 5-4-2016 no Proc. 93017/13.2 YIPRT.L2-7, www.gde.mj.pt.
56. E também dizem, em contradição com esta primeira afirmação, que Lurdes não assinou o contrato.
57. Artigo 1.º n.º 1 do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais.
58. Cfr. facto 30 dos factos provados.
59. Ana Prata, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 2010, pág. 283. Neste sentido veja-se igualmente Araújo Barros, Cláusulas Contratuais Gerais, 2010, pág. 130.
60. Cfr. conclusão 22.ª das contra-alegações.
61. Cfr. conclusão 43.ª das contra-alegações.
62. Cfr. conclusão 29.ª das contra-alegações.
63. Cfr. conclusão 54.ª das alegações de recurso