Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
311/16.3T8VLN
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
INSOLVENCIA ACTUAL
INSOLVENCIA IMINENTE
HOMOLOGAÇÃO DO PLANO
SITUAÇÃO MENOS FAVORÁVEL DO CREDOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/22/2017
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2º SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I) A regulação da tramitação do procedimento de revitalização é de todo desadequada para a discussão sobre o carácter eminente ou verdadeiramente actual da insolvência do devedor, porque o seu núcleo essencial, a fase negocial, decorre informal e exteriormente ao controlo judicial.
II) Não cabe nos poderes do juiz a recusa oficiosa da homologação do plano com esse fundamento – a alegada insolvência actual da requerente.
III) A homologação do plano também não pode ser recusada com fundamento em que a situação de um credor ao abrigo do plano será, previsivelmente, menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano se esse credor não apresentar, antes da homologação, qualquer requerimento tendente a demonstrar, em termos plausíveis, esse fundamento, nem essa questão, por maioria de razão, pode agora ser apreciada em sede de recurso.
Decisão Texto Integral: T, veio apresentar processo especial de revitalização, nos termos e ao abrigo do disposto nos artºs 17º-A e 17º-C do CIRE, alegando no essencial que é uma sociedade comercial anónima que se dedica, com escopo lucrativo, ao exercício de actividades e serviços conexos com o transporte nacional e internacional de mercadorias, tendo o seu negócio sido rentável até há cerca de 8 anos atrás.
Contudo, desde esse momento a esta parte, a mesma tem vindo a diminuir gradualmente a sua facturação, quer por diminuição da procura dos seus serviços, quer pelo aumento dos custos, quer, ainda, pelo incumprimento de obrigações por parte dos seus devedores.
Como consequência, a requerente encontra-se, actualmente, com dificuldades financeiras e de tesouraria, o que a impossibilita de honrar atempadamente os seus compromissos, quer quanto às suas obrigações já vencidas, quer quanto às suas obrigações vincendas, embora vá, ainda, conseguindo regularizar algumas das situações pendentes, mas com alguma delonga, pelo que, em consequência, foram sendo movidos à Requerente e seus administradores os competentes processos executivos e processos-crime.
Certo é que, constatando a difícil situação em que a mesma se encontra, todos os credores da requerente se prontificaram a colaborar para que a mesma ultrapasse aquela situação.
A requerente tem actualmente quarenta e seis trabalhadores ao seu serviço, é proprietária de inúmeros bens, quer móveis, quer imóveis, com um valor global de, aproximadamente, €1.500.000,00 e há sérias perspetivas de recuperação no sector da actividade da requerente.
Atento o supra exposto, para se lograr tais desideratos de forma mais eficaz e dotar a requerente de maior competitividade, urge intervir junto da mesma, para ajustar as suas dívidas à sua capacidade financeira e de tesouraria.
A requerente pretende, assim, dar início às negociações conducentes à sua recuperação, reunindo todas as condições necessárias para tal, designadamente no âmbito de um Processo Especial de Revitalização.
Acresce que, S, credora da requerente, também já manifestou igual propósito, pelo que estão reunidos todos os requisitos para a procedência do presente pedido.
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Juntou documentos para prova do alegado.
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Foi então proferido o seguinte despacho:
“T, com sede no lugar do Tuído, freguesia de Gandra, concelho de Valença, veio requerer a abertura de processo especial de revitalização.
O processo está instruído com declaração escrita da requerente e de um dos seus credores (cfr. fls.153, reverso) no sentido de encetarem negociações tendo em vista a aprovação de um plano de recuperação, e bem assim com declaração (cfr. fls. 33), também por aquela emitida, atestando que reúne as condições necessárias para a sua recuperação (artigos 17º-A, nºs 2 e 17º-C, nº 1, do CIRE).
Foram apresentados os documentos elencados no artigo 24.°, nº 1, do ClRE, para ficarem patentes na secretaria para consulta pelos credores (artigo 17°-C, n° 3, b) do CIRE).
Assim sendo, declara-se iniciado o processo especial de revitalização, nomeando-se como administrador judicial provisório o Sr. Dr. Secundino Cantinho (indicado pela requerente) (…) (artigo 17.0-C, nº 3, alínea a), do CIRE)…”
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Após a prolação do despacho proferido começou a correr, a partir da sua publicação no Citius, o prazo de 20 dias para que qualquer credor reclamasse os seus créditos, tendo as reclamações sido remetidas ao administrador judicial provisório, o qual elaborou a lista provisória de créditos que, apresentada na secretaria do tribunal, foi depois publicada no portal Citius, a qual foi impugnada, tendo as impugnações sido decididas por despacho de fls. 290 e ss., tendo sido apresentada nova lista, rectificada, em conformidade com a decisão proferida.
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Concluídas as negociações encetadas (em prazo cuja prorrogação foi solicitada e deferida) as mesmas conduziram à aprovação de um plano de recuperação conducente à revitalização da devedora em que intervenham todos os credores, conforme deu conta ao tribunal o Administrador Judicial provisório, nos seguintes termos:
“… 1. A devedora submeteu aos credores um Plano de Revitalização que prevê a continuidade da empresa e a sua recuperação face à actual situação económica difícil.
2. Na elaboração do referido plano foram tidas em consideração as sugestões remetidas pelos credores.
3. Nos termos do n.º 7 do artigo 17.º - D do CIRE, qualquer credor que decida participar nas negociações em curso declara-o ao devedor por carta registada, podendo fazê-lo durante todo o tempo em que perdurarem as negociações (…).
1. O plano de revitalização apresentado pela devedora, foi objecto de votação pelos credores, uma vez que não foi obtida a sua aprovação por unanimidade, a que alude o n.º 1 do artigo 17.º -F do CIRE.
2. A lista provisória de credores entretanto convertida em definitiva apresenta créditos no montante total de € 6.940.271,77.
3. Deste modo, compulsados todos os votos recolhidos, foi elaborado o documento "Resultado da Votação" a que alude a parte final do n.º 4 do artigo 17.º -F do CIRE, junto em anexo sob doc. n.º 1.
4. Deste documento infere-se que os votos emitidos, não se considerando as abstenções, computam-se em € 6.505.239,49, assim distribuídos:
Votos a favor € 6.024.812,99; Votos contra € 480.426,50
5. O plano de revitalização deve ser aprovado caso seja votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, 1/3 do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.º(s) 3 e 4 do artigo 17.º -D do CIRE e obtiver votos favoráveis de valor superior a 2/3 da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos corresponda a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções.
6. Atento o montante total de créditos de € 6.940.271,77, cf. decorre da lista de credores publicada no Portal Citius, constata-se a existência do quórum previsto no nº 1 do artigo 212º do CIRE.
7. Assim sendo, resulta terem votado favoravelmente credores no valor de € 6.024.812,99, representando 92,61% dos votos totais admitidos e votaram contra credores no montante de € 480.426,50, representando 7,39% dos votos totais admitidos.
8. Por conseguinte, encontram-se reunidos os pressupostos para aprovação do plano de revitalização a que aludem os artigos 17º-F nº 3, com remissão ao artigo 212º, ambos do CIRE.
Face ao exposto requer a V. Exa. se digne considerar aprovado o plano de revitalização apresentado pela requerente, homologando-o nos termos do disposto no nº 5 do artigo 17º-F do CIRE com as legais consequências…”
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O resultado da votação foi enviado ao tribunal em 31.1.2017, juntamente com o plano de revitalização aprovado.
A fls. 388 verso consta a declaração de “voto contra” da COFIDIS SUCURSAL EM PORTUGAL (ANTERIORMENTE DESIGNADO BANCO COFIDIS S.A.), sem qualquer declaração ou requerimento.
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Com data de 2.2.2017 foi proferido o seguinte despacho:
“Fls. 352 e ss.: analisado o plano de revitalização aprovado pelos credores verifico que o mesmo não foi aprovado por unanimidade nos termos do disposto no artigo 17.º-F, n.º 1, do CIRE.
Não obstante, tal circunstância não constitui obstáculo à aprovação do dito plano se forem cumpridas as condições (que são alternativas) enunciadas nas alíneas a) e b) do n.º 3 da norma supra citada. E a verdade é que, analisada a documentação que acompanha o plano de revitalização e a lista provisória de credores já junta aos autos, constatamos que o quórum exigido na alínea a) para aquele efeito foi efectivamente alcançado.
Em face do exposto, inexistindo quaisquer outros motivos (designadamente os previstos nos artigos 215.º e 216.º do CIRE, ex vi artigo 17.º-F, n.º 5, in fine do mesmo diploma legal) para recusar a homologação do plano de recuperação conducente à revitalização da devedora e uma vez que se considera aprovado tendo em conta o disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-F do CIRE, decido homologá-lo ao abrigo do disposto no artigo 17.º-F, n.º 5, do CIRE.
Custas pela devedora (artigo 17.º-F, n.º 7, do CIRE)…”.
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Não se conformando com este último despacho proferido dele veio o credor reclamante COFIDIS SUCURSAL EM PORTUGAL (ANTERIORMENTE DESIGNADO BANCO COFIDIS S.A.), interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
1. O presente recurso vem interposto da decisão de homologação do plano de revitalização.
2. A Requerente/Devedora não se encontra em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas sim em situação de insolvência.
3. O passivo da Devedora ascende a 6.938.880,69 €, conforme Lista Provisória de Credores elaborada e junta aos autos pelo Administrador Judicial Provisória.
4. Com efeito, é considerado em situação de insolvência o devedor que possua um passivo superior ao activo, detendo dividas ao Fisco e Segurança Social sendo, como de resto resulta da Lista Provisória supra referenciada, o caso em apreço.
5. Verifica-se que o incumprimento da empresa Devedora advém ainda do não pagamento aos seus funcionários e do não pagamento aos seus fornecedores, em suma, a todas as entidades necessárias e imprescindíveis para o exercício da sua actividade.
6. Para a declaração de insolvência basta o preenchimento de um ou alguns dos factos contidos nas diversas alíneas do artigo 20.º do CIRE, através dos quais a situação de insolvência se manifesta ou exterioriza, uma vez que tais factos são taxativos, e não cumulativos.
7. A proposta de reembolso do crédito ao Apelante, acima mencionada e descrita no Plano de Recuperação do Devedora, coloca o mesmo numa situação menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano.
8. A proposta apresentada afigura-se como uma cobertura legal para o incumprimento contratual e uma desproporcionalidade entre a recuperação da devedora e o sacrifício decorrente dela, impostos aos credores.
9. Efectivamente, se não existisse qualquer Plano de Revitalização a Apelante não teria de aguardar 17 anos para que fosse ressarcido do seu crédito.
10. O proposto pela Devedora implica que um contrato que terminava em 2016 (se tivesse sido cumprido), passe a terminar apenas em 2025.
11. Os bens locados não terão qualquer valor no final do contrato prejudicando sobremaneira o credor.
12. Podia accionar livre e judicialmente os intervenientes, nomeadamente os avalistas, procedendo à cobrança coerciva dos seus créditos.
13. Conseguiria ser ressarcido, pelo menos parcialmente, do seu crédito através da venda ou relocação dos bens locados.
14. São evidentes os danos causados ao credor – desvalorização dos bens locados, agravamento das provisões, frustração das expectativas.
15. Há uma violação clara do disposto no artigo 6.º do D.L.149/95 de 24/06, com a redacção que lhe foi dada pelo DL 285/2001 de 03/11.
16. O Plano de Recuperação apresentado pela Devedora deve ser recusado, na medida em que a situação do credor Banco Cofidis, ao abrigo do supra referido Plano, no caso do mesmo vir a ser aprovado, é menos favorável do que a que seria na ausência de qualquer Plano, nos termos do disposto no art.º 216, n.º 1, do CIRE.
17. Com o Plano aprovado pretende-se impor a celebração de um contrato a um dos contraentes – ao banco.
18. Tal é legalmente inadmissível, violando os princípios que norteiam o direito civil – princípio da liberdade contratual (artigo 406º do Código Civil).
19. A constituição de novas relações contratuais ou alteração das existentes só será possível com a anuência das respectivas partes e não deliberada por terceiros que o impõe com o seu voto.
20. O Plano de Recuperação apresentado pela Devedora não deve produzir os seus efeitos relativamente à aqui Apelante por violação ao disposto no artigo 406º do CC.
21. O plano e o despacho de homologação violam o disposto artigos nº 3º, 17º F, nº 5, 20º, 192º, 215º, 216º e 217º do CIRE, 6º do DL n.º 149/ 95, de 24/06, com a redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 285/2001, de 03/11 e 405º do C.C.
Nestes termos e, nos mais de direito aplicáveis (…), dando provimento ao presente recurso de apelação e revogando a decisão do Tribunal “a quo” que homologou o plano de recuperação do devedor, substituindo-a por outra que recuse a homologação deste plano, ou a não produção dos seus efeitos quanto à Apelante (…) se fazendo, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!”
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O MºPº veio responder ao recurso interposto pela Cofidis, pugnando pela manutenção do despacho recorrido.
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Pela recorrida insolvente foram também apresentadas contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:
- A de saber se é admissível, num processo especial de revitalização (PER) sindicar judicialmente a situação de insolvência da requerente;
- Se pode ser conhecido por este tribunal de recurso o pedido formulado pela recorrente de não homologação do plano, nos termos previstos na alínea a) do artº 216º do CIRE.
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Os factos a considerar para a decisão das questões colocadas são os enunciadas no relatório deste acórdão (extraídos da análise dos autos)
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Da não verificação dos requisitos legais para o recurso ao PER:
Alega a recorrente que a TMC não se encontra em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas sim em situação de insolvência actual, uma vez que o seu passivo ascende a 6.938.880,69 €, conforme Lista Provisória de Credores elaborada e junta aos autos pelo Sr. Administrador da Insolvência, sendo considerado em situação de insolvência o devedor que possua um passivo superior ao activo, detendo dividas ao Fisco e à Segurança Social, como é o caso em apreço.
Acresce que o incumprimento da empresa devedora advém ainda do não pagamento aos seus funcionários e do não pagamento aos seus fornecedores, ou seja, a todas as entidades necessárias e imprescindíveis para o exercício da sua actividade.
Ou seja, entende a recorrente que não se verificam os pressupostos legais para o recurso ao PER por parte da devedora, a qual deveria antes apresentar-se à insolvência, pelo que o plano de recuperação deveria ser recusado ou, pelo menos, não produzir efeitos quanto a si.
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Começamos por dizer que temos sérias dúvidas em aceitar que o despacho recorrido – que homologou o plano de revitalização da devedora – possa ser impugnado com base no fundamento invocado pela apelante, ou até mesmo que no processo especial de revitalização (PER) possa ser apreciada, tecnicamente, a situação económica da requerente.
Vejamos:
A Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, que instituiu o procedimento especial de revitalização (PER) teve por escopo “reorientar o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE) para a promoção da recuperação, privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação” (exposição de motivos da Proposta de Lei 39/2012).
Refere-se ainda nessa exposição de motivos que «A presente situação económica obriga, com efeito, a gizar soluções que sejam, em si mesmas, eficazes e eficientes no combate ao “desaparecimento” de agentes económicos, visto que cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, uma vez que gera desemprego e extingue oportunidades comerciais que, dificilmente, se podem recuperar pelo surgimento de novas empresas».
O PER é um processo pré-insolvencial, cuja maior vantagem é a possibilidade de o devedor obter um plano de recuperação sem ser declarado insolvente.
Assim, após alguns anos de vigência do CIRE - que, claramente, quando confrontado com diplomas que o precederam, privilegiava a liquidação de empresas em situação económica difícil, uma vez que a eficácia de um plano de recuperação, após a declaração de insolvência, é reduzida -, foi introduzido um procedimento simplificado e célere, que evita tal declaração de insolvência, mediante a aprovação pelos credores de um plano – de revitalização -, que permita manter “viva” a empresa (acórdão desta Relação de Guimarães, de 04/03/2013 e da Relação do Porto, de 13/05/2013, ambos acessíveis em www.dgsi.pt).
Por isso, no âmbito deste procedimento de revitalização, estabelece o artº 17º-F do CIRE que a deliberação de votação é validamente tomada se expressaram o seu voto credores que representem um terço do total dos créditos com direito de voto e a proposta de plano de insolvência recolher mais de dois terços dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados.
Por aqui se vê que o PER é um processo do domínio exclusivoou quase exclusivo – dos credores do devedor, com uma reduzida intervenção judicial; trata-se de um processo negocial extrajudicial do devedor com os credores, com a orientação e fiscalização do administrador judicial provisório, de molde a lograr-se um acordo com vista à sua revitalização, sendo uma oportunidade para promover a recuperação económica do devedor.
A intervenção do juiz neste processo urgente é muito restrita, porquanto o interesse público radica na primazia da vontade dos credores, confiando-se, quase plenamente, nos mesmos, no administrador judicial, bem como, de certa forma, no devedor, no sentido de salvaguardarem os abusos prejudiciais para aqueles e para a saúde da economia.
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É claro que a lei que instituiu o procedimento especial de revitalização estabeleceu limites ou pressupostos relativos ao devedor para recurso àquele processo, estabelecendo o artº 17°-A nº 1 do CIRE (aditado pela Lei nº 16/2012, de 20/04), que "O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização", clarificando-se no artigo 17º-B do mesmo diploma que o devedor encontra-se numa situação económica difícil quando se depare com sérias dificuldades em cumprir atempadamente as suas obrigações.
Não temos dúvidas em afirmar que a dificuldade séria para cumprir pontualmente as obrigações não pode implicar uma impossibilidade de cumprir as obrigações vencidas, pois neste caso o devedor encontrar-se-á já em situação de insolvência.
Mas logo se acrescentou no nº 2 do mesmo preceito (artº 17º-A) que o PER pode "ser utilizado por todo o devedor que, mediante declaração escrita e assinada, ateste que reúne as condições necessárias para a sua recuperação".
Temos assim que para se iniciar o processo, a lei exige apenas a declaração escrita e assinada do devedor onde o mesmo alegue que enfrenta dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por falta de liquidez ou por falta de conseguir obter crédito.
Destas normas concluímos, cremos que com clareza, que a lei se basta com o atestado por parte do devedor de que a sua situação se integra dentro dos pressupostos de que a lei faz depender o respectivo processo, nomeadamente os requisitos a que alude o artigo 17º- B do CIRE.
A essa conclusão se chega também pela tramitação do dito processo – célere e simples – pois como decorre do disposto no artigo 17º-C do CIRE, o processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação.
Decorre assim do exposto que se auto responsabiliza o devedor pelas declarações prestadas e não se confere ao juiz, nem no momento do despacho liminar, nem posteriormente, que averigue qual a verdadeira situação do requerente.
À lei basta que o requerente o certifique – sem prejuízo da responsabilidade civil a que pode ser sujeito, pelas declarações prestadas, nos termos previstos no nº 11 do artº 17º-D do CIRE.
Assim, não compete ao Juiz a quem é comunicada a pretensão do devedor, averiguar (liminarmente) se materialmente se verificam os requisitos previstos no artigo 17º-B, para o recurso ao PER, bastando que o devedor declare e ateste que se encontra numa situação económica difícil e invoque os pressupostos referidos na lei para dar início ao processo (Ac STJ de 15 de Março de 2005, Ac. RG de 16 de Maio de 2013 e Ac. da RP, de 15/11/2012, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Em suma: é certo que, como sugere a própria designação utilizada pelo legislador, o processo de revitalização exclui do seu âmbito de aplicação o devedor insolvente, sendo apenas facultado ao devedor “desvitalizado”: o devedor que se encontre em situação económica difícil – com dificuldades sérias para cumprir as suas obrigações, por falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito – ou de insolvência eminente – situação que pode ser entendida como de probabilidade séria da impossibilidade de cumprimento, num futuro próximo, das suas obrigações vincendas (arts 1º nº 1, 17º-A nº 1 e 17º-B do CIRE).
Porém, para o que o processo se inicie é suficiente uma declaração escrita assinada pelo devedor e, pelo menos, por um dos seus credores, manifestando a vontade de encetar negociações conducentes à revitalização (art. 17º-A nº 2 e 17º-C nº 1 do CIRE).
Ora, apesar de tal documento não ser adequado a demonstrar a situação económica difícil ou a insolvência eminente do devedor e de ao juiz não ser dada a efectiva possibilidade de controlar a verificação de um ou de outro destes pressupostos, o certo é que basta a apresentação daquela declaração e a comunicação, pelo devedor, de que pretende encetar negociações para que o processo seja, necessariamente, aberto, devendo o juiz nomear, de imediato, administrador judicial provisório.
Por outro lado, os documentos que o devedor deve remeter ao tribunal – relação dos credores e das acções e execuções pendentes, documento de explicitação da sua actividade e das contas anuais relativas aos três últimos exercícios, etc. – também não são aptos para comprovar tais pressupostos, sendo certo, de resto, que a sua remessa para o tribunal, destinada apenas aos credores e não ao tribunal, pode ocorrer depois de o processo já se ter iniciado e de o juiz proferir aquele despacho (arts 24º nº 1 e 17º-C nº 3 b) do CIRE).
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Ora, se não existe controle, por parte do tribunal, no despacho liminar, sobre a real situação económico/financeira do devedor, o mesmo se passa ao longo de todo o processo – que se desenrola, como dissemos, essencialmente à margem do tribunal.
Com efeito, este processo, híbrido, assenta, essencialmente, numa fase nitidamente extrajudicial do devedor com os credores, com a orientação e fiscalização do administrador judicial provisório, focalizado na obtenção de um acordo para a revitalização do devedor e conclui-se, depois, com uma fase judicial, à qual são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as regras específicas que pautam a homologação do plano insolvencial, para o qual nos remete o artigo 17º-F, nº5, do mesmo diploma.
Efetivamente, após o despacho liminar e a notificação dos credores, e com o prosseguimento do processo, podem as negociações conduzir à elaboração de um plano de recuperação - como sucedeu no caso dos autos - e o juiz decide se deve homologar o referido plano ou recusar a sua homologação (artigo 17.º-F, n.ºs 3 e 5) aplicando-se, para o efeito, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º, sendo que a decisão do juiz vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações.
Sobre o conteúdo dos artºs 215º e 216 º do CIRE, de ambos decorre o dever do Juiz recusar a homologação do plano de recuperação aprovado, caso seja confrontado com situações de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando v.g. tal lhe tenha sido solicitado por algum credor que demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que: a) a sua situação com o plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria sem qualquer plano; b) O plano proporciona a um credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos.
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No caso dos autos, o juiz homologou o plano de recuperação apresentado, atendo-se essencialmente ao quórum deliberativo – analisando apenas o resultado da sua votação pelos credores.
Constatou, efectivamente, que o mesmo não foi aprovado por unanimidade nos termos do disposto no artigo 17.º-F, n.º 1, do CIRE, mas concluiu: “Não obstante, tal circunstância não constitui obstáculo à aprovação do dito plano se forem cumpridas as condições (que são alternativas) enunciadas nas alíneas a) e b) do n.º 3 da norma supra citada. E a verdade é que, analisada a documentação que acompanha o plano de revitalização e a lista provisória de credores já junta aos autos, constatamos que o quórum exigido na alínea a) para aquele efeito foi efectivamente alcançado.
Em face do exposto, inexistindo quaisquer outros motivos (designadamente os previstos nos artigos 215.º e 216.º do CIRE, ex vi artigo 17.º-F, n.º 5, in fine do mesmo diploma legal) para recusar a homologação do plano de recuperação conducente à revitalização da devedora e uma vez que se considera aprovado tendo em conta o disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-F do CIRE, decido homologá-lo ao abrigo do disposto no artigo 17.º-F, n.º 5, do CIRE”.
Resulta, ainda assim, da última parte do despacho proferido que o tribunal não encontrou no mesmo “a violação grave não negligenciável” das regras procedimentais ou de conteúdo do plano, que pudessem levar à sua não homologação oficiosa.
Ora, considera o recorrente que deveria o plano ser recusado (ou não lhe ser oponível) por falta dos pressupostos aludidos no artº 17º-A e 17º-B do CIRE.
Repetindo o que começamos por afirmar acima: temos sérias dúvidas em aceitar que o despacho recorrido – que homologou o plano de revitalização da devedora – possa ser impugnado com base no fundamento invocado pela apelante, ou que no processo especial de revitalização (PER) possa ser apreciada, tecnicamente, a situação económica da requerente.
Começando pela letra da lei, o artº 215º do CIRE, que trata da “Não homologação oficiosa” do plano – e teria que ser no âmbito deste preceito apreciada a pretensão do recorrente – refere que “O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação”.
Não se refere, no preceito em análise, a qualquer situação que contenda com a apreciação de mérito do plano, mas apenas com a violação de normas procedimentais ou de normas palicáveis ao seu conteúdo – mas sempre de ordem processual.
Mesmo no âmbito do poder/dever que dispõe de recusar a homologação do plano de recuperação, como bem salienta Menezes Leitão (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), há-de o juiz ater-se às situações de “violação grave não negligenciável” das regras procedimentais ou de conteúdo do plano, sendo certo que as “violações consideradas menores, que não ponham em causa o interesse do devedor e dos credores afectados, não constituirão causa suficiente para que o juiz possa recusar a homologação do plano”.
Este preceito confere assim ao tribunal apenas o papel de guardião da legalidade, cabendo-lhe, em consequência, sindicar o cumprimento das normas aplicáveis como requisito da homologação do plano, quer as que concernem a aspetos de procedimento, quer as que concernem ao conteúdo do plano; mas quer se trate de normas de procedimento, quer de normas de conteúdo, em causa estão sempre normas processuais, i.e., normas que definem uma consequência processual, ou, mais concretamente, aquelas cuja previsão desencadeia um efeito processual.
No que respeita ao seu conteúdo, a lei reconhece aos credores amplas liberdades de estipulação na definição do conteúdo do plano de insolvência.
Concluímos, assim, do exposto, que a regulação da tramitação do procedimento de revitalização é de todo desadequada para a discussão sobre o carácter eminente ou verdadeiramente actual da insolvência do devedor porque o seu núcleo essencial, a fase negocial, decorre informal e exteriormente ao controlo judicial.
É esse carácter negocial que distingue o PER do Processo de Insolvência, onde se processa a liquidação do património do devedor, pois que para que possa iniciar-se a liquidação total do património do devedor é indispensável que o tribunal emita uma sentença que o declare em estado de insolvência, ou seja, de impossibilidade de solver os seus compromissos (art. 3º nº 1 do CIRE).
E para que seja proferida essa sentença, o juiz deve verificar se ocorrem as condições e circunstâncias, que, no pensamento da lei, justificam a declaração daquela situação de insolvência. O cotejo das normas gerais do processo de insolvência com as normas especiais do procedimento de revitalização – marcadas estas, por exemplo, pela notável exiguidade dos prazos – é a este respeito, esclarecedor - embora, como se deixou dito e recorre da lei, à decisão de homologação do plano de revitalização são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as regras dispostas para o plano de insolvência no título IX do CIRE (art. 17º-F nº 3).
Como nos dá conta o ac. da Relação de Coimbra de 10.03.2015 (disponível em www.dgsi.pt, e que seguimos de perto na análise desta questão) a averiguação da situação de insolvência do devedor coloca delicados problemas de alegação e de prova, para as quais, nitidamente, o processo especial de revitalização não se mostra talhado.
Pergunta-se, desde logo: em que momento deve ser alegada a situação de insolvência actual do devedor?; E em que prazo deve o devedor – ou os demais credores – ser admitidos a impugnar a alegação?; E que provas são admissíveis e em que momento devem ser propostas e produzidas as provas admitidas para se decidir a questão controversa correspondente?
Quando muito, o controlo sobre a verificação dos pressupostos da revitalização ocorrerá a final do procedimento, no momento em que o tribunal é chamado a homologar o acordo de recuperação, dado que tal acordo, para que seja eficaz, exige a homologação judicial (artº 17-F nº 5 do CIRE).
Todavia, mesmo nesse caso, se os credores – ou a maioria exigível deles – tiverem aprovado o plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, - como sucedeu no caso dos autos - não parece que ao juiz – descontada a verificação de qualquer outro fundamento de recusa de homologação do plano – reste outra alternativa que não a homologação desse acordo.
O que se compreende, já que se o devedor e os credores, ou uma maioria qualificada deles – sujeitos para cuja tutela o processo se mostra ordenado - acordam num plano de recuperação, é porque realmente o devedor não se encontra em estado de insolvência, antes é recuperável ou revitalizável ou como tal se deve ter: ninguém está melhor colocado para decidir sobre o estado de insolvência ou de recuperação do devedor que os seus credores.
A este propósito deve notar-se que a declaração de insolvência, no contexto do processo especial de revitalização, só é admissível no caso de o processo negocial se mostrar concluído sem a aprovação de plano de recuperação e só tem lugar depois do encerramento do processo (artº 17-G nºs 1 e 2 do CIRE). Do que decorre que, na prática, o processo de revitalização acabe por ser aplicável em casos em que não deveria sequer ter sido aberto, ou seja, que se aplique a devedores em situação de insolvência actual, portanto, à margem dos pressupostos que definem o seu âmbito de aplicação, sendo aí que se vem a consolidar a auto-responsabilização do devedor pelas declarações prestadas e a sua eventual responsabilidade pela prestação das mesmas (artº 17º-D nº11 do CIRE).
Independentemente da exactidão destas considerações, uma coisa se deve ter por certa: a de que a recusa da homologação do plano de recuperação, fundada no facto de o estado do devedor não ser de insolvência meramente eminente mas actual, exige a aquisição, com correcção, para o processo, dos factos demonstrativos desse estado.
E no caso, essa aquisição não foi feita: ela haveria de ser aportada pelo recorrente para os autos na fase das negociações e antes da homologação do plano de recuperação – sempre em contraposição às declarações prestadas pela requerente, nomeadamente que se encontra a laborar, com 46 trabalhadores ao serviço e com ativo significativo (mobiliário e imobiliário).
Ou seja, o debate e o apuramento da real situação da requerente haveria de ser feita em sede própria – na 1ª instância – e não o foi, limitando-se o ora recorrente a votar contra, como se dá conta nos autos.
A particularidade relevante do PER, como se defende no Ac da RC citado, é a probabilidade da homologação do plano de recuperação, desde que aprovado por uma maioria qualificada, tornando-se o mesmo vinculativo para todos os credores, mesmo aqueles que não hajam participado nas negociações (artº 212 nº 1, ex-vi do artº 17-F nº 6 do CIRE).
O legislador, imbuído do espírito de transformar e modernizar as estruturas económicas e sociais, com o mecanismo ora em apreço, entrega à liberdade e autonomia da maioria qualificada dos credores a particular tarefa da prossecução da preservação do tecido económico. O papel do juiz neste processo é muito restrito, porquanto o legislador faz radicar a defesa daquele interesse público, em que se traduz a saúde da economia, na primazia da vontade da maioria qualificada dos credores, confiando, quase plenamente, nestes e no administrador judicial.
E prossegue esse desiderato mesmo em detrimento da liberdade contratual individual e da inviolabilidade da esfera jurídica de algum ou alguns dos credores, cujo consentimento, nesse estrito sentido, é dispensado – ainda que com algumas excepções – e admite, inclusivamente, a afectação dos direitos decorrentes de garantias reais e de privilégios creditórios, se tal constar expressamente do plano, nos termos do art. 197° do CIRE.
E como se expendeu no acórdão da mesma Relação de Coimbra de 15/2/2015 (citado no acórdão de 10.03.2015, subscrito pelo mesmo relator enquanto adjunto) “…seja qual for a modalidade de plano considerada, na fixação do seu conteúdo, rege o princípio da liberdade e da autonomia dos credores, por força do qual estes gozam de liberdade latitudinária…”.
Este regime inculca a ideia que o plano de insolvência é um verdadeiro negócio jurídico processual e mesmo uma transacção e, portanto, um verdadeiro contrato. A única especialidade, deveras notável, deste negócio processual conformador da decisão da causa consiste em não exigir, para que se tenha por validamente concluído, o consentimento de todos os intervenientes, sendo suficiente, o consentimento de um simples maioria deles: não é, realmente, necessário para que o plano seja aprovado, a unanimidade de votos dos credores, incluindo, por exemplo, os afectados pela supressão ou alteração do valor dos seus créditos, ou das suas garantias no caso dos credores privilegiados - basta, por um lado, que obtenha o voto favorável de mais de dois terços de todos os votos emitidos, trate-se de credores comuns, garantidos ou privilegiados e, por outro, que mais de metade dos votos correspondam a créditos não subordinados.
A sentença homologatória – embora constitua uma verdadeira condição de eficácia do plano (artº 217 nº 1 do CIRE) - limita o seu controlo, como se disse, à legalidade do plano e não ao seu mérito.
Daqui se conclui, pelas razões apontadas, que não podia ser atendida na decisão recorrida a pretensão do recorrente – o qual, de resto, também não suscitou tal questão antes de a mesma ser proferida, nem carreou para os autos a prova necessária para impugnar as declarações prestadas pela requerente, que a lei considera presumivelmente verdadeiras.
Improcedem, assim, as conclusões de recurso da recorrente quanto a esta primeira questão.
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Da colocação da Cofidis em situação menos favorável do que a que lhe adviria caso não existisse Plano de Recuperação.
Alega ainda a apelante que a aprovação do plano de revitalização a coloca numa situação menos favorável da que ocorreria se tal plano não tivesse sido aprovado. E explana nas conclusões 7ª a 19ª as razões de assim considerar.
Acontece que o fundamento agora invocado é extemporâneo e constitui mesmo questão nova a que este tribunal não pode dar resposta em 1ª mão.
Nos termos do artº 216º, nº1, a) do CIRE, aplicável ao PER por força do artº 17º-F nº 5, intitulado “Não homologação a solicitação dos interessados” “O juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor, caso este não seja o proponente e tiver manifestado nos autos a sua oposição, anteriormente à aprovação do plano de insolvência, ou por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que (…) a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas”.
Nos termos do preceito legal transcrito, a par da recusa oficiosa da homologação do plano de Recuperação (prevista no artº 215º) essa homologação pode ainda ser recusada, na sequência de requerimento de qualquer credor, desde que este demonstre, em termos plausíveis, por exemplo, que a sua situação ao abrigo do plano é, previsivelmente, menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano.
Ou seja, nos termos do disposto no artigo 216.º, n.º 1, do CIRE, aplicável ao PER por força do artigo 17.º-F, n.º 5, qualquer credor que pretenda requerer a recusa de homologação do plano de recuperação, deve fazê-lo, com base num dos fundamentos enumerados nas sua alíneas a) e b), anteriormente à aprovação do plano.
Constitui pressuposto de atendibilidade do pedido que a oposição deduzida à aprovação do plano, seja manifestada anteriormente à aprovação do plano.
Ora, no caso dos autos, a recorrente, apesar de ter comunicado a sua oposição à aprovação do plano (apresentando declaração simples onde manifestou que votava contra o plano), não apresentou, antes da sua homologação, qualquer requerimento tendente a demonstrar, em termos plausíveis, que a sua situação ao abrigo do plano seria, previsivelmente, menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, sujeitando essa sua objeção a discussão e a contraditório, aquando da formação do sentido de voto dos demais credores habilitados a votar, como deveria ter feito (cfr. nesse sentido Acs RC, de 26/11/2013, de 25/10/2011 de 18/1/2011, todos disponíveis em www.dgsi.pt)
Efectivamente tem de haver uma oposição expressa à aprovação do plano de recuperação do requerente, pelo menos, na perspectiva de fundamentar o pedido feito ao juiz do processo para que recuse a homologação do plano.
Ora, o simples “voto contra” do recorrente, não pode corporizar, nestes termos, a realidade que é exigida neste preceito, a fim de se poder formular o pedido de recusa de homologação do plano de recuperação.
O que a lei exige é que o credor, anteriormente à aprovação do plano, alegue os pressupostos em que fundamenta o seu pedido, não bastando para o efeito o simples acto de votar contra o plano.
Acresce que só assim poderia ter havido, da parte do tribunal recorrido, uma apreciação crítica e uma decisão fundamentada sobre o pedido formulado, decisão essa a poder ser sindicada por este tribunal (AC RC de 26.11.2013 in www.dgsi.pt), o que não aconteceu.
Assim sendo, essa questão – não suscitada em 1ª instância para que sobre ela recaísse pronúncia e decisão - não pode ser agora apreciada, porque constitui questão nova, que este tribunal de recurso não pode conhecer.
Como bem refere a recorrida, nas suas contra-alegações (nas quais pugna pela não apreciação desta questão) “…é entendimento uniforme da jurisprudência, sobre as regras do processamento das impugnações das decisões, que os recursos são meios de obter a reponderação das questões já anteriormente colocadas e a eventual reforma de decisões dos tribunais inferiores e não de alcançar decisões novas, só assim não acontecendo nos casos em que a lei determina o contrário, ou relativos a matéria indisponível, sujeita por isso a conhecimento oficioso, o que não sucede com as alegações apenas colocadas a este Tribunal.
Note-se, que, diferentemente, estar-se-ia a julgar ex-novo e não a reponderar ou reapreciar o julgamento feito na 1ª instância, o que estaria vedado face ao modelo do recurso que o direito português consagra: o âmbito do recurso encontra-se objetivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido pelo que, em regra, não é possível solicitar ao tribunal superior que se pronuncie sobre uma questão que não se integra no objeto da causa tal como foi apresentada e decidida na 1ª instância.
A função do recurso ordinário é, no nosso direito, por princípio, a reapreciação da decisão recorrida e não um novo julgamento da causa (cfr. Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, p. 81.).
Neste sentido foram proferidos o douto acórdão da Relação de Coimbra datado de 10.03.2015, no âmbito dos autos nº 36/14.4TBOLR.C1 e o proferido em 26.11.2013, no âmbito dos autos nº 1785/12.7TBTNV.C1, disponíveis em www.dgsi.pt.”
Concordamos inteiramente com a tese da recorrida, pelo que, pelo motivo exposto, a pretensão recursiva da Recorrente não pode ser por nós apreciada e decidida.
Improcedem, assim, todas as conclusões do recurso do apelante, com a manutenção da decisão recorrida.
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Sumário do acórdão:
I) A regulação da tramitação do procedimento de revitalização é de todo desadequada para a discussão sobre o carácter eminente ou verdadeiramente actual da insolvência do devedor, porque o seu núcleo essencial, a fase negocial, decorre informal e exteriormente ao controlo judicial.
II) Não cabe nos poderes do juiz a recusa oficiosa da homologação do plano com esse fundamento – a alegada insolvência actual da requerente.
III) A homologação do plano também não pode ser recusada com fundamento em que a situação de um credor ao abrigo do plano será, previsivelmente, menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano se esse credor não apresentar, antes da homologação, qualquer requerimento tendente a demonstrar, em termos plausíveis, esse fundamento, nem essa questão, por maioria de razão, pode agora ser apreciada em sede de recurso.
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DECISÃO:

Pelo exposto, julga-se Improcedente a Apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas (da Apelação) pelo recorrente.

Guimarães, 22.6.2017
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Declaração de Voto do 2º adjunto:
“Voto a decisão mas não a fundamentação quanto à alegada inadmissibilidade legal de no Processo Especial de Revitalização se discutir e decidir se o devedor está, ou não, em situação de insolvência (eminente ou atual), seguindo, nesta parte, a tese defendida no Acórdão do STJ de 3.11.2015, Processo (…), consultável em www.dgsi.pt.
Ainda assim, confirmaria o decidido na sentença recorrida, uma vez que a insolvência da requerente não foi questão suscitada, apreciada e decidida na instância recorrida e, como tal, está excluída do poder cognitivo desta instância, por também não ser de conhecimento oficioso”.