Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1050/18.6T8PTL.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: FRACIONAMENTO DE PRÉDIOS RÚSTICOS
USUCAPIÃO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO
(da responsabilidade da Relatora - art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I. A usucapião é uma forma de aquisição originária de direitos, que surgem ex novo na titularidade do sujeito unicamente em função da posse exercida por certo período temporal, sendo por isso absolutamente autónoma e independente de eventuais vícios (de natureza formal ou substancial) que afectem o acto ou negócio gerador da posse.

II. Tendo a usucapião efeitos retroactivos à data do início da posse, adquirindo-se o direito no momento em que aquela se iniciou, será pela lei então em vigor que se apreciará as condições de validade aplicáveis ao objecto do direito que se pretende usucapir (nomeadamente, as relativas ao fraccionamento de prédio rústico apto para cultivo).

III. Na interpretação da lei, não se deve atender apenas à sua letra, intervindo ainda elementos lógicos, nomeadamente de ordem sistemática (impondo a consideração da unidade do sistema jurídico), de ordem racional/teleológica (impondo a consideração da razão de ser da lei, sustentada na respectiva justificação e no objectivo pretendido com a sua criação), de ordem histórica (impondo o reconhecimento e consideração dos acontecimentos que a determinaram, nomeadamente toda a realidade social que envolveu o seu aparecimento), e de ordem actualista (impondo a consideração das condições específicas do tempo em que é aplicada).

IV. Até à alteração da redacção do art. 1379.º, n.º 1 do CC, operada pela Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto (que passou a cominar como nulos, e já não meramente como anuláveis, os actos de fraccionamento de prédios rústicos contrários ao disposto no art. 1376.º do CC), a interpretação mais correcta daquele preceito coincide com a que admite a aquisição originária, por usucapião, de parcela de prédio rústico apto para cultura, ainda que com área inferior à unidade de cultura legal, desde que se verifiquem os seus pressupostos próprios.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.
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I – RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada

1.1.1. J. P., residente na Rua ..., n.º …, freguesia de ... e ..., em Ponte de Lima (aqui Recorrente), propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra A. C., residente na Rua …, Edifício …, …, em Viana do Castelo, M. J., residente em Rue …, em França, M. O., residente em Avenue …, em França, e A. P., residente em …, em França (aqui Recorridos), pedindo que

· se declarasse que o prédio rústico denominado «Leira de cultivo», sito em Lugar da …, freguesia de ... e ..., concelho de Ponte de Lima (que melhor identificou) se encontra materialmente dividido, por usucapião, em cinco parcelas distintas e autónomas, designadas em croquis que juntou como «A», «B», «C», «D» e «E» (que melhor identificou);

· se declarasse que ele próprio é dono e legítimo possuidor de uma dessas cinco parcelas distintas e autónomas (do dito prédio), no caso a identificada com a letra «A» (no croquis que juntou);

· e se condenasse os Réus a reconhecerem, quer a divisão, por usucapião, do dito prédio nas cinco parcelas distintas e autónomas (que identificou), quer que lhe pertence, como dono e legítimo possuidor, a parcela identificada com a letra «A».

Alegou para o efeito, em síntese, que o prédio rústico «Leira de cultivo», com a área de 14.689 m2, se encontra desde o ano de 1980 dividido e materialmente demarcado em cinco partes ou parcelas distintas (identificadas pelas letras «A», «B», «C», «D» e «E» no dito croquis), correspondentes a outras cinco leiras de cultivo, por cada uma delas ter sido doada verbalmente pelo casal então respectivo proprietário (M. P. e mulher, C. A.) a cada um dos seus cinco filhos (aqui Autor e Réus, irmãos entre si).
Mais alegou que, desde então, tais parcelas foram alvo de actos de posse exercidos em exclusivo por ele próprio e pelos Réus, de forma apta a que tivesse adquirido originariamente a que identificou com a letra «A», com 1.997 m2, sem prejuízo de lhe ter sido legado (e a cada um dos Réus) um quinto indiviso do dito prédio, por testamento do pai comum (M. P.).

1.1.2. Regularmente citados, os Réus (A. C., M. J., M. O. e A. P.) não contestaram.

1.1.3. Foi proferido despacho, declarando confessados os factos articulados na petição inicial, e ordenando que o processo fosse facultado às partes para, querendo, alegarem.
Apenas o Autor (J. P.) juntou alegações de direito, onde defendeu a suficiência dos factos alegados (e confessados) para a procedência total da acção.

1.1.4. Foi proferida sentença, julgando a acção totalmente improcedente, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
3. Decisão
Em face do exposto, jugo a presente ação totalmente improcedente, dela se absolvendo os réus do pedido.
Custas pelo autor.
Valor da ação: o indicado na petição inicial, €5.000,01.
Registe e Notifique.
(…)»
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1.2. Recurso

1.2.1. Fundamentos
Inconformado com esta decisão, o Autor (J. P.) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que lhe fosse dado provimento, declarando-se a sentença recorrida nula e sendo a mesma substituída por outra decisão, julgando a acção procedente, com o reconhecimento dos direitos por ele invocados.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):

1.ª - Com a acção proposta o Recorrente não pretendeu dividir o terreno do prédio identificado no artigo 1º da petição inicial, mas obter um título, ou seja, uma sentença que legitime a propriedade da parcela de terreno descriminada na alínea A) do artigo 7º da petição inicial, que aqui, para os devidos e legais efeitos se dá por integralmente reproduzida.

2.ª - Entendendo-se que é legalmente possível reconhecer a propriedade dessas parcelas de terreno, com base na posse por usucapião, que passou a constituir parcela ou prédio rústico autónomo, ao contrário do que foi defendido na douta sentença recorrida pelo Tribunal “a quo”.

3.ª - O Recorrente na petição inicial invocou a seu favor a usucapião como forma de aquisição originária do seu direito de propriedade sobre a parcela de terreno, identificada no artigo 7º, alínea A) da petição inicial, que se funda directa e imediatamente na posse, tendo para o efeito arrolado prova.

4.ª - No entanto, o Tribunal “a quo” não permitiu ao Recorrente a prova dos requisitos atinentes à prescrição aquisitiva, e julgou improcedente a acção intentada pelo Autor/Recorrente, absolvendo os Réus/Recorridos do pedido, defendendo que o fracionamento é ilegal atendendo ao disposto nos artigos 1376º e 1379º, nº 1 do Código Civil, à luz das alterações introduzidas pela Lei nº 89/2019 de 03 de Setembro e aos nºs 2 e 3 do artigo 48º da Lei nº 111/2015 de 27 de Agosto.

5.ª - Com efeito, o Tribunal “a quo” não deu ao Recorrente a oportunidade de beneficiar da prescrição aquisitiva, para poder ver reconhecido o seu direito de propriedade sobre a parcela de terreno, referida na alínea A) do artigo 7º da petição inicial.

6.ª - No caso sub judice, não está em causa nenhuma situação de loteamento ilegal.

7.ª - A usucapião invocada com base na posse apenas se prende com a extensão das áreas de terreno, detidas por Autor/Recorrente e Réus/Recorridos, que se mostram inferiores face à área mínima da unidade de cultura para a região do Minho.

8.ª - Tem sido entendimento pacífico da jurisprudência que a usucapião prevalece sobre o regime estabelecido no artigo 1376º, nº 1, do Código Civil.

9.ª - É unanimemente aceite que a usucapião constitui uma forma de aquisição originária, e das regras da usucapião, decorre que o direito correspondente à posse exercida é adquirido “ex novo”.

10.ª - É unanimemente aceite pela nossa jurisprudência que os efeitos da usucapião retroagem à ao início da posse.

11.ª - No acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 24.10.2019, no âmbito do processo nº 317/15.0T8TVD.L1.S2. disponível in www.dgsi.pt.

12.ª - Com especial enfâse para os pontos:

13.ª - I. A data ou momento relevante para aferir se o reconhecimento do direito de propriedade, adquirido por usucapião, infringe ou não as invocadas regras legais limitativas do fraccionamento de prédios rústicos é a do início da posse. (…)

14.ª - III. Tendo a usucapião efeitos retroactivos à data do início da posse, a lei aplicável é, sem dúvidas, a vigente à data do início da posse. Será assim essa lei que indicará se pode haver fracionamento do prédio e de o mesmo for fraccionado em violação da lei quais as consequências que daí decorrem. O mesmo se diga em matéria de loteamento urbano, licenças e dispensas. (…)

15.ª - Nos termos do artigo 1288º do Código Civil, os efeitos da usucapião retroagem à data do início da posse.

16.ª - Salvo o devido respeito por melhor opinião, não se aceita a posição sufragada na douta sentença recorrida pelo Meritíssimo Juiz “a quo” quando refere “a inadmissibilidade legal do pretendido, por disposição imperativa e expressa – a da norma do artigo 1376.º, nº 1 do CC, atento o entendimento acima exposto – que impede o fracionamento pretendido. Há impossibilidade legal (sendo certo que a impossibilidade legal não se confunde com a indisponibilidade do direito, ainda que os efeitos sejam próximos…).

17.ª - Acrescentando ainda que: “o tipo de fracionamento pretendido, aliás em tudo semelhante a inúmeros que chegaram e ainda chegam a este Tribunal – que mais não pretende do que, à custa dos tribunais e ao arrepio das autoridades administrativas, designadamente as que têm competência para a gestão territorial, dividir em ínfimas parcelas aquilo que já é o minifúndio minhoto – é, de alguma forma, o espelho de que, muito provavelmente, a interpretação aqui acolhida sobre o preceito legal 1376.º, 1 do CC será a correta. É, também, aquele que melhor se coaduna com o interesse público subjacente à organização do território, que tão bem transparece na alteração introduzida pela Lei nº 89/2019 de 3.9 aos n.ºs 2 e 3 do artigo 48º da Lei n.º 111/2015 de 27 de 27.8, que estabelece o regime jurídico da estruturação fundiária.”

18.ª - A posição sufragada pelo Tribunal “a quo”, aplicando os artigos 1376º, e 1379º nº 1 do Código Civil, na redacção que lhes foi conferida pela Lei nº 111/2015 de 27 de Agosto, viola o disposto no artigo 1288º do Código Civil e contraria totalmente a jurisprudência e doutrina dominantes.

19.ª - Pelo que, salvo o devido respeito por melhor opinião o Tribunal “a quo” aplicou indevidamente ao processo em epígrafe os artigos 1376º e 1379º, nº 1 do Código Civil na redacção conferida pela Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto.

20.ª - Ao caso em apreço deveria ter sido aplicado pelo Tribunal “a quo” o disposto no artigo 1379º do Código Civil na sua redacção anterior, ou seja:

21.ª - “1. São anuláveis os atos de fraccionamento ou troca contrários ao disposto nos artigos 1376º e 1378º, bem como o fraccionamento efectuado ao abrigo da alínea c) do artigo 1377º. Se a construção não for iniciada no prazo de três anos.
2. Têm legitimidade para a acção de anulação o Ministério Público ou qualquer proprietário que goze do direito de preferência nos termos do artigo seguinte.
3. A acção de anulação caduca no fim de três anos, a contar da celebração do acto ou de termo do prazo referido no nº 1.

22.ª - Neste sentido, ainda, acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 02.05.2019, no âmbito do processo nº 514/07.1TBGDL.E1.S1, disponível in www.dgsi.pt, onde se afirma que: “I. Num recurso em que está em causa apreciar se o reconhecimento do direito de propriedade da ré, adquirido por usucapião, viola regras legais imperativas, considera-se que releva para efeitos de apurar se tal violação ocorre é a data do início da posse. (…)”

23.ª - A usucapião sempre foi aceite como o instrumento capaz de se sobrepor a certas vicissitudes ou irregularidades formais ou substanciais, relativamente a actos de alienação ou oneração de bens.

24.ª - A jurisprudência maioritária tem defendido que a proibição do fracionamento de terrenos aptos para a cultura em parcelas com área inferior a determinada superfície mínima, correspondente à unidade de cultura, não impede que operada a divisão material de um prédio rústico em parcelas com área inferior se consolidem por usucapião as situações possessórias subsequentemente constituídas.

25.ª - O Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão proferido em 01.03.2018, no âmbito do processo 1011/16.0T8STB.E1.S2, disponível in www.dgsi.pt, abordando já a questão da divisão material à luz das alterações introduzidas pela Lei nº 111/2015 de 27 de Agosto, pronunciou-se no sentido de que o artigo 1376º do Código Civil, não configura “disposição em contrário” para efeitos da ressalva estatuída no artigo 1287º do Código Civil.

26.ª - Com especial destaque para os pontos:

27.ª - “ V. A usucapião é uma forma de aquisição originária do direito de propriedade, que surge ex novo na esfera jurídica do sujeito, irrelevando, por isso, quaisquer irregularidades precedentes e eventualmente atinentes à alienação ou transferência da coisa para o novo titular, sejam vícios de natureza formal ou substancial.

28.ª - VI. Operada a divisão material de um prédio rústico em duas parcelas de terreno com área inferior à unidade de cultura fixada na Portaria nº 202/70, de 21/04 e verificados os requisitos da aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre cada uma destas parcelas, esta aquisição prevalece sobre a proibição contida no art. 1376º, nº 1 do C. Civil, não operando a anulabilidade do ato de fracionamento previsto no nº 1 do art. 1379º do C. Civil (na redação anterior à introduzida pela Lei nº 111/2015, de 27.08).

29.ª - VII. A usucapião visa satisfazer o interesse público de assegurar, no tráfego das coisas, quer a certeza da existência dos direitos reais de gozo sobre elas e de quem é o seu titular, quer na proteção do valor da publicidade/confiança que nesse tráfego lhe é aduzido pela posse.

30.ª - Sufragando que a proibição legal do fracionamento de terrenos agrícolas em parcelas de terreno com área inferior à unidade de cultura, não colidem ou impedem a usucapião.

31.ª - A doutrina, desde sempre, defendeu que a nulidade pode ser precludida pela verificação da prescrição aquisitiva, vide: Manuel Andrade (in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, Vol. II, pág. 418); Pires de Lima e Antunes Varela (in Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª Edição, pág. 269); Mota Pinto (in “Teoria Geral do direito Civil”, pág. 470) e Luís Carvalho Fernandes (in Lições de Direitos Reais, 3ª Edição, pág. 230).

32.ª - Ou seja, a doutrina e jurisprudência maioritárias têm defendido que a aquisição originária por usucapião prevalece sobre as regras de fracionamento dos prédios rústicos.

33.ª - Isto é, a prescrição aquisitiva prevalece sobre a nulidade.

34.ª - De entre muitos outros possíveis, menciona-se decidido nos seguintes Acórdãos: Ac. do STJ de 12.07.2018, no âmbito do processo nº 7601/16.3T8STB.E1.S1, disponível in www.dgsi.pt; Ac. do STJ de 04.02.2014, no âmbito do processo nº 314/2000.P1.S1., disponível in www.dgsi.pt; Ac. do STJ, de 06.04.2017, no âmbito do processo nº 1578/11.9TBVNG.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt; A. do TRG de 01.02.2018, no âmbito do processo nº 290/15.4T8PRG.G1, disponível in www.dgsi.pt; e, Ac. do TRE de 02.05.2019, no âmbito do processo 941/17.6T8BNV.E1, disponível em www.dgsi.pt;

35.ª - Sendo esta jurisprudência pacífica e dominante, entende-se que se impõe uma alteração ao direito aplicado na douta sentença recorrida.

36.ª - Ao decidir pela improcedência total da acção o Tribunal “a quo”, violou o disposto nos artigos 1287º, 1288º e 1289º do Código Civil e artigos 290º e 567º do Código de Processo Civil.
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1.2.2. Contra-alegações

Os Réus (A. C., M. J., M. O. e A. P.) não contra-alegaram.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, nºs. 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem:

· Questão Única - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei, ao considerar insusceptível de ser adquirida por usucapião uma parcela de terreno (antes integrante de prédio rústico, física e legalmente autónomo), com área inferior à unidade de cultura legal ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Decorrido o prazo para contestar (sem que nenhuma contestação tivesse sido apresentada), o Tribunal a quo proferiu decisão onde, atento «o disposto no artigo 567.º, 1 do CPC», considerou «confessados os factos alegados pelo autor».
Precisou ainda entender não serem «os factos alegados (…) insuscetíveis de confissão», por não se «tratarem de direitos indisponíveis», já que «uma coisa é impossibilidade legal e outra, bem distinta, é a qualificação de um direito como indisponível».

Não os tendo, porém, elencado na sua sentença, aqui se deixam agora os mesmos reproduzidos (quer mercê da confissão ficta ocorrida, quer mercê da prova documental produzida, nomeadamente documentos autênticos não arguidos de falsos, conforme art. 607.º, n.º 4 do CPC):

1 - No lugar de ..., freguesia de ... e ..., concelho de Ponte de Lima, existe um prédio rústico, denominado «Leira de cultiva», com a área matricial de 14.689 m2 e com a área real de 13.126 m2, a confrontar de norte com caminho público, de sul com caminho de consortes, de nascente com M. A. e Irmãos e de poente com J. R., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... da freguesia de ... e ..., que corresponde ao anterior artigo ... da freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º 962/... (conforme caderneta predial rústica e certidão da Conservatória do Registo Predial ..., juntas com a petição inicial).
(artigo 1.º da petição inicial)

2 - M. P. e mulher, C. A., inscritos no registo predial como proprietários do prédio rústico identificado no facto provado enunciado sob o número 1, por o terem adquirido por usucapião, em 1980 doaram verbalmente um quinto indiviso do mesmo a cada um dos seus cinco filhos, a saber: J. P. (aqui Autor); e A. C. (aqui 1.º co-Réu), M. J. (aqui 2.ª co-Ré), M. O. (aqui 3.ª co-Ré) e A. P. (aqui 4.º co-Réu).
(artigos 2.º e 3.º da petição inicial)

3 - O prédio rústico identificado no facto provado enunciado sob o número 1 encontra-se, pelo menos desde o ano e 1980, dividido materialmente e demarcado em cinco partes ou parcelas distintas, por meio de marcos, tendo as mesmas as identificações e confrontações conformes com o croquis junto aos autos com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido, a saber:

· parcela «A» - «Leira de cultivo», sita no lugar de ..., freguesia de ... e ..., concelho de Ponte de Lima, com a área de 1.997 m2, a confrontar de norte com A. C., de sul com Rua ..., de nascente com A. P., e de poente com J. R.;

· parcela «B» - «Leira de cultivo», sita no lugar de ..., freguesia de ... e ..., concelho de Ponte de Lima, com a área de 3.282 m2, a confrontar de norte com M. J., de sul com Rua ..., de nascente com M. A. e Irmãos, e de poente com J. P.;

· parcela «C» - «Leira de cultivo», sita no lugar de ..., freguesia de ... e ..., concelho de Ponte de Lima, com a área de 1.693 m2, a confrontar de norte e nascente com M. J., de sul com J. P., e de poente com J. R.;

· parcela «D» - «Leira de cultivo», sita no lugar de ..., freguesia de ... e ..., concelho de Ponte de Lima, com a área de 3.282 m2, a confrontar de norte com M. O., de sul com M. J., de nascente com M. A. e Irmãos, e de poente com A. C.;

· parcela «E» - «Leira de cultivo», sita no lugar de ..., freguesia de ... e ..., concelho de Ponte de Lima, com a área de 2.872 m2, a confrontar de norte com Rua de …, de sul com M. J., de nascente com M. A. e Irmãos, e do poente com J. R..

(artigos 6.º, 7.º e 8.º da petição inicial)

4 - Desde há mais de 1, 10, 15 e 20 anos, ininterruptamente, que o Autor (J. P.), quanto à parcela identificada com a letra «A», que o 4.º co-Réu (A. E.), quanto à parcela identificada com a letra «B», que o 1.º co-Réu (A. C.), quanto à parcela identificada com a letra «C», que a 2.ª co-Ré (M. J.), quanto à parcela identificada com a letra «D», e que a 3.ª co-Ré (M. O.), quanto à parcela identificada com a letra «E», sempre respeitando as suas linhas divisórias, vem usufruindo de todas as respectivas utilidades, colhendo todos os frutos e produtos que cada uma delas é susceptível de produzir, e pagando todas a contribuições e impostos.
(artigos 4.º, 9.º, 10.º e 12.º da petição inicial)

5 - O Autor (J. P.) e os Réus (A. C., M. J., M. O. e A. P.) agem conforme referido no facto provado enunciado sob o número 4 com o conhecimento de toda a gente.
(artigos 4.º, 9.º e 11.º da petição inicial)

6 - O Autor (J. P.) e os Réus (A. C., M. J., M. O. e A. P.) agem conforme referido no facto provado enunciado sob o número 4 com aceitação de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja.
(artigos 4.º, 9.º e 11.º da petição inicial)

7 - O Autor (J. P.) e os Réus (A. C., M. J., M. O. e A. P.) agem conforme referido no facto provado enunciado sob o número na fé e convicção de que exercem um direito próprio.
(artigos 4.º, 9.º e 12.º da petição inicial)

8 - No dia 20 de Agosto de 2010, no Cartório Notarial de S. B., sito em Ponte de Lima, foi lavrado um documento epigrafado «TESTAMENTO DE M. P.», em que M. P. é nele identificado como «primeiro outorgante» e sua mulher, C. A., é identificada como «segunda outorgante», documento cuja certidão foi junta com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde nomeadamente se lê:
«(…)
Pelo primeiro outorgante foi dito que faz o seu testamento da seguinte forma:

(…)
- A seu filho, A. C. (…), lega:
(…)
- Uma quinta parte indivisa da leira de cultivo, no lugar de ..., inscrita na matriz sob o artigo ...;
- A seu filho, J. P. (…), lega uma quinta parte indivisa da leira de cultivo, no lugar de ..., inscrita na matriz sob o artigo ...;
(…)
- A sua filha, M. J. (…), lega uma quinta parte indivisa da leira de cultivo, no lugar de ..., inscrita na matriz sob o artigo ...;
- A sua filha, M. O. (…), lega uma quinta parte indivisa da leira de cultivo, no lugar de ..., inscrita na matriz sob o artigo ...;
- A seu filho, A. P. (…), lega uma quinta parte indivisa da leira de cultivo, no lugar de ..., inscrita na matriz sob o artigo ....
(…)
- Que estes legados são feitos por conta da quota disponível do doador (…).
(…)
- Que lega o usufruto vitalício de todos os imóveis acima indicados a sua esposa, C. A..
(…)
- Pela segunda outorgante foi dito:
- Que presta ao seu cônjuge o necessário consentimento para os legados a seus filhos de bens certos e determinados do seu património comum.
Que assim termina esta sua disposição de última vontade, sendo este o primeiro testamento que faz.
(…)»
(artigo 5.º da petição inicial)
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Aquisição de propriedade por usucapião

4.1.1.1. Pressupostos legais
Lê-se no art. 1316.º do CC que «o direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei».
Alude-se, desse modo, quer a formas translativas de aquisição do direito de propriedade (v.g. contrato, sucessão por morte), quer a formas de aquisição originária, constitutivas do mesmo direito (v.g. usucapião, ocupação e acessão).

Mais se lê, no art. 1287.º do CC, que a «posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário (1), a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião».
Logo, estando em causa uma aquisição originária por usucapião, o seu beneficiário terá que alegar factos demonstrativos do exercício da posse do mesmo direito, mantida sobre a coisa por certo lapso de tempo, isto é, que se agiu sobre ela através da prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade, durante certo tempo (arts. 1287º e 1263º, al. a), ambos do CC).

Consagra-se aqui a concepção subjectiva do instituto possessório, nos termos da qual «posse» decompõe-se em dois elementos: o corpus (ou elemento material), que se traduz no domínio de facto sobre a coisa, constituído pelo efectivo exercício de poderes materiais de facto sobre ela, ou na possibilidade física desse exercício (isto é, basta aqui uma fruição da coisa mediante a recolha das vantagens económicas desta - v.g. recolha de frutos de um prédio rústico, recebimento de as rendas de um prédio); e o animus (ou elemento psicológico), que consiste na intenção de exercer sobre a coisa, como seu titular, o direito real correspondente àquele domínio de facto, aos actos realizados (Henrique Mesquita, Direitos Reais, Coimbra, 1966, págs. 66 e 67).

Possuidor é, assim, aquele que, actuando por si ou por intermédio de outrem, tem o corpus e o animus possidendi ou seja, a intenção de exercer sobre a coisa um direito real próprio (cfr. anotação de Henrique Mesquita ao Acórdão do STJ, de 09.01.1997, RLJ, Ano 132, pág. 19 e segs; e AUJ do STJ, de 14.05.1996, BMJ, n.º 457, pág. 55).
*
O lapso de tempo necessário para que se dê a aquisição do direito de propriedade depende das características da posse que é exercida, isto é, se é titulada ou não titulada, de boa ou má fé, pacífica ou violenta, e pública ou oculta (arts. 1258.º a 1262.º, e 1294.º a 1297.º, todos do CC).
Assim, sendo a posse titulada, isto é, fundada em qualquer modo legítimo de adquirir (independentemente, quer do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico), presume-se de boa fé, ou seja, presume-se que o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem (arts. 1259.º, n.º 1 e 1260.º, n.º 1 e n.º 2, ambos do CC).

Sendo assim, e havendo registo do título de aquisição, a usucapião sobre imóveis dar-se-á no termo do prazo de dez anos, contados desde a data do registo; não havendo registo, mas mantendo as demais características apontadas, dar-se-á no termo do prazo de quinze anos (arts. 1294.º, al. a) e 1296.º, do mesmo diploma).
Já sendo a posse de má fé, e não titulada, a aquisição do direito de propriedade sobre imóveis exigirá o seu exercício continuado por vinte anos (art. 1296.º do CC).
Importa, porém, igualmente atender se a posse «foi adquirida sem violência» - posse pacífica -, ou se «o possuidor usou de coacção física, ou de coacção moral» para a obter - posse violenta (art. 1261.º, n.º 1 e n.º 2 do CC); bem como se «se exerce de modo a poder ser conhecida pelos interessados» - posse pública (art. 1262.º do CC).
Com efeito, se «a posse tiver sido constituída com violência ou tomada ocultamente, os prazos de usucapião só começam a contar-se desde que cesse a violência ou a posse se torne pública» (1297.º do CC)
Por fim, na contagem destes prazos importará ainda atender a que, por «morte do possuidor, a posse continua nos seus sucessores desde o momento da morte, independentemente da apreensão material da coisa» (art. 1255.º do CC).
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Verificados que se mostrem os enunciados requisitos, estarão, em regra, constituídos os necessários pressupostos para que o possuidor se arrogue na faculdade de invocar a usucapião para reconhecimento do direito a cuja imagem, ou semelhança, tenha vindo a possuir.

Contudo, só será eficaz se for invocada, sendo por isso voluntária (art. 303.º do CC, aplicável por força do art. 1292.º do mesmo diploma); e, uma vez invocada, os seus efeitos retroagem ao início da posse (art. 1288.º do CC), o que constitui um dos seus traços dogmáticos próprios, diversos dos quadros tradicionais da parte geral.

Com efeito, o «regime da usucapião faz (…) remontar ao passado, concretamente ao momento em que a posse boa para usucapião se iniciou, o momento de aquisição do direito real de gozo. O que naturalmente acarreta implicações no plano jurídico, pois, após a usucapião, o usucapiente é considerado titular de um direito real para um tempo em que, até à verificação desse facto, não o era ou, melhor, poderia não o ser» (José Alberto Vieira, Direitos Reais, 2016, Almedina, Fevereiro de 2016, pág. 371).

A usucapião pode, assim, «ser definida como a constituição, facultada ao possuidor, do direito real correspondente à sua posse, desde que esta assuma determinadas características e se tenha mantido pelo lapso de tempo determinado na lei», numa «noção dogmaticamente mais integrada do que a que surge no artigo 1287º» do CC (António Menezes Cordeiro, A Posse: Perspectivas Dogmáticas Actuais, 3.ª edição actualizada, Almedina, Coimbra, 2000).
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4.1.1.2. Natureza

A «aquisição por usucapião é uma constituição originária, que tem como sua fonte e génese a posse, geradora do direito, com título, sem título, contra um título de terceiro ou mesmo com um título afectado de nulidade substantiva» (Fernando Pereira Rodrigues, Usucapião. Constituição Originária De Direitos Através da Posse, Almedina, Coimbra, 2008, págs. 12-13).

Compreende-se, por isso, que se afirme que, como «aquisição originária do direito, a usucapião suplanta todos os registos existentes sobre o bem (usucapio contra tabulas). Por esse motivo, o registo da usucapião é meramente enunciativo (art. 5.º, n.º 2 do CRP)», por «a mesma não ser afectada pelas vicissitudes registrais»: «uma vez verificada, suplanta todos os registos (usucapio contra tabulas). Por isso, mesmo que seja registada, o seu registo em nada altera a situação daquele que a invoca, que também não é prejudicada se omitir o registo» (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito Reais, Almedina, Coimbra, Setembro de 2009, págs. 236, 286 e 287, com bold apócrifo).

Logo, sendo a usucapião uma forma originária de aquisição de direitos, operando, cessam todos os encargos que antes oneravam a coisa, desde que, naturalmente, a posse prescricional tivesse operado sem esses encargos. «Desta natureza auto-suficiente da usucapião resultam consequências importantes. Assim, a usucapião sobrepõe-se ao registo (usucapio contra tabulas), constituindo, por isso, a base do nosso ordenamento dominial» (António Menezes Cordeiro, A Posse: Perspectivas Dogmáticas Actuais, 3ª edição actualizada, Almedina, Coimbra, 2000, págs. 130-131) (2).
«Subjacente a esta orientação está a prevalência de interesses ligados à estabilidade e segurança jurídica que conduzem à consideração de que não faz sentido que, perante um longo período de tempo, se eternizem situações de incerteza pelo que se permite a realização das expectativas criadas à luz de uma prolongada configuração factual. Em suma, o sistema jurídico admite que certas situações de facto adquiram tutela jurídica e possam dar lugar ao reconhecimento de direitos em homenagem a interesses de natureza social e económica que acolhe como relevantes» (Luís Filipe Pires de Sousa, Acções Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, 1.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2011, pág. 62).
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4.1.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)

Concretizando, verifica-se que, sendo o Autor (J. P.) e os Réus (A. C., M. J., M. O. e A. P.) irmãos entre si, viram os respectivos pais (M. P. e C. A.), em 1980, doarem verbalmente a cada um deles um quinto indiviso de um prédio rústico denominado «Leira de cultivo», com a área matricial de 14.689 m2 e com a área real de 13.126 m2, a confrontar de norte com caminho público, de sul com caminho de consortes, de nascente com M. A. e Irmãos e de poente com J. R., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... da freguesia de ... e ..., que corresponde ao anterior artigo ... da freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º 962/....
Mais se verifica que, desde então e até hoje, ininterruptamente, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, convictos de que exerciam um direito próprio, cada um deles vem usufruindo de uma única parcela distinta do dito prédio, dividida e demarcada materialmente, nomeadamente de todas as suas utilidades, dela colhendo todos os frutos e produtos que é susceptível de produzir; e vem pagando todas as contribuições e todos os impostos devidos por ela.
Por fim, verifica-se que o Autor (J. P.) age assim sobre a parcela identificada como «A», com a área de 1.997 m2, a confrontar de norte com A. C., de sul com Rua ..., de nascente com A. P., e de poente com J. R..
Logo, e independentemente da natureza da posse deste modo exercida, atento o lapso de tempo já decorrido (superior a vinte anos), estariam aparentemente reunidos os pressupostos para que o Autor (J. P.) adquirisse a propriedade da parcela «A», por usucapião, já que a invocou aqui para este preciso efeito; e essa sua aquisição retroagiria ao ano de 1980.

Dir-se-á porém, e salvo o devido respeito por opinião contrária (3), que ao reconhecer-se ao Autor (J. P.) a aquisição, por usucapião, da parcela «A», antes integrante do prédio rústico «Leira de cultivo», necessariamente que se estará a proceder ao fraccionamento do prédio original, amputando-o de parte da sua área (já que a dita parcela passará a constituir um prédio rústico autónomo).
Ora, mantendo-se a parcela «A» como de cultivo, importará verificar se obsta à pretendida aquisição a respectiva área, de apenas 1.997 m2, por ser eventualmente inferior à unidade de cultura legal definida para a zona (Viana do Castelo, distrito a que pertence Ponte de Lima), conforme o entendeu o Tribunal a quo, na sentença recorrida.
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4.2. Fraccionamento de prédio rústico - Aquisição de parcela com área inferior à unidade de cultura legal

4.2.1.1. Sede legal

Há muito que se discute entre nós a possibilidade de se adquirir parcela de terreno, antes parte de prédio rústico (logo, por fraccionamento deste (4)) apto para cultura, quando a mesma fique a possuir uma área inferior à unidade de cultura legal prevista para a zona e natureza do solo em causa (variando ainda em função do tipo de culturas nele praticada), ou quando o prédio original assim remanesça.
Com efeito, pretendendo-se preservar e valorizar os solos aptos para utilização agrícola, florestal ou pecuária, cedo se procurou obstar ao excessivo fraccionamento da respectiva propriedade, vendo-se o minifúndio como incompatível com a sua mais eficaz exploração económica; e tendo-se esta, não tanto como do interesse individual dos respectivos proprietários ou possuidores, e sim como do interesse de toda a comunidade nacional (5).
Compreende-se, por isso, que desde cedo se hajam editado normas tendentes a obstarem ao indesejável fraccionamento dos terrenos de cultivo (6), nomeadamente pela definição do que fosse a sua unidade mínima de cultivo, variável porém com a sua natureza (de sequeiro ou regadio), e com a zona do país.
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Começa-se por referir o Decreto n.° 16731, de 13 de Abril de 1929.
Lia-se no seu art. 107.º ser «proibida, sob pena de nulidade e ainda quando derivada de partilha judicial ou extrajudicial, a divisão de prédios rústicos de superfície inferior a 1 hectare ou de que provenham novos prédios de menos de ½ hectare».
Esta sanção de nulidade, cominada para a divisão de prédios rústicos de área inferior à legalmente estabelecida, manter-se-ia na Lei n.º 2116, de 18 de Abril de 1962.
Com efeito, lia-se na sua Base I que os «terrenos aptos para cultura não podem fraccionar-se em parcelas de área inferior a determinada superfície mínima, correspondente à unidade de cultura fixada pelo Governo para cada zona do país, ouvida a Corporação da Lavoura. Esta unidade pode variar, no interior de cada zona, em atenção às exigências técnicas de cultivo e às condições locais de natureza económico-agrária e social» (n.º 1); e cominavam-se como nulos os actos de divisão contrários ao disposto no seu n.º 1 (n.º 2).

Manteve-se ainda, na vigência desta lei, as áreas de cultura mínima a respeitar no fraccionamento estabelecidas no art. 107.º do Decreto n.º 16.731, de 13 de Abril de 1929, excepto quanto aos distritos para os quais foram entretanto expressamente fixadas, pela Portaria nº. 20302, de 7 de Janeiro de 1964 e pela Portaria n.º 20623, de 6 de Junho de 1964 (7).
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Foi posteriormente editado o CC de 1966.

Lê-se no seu art. 204.º, n.º 2 que se entende «por prédio rústico uma parte delimitada no solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica».
Mais se lê, no seu art. 209.º, que são «divisíveis as coisas que podem ser fraccionadas sem alteração da sua substância, diminuição de valor ou prejuízo para o uso a que se destinam».
Precisa-se que este conceito de indivisibilidade é eminentemente jurídico ou económico-social (e não naturalístico, material ou físico, já que - nesta vertente - todas as coisas são divisíveis, sendo precisamente essa uma das propriedades da matéria, incluindo do átomo); e os três critérios legais são de aplicação alternativa, e não cumulativa (8).

Lê-se ainda, no art. 1376.º, n.º 1 do CC, que os «terrenos aptos para cultura não podem fraccionar-se em parcelas de área inferior a determinada superfície mínima, correspondente à unidade de cultura fixada para cada zona do país; importa fraccionamento, para este efeito, a constituição de usufruto sobre uma parcela do terreno».
Esteve, de novo, subjacente a esta disposição a assumida intenção do legislador de «eliminar os minifúndios pelos graves inconvenientes duma exploração rural que não reúna condições mínimas de rentabilidade» (Antunes Varela, RLJ, n.º 33849, pág. 374).
Por fim, lê-se no art. 1379.º do mesmo diploma (na sua versão original): «São anuláveis os actos de fraccionamento ou troca contrários ao disposto nos artigos 1376.º e 1378.º, bem como o fraccionamento efectuado ao abrigo da alínea c) do artigo 1377.º, se a construção não for iniciada dentro do prazo de três anos» (n.º 1); «Têm legitimidade para a acção de anulação o Ministério Público ou qualquer proprietário que goze do direito de preferência nos termos do artigo seguinte»; «A acção de anulação caduca no fim de três anos, a contar da celebração do acto ou do termo do prazo referido no n.º 1» (n.º 3).
Logo, e pela primeira vez face ao regime jurídico anterior, a violação das normas legais de proibição de fraccionamento de prédios rústicos em áreas inferiores à unidade de cultura legal passou a ser sancionada com a anulabilidade, e já não com a nulidade.
Precisa-se, porém, que a referida proibição de fraccionamento de prédios rústicos só opera quando os mesmos se mantenham destinados a exploração agrícola ou florestal (conforme art. 1377.º do CC) (9).

A unidade de cultura viria a ser depois definida pela Portaria n.º 202/70, de 21 de Abril.

A mesma classificou os prédios rústicos aptos a exploração agrícola, florestal ou pecuária em terrenos de regadio ou de sequeiro, sendo que nos primeiros distinguiu ainda os tipos de culturas praticadas (isto é, arvenses ou hortícolas) (10); e fixou a unidade de cultura - hectares (unidade física) - para as diferentes zonas do país (Viana do Castelo, Braga, Porto, Aveiro, Viseu, Coimbra, Leiria, Vila Real, Bragança, Guarda, Castelo Branco, Lisboa, Santarém, Portalegre, Évora, Beja, Setúbal e Faro), consoante aquela natureza (11).
Logo, o «proprietário de terreno que dele queira dispor em parcelas ou frações só poderá exercer esse direito de disposição se cada uma das unidades fundiárias que se vier a formar tiver área não inferior à unidade de cultura, fixada pela Portaria n.º 202/70, que exerce uma dupla função: de limite ao fracionamento, proibido abaixo da área fixada para aquela; de meta para que tendem certos emparcelamentos, através do direito de preferência e de troca» (Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes e Fernanda Maçãs, op. cit., págs. 411-412).
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Seria depois publicado o Decreto-Lei n.º 384/88, de 25 de Outubro, que estabeleceu as Bases Gerais do Emparcelamento e Fraccionamento de prédios rústicos e Explorações Agrícolas, lendo-se no seu art. 19.º, n.º 1 que ao fraccionamento e à troca de terrenos com aptidão agrícola ou florestal se aplicam, não só as regras do respectivo diploma, como ainda as dos arts. 1376.º e 1379.º do CC.
O Decreto-Lei n.º 103/90, de 22 de Março (12), viria a regulamentar aquelas bases gerais do emparcelamento e fraccionamento de prédios rústicos e explorações agrícolas (sendo especialmente relevantes os seus arts. 44.º, 45.º e 46.º).

O posterior Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, que aprovou o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), veio reiterar a aplicação ao fraccionamento de prédios rústicos o disposto nos dois últimos diplomas mencionados (conforme respectivo art. 50.º, n.º 1, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro).
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Mais recentemente, foi publicada a Lei n.º 111/2015, de 27 de Agosto, que estabeleceu o Regime Jurídico da Estruturação Fundiária, com «o objetivo de criar melhores condições para o desenvolvimento das atividades agrícolas e florestais de modo compatível com a sua gestão sustentável nos domínios económico, social e ambiental, através da intervenção na configuração, dimensão, qualificação e utilização produtiva das parcelas e prédios rústicos» (conforme respectivo art. 1.º) (13).
Lê-se no seu art. 48.º, n.º 1 que ao «fracionamento e à troca de parcelas aplicam-se, além das regras dos artigos 1376.º a 1381.º do Código Civil, as disposições da presente lei».
Contudo, o art. 59.º deste diploma veio conferir nova redacção ao art. 1379.º do CC, lendo-se agora no mesmo: «São nulos os atos de fracionamento ou troca contrários ao disposto nos artigos 1376.º e 1378.º» (n.º 1); «São anuláveis os atos de fracionamento efetuado ao abrigo da alínea c) do artigo 1377.º se a construção não for iniciada no prazo de três anos» (n.º 2); «Tem legitimidade para a ação de anulação o Ministério Público ou qualquer proprietário que goze do direito de preferência nos termos do artigo seguinte» (n.º 3); «A ação de anulação caduca no fim de três anos, a contar do termo do prazo referido no n.º 2» (n.º 4).
Logo, indiscutível e expressamente, o CC passou desde então a cominar de nulos - e já não apenas de anuláveis - os actos de fraccionamento das propriedades rústicas em violação das normas do seu prévio art. 1376.º (à semelhança do que sucedia antes da sua publicação).

De forma indesmentível e igualmente significativa, veio porém a ser alterada a redacção do art. 48.º da Lei n.º 111/2015, de 27 de Agosto (pelo art. 2.º da Lei n.º 89/2019, de 3 de Setembro).
Assim, permanecendo intocados os seus iniciais n.ºs 1, 2 e 3 (passando estes dois últimos a constarem como seus actuais n.ºs 4 e 5), foram introduzidas dois números inéditos, constando como seus actuais n.ºs 2 e 3, lendo-se agora nos mesmos: «A posse de terrenos aptos para cultura não faculta ao seu possuidor a justificação do direito a que esta diz respeito, ao abrigo do regime da usucapião, sempre que a sua aquisição resulte de atos contrários ao disposto no artigo 1376.º do Código Civil» (n.º 2); «São nulos os atos de justificação de direitos a que se refere o número anterior» (n.º 3).
Logo, indiscutível e expressamente, o ordenamento jurídico português passou desde então a proibir a aquisição, por usucapião, de parcelas de terreno resultante do fraccionamento de prévios prédios rústicos de cultivo, quando a área das ditas parcelas seja inferior à unidade de cultura legal.

O art. 49.º da Lei n.º 111/2015, de 27 de Agosto, veio ainda dispor sobre a «unidade de cultura», nomeadamente afirmando que: «Entende-se por unidade de cultura a superfície mínima de um terreno rústico para que este possa ser gerido de uma forma sustentável, utilizando os meios e recursos normais e adequados à obtenção de um resultado satisfatório, atendendo às características desse terreno e às características geográficas, agrícolas e florestais da zona onde o mesmo se integra» (n.º 1); «Para efeitos da determinação da unidade de cultura releva a distinção entre terrenos de regadio, de sequeiro e de floresta, categorias reconhecidas a partir das espécies vegetais desenvolvidas, bem como das características pedológicas, edáficas, hídricas, económico-agrárias e silvícolas dos terrenos, aferidas com recurso às cartas de capacidade de uso do solo» (n.º 2); «Sempre que não seja possível o reconhecimento do tipo de terreno, nos termos do número anterior, deve ser atribuída a categoria de terreno de sequeiro» (n.º 3); «A unidade de cultura é fixada por portaria do membro do Governo responsável pela área do desenvolvimento rural e deve ser atualizada com um intervalo máximo de 10 anos» (n.º 4).

Seria, assim, editada a Portaria n.º 219/2016, de 9 de Agosto (14).
A mesma começa por esclarecer, no seu preâmbulo, que a necessidade de tornar mais eficazes as ações de estruturação fundiária radicou na importância de aperfeiçoar, criar e desenvolver instrumentos que promovessem e facilitassem a criação de empresas ou explorações agrícolas sustentáveis, de dinamização do mercado da terra, em ordem à qualificação e valorização dos territórios rurais e ao desenvolvimento sustentável»; e que, nesse sentido, a Lei n.º 111/2015, de 27 de Agosto, «veio também reforçar, no que diz respeito aos limites ao fracionamento dos prédios rústicos, o impedimento dos atos jurídicos que contrariem os limites da unidade de cultura, inalterado desde 1970, prevendo desde logo a sua revisão, com o objetivo de se garantir a sustentabilidade das estruturas fundiárias».
Veio depois, no seu art. 3.º, dispor que a «unidade de cultura a que se refere o artigo 1376.º do Código Civil, para Portugal continental e por NUT III nos termos do Regulamento (UE) n.º 868/2014 da Comissão, de 8 de agosto de 2014, é a constante do anexo ii da presente portaria e que dela faz parte integrante»; e, nos termos do dito anexo ii, é para o Alto Minho de 2,5 hectares, para os terrenos de regadio, e de 4,00 hectares, para os terrenos de sequeiro.
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4.2.1.2. Interpretação do regime legal
4.2.1.2.1. Propósito e critérios legais de interpretação da lei

Lê-se no art. 9.º do CC (sob a epígrafe «Interpretação da lei»), que a «interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (n.º 1); mas «não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (n.º 2); e, na «fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3).

Compreende-se, por isso, que se afirme que, tanto foram afastados os exageros objectivistas («que não atendem sequer às circunstâncias históricas em que a norma nasceu, na medida em que o n.º 1 do artigo 9.º manda reconstituir o pensamento legislativo e atender às circunstâncias em que a lei foi elaborada»), como afastados foram os exageros subjectivistas («que prescindem por completo da letra da lei, para atender apenas à vontade do legislador, quando no n.º 2 se afasta a possibilidade de qualquer pensamento legislativo valer com um sentido decisivo da lei, se no texto desta não encontrar um mínimo de correspondência verbal»).

«E ao mesmo tempo que manda atender às circunstâncias (históricas) em que a lei foi elaborada, o preceito não deixa de expressamente considerar relevantes as condições específicas do tempo em que a norma é aplicada (nota vincadamente actualista)» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 58).
Dir-se-á, por isso, que, «na exegese da lei, descortinando o respectivo sentido e alcance, não se deverá atender apenas à letra da lei, sendo pacificamente aceite que na respectiva interpretação também intervêm elementos lógicos, de ordem sistemática (condizente à ordem jurídica em que se integra a norma jurídica a interpretar, importando a consideração da unidade do sistema jurídico), histórica (reconhecimento e consideração dos acontecimentos históricos que aclaram a criação da lei, concretamente os trabalhos preparatórios e toda a realidade social que envolveu o seu aparecimento) e racional ou teleológica (a razão de ser da lei sustentada na respectiva justificação e no objectivo pretendido com a sua criação)» (AUJ, do Pleno das Secções Cíveis do STJ, de 27.11.2019, Oliveira Abreu, CJAcSTJ, Ano XXVII, Tomo III, págs. 23-24, com bold apócrifo).
Concluindo, sendo necessariamente a letra da lei o ponto de partida da sua interpretação, a mesma implica «uma tarefa de interligação e valoração que excede o domínio literal» (Oliveira Ascensão, O Direito. Introdução e Teoria Geral, 13.ª edição refundida, Almedina, pág. 406); mas «o elemento gramatical (“letra da lei”) e o elemento lógico (“espírito da lei”) têm sempre que ser utilizados conjuntamente», não podendo haver «uma modalidade de interpretação gramatical e uma outra lógica, pois é evidente que o enunciado linguístico que é a “letra da lei” é apenas um significante, portador de um sentido (“espírito”) para que nos remete» (Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1994, págs. 181 e 182).
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4.2.1.2.2. Interpretação do concreto regime legal aplicável

Identificado o regime legal aplicável ao fraccionamento de prédios rústicos aptos para cultivo, e os critérios aplicáveis à sua interpretação, importa proceder à mesma, uma vez que o seu resultado não tem sido uniforme, quer na doutrina, quer na jurisprudência.
Com efeito, dividiram-se (e ainda se dividem) entre: aqueles que defendem que o ordenamento jurídico português não permite a aquisição, por usucapião, de parcela de terreno por fraccionamento de prédios rústicos aptos para cultivo, quando a mesma possua uma área inferior à unidade de cultura legal (15); e aqueles outros que defendem o entendimento contrário, isto é, admitem a dita aquisição (16).
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Assim, e precisando:

i) Elemento literal

Os adeptos da não prevalência da aquisição originária por usucapião sobre as regras de fraccionamento dos prédios rústicos, sempre defenderam que a expressão «salvo disposição em contrário» do art. 1287.º do CC acautelaria precisamente o disposto no art. 1376.º do CC, que, assim, consubstanciaria uma das excepções ao instituto da usucapião, enquanto forma originária de aquisição do direito real de propriedade.
Enfatizam que no art. 1287.º do CC não se impõe «salvo disposição expressa em contrário», o que permitia afirmar que, da conjugação do disposto no art. 1376.º, n.º 1 com o art. 1379.º, n.º 1, fica excluída a aquisição, por usucapião, de parcela de terreno inferior à área correspondente à unidade de cultura.
A nova redacção do art. 1379.º do CC (que passou a cominar de nulos, e já não apenas como anuláveis no prazo de três anos, os actos de fraccionamento ou troca contrários ao disposto no art. 1376.º) consagrou a solução subjacente àquele entendimento.
O mesmo o fez a nova redacção do art. 48º da Lei n.º 111/2015, de 27 de Agosto (conferida pela Lei n.º 89/2019, de 3 de Setembro) segundo a qual a «posse de terrenos aptos para cultura não faculta ao seu possuidor a justificação do direito a que esta diz respeito, ao abrigo do regime da usucapião, sempre que a sua aquisição resulte de atos contrários ao disposto no artigo 1376.º do Código Civil» (n.º 2); e sendo ainda «nulos os atos de justificação de direitos a que se refere o número anterior» (n.º 3).

Contudo, os adeptos do entendimento contrário enfatizaram desde sempre a ausência de uma norma excepcional que estabelecesse taxativamente que determinada posse não conduziria à usucapião (pelo que a expressão «disposição em contrário» ressalvada pelo art. 1287.º do CC não abarcaria a situação prevista no art. 1376º); e aduzem ainda o próprio conceito de posse previsto no art. 1287.º do CC e o conteúdo normativo da usucapião.
Com efeito, acentuam o facto de, na usucapião, fundada directa e imediatamente na posse, não estar em causa um direito transmitido, mas sim um direito constituído ex novo, idóneo a afastar qualquer ilegalidade do prévio fraccionamento (v.g. falta de escritura pública e/ou área inferior à unidade de cultura). Sendo a usucapião uma forma de aquisição originária de propriedade, não deveria ser condicionada por limitações genéricas ao direito de propriedade que antes dela, e independentemente dela, oneravam a propriedade: a coisa passa para a esfera jurídica do adquirente, com as mesmas características da concreta e prolongada posse que este, durante certo lapso de tempo, exerceu sobre ela (17).
Logo, não se estaria perante actos jurídicos, resultantes de qualquer vontade negocial (v.g. de alienar ou transmitir, nomeadamente por troca), a eles, e só a eles, inequivocamente se reportando a lei.

Contrapunham, porém, os adeptos do primeiro entendimento que, carecendo a usucapião de invocação, e sendo esta um acto jurídico dependente da manifestação de vontade, o mesmo seria nulo, por a posse invocada contrariar disposições legais imperativas (como as que disciplinariam o loteamento, o destaque ou o fraccionamento de prédios), conforme arts. 294.º e 295.º, ambos do CC.
Acresceria ainda o facto de a usucapião ser «um meio alternativo de constituição do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo através da posse, no pressuposto de que essa aquisição, em abstracto, também poderia ter lugar através de outro meio legal de aquisição, designadamente o negócio jurídico ou o contrato», não podendo «funcionar como válvula de escape para se adquirir o bem que de outro modo nunca seria susceptível de aquisição» (Fernando Pereira Rodrigues, Usucapião. Constituição Originária De Direitos Através da Posse, Almedina, Coimbra, 2008, págs. 32 e segs., com bold apócrifo).
Assim, proibindo a lei a obtenção de um determinado resultado, teria de proibir necessariamente todos os meios adequados para o atingir, isto é, não faria sentido cominar de inválidos os actos de fraccionamento contra o disposto no art. 1376.º do CC, e depois permitir o seu fraccionamento físico, material e jurídico em consequência da sua aquisição por usucapião (insusceptível de ser impugnada por acção de anulação, face a inexistência de qualquer negócio constitutivo do fraccionamento do prédio que deu origem a essa parcela) (18).

ii) Elemento racional ou teleológico

Os adeptos da não prevalência da aquisição originária por usucapião sobre as regras de fraccionamento dos prédios rústicos invocam em abono do seu entendimento a natureza imperativa e pública dos interesses subjacentes à proibição contida no art. 1376.º, n.º 1 do CC, à semelhança aliás de outras, de natureza administrativa, pertinentes a demais restrições ao direito de propriedade, por conflituante com interesses gerais de urbanismo e de ordenamento do território.
Precisam ainda que o respeito de umas e outras se impõem, não só aos notários e conservadores (nomeadamente, em processos de justificação), como igualmente aos tribunais (a tanto não obstando que o negócio celebrado contra disposição imperativa fosse apenas anulável) (19).

Contudo, os adeptos do entendimento contrário defendem que, embora as regras sobre fraccionamento e troca de terrenos aptos para cultura sejam determinadas por razões de interesse público, os negócios que as infrinjam eram inicialmente (na primitiva redacção do art. 1379.º, n.º 1 do CC) apenas anuláveis, e dentro de um prazo bastante curto.
Assim, e face à respectiva sanação, pelo mero decurso do prazo de três anos, reflectindo o alheamento da autoridade pública a quem incumbiria a sua prevenção/repressão, deixaria de fazer sentido a tardia salvaguarda do dito interesse público, devendo antes a ordem jurídica absorver a situação ocorrida e já consolidada.
A posterior alteração da redacção do art. 1379.º, n.º 1 do CC (cominando agora de nulos os actos de violação do disposto no art. 1376.º, n.º 1 do CC) impede doravante a utilização deste argumento (continuando, porém, a permitir a sua utilização quanto à redacção pretérita do preceito).
Há ainda quem enfatize que também a usucapião (instituto de natureza eminentemente civil, onde sobretudo está em causa o interesse privado do possuidor que a invoca a seu favor), visa satisfazer um interesse público, isto é, o de «assegurar, no tráfego das coisas, quer a certeza da existência dos direitos reais de gozo sobre elas e de quem é o seu titular, quer em proteger o valor da publicidade/confiança que nesse tráfego lhe é aduzido pela posse, quer em fornecer um meio de prova seguro de fácil utilização e consentâneo com a confiança, quanto à existência do direito e à sua titularidade» (Durval Ferreira, «Posse e Usucapião versus Destaque e Loteamentos, Legalização das Edificações e Acessão, Doutrina e Jurisprudência», Vida Económica, págs. 34-35) (20).
Não se crê, porém, que esse interesse público prevaleça sobre o inicial, privado; e, por isso, seja muito diferente de qualquer outro que, de forma genérica, sempre subjaz a qualquer norma jurídica, já que cada uma delas é editada para regular a desejável convivência de uma comunidade; e, nessa medida, o seu cumprimento sempre ao todo dela interessa.

iii) Elemento sistemático

Os adeptos da não prevalência da aquisição originária por usucapião sobre as regras de fraccionamento dos prédios rústicos lembram que o «ordenamento jurídico deve ser considerado como um todo harmónico, no âmbito do qual cada solução passa pela análise de todos os ramos do direito» (Luís Filipe Pires de Sousa, Acções Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, 1.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2011, pág. 63) (21).
Recordam ainda que, no ordenamento jurídico português (nomeadamente, constitucional), o direito de propriedade não é concebido como um direito absoluto, intocável ou ilimitado (conforme art. 1305.º, in fine, do CC, e art. 62.º, n.º 2, in fine, da CRP), harmonizando-se necessariamente com outros direitos, nomeadamente o direito ao ambiente, à qualidade vida e ao correcto ordenamento do território, sendo a promoção deste último inclusivamente uma tarefa fundamental do Estado (arts. 9.º, al. e), e 66.º, ambos da CRP).
Logo, a aplicação uniforme e coerente da lei, exige a consideração do ordenamento jurídico como um todo, nomeadamente assegurando-se um diálogo constante entre o direito civil (excluindo a sua aplicação atomística e exclusiva) e o direito de cariz administrativa (reconhecendo as intersecções daquele com este), nomeadamente respeitante ao urbanismo; e, neste, ao fraccionamento, ao loteamento e ao destaque de imóveis (e, por isso, a ser atendido aquando do reconhecimento das formas de aquisição da propriedade, mormente da usucapião) (22).

Contudo, os adeptos do entendimento contrário defendem que, não obstante se estar perante normas indiscutivelmente imperativas, a lei distinguiu durante largo tempo (isto é, na vigência da versão original do art. 1379.º do CC) entre as normas de direito privado relativas à proibição de fraccionamento de prédios rústicos aptos para cultura, e as normas de direito público relativas à proibição de operações de loteamento ou edificação, isto é, de carácter urbanístico e de ordenamento do território não agrário.
Reconhece-se sem dificuldade que «o direito do urbanismo encerra normas directa e imediatamente vinculativas tanto para os sujeitos de direito público, como para os particulares. As suas normas têm uma força vinculativa directa e estabelecem, de um modo mais ou menos concreto e preciso, o destino e o regime de coupção, uso e transformação do solo» (Fernando Alves Correia, Manual de Direito do Urbanismo, I Volume, Almedina, 2001, pág. 65).
Recorda-se, porém, que enquanto que na redacção inicial do art. 1379.º do CC a divisão de um prédio rústico apto para cultivo em área inferior à unidade de cultura legal era anulável, a realização de um loteamento desconforme com a lei tornava-o, e torna-o, nulo. Com efeito, exigindo o art. 49.º, n.º 1 do RJUE (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro) que dos actos notariais relativos à constituição ou transmissão de lotes conste a identificação do alvará (documento que titula a licença ou a autorização das operações de loteamento), a sua inexistência integra manifesto incumprimento de disposições legais de carácter imperativo; e, por isso, implica a nulidade substantiva do negócio, nos termos do art. 294.º do CC, o que impede a subsequente admissão ao registo (23).
Ora, o «regime e os efeitos mais severos da nulidade encontram o seu fundamento teleológico em motivos de interesse público predominante», enquanto que as «anulabilidades fundam-se na infracção de requisitos dirigidos à tutela de interesses predominantemente privados» (Calos Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2005, pág. 620, com bold apócrifo).
Concorda-se, por isso, com a ponderação daqueles que defendem que, ao «sancionar com o regime da anulabilidade (e com um prazo de caducidade da acção de três anos) a violação das normas sobre o fraccionamento de prédios rústicos e com o regime da nulidade a violação das normas sobre loteamentos, o legislador parece afirmar implicitamente que ali devem prevalecer interesses predominantemente particulares e aqui devem prevalecer motivos de interesse público» (Luís Filipe Pires de Sousa, Acções Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, 1.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2011, pág. 68).
Claro está, e tal como reiteradamente se vem fazendo notar, a alteração da redacção do art. 1379.º, n.º 1 do CC impõe hoje uma outra ponderação.

iv) Elemento histórico

Os adeptos da não prevalência da aquisição originária por usucapião sobre as regras de fraccionamento dos prédios rústicos fazem notar que a mais recente evolução legislativa vem, reiterada e expressamente, consagrando o seu entendimento.
Com efeito: em 2015 (por meio da Lei n.º 111/2015, de 27 de Agosto) alterou-se a redacção do art. 1379.º, n.º 1 do CC, cominando com a sanção da nulidade, e já não apenas da anulabilidade, a violação do disposto no art. 1376.º, nº 1 do CC; e em 2019 (por meio Lei n.º 89/2019, de 3 de Setembro) alterou-se a redacção do art. 48.º da Lei n.º 111/2015, de 27 de Agosto, afirmando-se agora inequivocamente que a posse de terrenos aptos para cultura não faculta ao seu possuidor a justificação do direito a que aquela diz respeito, ao abrigo do regime da usucapião, sempre que a sua aquisição resulte de actos contrários ao disposto no artigo 1376.º do Código Civil, sendo ainda nulos os actos de justificação de tais pretensos direitos.
Logo, há uma inequívoca intenção do legislador de reforçar a imperatividade das regras estabelecidas para o fraccionamento e emparcelamento de prédios rústicos agrícolas.
Alguns defendem ainda a natureza interpretativa (24) da Lei n.º 111/2015, de 27 de Agosto (que alterou a redacção do art. 1379.º, n.º 1 do CC), tendo-a por isso como integrada na lei interpretada, conforme art. 13.º do CC (25).

Contudo, os adeptos do entendimento contrário afirmam que, precisamente por não resultar antes da lei a actual solução (de proibição da aquisição, por usucapião, de parcelas de terreno resultante do fraccionamento de prévios prédios rústicos de cultivo, quando a área das ditas parcelas seja inferior à unidade de cultura legal), foi o legislador obrigado a intervir, alterando a sua prévia redacção.
Recusam ainda a natureza interpretativa da Lei n.º 111/2015, de 27 de Agosto, tendo por insuficiente para o efeito a manutenção de um regime de invalidade na nova redacção do art. 1379.º, n.º 1, já que esta é de tipo diferente da anteriormente consagrada (26).

v) Elemento actualista

Os adeptos da não prevalência da aquisição originária por usucapião sobre as regras de fraccionamento dos prédios rústicos poderão enfatizar o facto de ser este um tempo de crescente e sistemática preocupação com a defesa e promoção do território (quer na sua vertente agrícola, quer na sua vertente urbanística), por ser cada vez mais aguda a consciência, e generalizado o conhecimento, do carácter finito dos recursos à nossa disposição, nomeadamente dos solos (impondo uma cada vez maior eficácia na sua exploração).

Contudo, e não obstante se reconhecer esta realidade, crê-se que neste concreto domínio (de fraccionamento de prédios rústicos) tem sido o legislador a impor novas e reforçadas exigências, à medida que se completa a transição de uma sociedade maioritariamente pobre, de numerosa descendência directa, agrária e indiferente às exigências fundiárias globais (nomeadamente, quando incompatíveis com os interesses individuais de sobrevivência própria), contemporânea da edição do CC de 1966, para uma outra, economicamente mais capaz, com índices de fecundidade que nem mesmo asseguram a substituição de gerações, maioritariamente terciária e literariamente diferenciada, permitindo por isso outro tipo de preocupações, reflexões e exigências.

Tudo ponderado, e salvo o devido respeito por opinião contrária, crê-se que até à alteração de redacção do art. 1379.º, n.º 1 do CC (operada pela Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto), a interpretação mais correcta da lei coincide com a que admite a aquisição originária, por usucapião, de parcela de prédio rústico apto para cultura, ainda que com área inferior à unidade de cultura legal, desde que se verifiquem os seus pressupostos próprios.
Ora, uma vez que, invocada a usucapião, os seus efeitos retrotraem-se à data do início da posse (art. 1288.º do CC), adquirindo-se o direito de propriedade no momento em que aquela se iniciou (art. 1317.º, al. c), do CC), e a lei nova só visa os factos novos quanto às condições de validade dos actos (art. 12.º do CC), esta terá de ser apreciada pela lei que então se encontrava em vigor (27).
De outro modo, naturalmente, se decidirá quanto à posse que se inicie após a entrada em vigor nova redacção do art. 1379.º, n.º 1 do CC (mercê do já antes considerado e detalhadamente explicado) (28).
*
4.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)

Concretizando, verifica-se que, estando-se perante um prédio rústico, o mesmo é terreno de cultivo; e que, estando reunidos os pressupostos legais para que uma parcela que o compunha, com 1.997 m2, fosse adquirida por usucapião (o que foi devidamente invocado pelo respectivo possuidor), essa aquisição retrotrai a 1980.
Encontrando-se então em vigor a redacção inicial do art. 1379º, n.º 1 do CC, independentemente da área da dita parcela poder ser inferior à unidade de cultura legal vigente, certo é que tal facto não obstava (repete-se, à data) à referida aquisição; e, por isso, ao seu reconhecimento nestes autos.

Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela total procedência do recurso de apelação interposto pelo Autor (J. P.).
*
V – DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente procedente o recurso de apelação interposto pelo Autor (J. P.), e, em consequência, em revogar a sentença recorrida, que se substitui por decisão a

· Declarar que o prédio rústico em causa nos autos se encontra materialmente dividido, por usucapião, em cinco parcelas distintas e autónomas (identificadas e descritas no facto provado enunciado sob o número 3);

· Declarar que o Autor (J. P.) é dono e legítimo possuidor da parcela identificada pela letra «A», isto é «Leira de cultivo», sita no lugar de ..., freguesia de ... e ..., concelho de Ponte de Lima, com a área de 1.997 m2, a confrontar de norte com A. C., de sul com Rua ..., de nascente com A. P., e de poente com J. R.;

· Condenar os Réus a reconhecerem o determinado nos pontos anteriores.
*
Custas da acção e da apelação pelos Réus (art. 527.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC).
*
Guimarães, 21 de Maio de 2020.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.


1. Têm-se como «disposições em contrário» os arts. 202.º, n.º 2, 1293.º e 1548.º, n.º 1, todos do CC, que excluem do âmbito do instituto da usucapião, respectivamente, todas as coisas que não podem ser objecto de direitos privados, tais como as que se encontram no domínio público, o direito de uso e habitação, e as servidões prediais não aparentes. Fora daquele diploma - excluindo igualmente a aquisição por usucapião -, art. 2.º do Decreto-Lei n.º 39/76, de 19 de Janeiro, pertinente aos baldios; e art. 34.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, pertinente a bens culturais classificados ou em vias de classificação.
2. No mesmo sentido, Fernando Pereira Rodrigues, Usucapião. Constituição Originária De Direitos Através da Posse, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 69, onde se lê que «base de toda a nossa ordem jurídica imobiliária assenta, não no registo, mas na usucapião, que em nada é prejudicada pelas vicissitudes registrais, valendo inteiramente por si». Ainda Luís A. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 3.ª edição, pág. 230, onde se lê que «aquisição por usucapião é, assim, efeito da posse reiterada de um direito real, não integrando qualquer negócio jurídico que possa ser passível de invalidade jurídica [nulidade ou anulabilidade], por se tratar de uma forma de adquirir de facto um direito real». Numa jurisprudência conforme e uniforme (defendendo que, sendo a usucapião uma forma originária de aquisição da propriedade, afasta quaisquer vícios que afectem a situação precedente face à coisa usucapida), Ac. do STJ, de 03.03.2009, Alves Velho, Processo n.º 09A0020, in www.dgsi.pt como todos os demais citados sem indicação de origem, onde se lê que, invocada «a usucapião, como forma de aquisição, justamente porque de aquisição originária se trata, irrelevam quaisquer irregularidades precedentes e eventualmente atinentes à alienação ou transferência da coisa para o novo titular, sejam os vícios de natureza formal ou substancial».
3. Afirma-se nas alegações de recurso, que, com «a acção proposta o Recorrente não pretende dividir o terreno do prédio identificado no artigo 1º da petição inicial, (…), entendendo-se que é legalmente possível reconhecer a propriedade dessa parcela de terreno com base na posse por usucapião, que passou a constituir parcela ou prédio rústico autónomo, ao contrário do que foi defendido na douta sentença recorrida pelo Tribunal “a quo”».
4. Define-se «fraccionamento» como sendo a «operação de estruturação fundiária que consiste na divisão da área de um prédio (…) em unidades prediais que passem a ser objeto de direito de propriedade autónomo» (Rui Pinto e Cláudia Trindade, Código Civil Anotado (Coordenação de Ana Prata), Volume II, Coimbra, Almedina, 2017, pág. 192. Contudo, o fraccionamento de um prédio rústico pressupõe, não apenas a divisão da sua área em duas ou mais unidades prediais, como exige igualmente a transferência do domínio dessas unidades prediais para dois ou mais proprietários, isto é, pressupõe a existência de um acto translativo de propriedade (conforme Ac. do STJ, de 07.06.2011, Nuno Cameira, Processo n.º 197/2000, e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, 1987, pág. 259).
5. Neste sentido, Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes e Fernanda Maçãs, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, Comentado, 3.ª edição, Almedina, 2012, pág. 409, onde se lê - citando inicialmente Menezes Cordeiro - «as limitações ao fraccionamento de prédios rústicos sempre visaram evitar os vários inconvenientes de ordem económica, designadamente pela menor produtividade agrícola dos prédios quando estes se reduzem a proporções muito limitadas»; e, assim, «por motivos estritamente relacionados com a viabilidade económica das explorações agrícolas», foram-se «criando dificuldades ou mesmo impedimentos ao fraccionamento de prédios rústicos, designadamente de todos aqueles que conduzissem a parcelas inferiores a certos limites».
6. Neste sentido, Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, 2002, pág. 93, onde se lê que o «fraccionamento da propriedade (usando-se a palavra em sentido não técnico-jurídico) é uma tendência histórica facilmente comprovável»; e, procurando contrariá-la, «desde há muitas dezenas de anos, o Estado tenha formulado medidas no sentido de evitar esse fraccionamento».
7. Neste sentido lê-se a Base XXXIII, n.º 2, da Lei n.º 2116, de 18 de Abril de 1962, onde se dispunha que, depois «de fixada, em regulamento especial para cada zona do País, a unidade de cultura de que trata a base I, deixam de ser aplicáveis, na zona abrangida, os artigos 106.º e 107.º do Decreto 16731, de 13 de Abril de 1929».
8. Em ambos os sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, 1987, pág. 202; A. Santo Justo, Direitos Reais, 4.ª edição, Coimbra Editora, Julho de 2012, pág. 140; José Alberto Vieira, Direitos Reais, 2016, Almedina, Fevereiro de 2016, pág.165-166; e Luís Filipe Pires de Sousa, Acções Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, 1.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2011, pág. 27, com indicação de outra doutrina e de jurisprudência conformes.
9. Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. do STJ, de 07.04.2011, Hélder Roque, Processo n.º 30031-A/1979.L1.S1; ou Ac. do STJ, de 24.10.2019, Fátima Gomes, Processo n.º 317/15.0T8TVD.L1.S2.
10. Não definiu, porém, a Portaria n.º 202/70, de 21 de Abril, o que sejam «cultura arvense», «de regadio» e «de sequeiro», tarefa a que a jurisprudência se entregou, com apoio nos ensinamentos da agronomia. Assim, entende-se por «cultura arvense» a que se refere a plantas que crescem em terras semeadas, desse modo se designando plantas herbáceas anuais ou vivazes, integradas ou não em sucessões lógicas designadas de rotações (Ac. da RE, de 28.04.1994, Geraldes de Carvalho, CJ, 1994, Tomo II, págs. 269-270); e está associada à ideia de terra lavrada, só excluindo em rigor as culturas arbustivas, arbóreas e florestais (Ac. da RP, de 30.05.1995, Almeida Silva, CJ, 1995, Tomo III, págs. 228-232). Entende-se por «cultura hortícola» a cultura intensiva de legumes e hortaliças, com extensão relativa e processos especiais, face à cultura arvense, e com continuidade de produção (Ac. da RP, de 30.05.1995, Almeida e Silva, CJ, 1995, Tomo III, págs. 228-232). Entende-se por «cultura de sequeiro» aquela em que a planta não dispõe de água de rega para o seu desenvolvimento normal, que fica dependente das condições atmosféricas, sendo por isso de produção final irregular.
11. O art. 2.º da Portaria n.º 202/70, de 21 de Abril, determinou expressamente que, nos «termos do n.º 2 da base XXXIII da Lei n.º 2116, de 14 de Agosto de 1962, deixam de ser aplicáveis em Portugal continental os artigos 106.º e 107.º do Decreto n.º 16731, de 13 de Abril de 1929».
12. O art.º 53.º do Decreto-Lei n.º 103/90, de 23 de Março manteve, porém, em vigor a Portaria n.º 202/70, de 21 de Abril.
13. O art. 64.º da Lei n.º 111/2015, de 27 de Agosto, revogou quer o Decreto-Lei n.º 384/88, de 25 de Outubro, quer o Decreto-Lei n.º 103/90, de 22 de Março.
14. O art. 5.º da Portaria n.º 219/2016, de 9 de Agosto, revogou a Portaria n.º 202/70, de 21 de Abril.
15. Defendendo a proibição do referido fraccionamento, «em virtude das prescrições da lei», (nomeadamente, do art. 1376.º, n.º 1 do CC) António Carvalho Martins, Acção de Divisão de Coisa Comum, Coimbra Editora, 1992, pág. 23-24; Fernando Pereira Rodrigues, Usucapião. Constituição Originária De Direitos Através da Posse, Almedina, Coimbra, 2008, págs. 32 e segs; Mónica Jardim e Dulce Lopes, «Acessão industrial imobiliária e usucapião parciais versus destaque», O Urbanismo, O Ordenamento do Território e os Tribunais (Coordenação de Fernanda Paula Oliveira), Almedina, Cimbra, 2010, págs. 794-810; José A. R. L. González, «Usucapião e fracionamento de prédios rústicos», RMP, Ano 37, n.º 148 (out.-dez. 2016), págs. 9-37. Na jurisprudência (estando em causa o regime de fraccionamento de prédios rústicos sem objectivos urbanísticos), Ac. do STJ, de 04.02.2003, CJAcSTJ, Tomo I, pág. 76; Ac. do STJ, de 16.03.2010, Processo n.º 636/09.4YFLSB, CJ, 2010, Tomo I, pág. 133; Ac. da RE, de 25.05.2017, Tomé Ramião, Processo n.º 1214/16.7T8STB.E1; Ac. da RE, de 26.10.2017, Canelas Brás, Processo n.º 7859/15.5T8STB.E1 (com voto de vencido de Paulo de Brito Amaral); Ac. da RG, de 05.12.2019, Anizabel Sousa Pereira, Processo n.º 1167/18.7T8PTL.G1.
16. Admitindo o dito fraccionamento, Castro Mendes, Teoria Geral, 1979, Volume II, pág. 235; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2.ª edição, pág. 269; Menezes Cordeiro, A Posse, Perspectivas Dogmáticas Actuais, 3.ª edição, págs.130-131; Durval Ferreira, Posse e Usucapião, 3.ª edição, Almedina, págs. 525 e segs.. Na jurisprudência (estando em causa o regime de fraccionamento de prédios rústicos sem objectivos urbanísticos), Ac. da RE, de 26.10.2000, CJ, Tomo IV, pág. 272 e segs; Ac. do STJ, de 19.10.2004, Azevedo Ramos, Processo nº 04A2988; Ac. da RC, de 31.05.2005, Serra Baptista, Processo n.º 3997/04; Ac. do STJ, de 27.06.2006, Alves Velho, Processo n.º 06A1471 (CJAcSTJ, 2006, Tomo II, pág. 133); Ac. da RL, de 24.09.2009, Bruto da Costa, Processo n.º 896/2002-8; Ac. da RC, de 09.11.2010, Carlos Moreira, Processo n.º 1531/05.TBAGD.C1; Ac. do STJ, de 04.02.2014, Fernandes do Vale, Processo n.º 314/2000.P1.S1; Ac. da RC, de 25.02.2014, José Avelino Gonçalves, Processo n.º 1350/11.6TBGRD.C1; Ac. do STJ, de 19.10.2014, Azevedo Ramos, Processo n.º 04A2988; Ac. da RC, de 03.03.2015, Barateiro Martins, Processo n.º 5730/06.0TBLRA.C1; Ac. da RL de 15.10.2015, Maria Manuela Gomes, Processo n.º 1737-11.4TBALM.L1-6; Ac. do STJ, de 06.04.2017, Nunes Ribeiro, Processo n.º 1578/11.9TBVNG.P1.S1; Ac. da RE, de 08.06.2017, Mário Serrano, Processo n.º 1011/16.0T8STB.E1; Ac. da RE, de 25.01.2018, Isabel Peixoto Imaginário, Processo n.º 7601/16.3T8STB.E1; Ac. da RG, de 01.02.2018, João Peres Coelho, Processo n.º 290/15.4T8PRG.G1; Ac. do STJ, de 01.03.2018, Rosa Tching, Processo n.º 1011/16.0T8STB.E1.S2; Ac. da RE, de 26.04.2018, Manuel Bargado, Processo n.º 418/15.4T8ALR.E1; Ac. do STJ, de 03.05.2018, Fátima Gomes, Processo n.º 7859/15.5T8STB.S1; Ac. da RE, de 07.06.2018, Maria Domingas Simões, Processo n.º 145/16.5T8CCH.E1; Ac. do STJ, de 12.07.2018, Fonseca Ramos, Processo n.º 7601/16.3T8STB.E1.S1; Ac. do STJ, de 08.11.2018, Abrantes Geraldes, Processo n.º 600/16.1T8STB.E1.S1; Ac. da RE, de 20.12.2018, José Manuel Barata, Processo n.º 357/18.7T8STB.E1; Ac. da RE, de 14.02.2019, Cristina Dá Mesquita, Processo n.º 1113/18.8T8STB.E1; Ac. do STJ, de 28.03.2019, Bernardo Domingos, Processo n.º 7604/16.8T8STB.E1.S1; Ac. da RE, de 02.05.2019, Mata Ribeiro, Processo n.º 941/17.6T8BNV.E1; Ac. do STJ, de 30.05.2019, Rosa Ribeiro Coelho, Processo n.º 916/18.8T8STB.E1.S2; Ac. do STJ, de 18.06.2019, Graça Amaral, Processo n.º 1786/17.9T8STB.E1.S1; Ac. da RE, de 12.09.2019, Vítor Sequinho, Processo n.º 1223/13.8TBSLV.E1.Ac. do STJ, de 24.10.2019, Fátima Gomes, Processo n.º 317/15.0T8TVD.L1.S2.
17. Pronunciando-se sobre a forma de aquisição originária do direito real em que a usucapião se traduz, Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, pág. 470; Oliveira Ascensão, Direitos Reais, 4.ª edição, Coimbra Editora, Lisboa 1983, págs. 294 e 295; Abílio Vassalo Abreu, Titularidade Registral do Direito de Propriedade Imobiliária vs Usucapião, Coimbra Editora, pág. 19; Durval Ferreira, Posse e Usucapião, 3.ª edição, Almedina, págs. 525 e segs, onde expressivamente se lê que a aquisição do direito por usucapião é originária, genética e endógena, na medida em que tem por causa, na sua génese, apenas a posse; e esta, tal como a «aquisição do direito por usucapião são originárias, agnósticas e bastam-se com certo senhorio de facto, tal como é, por certo lapso de tempo».
18. Compreende-se, por isso, que se afirme que um tal entendimento permitiria inclusivamente contestar o carácter imperativo da norma que proíbe o fraccionamento de prédios rústicos em desrespeito do n.º 1, do art. 1379.º do CC, conforme o faz José González, «Usucapião e fracionamento de prédios rústicos», RMP, Ano 37, n.º 148 (out.-dez. 2016), págs. 9-37.
19. Neste sentido, Luís Filipe Pires de Sousa, Acções Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, 1.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2011, pág. 38, onde se lê que, na «verdade, as razões de interesse geral que justificam a concessão de legitimidade ao Ministério Público para intentar acção de anulação justificam - do mesmo passo - que fique vedado ao juiz decidir na completa indiferença pela tutela de tais interesses, sendo que o juiz está constitucionalmente vinculado a assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos e a reprimir a violação da legalidade democrática (artigo 202.º, n.º 2, da Constituição)»; e, por isso, deve «ter uma função pro-activa de fiscalização sobre o cumprimento das condicionantes do fraccionamento de prédios rústicos, impedindo que as partes logrem obter por via processual um efeito que lhes está vedado pelo direito substantivo».
20. Ainda, do mesmo autor, Posse e Usucapião, 3.ª edição, Almedina, págs. 525 e segs,.
21. No mesmo sentido, António Pereira da Costa, «Loteamento, acessão e usucapião: encontros e desencontros», Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, Urbanismo e Ambiente, Ano 6, N.º 11 (2003), pág. 99, onde se lê que «o ordenamento jurídico não é constituído por compartimentos estanques, mas por normas e princípios de diversa origem e tutelando interesses diferenciados que deve constituir um todo harmónico de modo a evitar lacunas no cumprimento das obrigações que a cada um são atribuídas».
22. Negando a possibilidade de aquisição, por usucapião, de direitos desconformes com normas imperativas de carácter urbanístico, Ac. do STJ, de 01.03.2001, Afonso Melo, Processo n.º 294/01; Ac. da RC, de 02.10.2001, Quintela Proença, CJ, 2001, Tomo IV, págs. 19-20; Ac. da RL, de 30.04.2002, Abrantes Geraldes, CJ, Tomo II, pág. 126; Ac. do STJ, de 03.04.2003, Silva Salazar, Processo n.º 03A663; Ac. do STJ, de 19.10.2004, Salvador da Costa, Processo n.º 04B3293; Ac. do STJ, de 06.07.2006, Ribeiro de Almeida, Processo n.º 05A4270; Ac. do STJ, de 03.12.2009, Lopes do Rego, Processo n.º 1102/03.7TBILH.C1.S1; Ac. do STJ, de 02.02.2010, João Camilo, Processo. n.º 1816/06.OTBFUN.L1.S1; Ac. do STJ, de 01.06.2010, Sousa Leite, Processo n.º 133/1994.L1.S1; Ac. do STJ, de 19.04.2012, Lopes do Rego, Processo n.º 34/09.0T2AVR.C1.S1; Ac. da RL, de 15.10.2013, Gouveira Barros, Processo n.º 10495/08.9TMSNT.L1-7; Ac. do STJ, de 13.02.2014, Lopes do Rego, Processo n.º 1508/07.2TCSNT.L1.S1; Ac. do STJ, de 06.03.2014, Salazar Casanova, Processo n.º 1394/04.4PCAMD.L1.S1; Ac. do STJ, de 20.05.2014, Martins de Sousa, Processo n.º 11430/00.8TVPRT.P1.S1; Ac. do STJ, de 30.04.2015, Salazar Casanova, Processo n.º 10495/08.9TMSNT.L1.S1; Ac. do STJ, de 26.01.2016, Sebastião Póvoas, Processo n.º 5434/09.2TVLSB.L1.S1. Na doutrina, Fernanda Paula Oliveira, «Loteamentos, Reparcelamentos e Destaques», págs. 31 e segs., e Salazar Casanova, «Usucapião, Acessão Industrial e Construção Clandestina», págs. 73, ambos em A Interação do Direito Administrativo com o Direito Civil, eBook do Centro de Estudos Judiciários, in http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_Interacao_Adm_Civil.pdf: Alertando ainda para que, de outro modo, se legitimam situações de fraude à lei, Luís Filipe Pires de Sousa, Acções Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, 1.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2011, págs. 62-69. Hipótese curiosa analisada recentemente neste âmbito foi a objecto do Ac. da RE, de 10.10.2019, Sílvio Sousa, Processo n.º 214/18.7 T8TNV.E1, onde se decidiu que constitui «uso anormal do processo, com a consequente inadmissibilidade de decisão de mérito e sua nulidade, formular-se um pedido principal e um outro reconvencional, de declaração da aquisição, por usucapião, da propriedade de duas parcelas de terreno, com área inferior à unidade de cultura, partes integrantes de um prédio rústico, reconhecido como legalmente indivisível, com a aquisição registada a favor das partes, que, por não se encontrarem desavindas, estão de acordo quanto à matéria de facto alegada».
23. Neste sentido, Fernanda Paula Oliveira e Dulce Lopes, Implicações notariais e registais das normas urbanísticas, Almedina, 2004, pág. 52.
24. Segundo Baptista Machado, em Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, pág. 247, «para que uma LN possa ser realmente interpretativa são necessários dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei, sendo que, se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a LN vem consagrar, então esta é decididamente inovadora».
25. Defendendo a natureza interpretativa da Lei n.º 111/2015, de 27 de Agosto, Ac. da RG, de 05.12.2019, Anizabel Sousa Pereira, Processo n.º 1167/18.7T8PTL.G1 (onde igualmente justifica a sua aplicação retroactiva a casos idênticos ao dos autos).
26. Recusando a natureza interpretativa da Lei n.º 111/2015, de 27 de Agosto, Ac. do STJ, de 24.10.2019, Fátima Gomes, Processo n.º 317/15.0T8TVD.L1.S2.
27. Neste sentido, Ac. do STJ, de 08.11.2018, Abrantes Geraldes, Processo nº 6000/16.1T8STB.E1.S1; Ac. do STJ, de 15.11.2018, Maria da Graça Trigo, Processo n.º 2769/17.4T8STB.E1.S1; Ac. do STJ, de 21.02.2019, Rosa Ribeiro Coelho, Processo n.º 7651/16.0T8STB.E1.S3; Ac. do STJ, 02.05.2019, Maria da Graça Trigo, Processo n.º 514/07.1TBGDL.E1.S1, onde se lê que, num «recurso em que está em causa apreciar se o reconhecimento do direito de propriedade da ré, adquirido por usucapião, viola regras legais imperativas, considera-se que releva para efeitos de apurar se tal violação ocorre é a data do início da posse»; Ac. do STJ, de 24.10.2019, Fátima Gomes, Processo n.º 317/15.0T8TVD.L1.S2, onde se lê que a «data ou momento relevante para aferir se o reconhecimento do direito de propriedade, adquirido por usucapião, infringe ou não as invocadas regras legais limitativas do fraccionamento de prédios rústicos é a do início da posse».
28. No mesmos sentido do aqui sufragado, pronunciou-se em 26 de Março de 2019 o Conselho Consultivo do Instituto dos Registos e do Notariado, no seu Parecer N.º 10/ CC /2019 («a aquisição por usucapião de parcela de prédio rústico fracionado em parcelas de área inferior à unidade de cultura – sua (in)admissibilidade»), lendo-se nomeadamente no mesmo: «os requisitos legais relevantes para efeitos de aquisição por usucapião só poderão ser aqueles que existiam quando a posse foi iniciada, por ser este o momento em que, de acordo com a lei, o direito de propriedade se deve considerar constituído, e se, nesse momento, a lei não se opunha insuperavelmente à criação de novos prédios com área inferior à unidade de cultura, chegando a atribuir efeitos aos atos jurídicos de fracionamento, mediante a marca da anulabilidade, não vemos como estender a tais prédios o estatuto definido pela lei subsequente (neste caso, a Lei n.º 111/2015)». Disponível em: https://www.irn.mj.pt/IRN/sections/irn/doutrina/pareceres/predial/2019/parecer-1-15/downloadFile/attachedFile_9_f0/CP1-2019-STJSR-CC.pdf?nocache=1559738411.58