Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6239/21.8T8VNF-A.G1
Relator: ALEXANDRA ROLIM MENDES
Descritores: CITAÇÃO POSTAL
RECUSA
REVELIA
EMBARGOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO PROCEDENTE
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
- As modalidades de citação estão previstas nos artigos 225.º a 245.º, todos do C. P .Civil., sendo a citação pessoal, por carta registada com aviso de receção - citação postal -, ou por contacto pessoal do funcionário judicial com o citando, quando aquela se frustre, o procedimento regra (cfr. artigos 228.º, e ss. do C.P.C.).

- Nesta citação, se o citando ou qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho se recusar o recebimento da carta, o distribuidor do serviço postal lavra nota da ocorrência e devolve o expediente ao tribunal procedendo-se seguidamente à citação por agente de execução ou funcionário judicial, mediante contacto pessoal com o citando (art. 231º)”.

- Se após a recusa em receber a carta perante o distribuidor do serviço postal, não foi tentada, como deveria ter sido, a citação pessoal dos RR., nos termos do art. 231º do C. P. Civil, não foi cumprido o formalismo prescrito na lei e a falta cometida prejudicou a defesa dos citandos, a citação é nula.

- Essa nulidade pode ser invocada nos embargos à execução de sentença uma vez que a ação declarativa correu à revelia dos réus.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório

Por apenso ao processo executivo acima identificado, em que é exequente AA e BB e executados CC e DD, vieram estes deduzir embargos de executado, arguindo a nulidade da sua citação na ação declarativa onde foi proferida a sentença que constitui título executivo e que determinou a sua falta de intervenção em tal processo e ainda, caso tal arguição de nulidade seja julgada improcedente, reputam de insuficiente o prazo fixado na sentença para cumprimento da obrigação exequenda.
Os embargos foram contestados, pronunciando-se os embargados pela sua improcedência.
Em sede de despacho saneador, foi proferida decisão de mérito em que se concluiu pela procedência parcial dos embargos, julgando-se improcedente a nulidade da citação e fixando-se o prazo de 120 dias para cumprimento da obrigação imposta aos Embargantes na sentença condenatória apresentada à execução.
           
Inconformados, os embargantes recorreram, nomeadamente, por a decisão ter sido proferida no despacho saneador sem que tenha sido convocada audiência prévia e entendendo que tinha sido violado o princípio do contraditório.
           
Neste Tribunal foi dada razão aos Recorrentes, anulando-se a decisão recorrida e determinando-se a convocação de audiência prévia.
Voltando o processo à primeira instância, foi convocada e realizada audiência prévia.                 
O Sr. Juiz que presidiu à audiência prévia, entendeu que as provas arroladas eram desnecessárias em face do objeto do processo e determinou a abertura de concussão para prolação de decisão final.

Na parte decisória desta pode ler-se:
8. – Decisão.
Pelo exposto, julgo os presentes embargos parcialmente procedentes, em consequência, decido:
8.1.- Julgar improcedente a nulidade de citação dos ora embargantes no âmbito da ação comum.
8.2.- Fixar o prazo de 120 dias para cumprimento da obrigação imposta aos ora embargantes na douta sentença condenatória apresentada à execução.
8.3.- Custas pelos embargantes e exequentes na proporção de 50 % para cada um deles.
8.4.- Registe e notifique.
8.5.- Informe o AE do teor da presente sentença.”
*
Inconformados vieram novamente os Embargantes recorrer, concluindo o seu recurso da seguinte forma:

A.- Em 15 de Novembro de 2022 foi proferida sentença de mérito que julgou os embargos parcialmente procedentes, julgando improcedente a nulidade da citação dos embargantes, ora recorrentes, no âmbito da ação comum e fixando o prazo de 120 dias para cumprimento da obrigação imposta aos mesmos na sentença condenatória apresentada à execução.

B.- Não podem, os aqui recorrentes, conformar-se com a sentença proferida, por a mesma considerar que o formalismo da citação no âmbito da ação comum foi cumprido pelo Tribunal e, sem desvalorizar o princípio da livre apreciação da prova, reputa-se que a factualidade dada como provada deveria conduzir precisamente à conclusão contrária, ou seja, que houve preterição das formalidades essenciais.

C.- Na subsunção dos fatos ao direito, o Julgador faz referência ao expediente constante do disposto no nº 5 do artigo 228º do CPC, o qual, salvo melhor opinião, não tem qualquer aplicabilidade ao caso dos autos e não foi utilizado pelo distribuidor postal, conforme resulta dos fatos provados.

D.- A decisão recorrida ao decidir como decidiu errou e/ou fez errada interpretação dos artigos 3.º, nº 3, 187º, 191º, n.º1, 228º, n.º 7, 231º nº 1 e 5 e artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e princípios processuais aplicáveis, não podendo pois manter-se.

E.- E consequentemente deveria ter sido dado como provada a falta da citação, ter sido decretado a procedência dos embargos e consequentemente a extinção da instância executiva.

F.- Os ora recorrentes não tiveram qualquer intervenção processual no âmbito do processo donde emanou o título executivo.

G.- O apenso ao processo executivo iniciou-se com a apresentação pelos embargantes ora recorrentes da Oposição à Execução, através de Embargos, onde alegaram fatos inerentes à demonstração de ter havido falta da sua citação na ação declarativa de que emerge o título que se haveria de ter como inexistente e em caso de improcedência dessa exceção a fixação de um prazo para prestação de facto entre 6 a 10 meses.

H.- Naquela articulado (oposição à execução), os ora recorrentes, para além da prova documental junta, requereram diligências de prova.

I.- Foi apresentada contestação aos Embargos onde foram, igualmente, pedidas diligências de prova.

J.- Em resultado do ordenado no Douto Acórdão deste Venerando Tribunal da Relação foi convocada diligência, onde apesar de ambas as partes, na pronuncia sobre a possibilidade de decisão de mérito sem necessidade de produção de qualquer prova, terem sugerido a realização de diligências já enunciadas nos seus articulados, foi decidido que as mesmas em nada abonariam para o apuramento dos faros controvertidos e foi proferida decisão de mérito.

K.- O Tribunal entendeu igualmente ser irrelevante para a descoberta da verdade material apurar se os recorrentes chegaram a ter conhecimento efetivo da instauração contra eles de qualquer ação judicial e do que tal representaria.

L.- As cartas destinadas à citação dos ora recorrentes enquanto réus na ação declarativa, foram devolvidas ao Tribunal pelo distribuidor do serviço postal com uma cruz nas quadrículas” recusa de recebimento da carta” e “recusa de assinatura de AR”.

M.- Nos dois avisos de receção devolvidos, os dados do documento de identificação que foram apostos e se encontram riscados pertencem unicamente ao recorrente-marido.

N.- Pressupondo-se assim que foi o único com quem o distribuidor postal contatou.

O.- Desconhecendo-se se a recorrente-mulher alguma vez teve conhecimento da tentativa de entrega da correspondência a si destinada e da recusa de recebimento por parte do seu marido, bem como das circunstâncias que envolveram essas recusas.

P.- Já que não foi possível ouvir o distribuidor do serviço postal, pese embora os ora recorrentes tenham requerido a realização de diligências tendentes à sua identificação e posterior audição do mesmo.

Q.- O Tribunal deu como provado que a secretaria enviou aos réus uma notificação com o seguinte teor:

Nos termos do disposto no n.º 5 do art.º 231.º do Código de Processo Civil, na qualidade Réu, relativamente ao processo supra identificado, fica por este meio advertido de que, não obstante se ter recusado assinar o Aviso de Receção e no recebimento da carta, se encontra citado, e que o duplicado da petição inicial se encontra à sua disposição nesta Secretaria Judicial.

R.- O mesmo sucedendo no tocante à remessa da sentença.

S.- Não tendo contudo diligenciado no sentido de apurar se tais notificações chegaram a ser entregues ou chegaram ao conhecimento dos ora recorrentes.

T.- Contudo mesmo tais notificações tivessem chegado ao conhecimento dos ora recorrentes, o que não se aceita, persistiria a preterição das formalidades da citação.

U.- Em face da materialidade dada como provada, o Tribunal a quo entendeu que, a recusa da assinatura do aviso de receção e recebimento de carta por parte de um dos citandos, é bastante para considerar cumpridos os formalismos da citação quanto a ambos quando, o distribuidor postal deixe um aviso nos termos do disposto no nº 5 do artigo 228 do CPC.

V.- O que não foi o que se verificou no caso dos autos, nem resulta dos factos provados.

W.- No caso em análise, as “missivas” para citação foram devolvidas ao Tribunal e a secretaria judicial, enviou aos ora recorrentes uma notificação, com prova de depósito, advertindo-os de que “não obstante se ter recusado a assinar o aviso de receção e no recebimento da carta, se encontra citado, e que o duplicado da petição inicial se encontra à sua disposição neste secretaria judicial”.

X.- Sendo entendimento dos ora recorrentes que tal expediente (envio da carta nos termos do nº 5 do art. 231º do CPC) não é o aplicável no caso da frustração da citação por via postal, mas unicamente quando a recusa ocorre no âmbito da citação por contato pessoal através de agente de execução/funcionário e mandatário judicial.

Y.- Tal procedimento somente se aplica à citação por agente de execução ou funcionário judicial e no caso de haver recusa do citando em assinar a certidão ou receber o duplicado e não à citação de pessoal singular por via postal.

Z.- O nº 1 do artigo 231º do CPC prevê que “frustrando-se a via postal, a citação é efetuada mediante contacto pessoal do agente de execução com o citando.”

AA.- Na citação por agente de execução ou funcionário judicial, se o citando se recusa assinar a certidão ou receber o duplicado, deve este último ser remetido à secretaria, sendo o réu informado no próprio momento (artigo 239.º, n.º 4) e, posteriormente, através de carta com aviso de receção (artigo 239.º, n.º 5) de que o duplicado da petição inicial está à sua disposição na secretaria do tribunal.

AB.- O que não sucede na citação de pessoa singular por via postal, inexistindo esse duplo dever de informação, bem como não é lavrada nenhuma nota com as indicações do cumprimento do disposto no artigo 227º do CPC.

AC.- Já que somente estes “agentes processuais” estão obrigados a cumprir formalidades idênticas e sujeitas a um especial dever de diligência e de responsabilidade.

AD.- A citação efetuada por agente de execução/funcionário judicial ou advogado terá de cumprir determinados formalismos, sendo que os elementos a comunicar ao citando, nos termos do artigo 227.º, são especificados pelo próprio agente/funcionário/advogado, que elabora nota com essas indicações para ser entregue ao citando.

AE.- Os distribuidores de serviço postal, diferentemente dos advogados, agentes de execução e dos oficiais de justiça, não têm conhecimento jurídicos que lhes permitam realizar atos que possam efetivar a citação.

AF.- Para além de que contrariamente àqueles desconhecem o teor dos documentos que visam entregar.

AG.- E deveria ter sido aquele o formalismo a seguir pela secretaria judicial a quem incumbia, oficiosamente, sem necessidade de despacho prévio, promover as diligências que se mostrassem adequadas à efetivação da regular citação pessoal dos réus e à rápida remoção das dificuldades que obstem à realização do ato, quando se deparou com a recusa por parte de um dos citandos da assinatura do AR e recebimento da carta destinada à citação.

AH.- O princípio da celeridade processual não pode atropelar o da segurança jurídica, tem de haver equilíbrio e não postergação.

AI.- Os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.

AJ. - No artigo 230º do CPC que tem como título data e valor da citação por via postal nada é estatuído quanto à situação prevista no nº 6 do artigo 228º.

AK.- Contrariamente ao disposto no nº 3 do artigo 229º do CPC (em que as partes tenham convencionado o local onde se têm por domiciliadas para o efeito da citação em caso de litígio) que atribui efeitos à recusa “Quando o citando recuse a  assinatura do aviso de receção ou o recebimento da carta, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver e a citação considera-se efetuada face à certificação da ocorrência», o nº 5 do artigo 228º do CPC não atribui igual valor à recusa.

AL.- A perfeição do ato de citação ocorre com o cumprimento do dever de informação traduzido na indicação de que se considera citado para a causa, de qual o tribunal em que esta está pendente, qual o prazo para oferecimento da defesa, quais as cominações aplicáveis no caso de revelia e a eventual necessidade de patrocínio judiciário.

AM.- O ato de citação é um ato recetício e é atendendo sobretudo à sua particular causa-função, que a lei a envolve em especiais cautelas, salvaguardas e garantias, precisamente, pois, para maximizar a respetiva índole recetícia.

AN.- Concretizando desta forma um dos princípios nucleares da nossa lei adjetiva civil- o princípio do contraditório.

AO.- O princípio do contraditório é um dos principais princípios do sistema judiciário dado que sem o seu cumprimento não se considera possível obter uma solução justa, já que somente com a audição das partes é que o tribunal poderá ter acesso aos fundamentos do litígio.

AP.- A certeza de que o réu toma conhecimento efetivo do processo só pode ter lugar quando a citação é feita por contacto direto entre ele e o agente de execução/funcionário de justiça/mandatário judicial ou quando o aviso de receção é assinado pelo próprio

AQ.- Pela própria natureza da citação postal (carta registada com aviso de receção), a referida assinatura é o elemento capaz de conferir fiabilidade a esta forma de citação e servir para comprovar que a carta foi recebida pelo citando ou por terceiro, tratando-se de exigência documental insubstituível por outro meio de prova, o que não se verificou no presente caso.

AR.- Ainda que seja o citando a diretamente recusar a assinatura ou receber a carta, nem aí, a lei considera efetivada a citação pessoal, donde, então o ato não se completa.

AS.- A citação por via postal dos recorrentes no âmbito da ação declarativa deveria ter sido considerada não realizada/ frustrada uma vez que os avisos de receção não se encontram assinados nem pelos próprios nem por terceiro.

AT.- A frustração da citação postal pode ocorrer por diversos motivos e com consequências processuais diferentes, sendo um dos motivos o fato voluntário do citando ou o terceiro em se recusar a assinar o aviso de receção ou de recebimento da carta.

AU.- Não é despiciendo e deveria ter sido valorado pelo Tribunal, o fato do documento que constituiu a causa de pedir na ação declarativa ser um documento particular, alegadamente com 25 anos e cujo conteúdo estar em contradição com documento autêntico junto com a oposição (escritura pública de partilha).

AV.- O que leva a deduzir que os ora recorrentes não tinham conhecimento nem possuíam motivos para desconfiar que poderia estar iminente a instauração de qualquer ação judicial.

AW.- No caso de revelia absoluta ou falta de intervenção processual, o Tribunal (na ação declarativa) tinha o especial dever de verificar o cumprimento de todas as formalidades quanto à citação e determinar a sua repetição quando encontre alguma falha mesmo que esta, noutras circunstâncias, não justificasse a declaração de nulidade da citação e a consequente repetição do ato.

AX.- O que não sucedeu, outrossim, na sentença que constitui título executivo o julgador considerou que os réus foram “válida e regularmente citados” e que “não apresentaram contestação”.

AY.- Os recorrentes, até à citação no âmbito do processo executivo, nunca tiveram conhecimento da instauração de ação declarativa, qual o tribunal, juízo e secção por onde corre o processo, o prazo dentro do qual poderiam oferecer a defesa, a necessidade de patrocínio judiciário e as cominações em que incorreriam no caso de revelia.

AZ.- O Tribunal, ao violar as formalidades legais da citação pessoal, não permitiu um conhecimento seguro e efetivo pelos réus (ora recorrentes) da proposição da ação e do conteúdo da petição.

BA.- Sendo materialmente inconstitucional na medida em que pode inviabilizar o conhecimento por parte do cidadão, em tempo útil para uma defesa cabal, de que contra si foi proposta uma ação judicial.

BB.- O princípio da igualdade das partes, consagrado no artigo 4º do CPC, proíbe qualquer tipo de diferenciação injustificada, sendo que, na sua manifestação enquanto princípio de igualdade de armas, ou igualdade processual, implica o equilíbrio entre as partes no que respeita, designadamente, aos meios processuais disponíveis, tendo em conta a posição que cada uma daquelas ocupa no processo.

BC.- A nulidade processual traduzida na omissão de um ato que a lei prescreve comunica-se ao despacho ou decisão proferidos.

TERMOS EM QUE DEVE ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser a decisão revogada e, em sua substituição, proferido acórdão que declare procedente, por provada, a oposição à execução, sem conceder, só assim se fazendo JUSTIÇA!
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Questões a decidir:

- Analisar se o processo estava em condições para ser proferida decisão de mérito no despacho saneador;
- Verificar se a citação efetuada na ação ordinária é ou não nula.
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Factos com interesse para a decisão da causa considerados na decisão recorrida:

1.- No âmbito da ação comum nº 3067/20...., em que figuram como autores AA E BB, e como réus CC E DD, foi proferida douta sentença já transitada em julgado.
2.- Nessa douta sentença foi decidido, além do mais, o seguinte: “(…) Pelo exposto, julga-se a ação procedente, e em consequência, decide-se condenar os CC E DD a obter e proceder a todos os formalismos legais para a aquisição, a favor dos Autores, de uma parcela de terreno para construção urbana, com a área de 600m2, no concelho ..., com características e valores semelhantes aos do terreno inscrito na matriz predial rústica da União de Freguesias ... e ... sob o artigo ...10.
3.- Os aí réus, ora embargantes, não apresentaram contestação.
4.- No âmbito dessa ação comum e com vista à citação dos réus, ora embargantes, foram remetidas duas missivas dirigidas para a residência dos ora embargantes, conforme documentos n.ºs ... e ... juntas com a petição de embargos, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
5.- Essas duas cartas de citação remetidas aos aí Réus, aqui Embargantes, para essa ação foram ambas devolvidas, com fundamento em “recusa de recebimento da carta” e “recusa de assinatura de AR”.
6.- Em ambos os avisos de receção verifica-se que, embora riscado, se encontra escrito o número do Bilhete de Identidade do Embargante marido (...) e a data (22/06/2020).
7.- Após a devolução dessas duas missivas, em 24/06/2020, a secretaria judicial enviou aos Réus uma notificação (com prova de depósito) advertindo-os de que, “não obstante se ter recusado a assinar o Aviso de Receção e no recebimento da carta, se encontra citado, e que o duplicado da petição inicial se encontra à sua disposição neste Secretaria Judicial”, conforme documentos n.ºs ... e ... juntos com a petição de embargos, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
8.- Os réus não compareceram na Secretaria Judicial a fim de levantarem os documentos relativos à dita ação.
9.- Após, foi igualmente remetida para a residência dos ora embargantes a douta sentença condenatória apresentada à execução, conforme documento n.º ... junto com a contestação, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
A estes factos adita-se os seguintes, que resultam da análise dos documentos constantes da ação ordinária 3067/20....:
10 – Em ambas as cartas devolvidas e identificadas no ponto 4, a seguir aos dizeres “recusa de recebimento da carta” e “recusa de assinatura de AR”, encontram-se duas caixas. À frente de uma delas encontra-se a palavra “Próprio” e da outra “Terceiro”.
11 – Nas duas cartas devolvidas encontra-se assinalada com uma cruz a caixa que antecede a palavra “Próprio”.       
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Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

Vejamos se o processo se encontrava em condições de ser proferida decisão de mérito no despacho saneador.

Os Recorrentes entendem que não uma vez que requereram na petição de embargos e na audiência prévia diligências que entendem ser importantes para a descoberta da verdade.
                 
De acordo com o disposto no art. 595º do C. P. Civil, no despacho saneador é permitido conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.

Como dizem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (in Código de Processo Civil anotado, vol. I, pág. 696), no despacho saneador o juiz deve conhecer do pedido ou pedidos formulados “sempre que não haja matéria controvertida suscetível de justificar a elaboração de temas da prova e a realização de audiência final.  A antecipação do conhecimento de mérito pressupõe que, independentemente de estar em jogo matéria de direito ou de facto, o estado do processo possibilite tal decisão, sem necessidade de mais provas (…)”.
No despacho saneador só deve, pois, ser proferida decisão sobre o pedido ou pedidos formulados quando a prova dos factos que permaneçam controvertidos seja indiferente para qualquer das soluções plausíveis da(s) questão(ões) direito.

No caso, os Embargantes invocam na sua defesa a nulidade da citação efetuada no âmbito da ação declarativa de que os presentes autos são dependentes.

As provas por eles requeridas são as seguintes;
               
- Audição dos embargantes sobre as suas condições económicas e sociais;
- Eventual audição do representante da ordem dos agentes de execução com vista ao apuramento das formalidades que devem ser cumpridas aquando da realização da citação em caso de recusa da missiva da citação.           

No requerimento inicial pedem se requeira a notificação dos Correios... com vista a identificar quem era o distribuidor do serviço postal na Rua ..., mas não requerem a audição do dito distribuidor, caso seja identificado. Assim, ainda que fosse identificado esse mesmo distribuidor, tal diligência seria inóqua uma vez que, tal diligência só poderia eventualmente ter utilidade caso tivesse sido pedida a audição desse mesmo distribuidor.

Quanto às outras diligências de prova requeridas, entendemos, tal como na decisão recorrida, que não têm interesse para a boa decisão da causa.
Com efeito, no caso interessa apurar se foram ou não cumpridas as formalidades da citação aplicáveis ao caso concreto, sendo indiferente para isso quais as diligências que os agentes de execução costumam cumprir, já que tais formalidades se encontram especificadas na lei. Por outro lado, é também indiferente saber quais as condições sociais e económicas dos Embargantes, pois mesmo que se apurasse que têm 72 e 84 anos de idade, que têm habilitações literárias correspondentes ao primeiro ciclo, que não têm filhos e que não têm contacto com os vizinhos e têm contactos esporádicos com familiares, tal como alegam na petição, não quer dizer que não tenham capacidade para entender o que representa uma carta registada com AR.
Deste modo, entende-se que o processo estava em condições de ser proferida decisão de mérito, sem necessidade de realização de quaisquer diligências.

Da nulidade da citação:
                  
A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender (v. art.º 219º, n.º 1, do C.P.C.).

O art.º 191.º, n.º 1, do C. P. C., refere que, sem prejuízo do disposto no art. 188º, é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei.
             
As modalidades de citação estão previstas nos artigos 225.º a 245.º, todos do C. P .Civil., sendo a citação pessoal, por carta registada com aviso de receção - citação postal -, ou por contacto pessoal do funcionário judicial com o citando, quando aquela se frustre, o procedimento regra (cfr. artigos 228.º, e ss. do C.P.C.).

Nesta citação, se o citando ou qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho se recusar o recebimento da carta, o distribuidor do serviço postal lavra nota da ocorrência e devolve o expediente ao tribunal (art. 228º, nº 6 do C. P. Civil, por referência ao nº 2 do mesmo preceito, “seguindo-se a tentativa de citação nos termos do art. 231º se outra modalidade não for mais ajustada (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil anotado, vol. I, pág. 262).

Conforme nos dizem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil anotado, vol. 1º, 4ª ed., pág. 457) no caso de recusa do citando ou terceiro a assinar o aviso ou receber a carta “o distribuidor do serviço postal encontra no local da citação o citando ou terceiro, que, porém, ainda que identificado nos termos do nº 3, se recusa assinar o aviso de receção ou, então assina o aviso mas não se presta a receber a carta. Estatui o nº 6 que o distribuidor lavre nota do incidente, antes de devolver a carta, procedendo-se seguidamente à citação por agente de execução ou funcionário judicial, mediante contacto pessoal com o citando (art. 231º)”.

No caso, após a devolução das cartas cujo recebimento foi recusado, a secretaria enviou aos RR. uma notificação, com prova de depósito, advertindo-os que, “não obstante se ter recusado a assinar o Aviso de Receção e no recebimento da carta, se encontra citado, e que o duplicado da petição inicial se encontra à sua disposição neste Secretaria Judicial”.

Nunca foi tentada, como deveria ter sido, a citação pessoal dos RR., nos termos do art. 231º do C. P. Civil.

Assim, não foi cumprido o formalismo prescrito na lei e a falta cometida prejudicou a defesa dos citandos, pelo que, a citação efetuada na ação declarativa de que a execução de sentença é dependente, é nula, nulidade que pode ser invocada nos embargos à execução de sentença uma vez que a ação declarativa correu à revelia dos réus, “constituindo assim o prazo do art. 191º, nº 2 um prazo perentório que, muito excecionalmente, não preclude inteiramente o direito a praticar o ato (v. Lebre de Freitas, Armando Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre in Código de Processo Civil anotado, vol. 3º, 3ª ed., pág. 458)

Procede assim, no essencial o recurso, declarando-se nula a citação efetuada na ação declarativa e, consequentemente, determinando-se a extinção da execução.

As custas ficarão a cargo dos Embragados, uma vez que a questão resolvida em primeiro lugar configura uma questão secundária relativamente ao cerne do presente recurso - nulidade das citações – tendo sido resolvida em primeiro lugar apenas por uma questão de precedência lógica.
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Decisão:

Nos termos que se deixaram expostos, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso, declarando-se a nulidade das citações dos RR., efetuadas na ação declarativa de que o presente processo é dependente e, consequentemente, determinando-se a extinção da execução.
Custas pelos Embargados.
 
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Guimarães, 9 de março de 2023

Alexandra Rolim Mendes
Maria dos Anjos Melo Nogueira
José Cravo