Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2359/17.1T8VCT.G1
Relator: ESPINHEIRA BALTAR
Descritores: ACIDENTE
AUTO-ESTRADA
CONTRATO DE CONCESSÃO
DEVERES DE SEGURANÇA
ANIMAIS NA VIA
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Decidiu-se como não verificada a nulidade prevista no artigo 615 n.1 al. b) do CPC porque o tribunal especificou a matéria de facto provada e não provada e aludiu a outra, de forma genérica, que não foi dada como provada mas era inócua para a decisão.

2. A elisão do ónus da prova do cumprimento dos deveres de segurança imposto pela Lei 12 n.º 1 da Lei 24/07 de 18/07 não se basta com a prova do cumprimento genérico desses deveres.
Decisão Texto Integral:
Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães

Maria, com sinais nos autos, intentou a presente ação declarativa de condenação sob a forma comum, contra Auto – Estradas Sociedade Concessionária – Esc, S.A., pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de 7.249,20 €uros, proveniente do relatado acidente a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida dos juros de mora que se vencerem após a citação.

Alegou, em síntese, que no dia 19 de dezembro de 2016, pela 23 horas e 20 minutos, circulava a viatura ligeira de passageiros com a matrícula XX, de sua pertença, na denominada A27, no sentido Nascente – Poente, ou seja, Ponte de Lima – Viana do Castelo; a referida A27 é uma autoestrada concessionada pelo Estado Português à Ré Auto – Estradas; sensivelmente ao Km 7,60 da referida autoestrada, mais concretamente próximo da saída para a freguesia de Nogueira, desta comarca, quando o veículo XX, circulava na hemi-faixa esquerda, por se encontrar a ultrapassar outra viatura, a velocidade inferior a 120 Km/h, foi embater contra dois javalis, que lhe surgiram nesse dia e hora, na sua faixa de rodagem, e se quedaram imobilizados na hemi-faixa por onde circulava; o veículo da A. sofreu danos que totalizam a quantia de € 5.399,20; sofreu uma desvalorização no montante de € 250; para reparação da viatura serão necessários 4 dias, que a A. ficará privada do seu uso.

A Ré AutoEstradas Sociedade Concessionária – Esc, S.A. contestou, impugnando motivadamente os factos alegados pela Autora, tanto no que concerne à dinâmica do acidente como aos danos peticionados.

Concluiu pela improcedência da ação, por não provada, com a sua consequente absolvição do pedido.

Foi admitida a Intervenção Acessória Provocada da “ Y Insurance plc – Sucursal em Portugal que apresentou contestação, impugnando os factos alegados pela A.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do estrito formalismo legal, como se verifica da ata respetiva.

Foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:

“Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, decido:

a. Condenar a Ré Auto – Estradas Sociedade Concessionária – Esc, S.A., a pagar à Autora, Maria, a quantia de € 5.399,20 (cinco mil trezentos e noventa e nove euros e vinte cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação da Ré até efetivo e integral pagamento, absolvendo do demais peticionado.”

Inconformada com o decidido a ré interpôs recurso de apelação formulando as seguintes conclusões:

A Recorrente entende ter ocorrido omissão de pronúncia e lapso de análise dos factos julgados provados e que são determinantes para a decisão da causa;
Ao Tribunal incumbe sindicar a responsabilidade civil extracontratual da R. na produção do sinistro atrás relacionado, designadamente, se omitiu, ou não, os deveres de fiscalização, monotorização do tráfego e segurança da via para a circulação automóvel em autoestrada.
3° Andou mal Tribunal na análise crítica da prova produzida em conformidade com a matéria alegada.
4° A Recorrente preencheu o ónus probatório que lhe incumbia e demonstrou claramente o cumprimento das obrigações de segurança a que estava obrigada.
5° A sentença em crise não se pronunciou sequer sobre a alegação e execução dos procedimentos de segurança, nomeadamente que a Recorrente procede a patrulhamentos diários da via concessionada, utilizando, para o efeito, viaturas que pela mesma circulam durante as 24 horas, dispondo ainda na mesma via de postos SOS e n.º de "telefone azul".
6° Assim como não se pronunciou sobre o facto de a Recorrente realizar inspecções ao estado de conservação da vedação na extensão da concessão.
Além dos factos provados acima transcritos era essencial que o Tribunal "a quo" se tivesse pronunciado sobre a prova realizada quanto ao estado das vedações em data anterior e logo a seguir ao sinistro.
Era ainda essencial que o Tribunal "a quo" se tivesse debruçado relativamente à natureza do animal em causa e o local pelo qual acedeu à A27.
9° O Tribunal "a quo" reconhece ter fundado convicção, essencialmente, na apreciação dos depoimentos das testemunhas T. A. e L. F., que erradamente apreciou, considerando que a testemunha T. A. tem necessariamente interesse no desfecho da lide.
10° É essencial para a boa decisão da causa que o Tribunal tivesse considerado e decidido sobre os documentos probatórios apresentados pela Recorrente e que demonstram que:

Dos patrulhamentos efectuados pelos Vigilantes da Ré no dia e em momento anterior à ocorrência do sinistro não foi detectada a presença de qualquer animal na via antes.
O local do sinistro dista apenas 400 metros do nó de entrada na auto-estrada Nogueira. Das inspecções efectuadas à rede de vedação pela Ré, principalmente da inspecção realizada no dia seguinte ao sinistro não resultou a existência de qualquer dano que permitisse a entrada dos animais para a A27.
11° É no mínimo exigível que o Tribunal "a quo" tivesse proferido pronúncia quanto ao circunstancialismo que determinou a entrada daquele animal na via e se o mesmo é imputável à Recorrente.
12° O Tribunal "a quo" limitou-se a fazer uma análise relativamente ao normativo legal aplicável para concluir, sem mais, que a Recorrente não logrou concluir que cumpriu com as obrigações de segurança.
13° Da sentença proferida resulta que é exigido à Recorrente o cumprimento de obrigações impossíveis.
14° Em face das considerações e conclusões que incluiu na sentença, facilmente se conclui que, para Tribunal "a quo" a Recorrente nunca teria possibilidade de provar o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de concessão e da obrigação de manutenção da circulação dos utentes em segurança naquela auto-estrada!
15° Toda a prova que poderia fazer e fez, nunca seria suficiente para fazer face a uma obrigação impossível que a sentença em crise lhe exige!
16° A vedação ao longo do local do acidente não apresentava quaisquer danos como resulta da prova produzida pela Recorrente.
17° Como alegado e provado pela Recorrente a auto-estrada em causa é uma via aberta, sem portagens físicas e restrições de acesso.
18° Os limites da concessão contratualizada pela Recorrente terminam efectivamente nesses ramais, logo, o Tribunal nunca poderia ter fundamentado a decisão dos presentes com factualidade que não resultou demonstrada no caso concreto e que é impossível de ocorrer.
19° É manifesto o lapso de análise da prova produzida e aplicação do direito em que incorreu o Tribunal "a quo".
20° Face à prova produzida resulta mais provável que os animais - javalis - entraram pelo nó de acesso à A27 que se situa apenas a 400 metros do local do sinistro.
21 ° Contrariamente ao que é referido na douta sentença recorrida, não impende sobre a concessionária, ora recorrente, uma presunção de culpa.
22° A decisão recorrida padece do entendimento que constitui incumprimento das obrigações de segurança tudo o que não evita a ocorrência danosa.
23° A Concessionária, aqui Recorrente, não pode nem consegue, por ser impossível, ter um controlo absoluto, infalível e implacável sobre o que a todo o momento e instante se passa na via.
24° Existem factores e condicionalismos que a Recorrente não poderá nunca superar, ultrapassar ou alterar, sob pena de entrarmos no domínio do absurdo e do ininteligível.
25° Os animais que, no caso concreto, se introduziram na via, são animais selvagens difíceis de detectar e controlar.
26° Será forçoso reconhecer que o aparecimento súbito dos javalis na via não é, por si só, suficiente para responsabilizar a Recorrente.
27° A conduta da concessionária, que ficou provada, ultrapassa o patamar do cumprimento genérico das obrigações de segurança.
28° A obrigação da Recorrente é de meios e não de resultado, ou seja, a de envidar esforços para que não ocorram acidentes na via concessionada.
29° Não podia nem pode a Recorrente vigiar e controlar em permanência esses nós de acesso à auto-estrada, pelo que a possibilidade de entrada de um animal selvagem sempre será uma realidade a ter em conta.
30° Afigura-se inequívoco que os deveres de segurança e de protecção que oneram a concessionária, ora recorrente, assumem natureza de obrigação de meios, ou seja, de envidar esforços para que a circulação se processe com segurança, já que com tal imposição não se pretende garantir que os condutores que circulam na auto-estrada cheguem sãos e salvos ao seu destino, mas antes acautelar a segurança da circulação da mesma.
31° No caso concreto a ora recorrente acautelou de forma clara, com o seu procedimento, a segurança da circulação na via.
32° A idoneidade e adequação dos meios utilizados pela Recorrente em matéria de fiscalização, inspecção e prevenção de acidentes afigura-se evidente tendo em conta a matéria provada nos autos.
33° As obrigações que o Tribunal "a quo" comete à concessionária não são minimamente compatíveis com o entendimento maioritariamente sufragado pela jurisprudência.
34° A conduta da concessionária preenche cabalmente a exigência da obrigação de meios, pelo que deveria o Tribunal "a quo" ter-se pronunciado sobre tal conduta, julgando provado o seu cumprimento, devendo ser alterada a decisão recorrida em conformidade.
35° Seria forçoso que o Tribunal "a quo" tivesse concluído que a rede instalada no local do acidente, em mais do que um km para a frente ou para trás do local em que ocorreu o acidente, em ambos os sentidos de trânsito, estava em condições e não apresentava danos;
36° A exigência relativamente ao cumprimento do ónus da prova referida na sentença em crise coloca a concessionária perante a probatio diabólica que é inalcançável;
37° A douta sentença recorrida não considerou como devia a conduta da concessionária em matéria de vigilância da via;
38° A douta sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação do artigo 12º da Lei n° 24/2007;
39° A conduta da concessionária preenche cabalmente a exigência da obrigação de meios, sendo a matéria de facto provada absolutamente idónea e adequada à prova do cumprimento dessa mesma obrigação de meios, devendo ser alterada a decisão recorrida em conformidade.”

Houve contra-alegações que defenderam o decidido.

Das conclusões do recurso ressaltam as seguintes questões:

1. Se se verifica a nulidade prevista no artigo 615 n.º 1 al. d) do CPC, por omissão de pronúncia de factos alegados e provados por testemunhas e documentos essenciais para a prova do cumprimento dos deveres de segurança na autoestrada.
2. Se a ré, com a sua conduta, afastou a presunção de incumprimento das regras de segurança na autoestrada.

Vamos conhecer das questões enunciadas.

1. A ré apelante suscita a nulidade da sentença prevista no artigo 615 n.º 1 al. d) do CPC porque o tribunal não se pronunciou sobre factos alegados pela recorrente e provados pela prova documental que juntou, que o tribunal não analisou, e pelo depoimento de testemunhas que arrolou, sendo essa factualidade essencial para justificar o cumprimento das suas obrigações, em matéria de segurança, na autoestrada onde ocorreu o sinistro em análise.

O tribunal recorrido deu como provada e não provada matéria de facto alegada pelas partes, que concretizou, que julgou relevante para a decisão da causa, tendo em conta a causa de pedir e a exceção perentória deduzidas, respetivamente, pela autora e pela ré, desconsiderando a outra matéria por não se ter provado e ser inócua para a decisão a proferir, como resulta da sentença na vertente do facto e da motivação que a sustenta.

O tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 607 n.º 4 do CPC, deve especificar a matéria de facto provada e não provada, e justificar as respetivas respostas com a indicação dos elementos de prova que foram decisivos na formação da sua convicção.

Analisando o decidido sobre os pontos de facto provados e não provados e a motivação que fundamenta a sua decisão, julgamos que o tribunal recorrido cumpriu o normativo indicado. Especificou a matéria de facto provada e não provada, elencando um conjunto de factos alegados pelas partes e, na parte final, de forma genérica, aludiu que a outra matéria de facto que não consta do especificado como provado e não provado não foi provada e é inócua para a decisão a proferir.

Daí que julgamos que não se verifica a nulidade apontada e prevista no artigo 615 n.º 1 al. b) do CPC.

A apelante faz uma análise crítica e genérica à decisão recorrida no que concerne à matéria de facto, considerando que houve erro de julgamento e que deveria ser aditada outra matéria fáctica alegada, que considera essencial para decisão da exceção invocada, mas não indica, em concreto, os meios de prova no sentido da sua reapreciação pelo tribunal de recurso, nem as passagens da gravação no que concerne à prova gravada, não cumprindo o disposto no artigo 640 n.º 1 als. b) e c) e artigo 2º al b) do CPC.

Além disso, não identifica os documentos que julga essenciais para o aditamento de factos e alteração de resposta. Não basta remeter para os documentos juntos aos autos. Por outro lado, estamos perante documentos que não fazem prova plena e, que, tendo sido analisados em conjunto com a outra prova, neste caso testemunhal e gravada, não podem ser analisados, isoladamente, pelo tribunal de recurso.

Apesar de não ser clara a impugnação sobre a matéria de facto, na medida em que não há uma posição frontal, mesmo a existir, nos termos em que se encontra versada nos autos, sempre seria de rejeitar liminarmente por incumprimento dos ónus especificados no artigo 640 do CPC.

Vamos fixar a matéria de facto provada que consta da decisão recorrida:

“Estão provados os seguintes factos:

1 - No dia 19 de Dezembro de 2016, pela 23 horas e 20 minutos, circulava a viatura ligeira de passageiros com a matrícula XX, pertença da A. e conduzida por A. C., na denominada A27, no sentido Nascente – Poente, ou seja, Ponte de Lima – Viana do Castelo.
2 - A referida A27 é uma autoestrada concessionada pelo Estado Português à Ré Auto – Estradas.
3 - Sensivelmente ao Km 7,60 da referida autoestrada, mais concretamente próximo da saída para a freguesia de Nogueira, desta comarca, quando o veículo XX da A., nela circulava na hemi-faixa esquerda, por se encontrar a ultrapassar outra viatura, a velocidade inferior a 120 Km/h, foi embater contra dois javalis, que lhe surgiram nesse dia e hora, na sua faixa de rodagem, e se quedaram imobilizados na hemi-faixa por onde circulava.
4 - Do embate acima descrito resultaram danos no para-choques da frente, nos suportes de ventiladores, no radiador, na sonda do airbag e nas blindagens do veículo da A.
5 - A tais danos, imediatamente percetíveis no local do acidente, urge acrescentar aqueles que só na oficina foi possível detetar e que se traduzem na necessidade de substituir ou reparar ainda a chapa de matrícula, o spoiler, as grelhas, a caixa da roda e o revestimento desta, a bomba da direção, o compressor, o ventilador, a chapa dianteira, o radiador, o condensado, o que totaliza a quantia de € 5.399,20 (cinco mil trezentos e noventa e nove euros e vinte cêntimos).
6 - O piso encontrava-se seco.
7 - Nesse dia, e sensivelmente à mesma hora e local, ocorreram outros acidentes após o dos autos, envolvendo javalis que andavam por ali, entre a rede de proteção e a via de circulação.
8 - No dia seguinte, a A. deslocou-se ao local onde havia ocorrido o acidente, acompanhada por testemunhas e constatou, então, que a rede de arame que fazia a vedação, no local do acidente em causa nos autos, estava danificada, mais precisamente, estava derrubada, o que permitia a passagem de animais pela mesma, o que também ocorria nas zonas circundantes, onde eram visíveis os barrotes queimados e as vedações caídas.”

2. Se a ré, com a sua conduta, afastou a presunção de incumprimento das regras de segurança na autoestrada.

O tribunal recorrido considerou que a ré apelante não ilidiu a presunção de incumprimento das obrigações de segurança na medida em que não demonstrou que não houve incumprimento causal de quaisquer obrigações de segurança, sendo-lhe censurável o estado da vedação no local do acidente, por onde podiam atravessar animais para o interior da autoestrada, como ocorreu no caso em apreço, imputando-lhe a responsabilidade pelo acidente.

A apelante insurge-se contra o decidido por considerar que as suas obrigações são de meios, e não de resultado, pelo que realizou um conjunto de rotinas que envolvem a manutenção das cercas que impedem o acesso de animais à via e vigilância 24 horas, que são adequadas a manter a segurança na autoestrada e que integram as exigências previstas no artigo 12 da Lei 24/2007 de 18/07.

Com a entrada em vigor da Lei 24/07 de 18 de julho, a discussão à volta da natureza jurídica da responsabilidade extracontratual ou contratual deixou de ter interesse prático, porque a génese dessa controvérsia assentava no ónus da prova da culpa no acidente, provocado, essencialmente, pelos elementos de facto elencados no artigo 12 desta Lei, em que o legislador adotou a inversão do ónus da prova. Agora cabe aos concessionários a prova dos elementos de segurança ou cumprimento das obrigações com a segurança quando estejam em causa acidentes provocados por:

a) Objetos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;
b) Atravessamento de animais;
c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais.

Assim, a discussão prática ou relevante reduz-se à suficiência da prova genérica do cumprimento das obrigações de segurança emergentes do contrato de concessão ou da sua prova concreta, para ilidir a presunção de culpa, por parte dos concessionários.

Julgamos que, nesta situação, deve exigir-se a prova concreta e não apenas a genérica, porque é a que melhor se adequa à situação, e se enquadra com o espírito da lei. Na verdade, estamos no domínio do controlo da segurança do tráfego, da posse dos meios técnicos para a atingir. E, como é sabido, são os concessionários que detêm esses meios técnicos, ou devem tê-los, para cumprirem, cabalmente, com as obrigações emergentes do contrato de concessão, que impõem uma vigilância permanente, com vista a obter-se uma segurança compatível com a velocidade permitida nas respetivas vias.

Se se ficasse pela mera prova genérica, acabar-se-ia por transpor para os utentes ou consumidores um ónus desproporcionado, face aos meios que podem utilizar na descoberta da verdadeira causa do acidente, quando estejam envolvidos os factos elencados no artigo 12 n.º 1 da Lei 24/07 de 18/07. Pois, é nestas situações que é difícil descobrir a origem dos factos concretos. E daí que o legislador, em consonância com o que se vinha discutindo na doutrina e jurisprudência, tenha optado pela inversão do ónus da prova, isto é, imputou aos concessionários a prova de que o acidente não se deveu a culpa sua. Terão de elidir essa presunção de culpa, o que exige uma análise de todo o circunstancialismo que envolveu o acidente, nestas situações. Se assim não fosse, os consumidores teriam um ónus mais gravoso do que aqueles que dominam ou devem dominar a vigilância e segurança do tráfego. Pois obrigar-se-ia a quem não domina os meios a fazer a prova concreta do que a quem os domina ou deve dominar e não consegue ou tem muitas dificuldades (conf. Ac. STJ, de 9/9/2008, Ac. STJ., de 8/2/2011, Ac. STJ. 14/03/2013, publicados em www.dgsi.pt).

No caso em apreço, face à matéria dos pontos de facto 3, 7 e 8 da matéria de facto provada, resulta que o acidente foi causado pela circulação de dois javalis na via por onde circulava a viatura da autora, tendo ocorrido, nesse mesmo dia, e sensivelmente à mesma hora e local, após o acidente dos autos, outros acidentes envolvendo javalis que andavam por ali entre a rede de proteção e a via de circulação. E a rede de arame que fazia a vedação no local do acidente estava derrubada, permitindo a passagem de animais pela mesma, o que ocorria, também, nas zonas circundantes, onde eram visíveis barrotes queimados e as vedações caídas.

Este circunstancialismo revela que a apelante não cuidou, como devia, da manutenção da proteção da via como lhe impunha o contrato de concessão. Pois ficou provado que apareceram na via animais selvagens, no local onde a cerca estava danificada e permitia a sua passagem para o interior da via. Além disso, nas zonas circundantes, a cerca estava danificada, com barrotes queimados e a vedação caída.

Não tendo provado que cumpriu, devidamente, os deveres de segurança emergentes do contrato de concessão, podemos concluir que não ilidiu o ónus da prova do cumprimento desses deveres imposto pela Lei 12 n.º 1 da Lei 24/07 de 18/07, pelo que será responsável pelas consequências do acidente ocorrido na autoestrada, originado pela presença de javalis na via.

Assim é de manter a decisão recorrida.

Concluindo: 1. Decidiu-se como não verificada a nulidade prevista no artigo 615 n.1 al. b) do CPC porque o tribunal especificou a matéria de facto provada e não provada e aludiu a outra, de forma genérica, que não foi dada como provada e era inócua para a decisão.
2. A elisão do ónus da prova do cumprimento dos deveres de segurança imposto pela Lei 12 n.º 1 da Lei 24/07 de 18/07 não se basta com a prova do cumprimento genérico desses deveres.

Decisão

Pelo exposto acordam os juízes da Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida.

Custas a cargo da apelante.
Guimarães, 14/2/2019

Joaquim Luís Espinheira Baltar
Eva Almeida
Maria Amália Santos