Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1039/19.8T8VNF-A.G1
Relator: CONCEIÇÃO SAMPAIO
Descritores: INJUNÇÃO
ACÇÃO EXECUTIVA
FUNDAMENTOS DE OPOSIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/09/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A decisão judicial que conferiu força executiva à petição inicial apresentada em sede de ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias ao abrigo do art. 2º do Anexo ao Dec. Lei n.º 269/98, de 01/09, constituiu uma sentença condenatória.
II - Há uma significativa diferença entre o requerimento de injunção com fórmula executória e uma decisão judicial a conferir força executiva à petição.
III - Na base desta distinção está o carácter não jurisdicional do procedimento de injunção, já no caso de decisão judicial que conferiu força executiva à petição, há um controlo jurisdicional que ocorre antes da formação do título executivo.
IV - Daí que, ao restringir os fundamentos da oposição quando a execução for fundada em decisão judicial que conferiu força executiva à petição, ao equipará-la a uma decisão condenatória, o legislador visou impedir a repetição da apreciação de questões que já foram ou deveriam ter sido invocadas em sede declarativa, salvaguardando-se ainda o respeito pela certeza e segurança jurídica em termos de evitar, até, a prolação de decisões judiciais contraditórias.
V - A admissibilidade da oposição à penhora pressupõe que tenham sido penhorados bens pertencentes ao executado e não a terceiro.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I - Relatório

Inconformada com a decisão que indeferiu liminarmente a oposição à execução mediante embargos de executado, veio a embargante X Unipessoal, Lda, interpor recurso, finalizando com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

1. A recorrente apresentou os embargos de executado, após notificação da execução e a da respetiva penhora, nessa sequência o douto tribunal proferiu a respetiva sentença.
2. Por sentença do tribunal recorrido os embargos foram liminarmente rejeitados por falta dos fundamentos previstos no artigo 729.º n.º 1 do CPC invocados pela embargante não se integrarem os mesmos em qualquer uma das referidas alíneas.
3. Da mesma forma foi recusada a oposição à penhora, com base na falta da legitimidade para deduzir a presente oposição à penhora.
4. Tendo sido proferido sentença, como já referido que coloca termo ao respetivo processo.
5. O executado apresentou os embargos de executado, dentro do prazo legal, tendo para o efeito, apresentado a sua defesa e a inexistência e ineficácia do título executivo, pedindo a nulidade do título executivo, cumprindo as regras do artigo 729.º al. a) do CPC
6. O tribunal só poderá rejeitar os embargos com base na falta de fundamentos não se ajustar ao disposto nos artigos 729.º e 731.º do CPC.
7. Cabendo claramente no previsto no artigo 729.º al. a), o tribunal a quo devia ter-se pronunciado, sobre esta matéria, o que, com o devido respeito, deveria ter aceite liminarmente os respetivos embargos.
8. A executada fundamentou o seu pedido claramente na falta do título executivo, salvo devido respeito, com a sua opinião, devidamente fundamentada no artigo 729.º al. a) do CPC.
9. Poderia em último caso o tribunal mandar aperfeiçoar a peça processual, mas rejeitou de imediato, colocando o executado numa situação constrangedora e de difícil reparação, sendo que devem ser aceites os presentes embargos de executado por estarem devidamente fundamentados ao abrigo do 729.º do CPC.
10. Da mesma forma o executado alegou a sua ilegitimidade passiva por não ser parte da relação controvertida e a inexistência do título, pedindo a nulidade do título executivo, cumprindo as regras do artigo 729.º al. a) do CPC e da obrigação que nunca vinculou a empresa, sendo um facto extintivo que não vincula a sociedade.
11. Fez a seu defesa da ilegitimidade baseado na ideia que o artigo 729.º al. g), em virtude de estarmos perante uma sentença proferida no âmbito Proc. nº 5513/18.5 T8BRG, numa Ação Esp. Cump. Obrig. exarada no DL269/98 (superior Alçada 1ªInstª).
12. A norma do artigo 729.º al. g) viola o princípio da igualdade do artigo 13.º, bem como o artigo 20.º, nas vertentes da proibição de indefesa e do direito a um processo equitativo, bem como o artigo 13.º da CRP e artigo 6.º da CEDH.
13. O artigo 729.º é limitativa nos casos de sentenças obtidas com base DL 269/98 (superior Alçada 1ªInstª) é um procedimento menos garantístico (em termos de direito de defesa), apenas permitindo factos impugnativos (impeditivos, modificativos ou extintivos), sendo limitador e incompreensível, que o mesmo decreto Lei 269/98 tenha uma interpretação para o artigo 857.º do CPC e mantenha a limitação no artigo 729.º do CPC.
14. E por isso, ser declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 729.º, al. g), do CPC, com o fundamento na violação do contraditório e da proibição da indefesa, quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base na execução baseada em sentença no âmbito do Ação Esp. Cump. Obrig. exarada no DL269/98 (superior Alçada 1ªInstª).
15. O tribunal interpretou erradamente os fundamentos vertidos no artigo 784º do Código de Processo Civil, pelo que o executado fez a sua oposição à penhora no pressuposto de os bens penhorados pertencerem ao executado.
16. A executada pediu na sua peça processual que a penhora feita fosse considerada nula, ao abrigo do artigo 780.º n.º 3 al. b), pois, ultrapassa o limite de valor, que é calculado de acordo com o n.º 3 do artigo 735.º CPC, e também, desproporcional o valor da dívida exequenda e o total penhorado.
17. Mas não se concorda, pois, o executado pode opor-se à penhora, por considerar que os bens atingidos por esta diligência não o devem ser ou porque a extensão da mesma, vai além do permitido pelo princípio da proporcionalidade, consagrado no artº 821º nº3 do CPC.
18. A penhora foi efetuada com uma extensão indevida, fundamento da oposição já deduzida nos termos do artigo 784.°, n.º 1, alínea a). Que devia ter sido aceite pelo tribunal.
19. O tribunal" a quo" violou a aplicação dos artigos 735.°, n.º 3 e 784.°, n.º 1 ambos do CPC, ao fazer uma errada interpretação do preceituado nestas normas.
20. Pelo que se requer a revogação da decisão que indeferiu a oposição à execução e à penhora
21. Deve o presente recurso ser procedente e a respetiva sentença recorrida ser revogada, e em consequência aceites os respetivos embargos de executado, bem como revogação da decisão que indeferiu a oposição à penhora, sendo também procedente e aceite a respetiva oposição
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II - Delimitação do objeto do recurso

As questões decidendas a apreciar, delimitadas pelas conclusões do recurso, são as seguintes:

a) Quais os fundamentos que podem ser oponíveis por parte da executada quando o título executivo é uma decisão a conferir força executiva à petição, proferida no âmbito de uma ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias ao abrigo do DL 269/98 de 1 de Setembro;
b) Se os factos alegados pela executada podem ou não servir de fundamento à dedução da oposição à penhora.
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III – Fundamentação

Os factos a considerar são os que resultam do relatório supra, consignando-se que nos autos de execução foi apresentado como título executivo uma decisão judicial que conferiu força executiva à petição inicial, nos termos do art. 2º Anexo ao DL 269/98 de 1 de Setembro, transitada em julgado.

Relembra-se aqui o teor da decisão recorrida:

«X Unipessoal, L.da, melhor identificada nos autos deduziu a presente oposição à execução mediante embargos de executado contra Y – Equipamentos de Hotelaria e Climatização, L.da, melhor identificada nos autos.
Alegou, em síntese, que nunca celebrou qualquer tipo de contrato com a exequente.
A questão concreta que importa agora conhecer é a admissibilidade dos fundamentos da oposição à execução, nos termos previstos no art.º 732º, nº 1, do CPC.
Em primeiro lugar está provado que o título dado à execução corresponde à sentença proferida em 05-02-2018, a qual se encontra junta aos autos principais e cujo teor se dá aqui por reproduzido.
Proibindo a justiça privada ou autotutela (art.º 1º do CPC), a ordem jurídica concede ao credor de prestação não satisfeita, através do exercício da acção executiva, a faculdade de obter a sua efectivação coerciva, ou seja, a faculdade de satisfazer o interesse patrimonial correspondente ao seu direito (art.º 10º, nº 4 do CPC) – na acção executiva pode o credor obter a realização coactiva da prestação não cumprida, enquadrando-se esta, por isso, na efectividade da tutela jurisdicional e na garantia do acesso aos tribunais para a defesa dos direitos e interesses legítimos (art.º 20º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa).
A finalidade da acção executiva consiste na obtenção do interesse patrimonial contido na prestação não cumprida, sendo o seu objecto, sempre (e apenas) um direito a uma prestação – nesse objecto contém-se somente a faculdade de exigir o cumprimento da prestação e o correlativo poder de aquisição dessa prestação, poder que corresponde à causa debendi e, portanto, funciona como causa de pedir da acção executiva (os factos dos quais decorre esse poder são os mesmos que justificam a faculdade de exigir a prestação) - Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, p. 606.
Esta faculdade de exigir a prestação, correlativa do poder de aquisição dessa prestação, designa-se por pretensão e apenas uma pretensão exequível pode constituir objecto de uma acção executiva – exequibilidade intrínseca, respeitante à inexistência de vícios materiais ou excepções peremptórias que impeçam a realização coactiva da prestação, e exequibilidade extrínseca, traduzida na incorporação da pretensão num título executivo, ou seja, num documento que formaliza, por disposição da lei, a faculdade de realização coactiva da prestação não cumprida - Autor e obra citados, p. 606 a 608.
A acção executiva pressupõe, assim, um direito de execução do património do devedor, ou seja, “um poder resultante da incorporação da pretensão num título executivo, pois que é desta que resulta que o credor possui não só a faculdade de exigir a prestação, mas também a de executar, em caso de incumprimento, o património do devedor” (Autor e obra citados, p. 626).
Do título executivo – que determina o fim e os limites da execução, sendo a base desta (art.º 10º, nº 5 do CPC) – resulta a exequibilidade da pretensão executanda, pois incorpora o direito de execução, isto é, o direito do credor a executar o património do devedor ou de terceiro para obter a satisfação efectiva do seu direito (Ferreira de Almeida, Algumas considerações sobre o problema da natureza e função do título executivo, RFD, 19 (1965), p. 317).
Apenas podem servir de base à execução os títulos indicados na lei – art.º 703º do CPC. Títulos executivos são tão só e apenas os indicados na lei – trata-se de enumeração taxativa, sujeita à regra da tipicidade (Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, 1998, p. 65 e 66), ficando assim subtraída à disponibilidade das partes a atribuição de força executiva a documento relativamente ao qual a lei não reconheça esse atributo, do mesmo modo que fica defeso negar tal força ao documento se ela for reconhecida pela lei.
Ora, uma das faculdades conferidas ao executado é a de se opor à execução.
Refere Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução, p. 145, que “devendo a execução actuar com referência ao direito representado no título, podem sobrevir factos que lhe retirem legitimidade ou correspondência com a realidade substancial, para além de poderem subsistir vícios processuais ou substantivos procedentes da formação do título. Daí permitir-se ao executado fazer valer as eventuais discordâncias com a realidade ou a eventuais ilegitimidades numa sede autónoma de cognição, fora do procedimento executivo propriamente dito, através exactamente da oposição à acção executiva”.
Ou, dito de outra forma, a oposição do executado visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento da actual inexistência do direito exequendo ou da falta dum pressuposto, específico ou geral, da acção executiva- cfr. Lebre de Freitas, in A Acção Executiva, p. 141.
O processo de oposição à execução mediante embargos de executado tem como finalidade contestar o direito do exequente, podendo o executado impugnar a própria exequibilidade do título, ou alegar factos que, em processo declarativo, constituiriam matéria de excepção.
Os fundamentos de oposição à execução são os que taxativamente constam do nº 1 do art.º 729º do CPC.

Esses fundamentos podem-se agrupar em três categorias:

a) - oposição por falta de pressupostos processuais gerais da acção (e que correspondem àqueles que se encontram referidos nas als. c) e f));
b) - oposição por falta de pressupostos específicos da acção executiva (e que correspondem àqueles que se encontram referidos nas als. a), b), d) e e)); e
c) - oposição por motivos substanciais (e que correspondem àqueles que se encontram referidos na al. g), - cfr. Anselmo de Castro, in Acção Executiva, p. 279, Lebre de Freitas, in Acção Executiva, p. 172 e Amâncio Ferreira, ob. cit., p. 154.

A oposição à execução mediante embargos de executado introduz no processo executivo uma fase declarativa, autónoma e própria, com a particularidade do oponente, devedor presumido da dívida exequenda, ter de afirmar e demonstrar factos impugnativos (impeditivos, modificativos ou extintivos) da própria exequibilidade do título executivo, da inexistência de “causa debendi” ou do direito do exequente, ou factos que, em processo normal, constituiriam matéria de excepção, os quais seriam afirmados e provados pelo réu, de harmonia com o disposto no art.º 342º, nº 2, do Cód. Civil.
Ora, da análise dos fundamentos invocados pela embargante verifica-se não se integrarem os mesmos em qualquer uma das referidas alíneas, sendo que o que a embargante pretende é vir discutir os fundamentos da acção a que não se opôs.
Não cabe agora, em sede de oposição à execução, discutir o que a executada não quis discutir na acção declarativa.
Deste modo, é manifesta a falta de fundamento legal dos presentes embargos de executado.

Decisão:
Pelo exposto, indefere-se liminarmente a presente oposição à execução mediante embargos de executado por manifestamente improcedente e os fundamentos não se ajustarem ao disposto no art.º 729, do CPC – art.º 732º, nº 1, als. b) e c), do citado diploma legal.
Fixo o valor da causa em € 12.150,00 (art.ºs 304º, nº 2 e 315º, do NCPC).
Custas pela executada/embargante – art.º 527º, nºs 1 e 2, do NCPC.
Registe e notifique.

Oposição à penhora:
Dispõe o artigo 784º do CPC que sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com o fundamento de inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos.
No caso dos autos foi penhorado um forno terminal de cozedura, no valor de € 12.000,00.
Regula o artigo 784º do Código de Processo Civil os fundamentos da oposição à penhora no pressuposto de os bens penhorados pertencerem ao executado.
Ora, na presente oposição à penhora a executada vem alegar que o bem penhorado não lhe pertence.
Deste modo, a opoente não detém legitimidade para deduzir a presente oposição à penhora, já que expressamente refere que o bem penhorado não lhe pertence.
Assim sendo, não recebo a presente oposição à execução.»
Vejamos.
O enquadramento jurídico do caso passa por analisar o título executivo que fundamenta a execução, para de seguida apreciar os fundamentos que lhe podem ser oponíveis por parte da executada.
A exequente visa obter o pagamento coativo de um crédito, servindo de título executivo uma sentença condenatória, título enquadrável na espécie figurada no art. 703.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Civil (art. 46.º, n.º 1 do anterior Código de Processo Civil). Tendo a sentença transitado em julgado, está dotada do requisito de exequibilidade previsto no art. 704.º, nº1, do mesmo diploma.

Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes:

a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º;
e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;
i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos.

No caso, não se questiona que o título executivo seja uma sentença condenatória.
O que a Recorrente questiona é que tendo invocado a nulidade do título executivo por ser inexistente e ineficaz, tal fundamento enquadra-se na al. a) do art. 729.º e como tal a oposição deveria ser recebida, e, por outro lado, tratando-se de uma sentença proferida no âmbito de uma ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias ao abrigo do DL 269/98 de 1 de Setembro, podem ser alegados quaisquer fundamentos que possam ser invocados como defesa no processo de declaração, por interpretação contrária ser inconstitucional por violação do princípio da confiança e proibição da indefesa.
Apreciemos, então, os dois segmentos do recurso.
Títulos executivos são tão só e apenas os indicados na lei, no art. 703.º do Código de Processo Civil, trata-se de enumeração taxativa, sujeita à regra da tipicidade(1), ficando assim subtraída à disponibilidade das partes a atribuição de força executiva a documento relativamente ao qual a lei não reconheça esse atributo, do mesmo modo que fica defeso negar tal força ao documento se ela for reconhecida pela lei.
Entre eles figuram as sentenças condenatórias.
Por sentença condenatória deve entender-se qualquer decisão judicial proferida no decurso da tramitação de um processo, mesmo que contendo apenas um segmento de condenação, podendo esta ocorrer em processos tramitados pelo tribunal cível, laboral, criminar e julgados de paz ou decorrer de decisão arbitral.
Nelas se inclui a decisão judicial que conferiu força executiva à petição inicial apresentada em sede de ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, ao abrigo do art. 2º do Anexo ao Dec. Lei n.º 269/98, de 01/09 (2).
Aqui chegados, importa apreciar se no caso se verifica a inexistência ou inexequibilidade do título (art. 729º, al.a), do Código de Processo Civil).
A ação executiva só pode ser intentada se tiver por base um título executivo, o qual, além de documentar os factos jurídicos que constituem a causa de pedir da pretensão deduzida pelo exequente, confere igualmente o grau de certeza necessário para que sejam aplicadas medidas coercivas contra o executado. Neste sentido, o título executivo consiste no meio probatório da relação jurídica que constitui a génese do vínculo obrigacional que liga o exequente ao executado (3), isto é, o documento enquanto materialização ou corporização de um direito ou pretensão exequível.
A inexequibilidade do título executivo reporta-se à falta de pressupostos processuais específicos (4) e não a vícios relativos à exequibilidade da pretensão formulada.
No âmbito da ação executiva importa distinguir entre exequibilidade do título e exequibilidade da pretensão exequenda, isto é, entre exequibilidade da pretensão incorporada ou materializada no título (exequibilidade extrínseca) e validade ou eficácia do ato ou negócio nele titulado (exequibilidade intrínseca).
A inexequibilidade do título executivo decorre do não preenchimento dos requisitos para que um documento possa desempenhar essa função específica, a inexequibilidade da pretensão baseia-se em qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do dever de prestar (5).
Apresenta-se manifesto que a Recorrente confunde a exequibilidade do título executivo com o mérito da decisão judicial que serve de título executivo.
Como refere Marco Gonçalves (6), a inexequibilidade coincide com a não verificação dos pressupostos dos arts. 703.º a 708.º do Código de Processo Civil. Assim, será inexequível a sentença que: não contenha uma ordem de prestação ou condenação; não esteja assinada pelo Juiz; esteja pendente de recurso com efeito suspensivo; tenha sido revogada em recurso, ordinário ou extraordinário; sendo estrangeira não tenha sido revista e confirmada pela Relação.
Analisado o título dado à execução, conclui-se pela existência de título executivo, sentença condenatória, o qual contém todos os requisitos de exequibilidade.
Num outro prisma, considerando a alegação da Recorrente - nenhuma pessoa com responsabilidades na empresa assinou a declaração ou recebeu a fatura que foram juntos na ação declarativa, desconhecendo a relação subjacente aí alegada, e que, portanto, a executa/embargante não tem a posição de devedora - o fundamento da oposição radica na inexistência da obrigação exequenda.
A obrigação exequenda há-de ser a obrigação que a exequente faz valer através da ação executiva e que esteja representada no título. Os elementos constitutivos da obrigação são os sujeitos, o objeto e o vínculo, pois só o credor tem direito à prestação, e esta só do devedor pode ser exigida (7).
No caso, consiste a obrigação em a executada dever pagar à exequente a quantia de €10.146,91 (dez mil cento e quarenta e seis euros e noventa e um cêntimos), acrescida de juros de mora. Tanto a pessoa do credor como a pessoa do devedor estão devidamente determinadas no próprio título.
Nesta conformidade, improcede este segmento da oposição, sendo que a alusão ao fundamento constante da al. g) do art. 729º, qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, também falece, pois que haveria de ser posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e ser provado por documento.
A Recorrente invoca, por fim, que constituindo o título executivo uma decisão proferida no âmbito de uma ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias ao abrigo do DL 269/98 de 1 de Setembro, não se aplicam as restrições ínsitas no art. 729.º do Código de Processo Civil, por violação do princípio da confiança e proibição da indefesa.
O título dado à presente execução corresponde a uma decisão judicial que conferiu força executiva à petição inicial, nos termos do art. 2º Anexo ao DL 269/98 de 1 de Setembro.
A compreensão da natureza do título executivo e a força vinculativa que o mesmo reveste, passa por ter presente a finalidade que esteve base da criação deste tipo de ações.
O citado diploma legal foi criado no domínio do cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que não excedam o valor da alçada dos tribunais de 1.ª instância, num espírito de desjudicialização e de consensualidade dum certo tipo de litígios, de simplificação, de remoção de obstáculos processuais, em consonância com a normal simplicidade desse tipo de acções (8).
A ação especial de condenação destinada a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior ao da alçada da Relação (por referência à data da instauração da ação) visa, como é característico das ações condenatórias, um duplo objetivo: o reconhecimento do direito a uma prestação pecuniária e a imposição ao réu devedor do cumprimento dessa prestação (art. 1.º do DL 269/98, de 1/09).
Mas essa prestação só pode ter um objeto: a entrega de dinheiro. Há-de, portanto, tratar-se de uma obrigação pecuniária e a única fonte admissível dessa obrigação é um contrato ou contratos.
Por estar em causa o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de um contrato e atento o seu valor, a Autora (ora Exequente e Apelada) instaurou contra a Ré (ora Executada e Apelante) uma ação especial no âmbito do Dec. Lei nº 269/98, de 1.09, pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de €10.146,91 (dez mil cento e quarenta e seis euros e noventa e um cêntimos), acrescida de juros de mora.
A Ré pessoalmente citada, não contestou, pelo que, nos termos do disposto no art. 2.º do Anexo ao Dec. Lei nº 269/98, por não ocorrerem, de forma evidente, exceções dilatórias e o pedido não ser manifestamente improcedente, o tribunal da 1ª instância limitou-se a conferir força executiva à petição inicial.
Prevê a citada norma que "se o réu, citado pessoalmente, não contestar, o juiz, com valor de decisão condenatória, limitar-se-á a conferir força executiva à petição, a não ser que ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias ou que o pedido seja manifestamente improcedente". Como pode ler-se no acórdão desta Relação de Guimarães de 12/10/2017, "com o segmento final do citado preceito pretendeu o legislador permitir ao juiz o conhecimento de mérito em caso de revelia operante, por abstenção definitiva de contestação. Nessa conformidade, cabe ao juiz, verificada a regularidade da citação, analisar a petição inicial para aferir se se verificam excepções dilatórias e se o direito invocado deve ser reconhecido. E se da análise da petição inicial resultar a convicção de que o autor não tem o direito que se arroga, deve julgar o pedido improcedente, ainda que a construção jurídica defendida pelo autor seja defensável. Na verdade, pela circunstância de inexistir contestação às pretensões deduzidas em juízo não se impõe necessária e automaticamente que o julgador confira a mencionada força executiva à petição (9).
Não decorre da norma em análise um regime cominatório pleno e automático pela falta de defesa do réu, já que pode ocorrer recusa da fórmula executória, caso se verifiquem, de forma evidente, exceções dilatórias ou se o pedido for manifestamente improcedente (10).
A decisão assim formada é uma decisão judicial, com valor de sentença.
Há com efeito uma significativa diferença entre o requerimento de injunção com fórmula executória e uma decisão judicial a conferir força executiva à petição.
Na base desta distinção, para efeitos da extensão da sua força executiva, está o carácter não jurisdicional do procedimento de injunção, bem como a inexistência de uma ação declarativa em que o executado tivesse oportunidade de se defender devidamente da pretensão do requerente (11).
Por essa razão, o Tribunal Constitucional concluiu que a restrição dos fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção com fórmula executória não pondera devidamente o direito de defesa do executado e afeta desproporcionalmente a garantia de acesso ao direito e aos tribunais. Por outro lado, também alerta para a diferente natureza da atuação do secretário judicial e do juiz, pois que, enquanto a sentença implica o exercício de uma função jurisdicional, o mesmo já não se pode dizer da aposição de fórmula executória.
Com base nestes argumentos declara inconstitucional, com força obrigatória geral, o art. 814.°, n.° 2, do Código de Processo Civil, na parte em que limita os fundamentos de oposição à execução assente em requerimento de injunção com fórmula executória (12).
Na verdade, o carácter taxativo dos fundamentos de oposição à execução de sentenças judiciais contrastava com a amplitude da oposição à execução assente em outros títulos executivos, que se traduz sobretudo na possibilidade de alegar quaisquer meios de defesa admissíveis no âmbito da ação declarativa.
Já no caso de decisão judicial que conferiu força executiva à petição apresentada na ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, há uma intervenção judicial que ocorre antes da formação do título executivo. Nesta situação, há um controlo jurisdicional, cabendo ao juiz verificar a regularidade da citação, a ocorrência de exceções dilatórias e se o direito invocado deve ser reconhecido.
Daí que, ao restringir os fundamentos da oposição quando a execução for fundada em decisão judicial que conferiu força executiva à petição, ao equipará-la a uma decisão condenatória, o legislador visou impedir a repetição da apreciação de questões que já foram ou deveriam ter sido invocadas em sede declarativa, salvaguardando-se ainda o respeito pela certeza e segurança jurídica em termos de evitar, até, a prolação de decisões judiciais contraditórias.
Não há aqui qualquer violação ou restrição a princípios constitucionais, mormente, o invocado princípio da confiança e da proibição da indefesa.
Nestes termos, improcede nesta parte as alegações de recurso.
Prosseguindo para o conhecimento da oposição à penhora.
A questão que se suscita é a que se prende com os fundamentos da oposição deduzida. Mais propriamente se os factos alegados pela executada podem ou não servir de fundamento à dedução do incidente de oposição à penhora.

Nos termos da lei processual (art. 784º, nº1, do Código de Processo Civil) sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos:

a)- Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
b)- Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c)- Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.

Como bem se expressa na decisão recorrida, o artigo 784º do Código de Processo Civil regula os fundamentos da oposição à penhora no pressuposto de os bens penhorados pertencerem ao executado. Tal resulta claramente do seu proémio.
Ora, na oposição à penhora a executada começa por alegar que o bem penhorado não lhe pertence.
Daqui se infere que, como se escreveu no acórdão desta Relação de Guimarães de 17/05/2012 (13) fundando-se a oposição à penhora no linear argumento de que os bens penhorados não pertencem aos executados (portanto, bens a si alheios), mas sim a terceiro, carecem eles de fundamento legal e legítimo para se oporem à mesma, já que a dedução de tal incidente pressupõe o requisito de que os bens objecto da penhora são pertença do executado.
Sendo-o de terceiro (que não do executado), cabe a este deduzir oposição, designadamente mediante embargos de terceiro - art. 342.º e sgs. do Código de Processo Civil.
Como refere Lebre de Freitas “Os embargos de terceiro são, portanto, o meio específico de reacção contra a penhora por parte de terceiros, baseando-se na impenhorabilidade subjectiva [como invocaram os executados] dos bens destes” 14). Neste sentido, vide José Lebre de Freitas,
Faltando este pressuposto, nenhuma relevância tem a extensão com que foi realizada a penhora.
Termos em que improcede também nesta parte a alegação da Recorrente.
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SUMÁRIO (artigo 663º n º7, do Código do Processo Civil)

I - A decisão judicial que conferiu força executiva à petição inicial apresentada em sede de ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias ao abrigo do art. 2º do Anexo ao Dec. Lei n.º 269/98, de 01/09, constituiu uma sentença condenatória.
II - Há uma significativa diferença entre o requerimento de injunção com fórmula executória e uma decisão judicial a conferir força executiva à petição.
III - Na base desta distinção está o carácter não jurisdicional do procedimento de injunção, já no caso de decisão judicial que conferiu força executiva à petição, há um controlo jurisdicional que ocorre antes da formação do título executivo.
IV - Daí que, ao restringir os fundamentos da oposição quando a execução for fundada em decisão judicial que conferiu força executiva à petição, ao equipará-la a uma decisão condenatória, o legislador visou impedir a repetição da apreciação de questões que já foram ou deveriam ter sido invocadas em sede declarativa, salvaguardando-se ainda o respeito pela certeza e segurança jurídica em termos de evitar, até, a prolação de decisões judiciais contraditórias.
V - A admissibilidade da oposição à penhora pressupõe que tenham sido penhorados bens pertencentes ao executado e não a terceiro.
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IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, assim confirmando a decisão recorrida.
Custas pela Apelante (artigo 527.º, nº, 1 do Código de Processo Civil).
Guimarães, 9 de Julho de 2020
Assinado digitalmente por:

Rel. – Des. Conceição Sampaio
1º Adj. - Des. Fernanda Proença Fernandes
2º - Adj. - Des. Alexandra Viana Lopes


1. Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, 1998, pag. 65 e 66.
2. Neste sentido, Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, pág. 22 e Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, A Acção Executiva Anotada e Comentada, 2ª ed., 2017, Almedina, pág. 562.
3. Abrantes Geraldes, Títulos Executivos, in "Themis – A Reforma da Acção Executiva”, ano IV, n.º 7, 2003, pág. 36
4. José Lebre de Freitas, in "A acção Executiva depois da reforma da reforma", 5.ª edição, Coimbra Editora, 2009, pág. 172.
5. Neste sentido, pode ver-se o acórdão da Relação de Lisboa de 11/01/2018, acessível em www.dgsi.pt.
6. In “Lições de Processo civil executivo”, págs. 58 a 64.
7. Antunes Varela, in "Das Obrigações em Geral", vol I, 10ª ed, pag. 72.
8. Preâmbulo do DL 269/98 de 1 de Setembro.
9. Disponível em www.dgsi.pt.
10. Neste sentido, Lopes do Rego, in "Comentários ao Código de Processo Civil", 2.ª ed., Vol. II, pág. 507
11. A este propósito, Lebre de Freitas, in "A Ação Executiva – Depois da Reforma, 4.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2004, p. 182
12. Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 388/2013, de 9 de julho, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
13. Disponível em www.dgsi.pt
14. A Acção Executiva depois da Reforma, 4ª Ed., pág. 293.