Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1446/20.3T8BRG.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: PER
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CRÉDITOS LABORAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/21/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - Aos créditos vencidos após o despacho que procedeu à nomeação do administrador provisório, referentes à cessação da relação laboral, não é aplicável disposto no artigo 17º-E, n.º 1, do CIRE, ainda que o PER esteja pendente, na medida em que esta disposição legal se reporta apenas às dívidas existentes à data da decisão a que se refere a alínea a) do n.º 3 do art. 17º-C do CIRE.
II – De outro modo, os credores, cujos créditos se vencessem posteriormente àquela data, ficavam impossibilitados de ver reconhecido judicialmente o seu direito, o que iria colidir com o princípio fundamental de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da CRP.

Vera Sottomayor
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

APELANTE: D. L.
APELADA: S. M. & FILHOS, S.A.

I – RELATÓRIO

D. L., residente na Avenida …, n.º .., freguesia de …, Amares instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo especial de impugnação de despedimento coletivo contra S. M. & FILHOS, S.A., com sede no Lugar … Vila Verde, formulando os seguintes pedidos:

a) que se declare a ilicitude do seu despedimento efectuado pela Ré e, em consequência, ser esta condenada a pagar uma indemnização de antiguidade, no valor de €16.854,64, bem como a quantia de €1.517,60 a título de aviso prévio em falta
b) que se condene a ré a pagar-lhe a quantia de €2.106,85, a título de créditos salariais vencidos até ao dia 31.12.2019;
c) que se condene a ré a pagar juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, contados desde a data de vencimento de cada uma das quantias parcelares até efectivo e integral pagamento.

Procedeu-se à citação da Ré, tendo esta apresentado contestação, impugnando parcialmente os factos alegados pelo autor, defendendo a licitude do despedimento colectivo e alegando além do mais que os créditos peticionados pelo autor foram reclamados no âmbito do processo de revitalização n.º 5225/18.0T8VNF, que corre termos no Juízo do Comércio de Vila Nova de Famalicão, designadamente os referentes a formação de 2015 a 2017 e indemnização por antiguidade, não tendo o primeiro sido reconhecido, por a ré sempre ter prestado formação ao trabalhador e o segundo foi reconhecido sob condição (crédito constituído, mas não vencido), que se veio a verificar antes da decisão que homologou o plano, decisão esta que ainda não transitou em julgado. Contudo alega a Ré, que a indemnização pela cessação do contrato de trabalho devida ao Autor terá de ser necessariamente paga nos termos do plano e nas condições nele previstas, que aliás mereceu o assentimento do Autor, pela votação favorável ao Plano.
Conclui pela improcedência da acção com a sua consequente absolvição dos pedidos
Teve lugar audiência prévia, no âmbito da qual foi tentada a conciliação das partes, sem sucesso.
Na altura, foi pela Ilustre Mandatária da Ré pedida a palavra e, sendo-lhe concedida, no uso dela disse que corre termos no Juízo do Comércio de Vila Nova de Famalicão - Juiz 1, os autos de Processo Especial de Revitalização, com o n.º 5225/18.0T8VNF, com despacho de admissão do PER publicado a 07/08/2018, encontrando-se, neste momento, no Tribunal da Relação de Guimarães.

Seguidamente o Mm.º Juiz a quo proferiu o seguinte despacho:

“Uma vez que a Ré está ser objecto de Processo Especial de revitalização, nos termos do artigo 17º-E, nº 1, do CIRE, determino a suspensão da instância, até que seja aprovado e homologado o plano de revitalização.
Oportunamente, solicite ao Juízo do comércio onde corre o PER certidão, com nota de trânsito em julgado do despacho que tenha aprovado e homologado o plano de recuperação.
Notifique.”
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Inconformada com a decisão de suspensão da instância, dela veio o Autor interpor recurso para este Tribunal da Relação de Guimarães, formulando as seguintes conclusões.

1. Entendeu o despacho recorrido que, estando a recorrida a ser objecto de um Processo Especial de Revitalização, a presente acção está sujeita ao regime previsto no nº 1 do artigo 17º-E do CIRE, tendo ordenado, em consequência, a suspensão da mesma.
2. Conforme consta dos autos, o despacho de admissão do PER da recorrida foi publicado no dia 07 de agosto de 2018.
3. Conforme consta dos autos o contrato de trabalho do recorrente cessou no dia 31 de dezembro de 2019, em virtude de despedimento colectivo efectuado pela recorrida.
4. Segundo o disposto no artigo 17º-D, nº 2, do CIRE, o prazo para reclamação de créditos no PER da recorrida terminou no dia 28 de agosto de 2018.
5. O crédito do recorrente, proveniente da cessação do respectivo contrato de trabalho, constituiu-se depois de terminado o prazo para reclamação de créditos no PER da recorrida.
6. O instituto do PER não prevê a possibilidade de propositura de acção de verificação ulterior de créditos.
7. Sendo o crédito do recorrente posterior ao prazo para reclamação de créditos no PER da recorrida, não pode o mesmo estar abrangido por aquele processo, nem pelo disposto no artigo 17º-E, nº 1, do CIRE.
8. Neste sentido se pronunciou já o Tribunal da Relação do Porto, por Acórdão de 05.01.2015, segundo o qual “não estão abrangidos pelo disposto no artigo 17º- E, nº 1, do CIRE, os créditos vencidos após o despacho que procedeu à nomeação do administrador provisório,…, na medida em que este normativo se reporta apenas às dívidas existentes à data da decisão a que se refere a alínea a) do nº 3 do artigo 17º- C do CIRE”.
9. Do artigo 17º-E, nº 1, do CIRE, não resulta que um credor cujo crédito se vença posteriormente ao prazo de reclamação de créditos de um PER se encontre impedido de fazer valer os seus direitos num qualquer outro processo.
10. O entendimento do despacho recorrido leva a que os credores cujos créditos se vençam posteriormente ao prazo para reclamação de créditos de um PER fiquem impossibilitados de ver judicialmente reconhecido o seu direito,
11. O que colide com o princípio fundamental do acesso ao direito e aos tribunais, previsto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
12. Citando o Tribunal da Relação do Porto, por Acórdão de 08.09.2014, “o nº 1 do artigo 17º-E do CIRE abrange qualquer decisão judicial (declarativa ou executiva) destinada a exigir o cumprimento de um crédito vencido e que, por isso, contenda com o património do devedor. Porém, sendo o pretenso crédito do trabalhador posterior à reclamação de créditos no PER não se encontra abrangido por este. Nesta situação pode o trabalhador credor fazer valer os seus direitos em relação a tal crédito num qualquer processo judicial”.
13. O recorrente não pode ficar impedido de ver judicialmente apreciada e declarada a ilicitude do seu despedimento, e reconhecido o montante do seu crédito, em virtude da recorrida se encontrar em processo especial de revitalização.
14. Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho, “o crédito de empregador ou trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.
15. A revitalização dos devedores não pode ser feita à custa da extinção dos direitos dos credores.
16. A decisão recorrida violou o princípio constitucionalmente consagrado do acesso ao direito e aos tribunais, previsto no artigo 20º da CRP.
17. A decisão recorrida fez incorrecta aplicação e interpretação do disposto no nº 1 do artigo 17º -E do CIRE, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que determine o regular prosseguimentos dos presentes autos.
Nestes termos deve o presente recurso ser julgado procedente, com as consequências legais, assim se fazendo a COSTUMADA JUSTIÇA.”

A Ré contra alegou, concluindo pela improcedência do recurso.
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Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87º n.º 3 do C.P.T., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido o douto parecer no sentido da total procedência do recurso.
Notificadas partes para responder, querendo, ao parecer do Ministério Público, nada vieram dizer.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II – DO OBJECTO DOS RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do Recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil), a única questão colocada no recurso consiste em apurar da inaplicabilidade do n.º 1 do art.º 17 -E do CIRE, ao caso, devendo prosseguir e não suspender-se a acção intentada pelo recorrente.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos a atender para a resolução do recurso são os constantes no relatório que antecede, a que acrescem os seguintes:

- Em 10 de Outubro de 2019 a Ré enviou comunicação a todos os trabalhadores, comunicando-lhes a intenção de proceder ao despedimento colectivo por motivos estruturais e de mercado.
- Em 3/08/2018 a Ré apresentou-se a um Processo Especial de Revitalização, que veio a ter o n.º 5225/18.0T8VNF do Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão – Juiz 1, que por despacho datado de 7/08/2018 veio a ser admitido liminarmente e publicado em 7/08/2018 no portal do Citius.
- A Ré apresentou plano de recuperação no dito processo, que foi votado favoravelmente pela maioria dos credores, que veio a ser homologado por decisão judicial proferida em 22-01-2020, que ainda não transitou em julgado.
- Em 31 de Dezembro de 2019 a Ré comunicou a decisão de despedimento a todos os trabalhadores, informando que o pagamento dos créditos referentes à cessação do contrato de trabalho seriam pagos nos termos do Plano apresentado no âmbito do PER, o qual foi votado favoravelmente pela maioria dos credores, nele se incluindo o autor.
- No âmbito do PER o autor em 23 de Agosto de 2018 reclamou créditos no valor global de €24.715,45, neles se incluindo os créditos referentes à falta de formação de 2015 a 2017 e o crédito referente à indemnização por antiguidade, que foi reconhecido sob condição.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

- Da suspensão da instância

Insurge-se o recorrente contra a decisão que suspendeu a instância defendendo que no caso não é aplicável o regime previsto no nº 1 do artigo 17º-E do CIRE, já que os créditos por si reclamados são créditos que se constituíram após o decurso do prazo para reclamação de créditos no PER da recorrida, o qual terminou no dia 28 de agosto de 2018, sendo certo que este instituto não prevê a possibilidade de propositura de acção de verificação ulterior de créditos.
Vejamos se lhe assiste razão
Como é consabido o Processo Especial de Revitalização (doravante PER) é o mecanismo através do qual se possibilita ao devedor, que se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, negociar com os respectivos credores, de forma a obter um plano de recuperação, que por aqueles terá de ser aprovado, evitando assim a declaração de insolvência. Este mecanismo pretende ser célere e eficaz possibilitando assim a revitalização de devedores em situação económica difícil, que ainda não tenham entrado em situação de insolvência.

O art.º 17.º-E n.º 1 do CIRE, com a epígrafe “Efeitos”, regula os efeitos processuais do PER e prescreve o seguinte:

“A decisão a que se refere o n.º 4 do art.º 17.º-C (nomeação de administrador judicial provisório) obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra a empresa e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto à empresa, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.”
Daqui resulta a proibição de instauração e a suspensão de determinadas acções (acções para cobrança de dívidas) por força do despacho de nomeação do administrador judicial provisório, determinando ainda a extinção, em definitivo, das acções suspensas por força da aprovação ou da homologação do plano de recuperação, desde que este não preveja a sua continuação. No que toca à suspensão esta destina-se a bloquear ou impedir os poderes normais dos credores, no que respeita aos poderes de instauração de acções judiciais, pois durante a fase de negociações do plano de reestruturação, os credores ficam assim impedidos de ou fazer prosseguir acções de determinado tipo – acções de cobrança de dividas – contra o devedor.
Sendo a revitalização uma efectiva negociação das dívidas com os credores de modo a que o devedor consiga passar a cumprir com as suas obrigações, é precisamente com o fito da obtenção do famigerado acordo de revitalização, que não podem ser instauradas acções para cobranças de dívidas contra o devedor enquanto decorrem as negociações e se suspendem as acções existentes, pois, de outro modo, inviabilizava-se, ou, pelo menos, dificultava-se a obtenção de um acordo que permitisse a revitalização

No caso em apreço não se coloca a questão que mais recorrentemente se tem suscitado no que respeita à referida disposição legal, isto é determinar quais os tipos de acções que estão abrangidas, designadamente se as acções declarativas estão incluídas.
Contudo cumpre dizer que em conformidade com o que em sido defendido quer por grande parte da doutrina, pela maioria da jurisprudência e de forma uniforme, por este Tribunal da Relação de Guimarães, desde que esteja em causa a cobrança de uma divida é de se aplicar a citada disposição legal.
Como refere Catarina Serra “O processo Especial de Revitalização e os trabalhadores – um grupo especial de sujeitos ou apenas mais uns credores?”, em Julgar n.º 31, pág. 33 “Em suma atendendo tanto à sua letra como ao seu espirito (a intenção de propiciar ao devedor a estabilidade necessária ao bom curso do processo), a norma é passível de aplicação, em concreto, a todas a ações directa ou indirectamente dirigidas a fazer valer direitos ou a exigir o seu cumprimento, portanto, independentemente da sua classificação como declarativas ou executivas.”
Sobre a abrangência deste tipo de ações, desde que respeitam a cobrança de uma dívida, ver entre outros os Acórdãos deste Tribunal de 29/01/2015, processo nº 5632/12.1TBBRG.G1, de 21/04/2016, processo n.º 4726/15.6T8BRG.G1, de 21/03/2019, processo n.º 3110/16.9T8BRG.G1 e de 10/10/2019, processo n.º 1503/19.9T8BRG.G1, disponíveis in www.dgsi.pt.
Tendo presente o caso em apreço é de concluir que no PER a decisão de nomeação de administrador judicial provisório, suspende durante todo o tempo em que perdurarem as negociações as acções em curso para cobrança de dívidas, sejam de natureza executiva ou declarativa.
Retornando ao caso dos autos diremos que os créditos reclamados pelo Autor, no âmbito da presente acção decorrem da cessação do contrato de trabalho, o que se verificou, por despedimento colectivo que operou os seus efeitos no dia 31/12/2019.
Ora, nenhum destes créditos reclamados na presente acção surge descrito na lista de créditos, quer nos dados como verificados, quer “verificados sob condição”.
Na verdade, os créditos que o autor peticiona no âmbito dos presentes autos respeitantes à falta de formação, não são coincidentes com os reclamados no âmbito do PER, pois respeitam a período de tempo diverso. Os créditos respeitantes à indemnização por antiguidade verificados sob condição, também não são coincidentes com os peticionados no âmbito da presente acção e que respeitam às consequências decorrentes de ser declarada a ilicitude do despedimento colectivo. Todos os restantes créditos peticionados são créditos novos porque não foram peticionados, aquando da reclamação apresentada pelo autor no PER.
Em suma, todos os créditos que foram peticionados no âmbito da presente acção são de considerar créditos novos, pois não constam dos créditos reclamados no PER, nem tinham de constar, por não estarem vencidos à data da nomeação do administrador judicial provisório.

No que respeita ao créditos sob condição prescreve o artigo 50.º do CIRE com a epígrafe “Créditos sob condição” o seguinte:

“1 - Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respetivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico.
2 - São havidos, designadamente, como créditos sob condição suspensiva:
a) Os resultantes da recusa de execução ou denúncia antecipada, por parte do administrador da insolvência, de contratos bilaterais em curso à data da declaração da insolvência, ou da resolução de actos em benefício da massa insolvente, enquanto não se verificar essa denúncia, recusa ou resolução;
b) Os créditos que não possam ser exercidos contra o insolvente sem prévia excussão do património de outrem, enquanto não se verificar tal excussão;
c) Os créditos sobre a insolvência pelos quais o insolvente não responda pessoalmente, enquanto a dívida não for exigível.”

No que respeita à indemnização por antiguidade que se fez constar da reclamação no PER e que foi verificado como crédito sob condição, não podemos considerar a condição de verificada após o despedimento, passando tal crédito a poder ser considerado efectivamente constituído, uma vez que o autor veio impugnar o despedimento, reclamando por isso os direitos decorrentes de uma eventual declaração da ilicitude do despedimento, que não são coincidentes, nem se confundem com os direitos resultantes da licitude do despedimento. Ou seja a indemnização reclamada no PER e a reclamada no âmbito da presente acção não são coincidentes, nem são de considerar como se tratando do mesmo crédito, daí que indemnização peticionada no âmbito dos presentes autos seja considerada como um novo crédito.
Ainda que o crédito referente a indemnização por antiguidade se mostre verificado sob condição, o certo é que o mesmo não passou a definitivo, pelo facto de no caso concreto não podermos afirmar que o acontecimento futuro e incerto que levaria à sua constituição se verificou com a cessação do contrato de trabalho, pois tal dependerá de decisão judicial.
A questão que se coloca respeita a estes novos créditos, porque vencidos posteriormente ao despacho de nomeação de administrador judicial provisório e que não foram reclamados, nem foram atendidos no plano, sendo certo que a decisão homologatória do plano não transitou em julgado.
É de salientar que o que releva no âmbito do PER e vincula os credores são os créditos existentes à data e não quaisquer outros eventuais créditos futuros. O acordo e consequente plano de recuperação não abrange créditos que à data não existiam, por isso nada obsta a que os créditos vencidos posteriormente à reclamação de créditos no PER e, portanto, não estejam enquadráveis neste, sejam feitos valer num processo judicial.
No que respeita ao prosseguimento da acção de despedimento colectivo, com pretende o recorrente teremos de ponderar a situação factual em que as partes estão colocadas, o despedimento colectivo é posterior ao PER. Dai decorrendo que estando em causa créditos que não foram nem poderiam ter sido reclamados no PER, porque não estavam constituídos até ao início do PER, não podendo por isso ser nele reclamados, não vislumbramos qualquer razão para a suspensão da instância. Ou seja os créditos reclamáveis no PER em princípio são aqueles estejam constituídos até à data prolação do despacho de nomeação do administrador judicial provisório, sob pena dos seus titulares não poderem usar o prazo previsto para a reclamação. Em princípio só estes créditos serão afectados pelo plano de recuperação, o que não se verifica no caso em apreço.
Estando em causa na presente acção o pagamento de créditos por férias não gozadas e vencidas em 1 de Janeiro de 2019, férias e subsídio de férias proporcionais relativamente ao serviço prestado em 2019, por formação profissional não proporcionada e indemnização pelo despedimento que se verificou em 31 de Dezembro de 2019, ou seja em data muito posterior ao despacho que procedeu à nomeação do administrador judicial provisório (7/08/2018), não poderiam ser atendidos no PER por se terem constituído após o prazo de reclamação de créditos, logo não estão abrangidos pelo disposto no artigo 17.º-E, n.º1 do CIRE, uma vez que este normativo se reporta apenas às dívidas existentes na data da decisão a que se refere a alínea a) do nº3 do artigo 17º-C do CIRE.
Não se pode impedir um trabalhador de fazer valer os seus direitos em processo próprio quando o não pôde fazer no PER, por o seu direito não ser ainda exigível, daí que relativamente aos créditos não vencidos à data do despacho que procedeu à nomeação do administrador provisório no PER, não existir fundamento para suspender a presente acção.
Sobre a não aplicabilidade do artigo 17º-E, nº 1 do CIRE aos créditos vencidos após o despacho que procedeu à nomeação do administrador provisório, ver entre outros os Acórdãos da Relação do Porto de 8/09/2014, de 03/11/2014, processo n.º 289/14.8TTPNF.P1, de 5/1/2015, processo nº 290/14.1TTPNF.P1, de 17/11/2014, processo nº 295/14.2TTPNF.P1, de 14/12/2017, processo nº 5831/15.4T8OAZ.P1; Acórdão da Relação de Coimbra de 28/1/2016, processo nº 791/15.4TBGRD.C1; Acórdão da Relação de Évora de 11/10/2015, processo n.º 82/14.8TTSTR.E1; Acórdãos da Relação de Guimarães de 29/1/2015, processo nº 5632/12.1TBBRG.G1, de 21/04/2016, processo n.º4380/15.6T8BRG.G1, de 19/01/2017, processo n.º 823/13.0TTBCL.G1, disponíveis em www.dgsi.pt.
Resumindo aos créditos vencidos após o despacho que procedeu à nomeação do administrador provisório, referentes à cessação da relação laboral, não é aplicável disposto no artigo 17º-E, n.º 1, do CIRE, ainda que o PER esteja pendente, na medida em que esta disposição legal se reporta apenas às dívidas existentes à data da decisão a que se refere a alínea a) do n.º 3 do art.º 17º-C do CIRE. A entender-se de outra forma, os credores cujos créditos se vencessem posteriormente àquela data ficavam impossibilitados de ver reconhecido judicialmente o seu direito, o que iria colidir com o princípio fundamental de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20º da CRP.
Como refere o Procurador Geral-Adjunto no parecer junto aos autos “o que releva no âmbito do PER e vincula os credores são os créditos existentes à data da decisão a que se refere o n.º 4 do artigo 17.º-C do CIRE – despacho de nomeação de administrador provisório – e não eventuais créditos futuros.”
Não existindo fundamento para suspender a acção impõe-se revogar a decisão recorrida e consequentemente determinar o prosseguimento dos autos.

V – DECISÃO

Em face do exposto, concede-se provimento ao recurso interposto por D. L. e consequentemente revoga-se a decisão que declarou suspensa a instância, determinando-se o prosseguimento dos autos.
Custas pela recorrida.
21 de Janeiro de 2021

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Dinis Ramos Veiga