Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
445/14.8PBGMR.G1
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: FURTO
DESQUALIFICAÇÃO
ESPAÇO FECHADO
ARTºS 204
Nº 2
E)
202º
D) E E) E 204
Nº 1
F)
DO CP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I. O que caracteriza e justifica a agravante qualificativa do furto prevista na alínea f) do nº 1 do artigo 204º do C. Penal – tal como sucede com a da alínea e) do seu nº 2 – não é a circunstância de o agente se introduzir num espaço fechado ou vedado, mas, sim, a de esse espaço estar conexionado com construções destinadas a habitação ou a estabelecimentos – no sentido de casa para comércio ou indústria, de casa para repartição pública, de casa da Justiça, de casa de saúde, etc. –, não representando a introdução em espaço fechado, só por si, um dano acrescido: a agravação da punição das acções que consubstanciam crimes de furto perpetrados dentro de casa (seja de habitação, de comércio ou de indústria) é justificada por esta ser considerada “um reduto de mais valias” merecedor de uma tutela penal acrescida ao bem jurídico que se visa tutelar (cf. AUJ nº 7/2000).

II. Por conseguinte, não é qualificado nos termos previstos por qualquer das mencionadas alínea e) e f) o crime de furto preenchido pela subtração de objectos de um “centro” afecto ao corpo nacional de escutas, ainda que vedado por uma rede (que o arguido transpôs na parte em que estava tombada), sem que conste do rol dos factos provados – tal como já sucedia com os enunciados na acusação – quaisquer elementos para poder afirmar que a mesma se concretizou em local físico configurável como sendo uma «casa» – com o expendido conceito, que abarca, designadamente, as construções onde se encontrem instalados estabelecimentos comerciais ou industriais – ou um «espaço fechado dela dependente».
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

No processo supra identificado, do Juízo Central Criminal de Guimarães, da Comarca de Braga, os arguidos José e A. S., foram julgados e condenados por sentença proferida e depositada a 12/2/2018, o primeiro como autor material de um crime de furto qualificado na forma continuada, p. e p. pelos artigos pelos arts. 203º, n.º 1, 204º, n.º 1, al. f) e 30º, n.º 2, do C. Penal, e o segundo como autor material de um crime de receptação, na forma continuada, p. e p. pelos arts. 231º, n.º 2 e 30º, n.º 2, do mesmo Código, nas penas de sete e de dois meses de prisão, respectivamente, sendo a pena de dois meses de prisão substituída por 60 horas de trabalho a favor da comunidade.

Inconformado, o arguido José interpôs recurso, insurgindo-se contra a medida da pena que lhe foi aplicada, dizendo que a mesma é excessiva apenas se tendo atentado nos seus antecedentes criminais, olvidando-se todo o circunstancialismo em que cresceu e desenvolveu a sua personalidade e sobretudo à sua condição de sem abrigo, pugnando pela fixação da medida da pena em 4 meses, mediante a formulação, na sua motivação, das seguintes conclusões:

« - Vem o presente recurso interposto da sentença que julgando a acusação pública, na parte que respeita ao aqui recorrente, parcialmente procedente por provada, o condena pela prática de um crime de furto qualificado, na forma continuada, p. e p. pelos arts. 203º n.º 1, 204.º n.º 1 al. f) e 30º n.º 2 do Código Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão efectiva.
- A pena concretamente aplicada ao Recorrente é manifestamente excessiva, devendo situar-se próxima do mínimo legal.
- O apuramento da medida concreta da pena centrou-se apenas nos antecedentes criminais do arguido, olvidando-se por completo outros os factos provados (pontos 12 a 22 e 24) que militam a favor do recorrente, designadamente a realidade de abandono e desestruturação em que cresceu o arguido e todos os seus antecedentes sociais; a falta de resposta eficaz por parte do Estado nas suas duas tentativas de desintoxicação; a sua situação de sem-abrigo e ainda o valor manifestamente pouco elevado dos objectos furtados.
- Funda-se o presente recurso no disposto nos Art. 40º, 71º, 77º e 78º, todos do Código Penal.».

O recurso foi regularmente admitido.

O Ministério Público, junto da 1ª instância, respondeu ao recurso, dizendo que na pena aplicada ao arguido foram ponderadas todas as suas condições pessoais, bem como o valor dos bens subtraídos e nesse juízo de ponderação a pena aplicada corresponde à medida da sua culpa. E neste Tribunal, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso, remetendo para a argumentação de 1ª Instância.

Foi cumprido o disposto no nº 2, do art. 417º, do CPP.
Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
*
II- Fundamentação

Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (art. 412º, nº 1, do CPP), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, no presente recurso suscitam-se as seguintes questões:

- o enquadramento jurídico-penal dos factos;
- a medida da pena.

Importa apreciar as enunciadas questões e decidir. Para tanto, deve considerar-se como pertinentes ao conhecimento do objecto do recurso os factos considerados na decisão recorrida e considerações atinentes à determinação da sanção (transcrição):

1. No período compreendido entre as 18h do dia 11.05.2014 e as 21h do dia 16.05.2014, o arguido José dirigiu-se, pelo menos em três dias distintos, ao Centro do Núcleo de Guimarães, do Corpo Nacional de Escutas, sito na Rua (…), Guimarães, com o propósito de daí retirar e levar consigo bens e valores que aí se encontrassem. 2. Uma vez aí chegado, das três vezes que ali se deslocou, o arguido José transpôs a vedação existente, e na parte em que estava tombada, dirigiu-se à zona fechada dos balneários e daí retirou e levou consigo os seguintes objectos, cujo valor total em concreto não foi possível apurar mas sempre superior a 1 UC:
- 40 metros de fio eléctrico; 1 passador bicone; 9 chuveiros com joelhos bicone 15mm; 1 válvula; 3 válvulas; 2 chuveiros e 10 Acessórios bicone;
3. Em cada um dos três dias, no período considerado em 1., após subtrair os objectos mencionados em 2. e na posse dos mesmos, o arguido José dirigiu-se à casa do arguido A. S., sita na Travessa (…) Guimarães, a quem vendeu, em três momentos distintos, os objectos que subtraíra, referidos em 2., e pelo valor não concretamente apurado mas sempre inferior ao preço real daqueles mesmos objectos.
4. O arguido José agiu sempre livre e conscientemente e com o propósito concretizado de fazer seus os bens referidos em 2., não ignorando que os mesmos, bem como o local onde se encontravam, não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade do seu legítimo dono.
5. Os objectos de que o arguido José se apropriou foram entretanto recuperados na casa, mais precisamente na garagem, do arguido A. S., e entregues ao queixoso.
6. Ao proceder conforme o supra descrito o arguido A. S. agiu livre e voluntariamente;
7. E sabendo o arguido A. S. que o preço pelo qual os aludidos bens eram vendidos pelo arguido José e por si comprados, era inferior ao respectivo preço real; que o José era consumidor de estupefacientes e sem-abrigo, admitiu, o arguido A. S., a possibilidade de os aludidos bens terem sido furtados e não cuidou de afastar essa possibilidade, antes havendo actuado conformado com tal possibilidade;
8. e agiu, além do mais, com intenção, conseguida, de adquirir tais bens para si por um preço inferior ao preço de mercado, com o objectivo de depois vendê-los a um preço superior, obtendo, por essa via, uma vantagem patrimonial ilegítima.
9. Os arguidos agiram bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
10. O arguido José sofreu as seguintes condenações:

a) Por decisão transitada em julgado aos 4.5.2009 e pela prática, em 20.6.2008, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, n.º 2, do DL n.º 2/98 de 3.1, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de 5 euros - pena extinta por despacho datado de 11.3.2011;
b) Por decisão transitada em julgado aos 23.4.2012 e pela prática, em 30.12.2010, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204º, do Código Penal, na pena de 300 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros - pena, esta, extinta por despacho datado de 21.8.2013;
c) Por decisão transitada em julgado aos 16.1.2014 e pela prática, em 22.7.2012, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, do DL n.º 2/98 de 3.1, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de 5,50 euros - pena extinta por despacho datado de 11.3.2011;
d) Por decisão transitada em julgado aos 12.4.2016 e pela prática, em 12.1.2011, de um crime de furto, p. e p. pelo art. 203º, do Código Penal, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros - pena, esta, extinta por despacho datado de 21.8.2013;
e) Por decisão transitada em julgado aos 22.4.2014 e pela prática, em 22.1.2011, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204º, n.º 1, al. f), do Código Penal, na pena de 12 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 12 meses;
f) Por decisão transitada em julgado aos 16.10.2017 e pela prática, em 22.11.2014, de um crime de furto, p. e p. pelo art. 203º, do Código Penal, na pena de 3 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 ano;
g) Por decisão transitada em julgado aos 22.10.2015 e pela prática, em 2014, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204º, do Código Penal, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 anos e 10 meses e sujeita a regime de prova;
h) Por decisão transitada em julgado aos 23.2.2016 e pela prática, em 17.5.2014, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204º, n.º 2, al. e), do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de 3 anos e sujeita a regime de prova.
O arguido José provém de um agregado familiar constituído pelos progenitores e pelos cinco irmãos;
13. O pai era pedreiro e a mãe efetuava limpezas;
14. Devido às dificuldades económicas dos pais do arguido este foi entregue, aos 8 anos, aos avós paternos.
15. O arguido tem 2º ano de escolaridade;
16. Iniciou o consumo de heroína e cocaína com 11/12 anos.
17. Após abandonar a escola auxiliou os avós, em trabalhos agrícolas, e como servente de pedreiro.
18. Regista algumas experiências profissionais estáveis, no setor têxtil, onde trabalhou durante cerca de 12 anos;
19. em 2009/2010 ficou desempregado, após despedimento de pessoal efetuado pela empresa, e não mais trabalhou de forma estruturada e formal.
20. Casou aos 19 anos de idade, teve quatro descendentes; o casamento terminou em 2011, devido à problemática aditiva do arguido, e os filhos ficaram aos cuidados da mãe.
21. Em dois períodos esteve ligado ao Centro de Respostas Integradas – Equipa de Guimarães, onde integrou programa de substituição opiácea de baixo limiar de exigência, com toma diária de cloridrato de metadona; porém, durante os mesmos, manteve consumo paralelo de heroína.
22. Após a separação, José passou a situação de sem abrigo e a dedicar-se à atividade de arrumador de carros.
23. O primeiro contacto com o sistema de justiça ocorreu em 2009, pela prática de crime de condução sem habilitação legal, tendo sido condenado numa pena de multa, que cumpriu posteriormente em prisão subsidiária (em 2011); regista posteriormente seis condenações, pela prática de crime semelhante e, sobretudo, pela prática de crimes de furto qualificado, em penas de multa e penas de prisão suspensas na sua execução.
24. À data dos factos em causa nos autos José mantinha uma situação de sem abrigo; era consumidor de estupefacientes e dedicava-se à atividade de arrumador de carros o que lhe permitia obter algum rendimento destinado à satisfação das suas necessidades básicas.
25. Em novembro de 2014, e no decorrer de um furto, o arguido foi baleado e ficou internado no Hospital (…), Guimarães; após alta clínica, em dezembro do mesmo ano, foi encaminhado para a Associação X, no Porto;
26. Em maio de 2015 integrou uma valência da associação, em Tentúgal; ocupava o seu quotidiano em tarefas inerentes à vida dos residentes, nomeadamente, agricultura e pecuária para consumo próprio; efetuou um percurso positivo com desvinculação da problemática da toxicodependência e melhoria das suas condições pessoais, com maior autoestima e motivação para um estilo de vida normativo.
27. Todavia, abandonou a associação por sua iniciativa, em 11 de março de 2016, quando rejeitou cumprir com as orientações para tomar medicação psiquiátrica; naquela data, regressou a Guimarães, e voltou, novamente, a uma situação de sem abrigo.
28. Em maio de 2017, o arguido obteve um enquadramento laboral de cerca de um mês e meio, na Nazaré, onde trabalhou como operário da construção civil.
29. Regressado posteriormente a Moreira de Cónegos, continuou a efetuar biscates no mesmo setor, permitindo-lhe assegurar a sua subsistência; passou igualmente a beneficiar de suporte por parte de alguns irmãos, residentes no concelho de Lousada, onde passava os fins-de-semana.
30. No âmbito de um acompanhamento iniciado em abril de 2017, José agendou consulta de acolhimento no CRIME de Guimarães; a consulta seguinte estaria agendada para setembro de 2017, na qual não compareceu e que justifica com a situação de reclusão.
31. Em julho de 2017, José foi conduzido ao Estabelecimento Prisional de Guimarães, para cumprimento de pena de prisão, onde se encontra atualmente; cumpre pena em regime comum e, até ao momento, sem a ocorrência de incidentes disciplinares; encontra-se inativo, por opção própria, após ter rejeitado inscrição em curso profissional de pintura; não adota atitudes pró-ativas nem se envolve nas atividades proporcionadas pelo estabelecimento prisional.
32. Não diligenciou por acompanhamento pelo CRIME Guimarães, salientando não ter de o fazer por se encontrar abstinente e desvinculado da problemática aditiva.
33. Não recebe visitas de familiares ou outros, nem dispõe de suporte estruturado em meio livre;
34. Para a vida em liberdade pretende regressar à condição de sem abrigo e retomar as rotinas ligadas à atividade de arrumador de carros e procura de biscates de construção civil.
35. Quando analisa o seu percurso de vida, e consequentemente os contactos com o sistema de justiça penal, o arguido enquadra-os num contexto de dependência de produtos estupefacientes e decorrentes dos mesmos; revela frágil interiorização do desvalor da conduta, com tendência para a minimização do impacto para terceiros.
36. Todavia, aquando da permanência na associação, José investiu numa inversão da sua trajetória de vida, alicerçada na aparente resolução da sua problemática aditiva.
37. Desde 30-07-2017 que José cumpre 12 meses de prisão, à ordem do processo 57/11.9GEGMR (Juízo Local Criminal de Santo Tirso, Tribunal Judicial da Comarca do Porto), após revogação da suspensão inicialmente aplicada.
38. É acompanhado, pela DGRS desde dezembro de 2015; Inicialmente demonstrou uma atitude em consonância com as responsabilidades de uma medida probatória, porém, quando ocorreu o abandono da associação, deixou de comparecer e contactar com tal serviço, o que inviabilizou o respetivo acompanhamento e supervisão.
39. Retomou, posteriormente, o contacto com tal que manteve até à detenção em julho de 2017.
*
Determinação da sanção:

«O modelo mais adequado de determinação da pena é aquele que comete à culpa a função única, mas nem por isso menos decisiva, de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral de integração a função de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo coincide com a medida óptima de tutela dos bens jurídicos – dentro do que é consentido pela culpa – e cujo limite mínimo corresponde às irrenunciáveis exigências de defesa do ordenamento jurídico; e, por último, à prevenção especial de integração a função de encontrar, dentro da moldura de prevenção, o quantum exacto de pena que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou segurança) do delinquente (cfr. Figueiredo Dias Consequências Jurídicas do Crime, p. 114 e ss.).
Tendo, pois, em conta o princípio geral que acaba de ser formulado, deverão ser neste momento consideradas todas aquelas circunstâncias que, não fazendo parte dos tipos legais convocados, sejam expressivas das necessidades de prevenção.

Principiemos pela actuação do arguido José.

No que se reporta aos factores concretos da medida da pena concernentes à execução do facto, deporá contra o arguido o facto de o acto apropriativo haver tido lugar no interior de um espaço cujo acesso, embora se não encontre, à partida, sob estrita reserva do consentimento do respectivo titular, supõe, todavia, naqueles que aí se dirigem, uma atitude de particular contenção.

Ainda no que tocante à execução do facto, mas na perspectiva das consequências produzidas, importará valorar, em sentido atenuante, a circunstância de o dano material efectivamente provocado haver sido significativamente minorado pela recuperação dos objectos subtraídos, porém alguns deles não foi possível reutilizar, como o fio eléctrico - o que, evidenciando a parcial reposição da situação anterior à prática dos factos que se apreciam, diminuí com significado a medida da necessidade de tutela retrospectiva do bem jurídico atingido pelo comportamento que se aprecia.

No que, por último, diz respeito à conduta do arguido anterior aos factos que se apreciam, importará naturalmente atender à circunstância de o mesmo haver sido já condenado pela prática de dois ilícitos-típicos análogos ao que agora se julga, condenações, essas, que, decisivamente, não terão constituído suficiente contra-motivação a uma atitude pessoal de acentuada predisposição para a violação do património enquanto bem jurídico-penalmente tutelado.
Tal circunstância tornará particularmente expressivas as exigências de prevenção especial, cujo alcance, todavia, sempre se deixará condicionar pelo inultrapassável limite da culpa.
Igualmente milita contra o arguido a circunstância de ter praticado o crime ora em causa durante o período de suspensão da execução da pena de prisão que lhe havia sido aplicada.
Acresce que o arguido agiu com dolo directo - ou seja, na modalidade mais grave.
E quanto à culpa importará não olvidar que tendo prestado declarações o arguido não assumiu a prática dos factos, negando a mesma - revelando que ainda não interiorizou a reprovação e censura da sua conduta.
Igualmente é de considerar que o arguido à data era consumidor de estupefacientes e sem abrigo.
Assim, e tudo ponderado, entendemos ser adequado, necessário e suficiente aplicar ao arguido José, pelo crime que cometeu e aqui está em apreço, a pena de 7 meses de prisão.».
*
III- O Direito

1. O enquadramento jurídico dos factos.

O arguido José invoca que a decisão recorrida, na fixação da medida concreta da pena, não fez qualquer ponderação quanto às suas condições pessoais e ao seu percurso de vida, designadamente à sua condição de sem abrigo, atendendo apenas aos seus antecedentes criminais, pugnando para que a mesma se situe num patamar mais perto do limite mínimo.

A questão da medida da pena imposta ao arguido e suscitada pelo mesmo, remete-nos, previamente, para o enquadramento jurídico da sua conduta, sendo que inexiste qualquer obstáculo legal a que este tribunal dele conheça uma vez que a qualificação jurídica é uma questão de conhecimento oficioso, ainda que sempre haja que respeitar o obstáculo posto pelo princípio da proibição da reformatio in pejus (1).

O arguido foi condenado pela autoria material de um crime de furto qualificado, na forma continuada p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 1, f) e 30º do C. Penal.
Numa breve síntese dir-se-á: os requisitos normativos objectivos demandados pelo tipo legal de crime de furto reconduzem-se à subtracção de coisas móveis alheias. Trata-se de um ilícito contra o património que se consubstancia num crime material ou de resultado em que se supõe a verificação do evento traduzido nos factos integradores do prejuízo patrimonial da vítima.
Mas para além disso, torna-se ainda necessário que o tipo objectivo seja acompanhado de um elemento subjectivo que o transcende, por ser indispensável a ilegítima intenção de apropriação (dolo específico, como alguns o apelidam) ou seja, a demonstração de que o agente quis fazer seus os objectos de que se apossara (animu sibi rem habendi) (1).
Ora, o arguido, com ilegítima intenção de apropriação para si, subtraiu coisas móveis alheias, no período compreendido no ponto 1 da factualidade assente, mais se apurando que, para a realização das subtracções, nas ditas três vezes, introduziu-se num espaço vedado com rede, pela parte em que a mesma estava tombada, dirigindo-se à zona fechada dos balneários.

Assim sendo, suscita-se a questão de saber se a factualidade apurada também preencherá a qualificativa agravante do crime de furto por que o arguido foi condenado.

O Tribunal de 1ª instância justificou do seguinte modo a condenação do arguido ao abrigo da citada qualificativa: «(...) Nos termos do art. 204º, n.º 2, al. e), do Código Penal, quem furtar coisa móvel alheia penetrando em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalonamento ou chaves falsas é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos; sendo que por escalonamento se entende, de acordo com o art. 202º, al. e), a introdução em casa ou em lugar fechado dela dependente (ou, como in casu, em espaço fechado), por local não destinado normalmente à entrada, nomeadamente por telhados, portas de terraços ou de varandas, janelas, paredes, aberturas subterrâneas ou por qualquer dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada ou passagem.
Por sua vez, casa será todo o espaço físico, fechado, que histórico-culturalmente se encontre adaptado à habitação ou a outras normais actividades da vivência dos homens em comunidade. Ou seja, uma espaço físico, possuidor de uma autonomia funcional ligada ao modo de viver comum, historicamente situado, apto a ser habitado ou a que nele se desenvolvam as actividades humanas para que foi criado.
E, assim sendo, perspectivado a partir, mais da finalidade que se quer, do que da solidez ou fixidez das paredes, o conceito de casa não se confinará ou restringirá ao de mera habitação, antes abrangendo ainda, na sua usual significação, os estabelecimentos comerciais ou industriais ou outros espaços fechados, expressamente referidos na al. e), do n.º 2, do art. 204º.

Assim, sempre que o agente subtrai coisa móvel alheia penetrando, para o efeito, numa casa, num espaço fechado, como seja o caso dos autos – por escalamento -, deixará de funcionar a moldura simples prevista no art. 203º, passando a responsabilidade criminal a ser consequentemente determinada no interior da moldura penal agravada prevista no n.º 2, do art. 204º.

Todavia, revertendo ao caso dos autos constata-se, em rigor, que parte da rede que delimitava o Centro de Escutas estava, na ocasião do furto, tombada no chão - não se sabendo quem assim a tombou - e que o arguido transpôs tal rede para aceder ao interior do mencionado Centro e ali furtar os bens em causa nos factos assentes.
Ou seja, da matéria assente resulta que o arguido se introduziu ilegitimamente naquele espaço fechado e com intenção de furtar - preenchendo, assim, a qualificativa prevista no art. 204º, n.º 1, al. f), do Código Penal.».

Vejamos.

O art. 204º do C. Penal, que prevê as diversas qualificativas do crime de furto, estatui no seu nº 2, alínea e): «Penetrando em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas».

Por sua vez, os conceitos a que essa norma alude são integrados, no que a estes autos interessa, pelo seguinte segmento do art. 202º do mesmo código:

«d) Arrombamento: o rompimento, fractura ou destruição, no todo ou em parte, de dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada, exterior ou interiormente, de casa ou de lugar fechado dela dependente;
e) Escalamento: a introdução em casa ou em lugar fechado dela dependente, por local não destinado normalmente à entrada, nomeadamente por telhados, portas de terraços ou de varandas, janelas, paredes, aberturas subterrâneas ou por qualquer dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada ou passagem».

É certo que não deve entender-se que a expressão «casa ou lugar fechado dela dependente», usada no art. 202º, do C. Penal, como elemento dos conceitos jurídico-penais de arrombamento ou escalamento, para os efeitos do disposto no subsequente artigo 204º, abranja apenas as construções destinadas a habitação e não também aquelas onde se encontrem instalados estabelecimentos comerciais ou industriais, como pertinentemente notou o Ac. do STJ de 23/6/1999 (3).

Também o Prof. Faria Costa, em anotação ao citado art. 202º (4), explicou: «Uma primeira aproximação à noção de casa pode operar-se se se aceitar que esta se revela, para o comum das pessoas, como todo e qualquer recinto fechado por todos os lados, incluindo o superior, com paredes apoiadas estavelmente no solo e que permita a entrada de pessoas. É claro que (…) uma tal compreensão de casa contém os atributos ou qualidades normais das casas comuns que os cidadãos habitam». [mas, porque] «apreendida no seu mais puro formalismo definitório, não abarcaria estruturas físicas que indesmentivelmente merecem a qualificação de “casa”», [como são] «a “tenda” de um cigano ou a “roullote” onde vivem pessoas de forma permanente e estável». Urgindo compreender teleologicamente o conceito, «casa» “será, portanto, todo o espaço físico, fechado, que histórico-culturalmente se encontra adaptado à habitação – a ser habitado por uma ou mais pessoas (…) ou a outra ou a outras normais actividades da vivência dos homens em comunidade (assim, nesta perspectiva, tem todo o sentido falar-se, v. g., de casa para comércio; de casa para repartição pública; de casa da Justiça; de casa de saúde, etc., etc.). Um espaço físico, com as características anteriores, possuidor de uma autonomia funcional ligada ao modo de viver comum, historicamente situado. O que implica, bom é de ver, que não é, nem de longe nem de perto, necessário que a casa esteja habitada; basta que seja um espaço, com as qualidades já referidas, apto a ser habitado ou apto a que nele se desenvolvam as actividades humanas para que foi criado. A “solidez” do conceito que aqui procuramos edificar não se prende tanto com a solidez ou a fixidez das paredes mas antes com a finalidade que se quer, indesmentivelmente, prosseguir.».

E, acrescenta o referido autor, «lugar fechado dependente da casa» “mais não é do que o recinto que dá acesso à casa e que não precisa de ser vedado. É o pátio, o jardim ou o terraço ligado à casa e com passagem para ela (…)”.

Porém, é indubitável que a matéria penal é dominada por princípios seguros e consolidados, que vão desde a formulação à interpretação das respectivas normas, como é o princípio da legalidade e o da consequente proibição da analogia, dos quais a garantia da certeza clareza ou previsibilidade da estatuição incriminadora é uma concretização fundamental (5).
Ora, nessa senda, desde logo, parece ser muito duvidoso que a vedação de um espaço possa ser tido por concordante ou coincidente com o conceito de espaço fechado para qualificar o crime de furto, pois que o espaço fechado protege melhor da devassa da propriedade e é mais difícil de atingir de que o espaço meramente vedado (6).
Por outro lado, a expressão «ou outro espaço fechado» constante da referida al. e) corresponde apenas aos lugares fechados dependentes de casa de habitação e de estabelecimento comercial ou industrial, p. ex. (7).
E o mesmo sucede com a idêntica expressão contida na al. f) do nº 1 desse art. 204º do C. Penal. Na verdade, também tem sido geralmente sustentado que o que caracteriza e justifica a agravante qualificativa do furto prevista nesta alínea f) – tal como com a da alínea e) do nº 2 – não é a circunstância de o agente se introduzir num espaço fechado ou vedado, mas sim, a de esse espaço estar conexionado com a habitação ou com o estabelecimento, não representando a introdução em espaço fechado, só por si, um dano acrescido que justifique a agravação (8). É o que se já retirava da jurisprudência uniformizada pelo STJ expressa na seguinte síntese conclusiva da fundamentação do seu AUJ nº 7/2000 (9): «A expressão “espaço fechado” que consta da alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º do Código Penal [e também referida na alínea f) do n.º 1 do mesmo preceito] tem, forçosamente, de ser entendida com o restrito sentido de lugar fechado dependente de uma casa, entendimento este reforçado pelo facto de o conceito definido na alínea d) do artigo 202.º do Código haver sido alvo, relativamente ao que se estipulava no n.º 1 do artigo 298.º do Código Penal de 1982, de uma redução no seu âmbito, por virtude da supressão do segmento “ou de outros móveis destinados a guardar quaisquer objectos”».
O agravamento da moldura penal abstracta é sinal de protecção acrescida ao bem jurídico que se visa tutelar. Daí a punição agravada das acções que consubstanciam crimes de furto perpetrados dentro de casa (seja de habitação, de comércio ou de indústria), considerada “um reduto de mais valias” merecedor de uma tutela penal crescida.
E, reclamando a casa, enquanto habitação ou estabelecimento, uma tutela penal reforçada é compreensível que tenham a mesma protecção acrescida os espaços fechados dela dependentes ou com ela conexionados.

Mas, não bastam os actos de penetrar em quaisquer espaços e deles subtrair bens móveis para que se esteja perante um furto qualificado por algum dos citados normativos, entre si conjugados, dos arts. 204º, nº 2, e) e 202º, d) e e), ou do 204º, nº 1, f). É ainda imperioso que a penetração se tenha processado, na primeira das previsões, pelos aludidos meios específicos, ou seja, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas, nos termos definidos pelo legislador no citado art. 202º, e em qualquer delas, numa casa ou num lugar fechado dela dependente, com os restritos sentido e alcance apontados.

Por conseguinte, não integra qualquer de tais qualificativas do tipo legal de furto – quer a prevista no referido nº 2, e), por escalamento ou arrombamento (ou chaves falsas), quer a aludida na alínea f) do nº 1 do mesmo artigo – a subtracção de objectos de um “centro” afecto ao corpo nacional de escutas, ainda que vedado por uma rede, sem que conste do rol dos factos provados – tal como já sucedia com os enunciados na acusação – quaisquer elementos para poder afirmar que a mesma se concretizou em local físico configurável como sendo uma «casa» – com o expendido conceito, que abarca, designadamente, as construções onde se encontrem instalados estabelecimentos comerciais ou industriais (10) – ou um «espaço fechado dela dependente» (11).

Realmente, sabe-se que o arguido realizou a subtração depois de, para o efeito, ter transposto uma vedação existente na parte em que estava tombada e de se ter dirigido à zona fechada dos balneários, mas ignora-se se a perpetrou no interior ou no exterior dos balneários bem como seja a configuração física de tal espaço e, sobretudo, a relação ou conexão deste com outras eventuais instalações que, porventura, pudessem estar afectas a uma determinada actividade – igualmente desconhecida – que o mencionado “centro” desenvolvesse.

Ora, perante os seus (únicos) elementos conhecidos, é inegável que a configuração física do local em questão não pode ser assumida como correspondendo a uma casa nem a um espaço fechado dela dependente, na acima expendida noção, e, por isso, não é idónea a incorporar o conceito legal de estabelecimento ou de outro espaço fechado para poder ser enquadrado na alínea f) do nº 1 do citado artigo, como o não seria em relação ao de “outro espaço fechado” contido na conjugação dos arts. 204º, nº 2, e) e 202º, d) ou e).

Partindo de tais elementos, salvo o devido respeito, o enquadramento sufragado na decisão recorrida, a que o recurso do Ministério Público aderiu, contraria a lei e a citada jurisprudência uniformizada pelo STJ: não se tendo apurado as detalhadas características do concreto espaço em que foi cometida a subtração ilegítima, designadamente se do interior se do exterior dos balneários e sobre a configuração física e natureza destes e a de quaisquer outras eventuais instalações do aludido Centro do Corpo de Escutas, bem como da eventual concreta conexão entre tais balneários e essas (outras) instalações, apenas se pode concluir, pro reo, que não está em causa nos autos um espaço que, embora vedado com a dita rede, não é “fechado”, na mencionada noção legal.

Assim, o arguido cometeu apenas um crime de furto simples, punível com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa de 10 a 360 dias (cf. arts. 203º e 47º do CP).

2. A medida da pena.

O recorrente mostrou-se inconformado com a medida concreta da pena que lhe foi imposta – 7 meses de prisão (não substituída) –, considerando-a excessiva e pugnando pela sua fixação em 4 meses, atentando, não apenas aos seus antecedentes criminais, mas também a todo o circunstancialismo em que se desenvolveu a sua personalidade e, sobretudo, à sua condição de sem abrigo.

Para considerar adequada, necessária e suficiente ao caso essa concreta pena de 7 meses de prisão, o Tribunal de 1ª instância atendeu ao disposto no artigo 40º do C. Penal – que estabelece que a aplicação de penas ou medidas de segurança tem como finalidade a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – e aos parâmetros estabelecidos pelo subsequente art. 71º, segundo os quais a medida da pena é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (nº 1) – sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o nº 2 daquele artigo 40º – bem como das circunstâncias de facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente ao grau de ilicitude, e a outros factores ligados à execução do crime, à intensidade do dolo, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e aos fins e motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente, à sua conduta anterior e posterior ao crime (nº 2 do art. 71º).

Com esse enquadramento legal, ponderou: por um lado, a circunstância mitigadora da necessidade de tutela retrospectiva do bem jurídico atingido advinda de o dano material provocado haver sido significativamente minorado pela recuperação dos objectos subtraídos, a par de o arguido ser consumidor de estupefacientes e sem abrigo; por outro, o incremento das exigências de prevenção especial provocado pelas circunstâncias de não terem constituído suficiente desmotivação para a violação pelo arguido do património alheio as anteriores condenações que o mesmo sofrera pela prática de dois ilícitos análogos ao agora em apreciação, de ter praticado este crime durante o período de suspensão da execução da pena de prisão que lhe havia sido aplicada e de não ter assumiu a prática dos factos, revelando não ter interiorizado a reprovação da sua conduta.

Concordaríamos com o quadro oferecido na decisão recorrida, em que sobressaem os antecedentes criminais do arguido (de entre as várias anteriores condenações arroladas no item 10 dos factos), para considerar adequada e suficiente aos fins prosseguidos pelo legislador a pena nela encontrada dentro da moldura penal abstracta de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias, se a reputássemos de aplicável. Contudo, uma vez que nos movemos na moldura de uma pena de prisão cujo limite máximo é de 3 anos, entendemos, com os mesmos considerandos, que a pena que a esta se ajusta, proporcionadamente, é a de apenas 4 meses, “proposta” pelo recorrente.

Por conseguinte, o recurso é procedente, embora com uma fundamentação diferente da nela oferecida.
*
Decisão:

Nos termos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em, julgando o recurso procedente, revogar parcialmente o acórdão recorrido e, consequentemente:

a) condenar o arguido José, como autor de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, n.º 1, do C. Penal, na pena de quatro meses de prisão;
b) manter no demais a decisão recorrida.
Sem tributação.
Guimarães, 24/09/2018

Ausenda Gonçalves
Fátima Furtado


1 V., por todos, ac. do STJ de 15/01/2015, proferido no p. 92/14.5YFLSB.
2 cfr. Conselheiro Maia Gonçalves, in Código Penal anotado, 7ª edição.
3 P. nº 99P429 – Cons. Armando Leandro: “Considerando o bem jurídico essencialmente querido proteger com a incriminação do furto – a propriedade – não se justificaria que a referida razão de ser da agravação se limitasse aos casos de subtracção com arrombamento (ou com escalamento ou chaves falsas) em casa de habitação e não já em estabelecimento comercial ou industrial, relativamente aos quais essa razão de ser não perde valor ou novidade.”.
4 In Comentário Conimbricense, Parte Especial, II, p. 14.
5 O princípio da legalidade, consagrado no art. 29º, nº 1 da CRP, significa, no essencial, que “não pode haver crime nem pena que não resultem de uma lei prévia, escrita, estrita e certa (nullum crimen, nulla poena sine lege)” (cf. Figueiredo Dias, "Direito Penal - Parte Geral", Tomo I, “Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime”, 2004, pág. 165), citado no Ac do STJ de 28/9/2005 (Cons. Henriques Gaspar - CJ 3º-170), onde se acrescenta:
«O artigo 7° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, por exemplo, constitui também uma norma fundamental de direito penal material, e mesmo de direito constitucional penal, afirmando o princípio nullum crimen sine lege, nulla poena sine lege, a legalidade dos crimes e das penas e a não retroactividade da lei penal.
A densificação convencional da garantia reverte à certeza, clareza ou previsibilidade da estatuição e suas consequências … é decisivo o princípio segundo o qual o legislador deve fixar de uma forma precisa e clara os limites entre os comportamentos permitidos e os comportamentos puníveis penalmente, interessando neste aspecto a previsibilidade da condenação por certo comportamento (acção ou omissão).
Na elaboração que tem sido desenvolvida a propósito das noções utilizáveis na integração do princípio, tem-se entendido que a clareza da estatuição (norma, lei escrita, antecedente preciso) está preenchida quando o indivíduo possa saber, a partir do texto pertinente, e se necessário com o recurso e o auxílio da interpretação pelos tribunais, quais os actos ou omissões que constituem infracção e pelos quais pode ser criminalmente responsabilizado, mesmo que para tal tenha de recorrer a um conselho esclarecido para avaliar, com adequado grau de razoabilidade, as consequências que podem resultar de determinado acto.
Nesta perspectiva de ordenação da garantia, uma norma não pode ser considerada como "lei" para efeito da protecção contida no artigo 7° da Convenção, se não for formulada com suficiente precisão, de modo a que habilite um indivíduo a regular a sua conduta: este deve poder antever e prever, com um grau de razoável exigência nas circunstâncias do caso, quais as consequências de natureza penal que podem resultar de uma sua acção ou omissão.».
6 No sentido de que o espaço meramente vedado não é susceptível de ser escalado, atenta a definição legal de escalamento, v. o Ac. da RP de 21/6/2000 (p. 9941233 - Barros Moreira): «Não integra o conceito de espaço fechado aludido na alínea e) do n. 2 do artigo 204 do Código Penal o espaço vedado por uma cerca constituída por uma malha de rede metálica de modo a impedir a passagem a quem quisesse lá entrar».
7 De casa para comércio, de casa para repartição pública, de casa da Justiça, de casa de saúde, etc..
8 Neste sentido, p. ex., entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 15-06-2000 (p. 00P182), 23-02-2005 de J], da RG de 22-02-2010 (p. 956/08.5GAFLG.G1), da RC de 14-05-2008 (p. 140/06.2GCLRA.C1), da RP de 14-10-2015 (p. 96/14.8GAALB.P1), 11-07-2012 (p. 774/11.3GAVNF.P1), 13-06-2012 (p. 346/11.2GAETR.C1.P1) e 16-05-2012 (p. 92/12.0PAESP-A.P1).
9 Que fixou a seguinte doutrina: «Não é enquadrável na previsão da alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º do Código Penal a conduta do agente que, em ordem à subtracção de coisa alheia, se introduz em veículo automóvel através do rompimento, fractura ou destruição, no todo ou em parte, de dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada no interior daquele veículo».
10 Cf., nomeadamente, nota 7.
11 Sendo certo que o teor das fotografias juntas ao processo (fls. 15) até indicia o contrário. V., no sentido exposto, os Acs. da RC de 14/5/2008 (p. 140/06.2GCLRA.C1), da RP de 13-06-2012 (p. 346/11.2GAETR.C1.P1) e RP de 20/11/2013 (p. 1308/11.5GAMAI.P1) e Pinto de Albuquerque in Comentário do C. Penal, 3ª ed. p. 804,