Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3428/16.0T8GMR.G1
Relator: SANDRA MELO
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONDOMÍNIOS AUTÓNOMOS POR BLOCOS DE UM MESMO PRÉDIO
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Não há imposição legal para que a cada prédio urbano constituído em propriedade horizontal corresponda um condomínio; podem ser constituídos condomínios autónomos dentro de cada prédio sempre que estes correspondam a edifícios ou estruturas independentes.

2. Assim, é de reconhecer a legitimidade passiva de um condomínio constituído relativo às partes comuns de um bloco de um prédio constituído em propriedade horizontal, quando aquele se molda a um bloco do edifício com estruturas independentes, autónomo, que se administra há mais de vinte anos e quando estão em causa interesses que apenas dizem respeito às partes comuns que fazem parte desse bloco.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

Os Autores peticionam na presente ação, em síntese, a condenação do Réu a realizar obras de reparação e recuperação da fachada, das respetivas paredes e muros, de reconstrução das fundações do rés-do-chão e dos espaços de circulação e acessos ao mesmo e no pagamento de uma indemnização para ressarcimento/compensação dos danos não patrimoniais e no que vier a liquidar-se e a apurar-se em execução de sentença, a título de rendas que o A. marido vier a despender com a transferência do seu estabelecimento comercial, durante o tempo necessário à execução das obras.

Alegaram, em súmula, que são titulares de uma fração autónoma pertencente a um prédio que se encontra constituído em propriedade horizontal; esse prédio é constituído por quatro blocos, edifícios independentes que sempre foram separadamente administrados, constituindo cada qual um condomínio autónomo. O condomínio do bloco em que se insere a fração autónoma dos Autores foi o primeiro a ser constituído, porquanto esse bloco foi também o primeiro a ser constituído, o que remonta a 1992. Esse bloco constitui, do prédio, a permilagem de 373 e sempre se administrou autonomamente, tendo, inclusivamente, procedido à realização de obras no seu telhado. Imputa ao mesmo o dever de efetuar tais obras, por se verificarem vícios em partes comuns.

Regularmente citada, a Ré contestou, invocando, além do mais, a ilegitimidade passiva, porquanto as obras de reparação peticionadas incidem sobre zonas comuns, tendo todos os condóminos que ser responsabilizados pelas mesmas e a Ré apenas representa parte destes.

Foi apresentada resposta que o tribunal admitiu em obediência ao princípio da economia processual. Nesta, além do mais, os Autores defenderam que existe abuso de direito por parte do Réu ao invocar a exceção da ilegitimidade passiva, porque admite que não existe uma administração geral da totalidade da propriedade horizontal, mas vários administradores e aceita que efetuou obras em valores avultados, pagas apenas pelos condóminos do Réu, em partes comuns do edifício (telhado e fachada principal do prédio/bloco “D”).

Em sede de saneador-sentença foi proferida a decisão que declarou o Réu parte ilegítima para, desacompanhado dos representantes de todas as frações do título de propriedade horizontal junto a fls. 89 e ss. dos autos, ser demandado na presente ação e absolveu o Réu da instância.

Não se conformando com esta sentença, os Autores e Intervenientes recorreram, com as seguintes conclusões:

C - CONCLUSÕES:

I. O presente recurso tem por objecto o Despacho Saneador/decisão, proferido em 15.05.2018, sob a refª 158269853, na parte em que declarou o Réu, o “Condomínio do prédio constituído pelo “Bloco D”, sito na Rua XXXX Caldas das Taipas), na pessoa da sua Administradora do Condomínio, Maria M, parte ilegítima para, desacompanhado dos representantes de todas as fracções do título de propriedade horizontal junto a fls. 89 e ss. dos autos, ser demandado na presente acção”.
II. O que assim se decidiu por se haver entendido existir, «tal como se encontra constituída a propriedade horizontal, uma situação de litisconsórcio necessário passivo de todos os condóminos do edifício, que a presente ação não respeita por visar apenas os titulares das fracções (20) identificadas pelas letras A, B, C, D, L, M, N, O, Z, AA, AB, AC, AM, AN, AO, AP, BA, BB, BC e BD, pertencentes ao Bloco D», e já não as restantes 38 frações pertencentes aos 3 restantes blocos que integram o prédio constituído em regime de propriedade horizontal.
III. Mal andou, contudo, o Tribunal a quo ao declarar o Réu parte ilegítima, porquanto os Recorrentes sustentaram e justificaram a legitimidade passiva do Réu, o “Condomínio do prédio constituído pelo Bloco D”, ao qual pertencem as suas fracções comerciais, no rés-dochão (B e A), no disposto no n.º 2 do art. 1437º, e na alínea a), do n.º 1, do art. 1421º, ambos do C.Civil, bem como no disposto no art. 1424º, n.º 1, por força do disposto na al. a), do n.º 2, do art. 1422º, também do C.Civil.
IV. Isto porque peticionam a resolução de problemas que não só se manifestam, como têm a sua génese, ou causa, numa parte comum do edifício, ou seja no solo/terreno onde assenta, directamente, a estrutura do rés-do-chão do edifício/bloco D, nomeadamente a reconstrução das fundações do rés-do-chão, desligadas da estrutura geral do edifício – habitacional -, e dos espaços de circulação e acessos ao rés-do-chão, como das fachadas das lojas dos Recorrentes, naquele rés-do-chão, e nas respectivas paredes e muros.
V. E para tal invocaram – e demonstraram -, em sustentação e demonstração da legitimidade do “Condomínio do Bloco D”, não apenas «uma prática de divisão de receitas e despesas, bem como de administrações entre cada um dos quatro blocos do edifício em propriedade horizontal» - como se entendeu, mas mal, na decisão recorrida -, mas ainda diversas outras circunstâncias, até bem mais consistentes e fundamentais, como sejam as supra enumeradas nas alegações supra, em “I” a “XII”, que se dão por integralmente reproduzidas.
VI. Todavia, o Mmo Juiz a quo não teve em consideração toda a matéria factual que devesse ser (e venha a ter de o ser) considerada por provada, e assente, com manifesto interesse para a apreciação da (i)legitimidade do Réu “Condomínio do Bloco D”, tendo em conta os factos que se encontram já admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito (cfr. n.º 4, do art. 607º, do C.P.C.).
VII. Matéria factual essa de entre a qual salientamos a evidência de que nos encontramos perante um edifício constituído em propriedade horizontal, que, de acordo com o respectivo título constitutivo, é composto por 4 corpos (blocos) independentes, dispondo cada um deles de uma entrada independente ao nível do rés-do-chão, e de uma caixa de escadas e elevador próprios, em consequência do que estamos também perante uma administração autónoma das partes comuns relativas a vinte frações autónomas, ou seja, cerca de um terço das que integram todo o edifício constituído em propriedade horizontal, referentes a um daqueles 4 blocos, o “D”, devidamente delimitado e independente dos restantes, com entrada própria e com funcionalidade própria, com fracções autónomas e partes comuns próprias, que não servem funcionalmente quaisquer dos restantes blocos.
VIII. Bem como a evidência de que idêntica situação se verifica, por isso, também relativamente a cada um dos restantes 3 blocos que compõem o prédio, sendo que o condomínio demandado, do bloco D, existe e funciona como tal já desde novembro de 1992, tendo os restantes sido constituídos imediatamente a seguir.
IX. Evidências essas que se coadunam, aliás, com a constatação de que não existe, sequer, nem nunca existiu, «uma administração geral», da totalidade da propriedade horizontal, para os «pontos em que ela deva existir», mas sim «vários administradores» para cada um dos 4 blocos, «entre os quais a (…) Administradora do Condomínio, aqui Réu», conforme foi, aliás, admitido pelo próprio Réu condomínio, em 8º a 10º da contestação, o que permite até concluir, e considerar, ter existido uma deliberação unânime, pelo menos tácita, de todos os condóminos do edifício que foi objecto de constituição da propriedade horizontal no sentido da constituição de 4 condomínios distintos, para cada um dos 4 blocos que o compõem, os quais vêm funcionando, pelo menos há mais de 25 anos, no sentido de administrarem e conservarem, de forma autónoma e independente, as respectivas partes e bens comuns de cada um daqueles blocos.
X. É por essa razão, aliás, que o condomínio demandado, aqui Recorrido, tem sido administrado autonomamente de todas as restantes fracções do edifício constituído em propriedade horizontal, há já 25 anos, o mesmo sucedendo com os restantes 3 blocos que o compõem, seja no que concerne à administração mais corrente das partes comuns, seja no que respeita à conservação das partes ou bens comuns, que não servem funcionalmente os restantes blocos, com orçamentos e deliberações próprias, e autónomas, como sucedeu, aliás, com recentes obras assumidas, executadas e custeadas, em valores avultados, exclusivamente pelos condóminos do Réu, precisamente em «partes comuns do edifício» (telhado e fachada principal do prédio/bloco “D”), como admite, ou não nega, o próprio Réu recorrido.
XI. A questão aqui em causa prende-se, por isso, com a problemática da legalidade da constituição de mais de um condomínio, com administração própria, para gerir a administração e conservação das partes comuns que só servem uma zona do edifício, não obstante a constituição de uma só propriedade horizontal, questão que, admitimos, tem tido entendimentos não coincidentes ou uniformes, seja por parte da jurisprudência, seja por parte da doutrina.
XII. Contudo, a mais recente jurisprudência desse douto Tribunal da Relação de Guimarães, nomeadamente a constante dos seus Acórdãos de 02.02.2017, no Proc. 34/16.3TBGMR.G1, Relator Dr. Carvalho Guerra, e de 02.05.2016, no Proc. n.º 1132/14.3TBBCL.G1, Relatora Dra. Anabela Tenreiro, bem como a do STJ, nomeadamente no seu Acórdão de 16.10.2008, no Proc. 08B3011, Relator Dr. Salvador da Costa, todos disponíveis em www.dgsi.pt, tem sido do entendimento de que «a regra da unidade de administração e condomínio», aplicável aos edifícios constituídos em propriedade horizontal, «no sentido de que, em princípio, a cada edifício constituído em propriedade horizontal corresponde um condomínio e uma administração», embora constitua «o paradigma legal», conforme decorre do disposto nos artigos 1414º e ss. do C.Civil, «pode ser afastada quando haja interesse dos condóminos na autonomização da administração de áreas comuns, que servem determinadas fracções do edifício»; e de que «a autonomização de uma assembleia de condóminos com a finalidade de administrar partes comuns respeitantes a uma zona do edifício não é proibida por lei e poderá contribuir para uma gestão mais eficiente».
XIII. Com efeito, a existência de condomínios, e dos seus respectivos órgãos justifica-se pela necessidade de administração (onde se inclui a de conservação) de áreas comuns, que servem determinadas fracções do edifício, razão pela qual a assembleia de condóminos e o administrador do condomínio são, por isso, os órgãos administrativos do condomínio, que gerem a administração e conservação das partes comuns do edifício ou edifícios.
XIV. Por essa razão, «nas situações de propriedade horizontal de edifícios integrados por blocos, em que algum destes é servido por partes comuns que lhe são exclusivamente inerentes, podem os condóminos aprovar a administração autónoma relativa a tais blocos, sem prejuízo da coordenação com a administração geral nos pontos em que ela deva existir.» E tal «solução não depende da especificação no título constitutivo da propriedade horizontal dos elementos relativos a cada um dos blocos, designadamente as fracções em que se decompõem e as partes comuns que lhe estão afectas.» (cfr. Ac. do STJ supra referido, de 16.10.2008).
XV. Mais se entendeu, e bem, naquele Ac. do STJ, que «Em complexas estruturas de propriedade horizontal, designadamente quando é muito extenso o número de fracções prediais envolvidas, como ocorre no caso vertente, pode configurar-se o interesse de todos os condóminos na sua fragmentação para efeitos de administração. A lei não proíbe directamente essa fragmentação, e atribui à assembleia de condóminos ou ao administrador a aprovação do regulamento do condomínio no caso de haver mais de quatro condóminos, o que tem a ver com a disciplina do uso, da fruição e da conservação das partes comuns, ou seja, com a administração destas (artigo 1429º-A do Código Civil). Acresce decorrer da lei, com consequências a nível da participação dos condóminos nas despesas gerais com a gestão das coisas comuns, que nem todas estas a todos interessam, nos seus vários aspectos (artigo 1424º, nºs 2 e 3, do Código Civil).»
XVI. «Dir-se-á que o princípio da unidade do direito da propriedade horizontal implica a unidade absoluta de condomínio e de órgãos de órgãos de administração em relação à generalidade dos edifícios de estrutura unitária, ou dos conjuntos de edifícios funcionalmente ligados por partes comuns, como é o caso da situação prevista no artigo 1438º-A do Código Civil.

Todavia, no caso de situações de propriedade horizontal de edifícios integrados por blocos, como ocorre no caso vertente, em que algum ou alguns deles é servido por partes comuns que lhe são exclusivamente inerentes, ou seja, que não sirvam funcionalmente outros blocos, não se vê proibição legal de que todos os condóminos aprovem a administração autónoma relativa a tais blocos, sem prejuízo, como é natural, da coordenação com a administração geral nos pontos em que ela deva existir. Não se vislumbra da lei alguma norma no sentido de que a referida solução só possa ser admitida no caso de o titulo constitutivo da propriedade horizontal especificar os elementos relativos a cada um dos aludidos blocos prediais, designadamente as fracções em que se decompõem e as partes comuns que lhe estão afectas. Tal não se justifica, porque as questões que se prendem com a regulamentação do uso, fruição e conservação de partes comuns não têm, em tais casos, de constar do título constitutivo da propriedade horizontal (artigo 1429º-A do Código Civil).»
XVII. «A conclusão é, por isso, no sentido da legalidade da estrutura de condomínio e de administração das partes comuns em causa, ou seja, de que a unidade do título constitutivo da propriedade horizontal não exclui o funcionamento de mais de um condomínio. O princípio da unidade da constituição da propriedade horizontal não invalida a existência jurídica de situações de duplo condomínio com órgãos de administração próprios, desde que ocorra autonomia de blocos que integram o edifício incluindo as partes comuns que servem as respectivas fracçoes prediais, independentemente de as suas características constarem do concernente título constitutivo.»
XVIII. A este entendimento aderiu, além do mais, a mais recente jurisprudência desse douto Tribunal da Relação de Guimarães, supra mencionada, sendo de realçar que neste último, de 02.05.2016, se considerou que a interpretação mais correcta «é a que faz corresponder a globalidade dos condóminos aos proprietários das fracções inseridas em determinadas zonas do prédio, que justificam uma gestão separada das demais. (…) Ora, em complexas estruturas de propriedade horizontal, como salienta o Supremo Tribunal de Justiça, com um número elevado de fracções, pode haver interesse em que determinadas fracções, localizadas numa parte do edifício, cujas zonas comuns são susceptíveis de exigirem o pagamento de despesas de conservação e fruição, possam ser geridas por uma assembleia de condóminos autonomizada, constituída pelos respectivos proprietários. Neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 09/02/2006 chamou a atenção de que essa autonomização poderá corresponder a uma melhor defesa dos interesses que apenas dizem respeito a um determinado conjunto de condóminos, tornando possível uma maior eficiência na administração. (…) É importante notar que a legalidade da constituição de um condomínio autónomo não depende de uma precisa especificação das fracções e respectivas áreas comuns, no título constitutivo, bastando que tal resulte da própria materialidade descritiva do edifício. (…) O princípio da unidade de assembleia de condóminos e de administrador pode, assim, ser afastado, desde que se mostre razoavelmente justificada a autonomização da gestão de determinadas áreas comuns.»
XIX. Vertendo este entendimento para o presente caso, e considerando o supra invocado nas conclusões VI, VII, VIII e X a XIII, forçoso será concluir que não há fundamento legal para que os condóminos não possam deliberar a constituição de autónomos órgãos de administração e, consequentemente, deliberar acerca da administração e conservação das partes comuns respectivas, e eleger os seus próprios administradores, que devem zelar pela conservação daquelas partes comuns e ser demandados nas acções respeitantes às partes comuns do edifício ou dos edifícios (art. 1437º, n.º 1 e 2, do C. Civil), como tem sucedido, de forma ininterrupta e autónoma, com o condomínio/Réu demandado, à semelhança do que vem sucedendo também com os condomínios dos restantes 3 blocos que, com ele, integram o prédio submetido à propriedade horizontal, desde já há 25 anos.
XX. Razão pela qual deverá o Réu, o “Condomínio do prédio constituído pelo “Bloco D”, ser considerado parte legítima para a presente demanda, atento o seu objecto, tanto mais que, sendo este administrado autonomamente de todas as restantes fracções do edifício constituído em propriedade horizontal, há já 25 anos, o mesmo sucedendo com os restantes 3 blocos que o compõem, seja no que concerne à administração mais corrente das partes comuns, seja no que respeita à conservação das partes ou bens comuns, que não servem funcionalmente os restantes blocos, com orçamentos e deliberações próprias, e autónomas, como sucedeu, aliás, com recentes obras assumidas, executadas e custeadas, em valores avultados, exclusivamente pelos condóminos do Réu, precisamente em «partes comuns do edifício» (telhado e fachada principal do prédio/bloco “D”), considerar o Réu condomínio, do bloco D, parte ilegítima, na presente ação, em que a sua legitimidade, e demanda exclusiva, assenta essencialmente na circunstância de se peticionar a resolução de um problema existente, e proveniente, precisamente numa parte comum (o solo/fundação) do edifício/bloco por ele administrado há já 25 anos, traduzir-se-ia numa legitimação, ou ratificação, indevida, de um claro “abuso de direito”, na modalidade de “venire contra factum proprium”, com que litiga o Réu recorrido.
XXI. Pelo exposto, deverá revogar-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que considere aquele Réu parte legítima, com as leais consequências, nomeadamente o cumprimento subsequente do disposto no nº 1 do artigo 596º do C.P.C., tanto mais que a intervenção de todas as fracções do título de propriedade horizontal, pela própria natureza da relação jurídica e do objecto da causa, seria absolutamente desnecessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal, sendo ademais previsível que seria geradora de legítima contestação e conflitos entre os proprietários de todas as fracções, atento tudo o supra exposto e demonstrado (nº 2, do art. 33º, do C.P.C. a contrario).

O Apelado respondeu, com as seguintes conclusões:

- Alegam os Apelantes que o pedido é o reconhecimento da existência de anomalias na fachada comercial do rés de chão, nas fundações e nos espaços de circulação e acesso ao mesmo e que têm como causa assentamentos continuados do solo onde assenta toda a estrutura daquele rés de chão e a resolução de problemas que têm na sua génese, ou origem, numa parte comum do edifício, o solo / terreno onde assenta directamente a estrutura do rés-do-chão do edifício do bloco D, que passa pela realização de obras e reparação de danos numa parte comum do edifício em propriedade horizontal, a reconstrução das fundações do rés- do-chão, desligadas da estrutura geral do edifício (…) e dos espaços de circulação e acessos ao rés-do-chão (…)
- Mas alegam para sustentar a legitimidade passiva apenas do condomínio do bloco D afastar os restantes três blocos que não pedem a reparação dos danos de todas as partes comuns, mas apenas as fachadas, fundações e espaços de circulação e acesso do edifício bloco D.
- Serão os AA capazes de assegurar que não existe no prédio mais nenhuma fracção ou parte comum afectada que careça de resolução conjunta ou se os espaços de circulação e acesso às fracções comerciais se destinam exclusivamente ao acesso ao bloco D ou permitem o acesso aos restantes blocos. E se a reparação do solo onde assenta a estrutura do r/c não estará interligada à reparação dos espaços de circulação e acessos ao r/c, contíguos.
- A resposta afirmativa decorre do título constitutivo da propriedade horizontal cfr. Doc. nº7 da P.I. que dispõe: o prédio é composto por 58 frações…, com saídas próprias para uma parte comum do prédio…as lojas do rés de chão têm todas saídas direta para uma galeria exterior coberta … utilizada para circulação de pessoas e mercadorias e as partes do prédio não especificadas ficam comuns a todos os condóminos,
- Bem andou o saneador sentença considerando dever todos os condóminos e os condomínios dos restantes blocos serem demandados e chamados à resolução de problemas conjuntos.
- O facto confesso do Bloco D se ter organizado autonomamente relativamente às despesas das partes comuns atinentes ao bloco D, sugerido pelo título constitutivo, conforme jurisprudência e art.1424º nº3) do C.C., não significa acordo das partes, nem afasta a necessidade de levantamento dos danos estruturais, de apuramento das causas e da determinação de responsabilidade dos condóminos de todos os blocos.
- Tendo sido peticionada pelos AA. a realização das necessárias obras de reparação das fachadas, das fundações do r/c, do solo onde assenta a estrutura do r/c e dos espaços de circulação e acessos aos espaços comerciais do r/c de todos os blocos, é incompreensível os recorrentes sofismarem que não peticionaram a reparação de danos nas partes comuns, mas antes a resolução de problemas que têm na sua génese ou origem numa parte comum do edifício o solo ou terreno onde assenta a estrutura do r/c e digam que tal resolução passe pela realização de obras nas partes comuns, nas fundações do r/c e espaços de circulação e acessos ao r/c, a resolução de problemas causa de pedir peticionada passa pela reparação de partes comuns.
- Não existe erro claro e grave do Tribunal na decisão recorrida, os recorrentes tentam é negar as peticionadas obras e reparações irrefutavelmente em partes comuns do edifício em propriedade horizontal para limitar a responsabilidade pela reconstrução das fundações e dos espaços de circulação e acessos ao r/c, ao condomínio do bloco D e evitar demandar os condóminos / condomínios dos restantes três blocos
- Que os recorrentes obstinadamente se recusam acionar alegando “embora os recorrentes, pelo menos por ora, os AA processualmente pudessem até suprir a invocada e decretada ilegitimidade do réu condomínio, não o farão, reagindo, antes por via do presente recurso”, elegendo como único alvo preferencial o condomínio do bloco D.
10º- Sustentam a demanda contra o Bloco D, por este exercer a administração do seu bloco, apesar do prédio, por escritura, em propriedade horizontal única compreender, não apenas o bloco D mas também os blocos A, B e C.
11º- O art. 1419º nº1 do C.C. refere a modificação só ser possível por escritura ou documento particular autenticado, mediante acordo de todos os condóminos e, por força dos artigos 1421º nºs 1 e 2 e 1424º nº1 do C.C., a peticionada responsabilidade será de todos os condóminos, devendo a ação ter sido contra todos os quatro condomínios e não só contra o bloco D.
12º- Importa estabelecer o paralelo entre as fundações, do solo onde assenta toda a estrutura do r/c e os espaços de circulação e acessos aos espaços comerciais do r/c que não só do bloco D mas de todos os blocos A, B e C com a questão que o Acórdão da Relação de Guimarães de 25/09/2008 no Processo nº1716/08 coloca a propósito dum terraço de cobertura parte comum dum prédio, de uso exclusivo dum condómino e de saber se devem os restantes ser responsáveis pelas despesas necessárias à sua conservação.
13º- A resposta está no art. 1421º nº1 als. a) e c) e nº2 al. a) que refere serem comuns o solo, alicerces, colunas, pilares, paredes mestras e todas as partes que constituem a estrutura do prédio; as entradas, corredores de uso ou passagem comum a dois ou mais condóminos; presumindo-se ainda comuns: os pátios, cuja enumeração é imperativa, são necessariamente comuns a todos os condóminos - Pires de Lima e Antunes Varela, in «Código Civil Anotado», coi- sas comuns são, em regra, usadas por todos os condóminos, mas não obsta a que sejam consideradas comuns coisas cujo uso se encontra afectado apenas a alguns. As que pertencem à estrutura da construção que, são comuns, ainda que o seu uso esteja afectado a um só condómino, a sua utilidade fundamental, como elemento essencial de toda a construção, estende-se a todos os condóminos, … não deixa de ser forçosamente comum pela função capital… que no interesse colectivo exerce em relação a toda a construção. O mesmo refere Mota Pinto, «Direitos Reais», pág. 286, nota 58, citado na obra «Propriedade Horizontal» de Aragão Seia, 2.ª edição, pág. 67.
14º- O princípio geral aplicável à repartição das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns é o da proporcionalidade do valor da sua fracção, art. 1418º do C.C. Obrigação na generalidade da doutrina Henrique Mesquita, Rev. Direitos Sociais, ano XXIII, p. 130, Pires de Lima e Ant. Varela, Código Civil anotado, III, p. 432 uma típica obrigação propter rem – decorrente do estatuto do condomínio. Já relativamente às despesas relativas às partes comuns que sirvam exclusivamente alguns dos condóminos, o legislador entendeu que as mesmas deveriam ficar a cargo, exclusivamente dos que delas se servem, nº3 art. 1424º. “no âmbito excepcional da previsão desse normativo só cabem as despesas de conservação e manutenção relacionadas com o uso normal e específico dessas partes. As que excederem esse campo, fachada, cobertura ou relacionadas com a estrutura do mesmo, já têm de ser integradas no regime geral consagrado no nº 1” – cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 13/03/2008, in www.dgsi.pt.
15º- Assim também o Acórdão desta Relação de 04/01/2011, no processo n.º 2209/07.7TBVCT.G1, “o terraço como parte comum do edifício, a sua afectação ao uso exclusivo de um condómino, não retira ao condomínio o direito e a obrigação de proceder à sua conservação e manutenção”. Assim o Acórdão da Relação de Lisboa de 29/06/1989, in CJ, ano XIV, tomo III, pág.
159. Veja-se, neste sentido, o Acórdão da Relação de Guimarães, de 23/10/2008, in www.dgsi.pt tratando-se de parte comum que serve de cobertura ao edifício, não se verifica o pressuposto do nº3 do art. 1424º, mesmo que afectada ao uso exclusivo de alguns condóminos, tais despesas não só para viabilizar o uso mas também para reintegrar um elemento estrutural do edifício, em proveito de todos. Entendimento adoptado pelo STJ no acórdão de 19/9/02 (rel. Ferreira de Almeida), disponível no site da dgsi. Caso se verificasse que as infiltrações verificados na fracção não se prendiam com a falta de conservação ou uso anormal do terraço da fracção dos réus, mas sim com os seus elementos estruturais e com a sua finalidade enquanto elemento de cobertura do prédio, não teríamos dúvidas em imputar responsabilidades a todos os condóminos na proporção do valor das respectivas fracções, nos termos do citado artigo 1424º nº1 do C. Civil – veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa, de 29/06/1989, publicado na CJ, ano III, p.159 e seguintes, citado por Sandra Passinhas, em “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, 2º ed., p. 146/147.
16º- No caso as fundações, o solo, o terreno onde assenta a estrutura do r/c mesmo confinado, o que não se sabe, por baixo do bloco D ou espaços de circulação e acessos ao r/c de todos os blocos mesmo que junto ao bloco D o que não se sabe, são parte comum de todo o prédio e, por isso, a realização de obras estruturais são da responsabilidade de todo o condomínio tal como está constituído na propriedade horizontal, devendo a apelação improceder, mantendo o saneador sentença que impõe a demanda ser dirigida contra todos os condóminos, contra os restantes três blocos A B C não só contra o bloco D.
17º- Do artº 1421º, decorre que, das partes comuns, umas há imperativamente comuns a todos os condóminos nº1, enquanto outras são apenas presuntivamente nº2, as primeiras incluem aquelas que são objectivamente necessárias ao uso comum do prédio, ainda que o seu uso esteja afectado a um só dos condóminos, pela sua utilidade fundamental, elemento essencial de toda a construção, se estende a todos os condóminos. “Em relação às partes imperativa ou forçosamente comuns a todos os condomínios, há uma compropriedade necessária e permanente”, Acórdão da Relação de Lisboa, de 25.01.96, CJ, ano XXI, tomo I, pag. 106, tratando-se de uma parte comum, a todos os condóminos pertence, em termos incindíveis do direito de propriedade que recai sobre as respectivas fracções.
18º- O Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 9/415 no Processo nº4649/11.8TBBRG.G1 salienta o princípio geral de repartição das despesas na proporcionalidade do valor da fracção, art. 1418º do C.C. nas despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, relativamente às despesas relativas às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente alguns dos condóminos, o nº 3 do art. 1424º excepcionalmente faz caber estas despesas a quem usa essas partes. As que excederem esse campo, a fachada ou a cobertura ou relacionadas com a estrutura do prédio já têm de ser integradas no regime geral consagrado no nº 1” – cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 13/03/2008, in www.dgsi.pt.
19º- Resulta inequívoco que a demanda intentada contra o bloco D desacompanhado dos blocos A, B e C que integram a propriedade horizontal constituída por escritura não podia proceder, porque estas partes estruturais comuns do prédio, fundações, solo, terreno, espaços de circulação e acesso a todo o r/c do edifício independentemente de evidenciar cedência junto ou por baixo de determinadas fracções ou bloco, pela sua natureza, não pode ser atribuída a responsabilidade pela sua danificação e reparação apenas a algumas fracções ou algum bloco, porque são de uso comum de todos, porque contendem com a estrutura de todo o prédio e não somente das fracções que se situam por cima ou junto das partes comuns que evidenciam anomalias.
20º- Obras no solo, alicerces, colunas, pilares, paredes mestras, inserem-se no art 1421º, nº 1, al. a) do CC, partes imperativa ou forçosamente comuns a todos os condomínios, em há uma compropriedade necessária e permanente de todos os blocos, que torna necessário a acção seja intentada contra todos, num caso de litisconsórcio necessário passivo.
21º- O facto de existir divisão de receitas e despesas relativas a partes comuns de afectação exclusiva a algumas fracções e uma administração autónoma em cada um dos quatro blocos, conforme o art. 1424º nº3) do C.C., não permite modificar a regra estipulada pelo título constitutivo, nos termos do artigo 1419º do C.C. exige sejam demandados estes quatro condomínios.
22º- Não podem os recorrentes transformar a regra numa excepção e fazer da excepção (1424º nº3) do C.C.) regra para alterar o regime geral da propriedade horizontal que vincula todos condóminos e condomínios integrados por escritura numa mesma propriedade horizontal.
23º- Uma deliberação parcelar de alguns condóminos, sem a participação e veredicto da assembleia ou decisão judicial que não envolva todos os condóminos e execução de obras em partes: fundações, o solo onde assenta toda a estrutura do r/c e os espaços de circulação e acessos aos espaços comerciais de todo o r/c, imperativamente comuns à luz do art. 1421º nº1 do C.C. do edifício constituído em propriedade horizontal, são ilícitas, legitimando qualquer condómino ou condomínio preterido a pedir a eliminação, nem um imperativo de segurança, dir-se-ia até o imperativo de segurança deve vincular todos os condomínios do edifício tal como constituído na escritura de propriedade horizontal. Cfr. Ac. Tribunal da Relação de Lisboa no Proc. nº1986/08.2TVLSB de 20/06/2017.
24º- O art. 33º do C.P.C. “É necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal. A decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado”. Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19/10/2006.
25º- Alberto dos Reis, escreve que “o efeito útil normal da sentença é declarar o direito de modo definitivo, formando caso julgado material (...). Se este resultado não puder conseguir-se sem que estejam em juízo todos os interessados, estaremos em presença dum caso de litisconsórcio necessário emanada da própria natureza da relação jurídica. Por outras palavras, se a relação litigiosa for de tal natureza, que, para se formar caso julgado substancial, seja indispensável que a sentença vincule todos os interessados, todos eles têm de figurar na acção, visto, por um lado, ser inadmissível que se profira uma sentença inútil, e, por outro, ser intolerável, em princípio, que uma sentença tenha eficácia contra interessados directos que não foram chamados à acção” (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, págs. 95-96)
26º- Segundo Lebre de Freitas “A pedra de toque do litisconsórcio necessário é, pois, a impossibilidade de, tido em conta o pedido formulado, compor definitivamente o litígio, declarando o direito ou realizando-o,... sem a presença de todos os interessados, por o interesse em causa não comportar uma definição ou realização parcelar”. Qualquer deliberação ou decisão parcelar, com alguns dos condóminos e/ou condomínios pode ser considerada nula por alteração das regras previstas nos artigos 1419º e seguintes do C.C..
27º- Conforme reconheceu o despacho posto em crise, dispõe o artigo 1433º nº6 do C.C. que a representação judiciária passiva dos condóminos compete ao administrador ou aqueles deverão representar a totalidade dos condóminos e, não só uma parte como sucede no caso sub judice. O condomínio no seu todo tal como constituído na escritura de propriedade horizontal é que tem personalidade judiciária e pode ser demandado, porque a legitimidade, o interesse direto em contradizer é um pressuposto processual que neste caso concreto de partes imperativamente comuns: fundações, solo, espaços de circulação e acesso a todo o rés de chão do edifício todo, a legitimatio ad processum, ou seja, à capacidade processual, dizendo-nos apenas que a representação do condomínio em juízo incumbe a todos os condóminos e a todos os condomínios representados pelos seus respectivos administradores.

II. Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso ou se versarem sobre matéria de conhecimento oficioso, desde que os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.

Assim, face ao alegado nas conclusões das alegações, é a seguinte a questão que cumpre apreciar:

1– se se verifica a exceção de ilegitimidade passiva, por o Réu não representar todas as frações do título de propriedade horizontal junto a fls. 89 e ss. dos autos, o que implica que se analise a possibilidade de criação de diferentes condomínios ou administrações para gerir as partes comuns a apenas parte de um predio, não obstante a constituição de uma só propriedade horizontal.

III. Fundamentação de Facto

A decisão recorrida, apesar de remeter para título constitutivo da propriedade horizontal, que nestes autos é fls 88, consistente em certidão do título constitutivo da propriedade horizontal, não deu como provado o seu conteúdo.

Assim, suprindo tal omissão, cumpre elencar o seu teor, na parte relevante:

1 -Em 29 de Junho de 1992 foi lavrada escritura de constituição da propriedade horizontal referente ao prédio sito no XXXXXX, da freguesia de ..., do concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial, Comercial e Automóveis de Guimarães sob o n.º XX /..., ali se fazendo constar, além do mais, que se submetia a esse regime o “prédio composto por 58 frações autónomas, distintas isoladas entre si, com saídas próprias para uma parte comum do prédio e para a via pública, frações essas que têm a composição, destino, área, valores declarado e relativo constantes de um documento elaborado… Que as lojas do rés-de-chão identificam-se de nascente para poente, começando na letra A e terminando na letra J e têm todas saída direta para a galeria exterior coberta que não poderá ser utilizada para outro fim que não seja a normal circulação de pessoas e mercadorias. De igual modo a identificação das frações destinadas a habitação é feita de nascente para poente em cada piso, começando na letra L e terminando nas letras BM. Que as partes do prédio não especificadas ficam comuns a todos os condóminos nos termos da lei. Que porém cada um dos elevadores e caixa de escadas são comuns apenas aos condóminos que exclusivamente servem. Da mesma forma, cada uma das colunas montantes de água e eletricidade e tubos de quedas de esgotos e televisão coletiva são comuns apenas às frações que servem de modo exclusivo.”
**
IV. Fundamentação de Direito

Importa averiguar se tal como os Autores configuram a ação a questão posta ao tribunal fica definitivamente resolvida com a simples demanda dos titulares das frações autónomas que compõem o Bloco D, através do Condomínio que por estes condóminos terá sido constituído, na versão dos Autores, em 1992.
A propriedade horizontal constitui um direito real autónomo dos demais, que incide sobre duas coisas corpóreas: a fração autónoma e as “partes comuns do edifício”.
Há um conjunto de requisitos para a constituição deste direito, entre as quais as enunciadas no artigo 1415º do Código Civil: que as frações autónomas constituam sejam unidades independentes, distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou da via pública.
O condómino é o titular do direito de propriedade horizontal. (cf Direitos Reais, Menezes Cordeiro, 1979)

Por seu turno, o condomínio “é a figura definidora da situação em que uma coisa materialmente indivisa ou com estrutura unitária pertence a vários titulares, mas tendo cada um deles direitos privativos ou exclusivos de natureza dominial – daí a expressão condomínio – sobre frações determinadas” como se escreveu no acórdão proferido neste Tribunal da Relação de Guimarães no processo 10/12.4TBCMN.G1 02/12/2015, rel. Jorge Teixeira, citando P. de Lima e A. Varela, C. C. Anot. Vol. III, 2ª edição revista e actualizada, p. 398. Acórdão que continua, explanando este conceito “Portanto, todos os interesses respeitantes às partes comuns do edifício compreendem-se no condomínio e seus respetivos órgãos de administração, sendo que, o condomínio tem personalidade judiciária relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador – ou seja, tem o condomínio a suscetibilidade de ser parte em pleito judicial, nas ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador.

Respeitando a relação material controvertida a partes comuns de edifício constituído em regime de propriedade horizontal, sujeito dessa relação será o condomínio resultante da propriedade horizontal, que assim é o titular do interesse relevante para o efeito da legitimidade (art. 26º, nº 3 do C.P.C., vigente à data da instauração da ação).”

Assim, o novo Código de Processo Civil no seu artigo 12º alínea e), tal como o Código de Processo Civil anterior, no artigo 6º, atribui personalidade judiciária ao condomínio, embora este não goze de personalidade jurídica.

Isto posto, demandado o “condomínio do Bloco D…” há que verificar se o mesmo pode ser acionado como representante do conjunto dos direitos respeitantes às partes comuns aqui em causa, relativas apenas ao Bloco D do prédio, constituído em propriedade horizontal, onde se inserem as frações autónomas de que os demandantes são titulares.

Decorre do artigo 1414º do Código Civil que a propriedade horizontal se constitui sobre edifícios e não sobre prédios.

Nos termos do artigo 204º nº 2 do Código Civil entende-se por prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro. O artigo 1414º do Código Civil permite a constituição da propriedade horizontal relativa a unidades independentes de edifícios, não se reportando a prédios (urbanos). “Não há correspondência necessária entre prédio urbano e edifício, para efeitos de constituição do regime da propriedade horizontal. Assim, resulta expressamente do artigo 1414º do Código Civil, quando define o “princípio geral” relativo aos requisitos da propriedade horizontal. A utilização do termo “edifício” e não da palavra “prédio” é deliberada; para a lei civil, prédio urbano e edifício são conceitos diferentes, como se pode verificar lendo o nº 2 do artigo 204º do Código Civil.” Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 05/21/2009 processo 08B1734, relator por Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, (sendo este, e todos os demais acórdãos citados sem indicação de fonte, consultados no portal dgsi.pt).

O artigo 1438ºA do Código Civil, aditado pelo Decreto-Lei n.º 267/94, veio permitir que também se aplicasse este regime a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afetadas ao uso de todas ou algumas unidades ou frações que os compõem.

A propriedade horizontal pode ser constituída por negócio jurídico, usucapião ou decisão judicial, proferida em ação de divisão de coisa comum ou processo de inventário, dispõe o artigo 1417º nº 1 do Código Civil.

O título constitutivo deve especificar as partes do edifício correspondentes às várias frações, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas, e fixará o valor relativo de cada fração, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio (artigo 1418º nº 1 do Código Civil). Dispõe esta norma que além das especificações constantes do número anterior, o título constitutivo pode ainda conter, designadamente, a menção do fim a que se destina cada fração ou parte comum; o Regulamento do condomínio, disciplinando o uso, fruição e conservação, quer das partes comuns, quer das frações autónomas e a previsão do compromisso arbitral para a resolução dos litígios emergentes da relação de condomínio. Assim, não faz parte do elenco necessário deste título a indicação das partes comuns ou a forma como estas devem ser administradas.

“A essência do regime da propriedade horizontal caracteriza-se pelo facto de as frações independentes fazerem parte de um edifício de estrutura unitária, conjugando-se nela dois direitos reais distintos, sendo um de propriedade singular exclusiva, no que respeita às frações autónomas, e o outro de compropriedade, cujo objeto é constituído pelas partes comuns, referidas no artigo 1421º, em conformidade com o enquadramento jurídico definido pelo artigo 1420º, ambos do CC. Ora, quanto às partes comuns, estipula, por seu turno, a este propósito, o artigo 1405º, nº 1, do CC, que “os comproprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular; separadamente, participam nas vantagens e encargos da coisa, em proporção das suas quotas e nos termos dos artigos seguintes”. afirma-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/12/2009, no processo 5242/06.2TVLSB.S1, rel HELDER ROQUE citando também Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 2ª edição, revista e actualizada, reimpressão, 1987, 352.

Por outro lado, os encargos determinados pela coisa comum são supletivamente repartidos pelos comproprietários. E assim, salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações (artigo 1424º nº 1 do Código Civil).

No entanto, as despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem (artigo 1424º nº 3 do Código Civil).

Enfim, o Código Civil em matéria de repartição das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício “adotou o critério da destinação objetiva das coisas comuns, ou seja, o uso que cada condómino, objetivamente, pode fazer dessas coisas, calculado, em princípio, pelo valor relativo de cada fração” cf neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/12/2009 no processo 5242/06.2TVLSB.S1 rel Hélder Roque.

E em consonância com estes entendimentos, menciona-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/16/2008 no processo 08B3011, rel: Salvador da Costa, que “Dir-se-á que o princípio da unidade do direito da propriedade horizontal implica a unidade absoluta de condomínio e de órgãos de órgãos de administração em relação à generalidade dos edifícios de estrutura unitária, ou dos conjuntos de edifícios funcionalmente ligados por partes comuns, como é o caso da situação prevista no artigo 1438º-A do Código Civil. Todavia, no caso de situações de propriedade horizontal de edifícios integrados por blocos, como ocorre no caso vertente, em que algum ou alguns deles é servido por partes comuns que lhe são exclusivamente inerentes, ou seja, que não sirvam funcionalmente outros blocos, não se vê proibição legal de que todos os condóminos aprovem a administração autónoma relativa a tais blocos, sem prejuízo, como é natural, da coordenação com a administração geral nos pontos em que ela deva existir”.

Assim, embora não seja unívoco na doutrina e jurisprudência, tem já ampla aceitação a posição que admite que, caso se esteja perante um corpo edificado do prédio com funcionalidade e estrutura próprias, constituído por frações autónomas e partes comuns independentes, este pode constituir um condomínio autónomo. (1)

Neste sentido se pronunciou recentemente este Tribunal, em situação muito semelhante à presente, nomeadamente pelo longo período em que o condomínio funcionava separadamente, no processo 132/14.3TBBCL.G1, de 05/02/2016, rel: ANABELA TENREIRO, com o seguinte sumário “I-O princípio da unidade de condomínio aplicável ao edifício em regime de propriedade horizontal pode ser afastado quando haja interesse dos condóminos na autonomização da administração de áreas comuns, que servem determinadas fracções do edifício.II—A autonomização de uma assembleia de condóminos com a finalidade de administrar partes comuns respeitantes a uma zona do edifício não é proibida por lei e poderá contribuir para uma gestão mais eficiente.III-O administrador eleito por uma assembleia de condóminos distinta daquela a quem compete administrar as demais partes comuns do edifício, pode e deve exercer todas as funções que a lei lhe confere, limitadas ao espaço em causa.”

Considerando o alegado pelos Autores, nada neste caso obsta à consideração do condomínio do bloco D como representativo de todas as partes comuns de que aqui se cuida, visto que:

--- o título constitutivo da propriedade horizontal não tem que indicar quais são as partes comuns que constituem o condomínio, sendo que no presente caso o relegou para “os termos da lei” e vem invocado que o Réu administra as que fazem uma unidade, autónoma das demais, constitutivas do Bloco B, e que são as únicas objeto destes autos;
--- as despesas da administração das partes comuns estão submetidas ao princípio de que devem ser custeadas por quem as possa utilizar ou tirar proveito, considerando-se que a qualquer fração autónoma beneficia da estrutura do edifico em que se insere, sendo que vem invocado que as partes comuns aqui em causa farão parte apenas da estrutura do Bloco D;
--- há que ter em atenção as situações de facto que regem um prédio há mais de vinte anos, como a efetiva administração do mesmo através de quatro condomínios diferenciados para os quatro blocos em que se dividirá o condomínio, seja por se ter em atenção que a propriedade horizontal pode ser constituída por usucapião, seja por força dos princípios da boa-fé.

Assim, demonstrando-se que o condomínio em causa, tal como alegado, diz respeito a um edifício (bloco D), com uma estrutura autónoma e que as partes comuns objeto destes autos apenas servem tal bloco, o qual tem sido objeto de uma administração autónoma desde 1992, consegue alcançar-se os moldes em que o condomínio Réu é parte legítima, como representante das frações autónomas que podem beneficiar em exclusivo das partes comuns objeto destes autos, na medida em os demais condomínios são alheios à administração das partes comuns ora debate, por delas não poderem, por natureza, beneficiar.
Caso tal se não demonstre, cai-se já no âmbito do conhecimento de mérito, questão que ora não se cuida.

V. Decisão

Por todo o exposto, este coletivo julga a apelação procedente e em consequência, revogando a decisão recorrida, decide que o Réu é parte legítima e determina o prosseguimento dos autos.
Custas da apelação pelo apelado (artigo 527º nº 1 do Código de Processo Civil).
Guimarães, 17 de dezembro de 2018

Sandra Melo
Maria da Conceição Sampaio
Elisabete Coelho de Moura Alves

1- Admitindo esta situação, cf, entre outros e os já citados, os seguintes acórdãos:
do Supremo Tribunal de Justiça, no proc 0851233 de 03/31/2008, “Apesar de ser um só o título constitutivo da propriedade horizontal de um determinado edifício, nada obsta que, havendo partes desse edifício que estão devidamente delimitadas e definidas fisicamente, com entradas próprias, com zonas comuns próprias, se organizem vários condomínios para essas várias partes (torres, blocos ou conjunto de fracções).”
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no processo 17483-13.1T2SNT.L1-8, de 03/02/2017, “Existindo um centro comercial num bloco de edifícios, unificados pelo próprio centro comercial, e constituindo este um espaço perfeitamente delimitado, com funcionalidade própria, com fracções autónomas e partes comuns próprias, nada obsta à existência de um condomínio específico de tal centro comercial, deliberando os condóminos a constituição de autónomos órgãos de administração.”
do Tribunal da Relação do Porto: no processo nº 3361/09.2TBPVZ.P1, de 11/30/2015” I - Ainda que se trate de um só edifício, mas cuja configuração integre uma estrutura que se possa autonomizar em relação aos demais prédios, é possível constituir-se uma assembleia restrita de condóminos, com poderes administrativos para essa mesma estrutura a par do condomínio que pode e deve existir para o edifício como unidade predial. II - E, para esse efeito não é necessário que no título constitutivo da propriedade horizontal venham definidas as especificações que integram de modo autónomo esse mesmo edifício”; no processo 1859/09.1TBVLG.P1 de 03/11/2013” Embora o nosso ordenamento jurídico não obstaculize a existência de assembleia restrita de condóminos, podendo mesmo formar-se um condomínio autónomo, quando estamos confrontados com um só edifício, integrado num conjunto funcional de blocos, tal prerrogativa dependerá sempre da menção, no titulo constitutivo da propriedade horizontal, das respectivas especificidades, o que de resto, no caso “sub iudice”, não se verifica”. No processo nº: 0536908de 02/09/2006 É possível a constituição de mais de um condomínio, com administração própria para gerir as partes comuns que servem apenas determinada zona de um edifício, ainda que para este tenha sido constituída uma só propriedade horizontal.
1859/11.1YYPRT-B.P1, de10/16/2012 :”Goza de personalidade judiciária, relativamente a execução para cobrança de dívida pela comparticipação nas despesas comuns, o condomínio de parte de um prédio em propriedade horizontal, referente a espaço perfeitamente delimitado, com funcionalidade própria, fracções autónomas e partes comuns próprias, aprovado pela generalidade dos respectivos condóminos com vista à administração autónoma dessa mesma parte, sem prejuízo da coordenação da administração geral, não dependendo a sua constituição da especificação do título constitutivo da propriedade horizontal.”