Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1498/18.6T8VCT.G1
Relator: MARGARIDA SOUSA
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
NEGÓCIO DE COBERTURA
CONTRATO DE MEDIAÇÃO
DEVERES DE INFORMAÇÃO
GARANTIA DE REEMBOLSO DO CAPITAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/01/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Ao efetuar operações de subscrição ou transação de valores mobiliários, a entidade bancária atua por conta alheia, pressupondo aquela sua atuação a existência de um negócio antecedente entre a mesma e o cliente, designado normalmente como negócio de cobertura, como é o caso da ordem, negócio esse que se integra na categoria autónoma aberta dos contratos de intermediação;
II- Ao ser assegurado, pelo funcionário do Banco, que o produto em questão – obrigações subordinadas de entidade terceira – era idêntico a um depósito a prazo, com garantia de reembolso do capital investido, e que o produto era do próprio banco, pelo que o retorno do dinheiro aplicado era garantido pelo banco, ocorreu violação do dever de informação;
III- Por outro lado, tal declaração corresponde à assunção, pelo Banco, de um compromisso perante o cliente de garantia do reembolso do capital, traduzindo-se, nessa medida, o não reembolso verificado, na violação do compromisso assumido;
IV- Tendo o Banco Réu violado o compromisso assumido, no sentido da garantia de restituição do capital, claro se torna que o prejuízo resultante daquela violação é o equivalente ao capital investido, valor que o Banco assegurou ao cliente que não estava em risco;
V- Demonstrado que acaso lhes tivessem transmitido os funcionários bancários que, ao invés de um produto do Banco Réu equivalente a um depósito a prazo, se tratava de um produto emitido por uma entidade diversa e que, em caso de insolvência da emitente, o investidor apenas se poderia pagar depois de satisfeitos todos os credores comuns, os Autores não teriam aderido à subscrição, isto é, demonstrado que os clientes não teriam adquirido as obrigações referidas se o intermediário financeiro os tivesse informado de forma completa e verdadeira, designadamente de que o reembolso do capital investido não era garantido pelo banco, “mostra-se preenchida a conditio sine qua non do dano e, por outro lado, em função das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis de todo o processo factual e segundo as regras da experiência comum e um critério de verosimilhança e de probabilidade, o facto de este ter violado o bem jurídico tutelado pelo dever de informação a que estava vinculado, não só não se mostra indiferente como foi apto a produzir o não reembolso do capital – a lesão verificada –, independentemente de este ter sido também condicionado pela superveniente insolvência da emitente da obrigação, sendo, pois, razoável impor ao intermediário a responsabilidade por esse resultado”.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO:

E. V. e mulher J. C. instauraram contra a sucursal de Ponte de Lima do BANCO ..., S.A. ação declarativa sob a forma de processo comum, pedindo que: seja o Réu condenado a restituir aos Autores a quantia de 100.000,00 €, correspondente ao valor do capital depositado no Réu, vencido e garantido; seja o Réu condenado a pagar aos Autores os juros de mora vencidos e vincendos calculados à taxa legal de 4%, desde 28 de Outubro de 2014 até efetivo e integral pagamento; assim não se entendendo, seja declarado nulo qualquer contrato de adesão que o Réu invoque para ter aplicado os 100.000,00 € que os Autores lhe entregaram; seja declarado ineficaz em relação aos Autores a aplicação que o Réu tenha feito desse montante; condenar-se o Réu a restituir aos Autores os referidos 100.000,00 €, acrescidos dos juros de mora vencidos e vincendos calculados à taxa legal de 4%, desde 28 de Outubro de 2014 até efetivo e integral pagamento; em qualquer dos casos, seja o Réu condenado a pagar aos Autores a título de indemnização por danos não patrimoniais a quantia de 5.000,00 €, acrescida dos juros de mora que se vencerem após a citação e até integral pagamento.
Alegaram para tanto e em suma, que realizaram operação bancária de subscrição de obrigações por indicação do Banco Réu, que, através de seu funcionário, lhes disse que o produto era em tudo semelhante a um depósito a prazo, mas com taxas de juros melhores, com total garantia de reembolso do capital investido, sendo produto do próprio banco, sucedendo que, em outubro de 2015, já depois de lhe ter sido negada a restituição do capital aplicado, o Autor ficou a saber que, ao contrário do que lhe havia sido referido, nenhuma garantia existia de reaver o seu dinheiro; subsidiariamente, alegam, nunca qualquer contrato lhes foi lido ou explicado, nem entregue cópia sobre as obrigações subordinadas da SXN, sendo, pois, nulas as cláusulas de quaisquer contratos, naquelas condições, assinados pelos Autores. Mais alegaram que, com a sua atuação, o Réu colocou os Autores num permanente estado de preocupação e ansiedade, causando-lhes tristeza e sofrimento moral.
Contestou o Banco R., excecionando a incompetência territorial – exceção que já foi julgada improcedente – e a prescrição, bem como impugnando os factos alegados pelos AA, defendendo que, ao invés do invocado por aqueles, cumpriu todos os deveres de informação que sobre ele recaíam.
Efetuado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, condenando o Réu no pagamento aos Autores da quantia de 100.000,00 € (cem mil euros), acrescida dos juros de mora, à taxa legal, contados desde 27 de Outubro de 2014, até efetivo e integral pagamento.
Inconformado, o Réu interpôs recurso, na sequência do qual esta Relação veio a anular a decisão da matéria de facto proferida pela primeira instância no que tange ao ponto 3) dos “Factos provados” e a determinar a ampliação da decisão relativa à matéria de facto de modo a que esta passasse a abranger a apreciação da questão sobre se o funcionário do Banco Réu referiu ao Autor que o produto era do próprio banco, pelo que o retorno do dinheiro aplicado era igualmente garantido pelo banco.

Repetido o julgamento, foi proferida nova sentença com segmento decisório igual ao da primeira, sendo dessa nova sentença que agora vem interposto recurso pelo Réu, que nele apresenta as seguintes conclusões:

I. O Banco Recorrente concorda não pode concordar com a matéria de facto dada como provada nos pontos 3, 5, 6, 10, 11, 12, 17, 18, 19, 20 e 22.

II.Esta discordância tem com base o depoimento da testemunha J. P., no seu depoimento gravado no sistema citius no ficheiro com a referência 20190312113551_1477841_2871823 de da testemunha A. R., no seu depoimento g r a v a d o n o s i s t e m a c i R u s n o fi c h e i r o c o m a r e f e r ê n c i a 20190312110149_1477841_2871823 e ainda com base nos documentos relativos ao produto em causa nos presentes autos, nomeadamente a ficha informativa e a nota interna juntos aos autos, bem como no depoimento da testemunha J. P., gravado no sistema citius com a referência 20200127105417_1477841_2871823, que no essencial confirma as suas declarações cujas passagens acima referimos.

III.O facto provado 17 deverá assim passar a ter a seguinte redacção:
18) As orientações e comunicações internas existentes no Banco e que este transmitia aos seus funcionários incumbidos de comercializar aquele produto, consistiam em afirmar a segurança dele, a sua solidez e a boa rentabilidade.

IV. Deverão ser dados como não provados os factos provados 3, 5, 6, 10, 11, 12, 19, 20 e 22.

V. Entende ainda o recorrente que deverá ser dado como provado o seguinte facto:

a) - O funcionário bancário explicou ao Autor que o produto em causa se tratava de obrigações da SXN, entidade que era dona do Banco Réu, que era um produto a 10 anos, com uma remuneração superior à dos depósitos a prazo e que a liquidez antecipada poderia ser obtida através do endosso do mesmo a um outro cliente interessado.

VI.A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era um produto sem risco, com capital garantido, equivalente a um depósito a prazo, não transmitindo a característica da subordinação, configura a prestação de uma informação falsa.

VII.Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

VIII.Não adianta aliás a sentença qual o risco que associa às Obrigações SXN e que entende deveria ter sido informado aos AA, sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verificado incumprimento do reembolso…

IX.O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

X. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente!
Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO!

XI.A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

XII.Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2014 e 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2004 e 2006, dez anos antes!

XIII.A SXN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

XIV.O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SXN.

XV.E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!

XVI.A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SXN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no Banco ....

XVII.O risco Banco ... ou risco SXN, da perspectiva da insolvência era também equivalente!

XVIII.A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.

XIX.A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis.

XX.A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação…

XXI.A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

XXII.A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.

XXIII.Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

XXIV.O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo seu obrigações assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.

XXV.A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

XXVI.A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.

XXVII.O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.

XXVIII.O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.

XXIX.No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pelos Autores, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.

XXX.Apesar de os autores não serem investidores com especiais conhecimentos técnicos na área financeira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.

XXXI.Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.

XXXII.Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.

XXXIII.Dispunha sobre esta matéria o artugo 304º do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

XXXIV.E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.

XXXV.Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.

XXXVI.Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!

XXXVII.A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.

XXXVIII.O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E.

XXXIX.São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM.

XL.A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.

XLI.Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não moRvado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

XLII.O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

XLIII.Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!

XLIV.A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

XLV.Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

XLVI.E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

XLVII.Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objectivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivação em função do emitente!

XLVIII.O arRgo 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.

XLIX.Do elenco de factos provados não resulta sequer um único facto que permita estabelecer uma qualquer ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida aos AA. e o acto de subscrição.

L. A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.

LI.No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!

LII.Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.

LIII.E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

LIV.Se em abstracto, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.

LV.Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso os AA. É este o único conteúdo típico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptível de o caracterizar.

LVI.Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo típico ou não do acordo contratual entre as partes.

LVII.A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente.

LVIII.Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca, nem no entender do Prof. Menezes Cordeiro, ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.

LIX.Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!

LX.Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.

LXI.O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no acto de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.

LXII.É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?

LXIII.O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!

LXIV.A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efectivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.

LXV.No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

LXVI.O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!

LXVII.Não basta afirmar-se genericamente, como afirma o Acórdão Recorrido que eles não foram informados do risco de insolvência ou da característica da subordinação e que é essa causa do seu dano!
LXVIII.Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

LXIX.Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

LXX.E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

LXXI.E nada disto foi feito!

LXXII.A origem do dano dos Recorrentes reside na incapacidade da SXN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco Recorrido é alheio!

LXXIII.A decisão recorrida violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º, 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE.

Conclui pedindo que este Tribunal altere a decisão sobre a matéria de facto nos termos acima expostos, revogando a decisão recorrida e absolvendo o Recorrente do pedido deduzido pelos Autores; ainda que assim não se entenda sempre requer que, com base na matéria dada como provada na primeira instância, se revogue a decisão recorrida absolvendo o Recorrente do pedido deduzido pelos Autores.
Juntou dois pareceres.
Os Autores não apresentaram contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do NCPC).

No caso vertente, as questões a decidir – por ordem lógico-processual – que ressaltam das conclusões recursórias são as de:

- Saber se existe erro na apreciação da prova e na subsunção jurídica dos factos, sendo este consequência daquele;
- Para a hipótese de a pretendida alteração da decisão relativa à matéria de facto não ter – ou só parcialmente ter – sucesso:
. Saber se os factos apurados traduzem ou não um ilícito, quer por violação do dever de informação, quer por violação de compromisso assumido perante o cliente;
. Saber se existe ou não um dano patrimonial bem como um nexo entre aquele e a apurada conduta do Banco Réu.
*
III. FUNDAMENTOS:
Os factos.

Na sequência da anulação feita, na primeira instância foi dada como provada a seguinte factualidade:
1) Em 23/08/1999, os Autores abriram uma conta bancária na agência bancária do Banco ... – Banco ..., S.A., sita em Vila Praia de Âncora.
2) Conta essa que, em face do encerramento daquela agência, foi transferida para a agência do Réu de Paredes de Coura e, posteriormente, para a agência de Caminha, encontrando-se, actualmente, domiciliada na agência de Ponte de Lima.
3) Em Outubro de 2004, o Autor marido foi contactado por um funcionário da agência bancária daquele Banco, sita em Paredes de Coura, Sr. J. P. e com quem havia criado uma boa relação de confiança na agência de Vila Praia de Âncora, que lhe disse ter um novo produto financeiro, que era seguro, em tudo semelhante a um depósito a prazo, com taxas de juros muito atractivas, de 4,5 %, garantia de reembolso do capital investido e com pagamento semestral dos juros remuneratórios.
4) Dito funcionário disse ao A. marido que a qualquer altura poderia resgatar o dinheiro aplicado, porquanto, venderiam o produto a outros clientes.
5) E que o produto era do próprio banco, pelo que, o retorno do dinheiro aplicado era garantido pelo banco.
6) Assim, atenta a relação de confiança criada com o funcionário do Banco, seu conhecido de longa data, o Autor marido convenceu-se de todas as virtudes do produto, atenta a credibilidade que, à data, lhe merecia o banco e o próprio funcionário em questão e aceitou subscrever tal produto, que consistiu na compra de duas obrigações SXN Rendimento Mais 2004, no montante de 50.000,00 € cada uma, no valor global de 100.000,00 €.
7) O A. convenceu-se que havia constituído um depósito a prazo ou, pelo menos, que tinha aplicado o seu dinheiro num produto similar.
8) Entretanto, no ano de 2007/2008, começaram a vir a público, através da imprensa, as debilidades financeiras do Banco ... e a sua própria solvabilidade.
9) Logo o Autor reportou as suas preocupações ao funcionário bancário que o havia aliciado para aderir à aplicação e ficou a aguardar pelo vencimento das obrigações em 27 de Outubro de 2014.
10) Contudo, durante anos, o Banco... pagou os juros à taxa contratada, o que, só por si, serviu para acalmar os ânimos dos Autores e não desconfiar dos problemas que lhes vieram a ser colocados.
11) Chegado o prazo máximo das renovações do depósito contratado, os Autores, tendo reclamado a restituição do capital depositado ao Réu, foi-lhe este negado.
12) Tendo os Autores sido informados que o Réu estava com dificuldades económicas para procederem ao pagamento imediato de tal capital, mas que, enquanto tal não sucedesse, iriam continuar a pagar os juros contratualizados.
13) O que de facto veio a suceder em Abril de 2015.
14) Contudo, em Outubro de 2015, o Réu, ao contrário do referido, não procedeu ao pagamento semestral dos juros contratualizados.
15) O que levou novamente os Autores a reclamar junto do Réu a restituição do capital depositado.
16) Só aí teve o Autor conhecimento de que nenhuma garantia existia de que iria reaver o seu dinheiro.
17) Os funcionários do Réu tinham instruções para apenas falarem das vantagens da subscrição daquele produto e, como tal, os produtos SXN eram apresentados aos clientes como semelhantes a depósitos a prazo, com capital e juros garantidos.
18) As orientações e comunicações internas existentes no Banco e que este transmitia aos seus funcionários incumbidos de comercializar aquele produto, consistiam em afirmar a segurança dele, a sua solidez, a boa rentabilidade e assegurar que o Banco cobriria sempre a solvabilidade dos produtos.
19) São sintomáticos disso dois e-mails: um, datado de 26 de Julho de 2008, da autoria do Dr. P. J., no qual incentiva os funcionários a venderem num produto semelhante (no caso o papel comercial da SXN Valor, SGPS, S.A), como sendo “equivalente a um depósito a prazo” e o outro, datado de 9 de Julho de 2009, da autoria de um funcionário, no qual evidencia a sua indignação por terem sido incentivados a vender papel comercial e obrigações da SXN e a assumir perante os clientes a segurança dos produtos “idêntica à de um depósito a prazo”.
20) Os funcionários do Banco... não explicaram aos Autores o que eram obrigações subordinadas e perpétuas.
21) Nunca foram explicados aos AA. os riscos envolvidos pelas operações a realizar.
22) Acaso lhe tivessem transmitido os funcionários bancários que se tratava de um produto com risco associado e/ou que não poderia solicitar o reembolso do capital antes de atingido o prazo de 10 anos correspondente à maturidade do produto, jamais teriam os Autores aderido à subscrição.
23) Pela apresentação 101/20121207, referente a inscrição 17, foi transferida a globalidade do património do Banco ... – Banco ..., S. A., para o Banco ... S.A.
24) Efectuando-se, desta forma, a fusão daquele neste Banco.

E foram considerados não provados os seguintes factos:

I. Em data posterior à abertura da conta pelos AA., as agências daquele Banco, sofriam uma grande pressão para procederem à colocação ou venda de umas obrigações da sociedade X de Negócios.
II. O Autor marido, como era do conhecimento do referido funcionário, sempre quis fazer depósitos em aplicações seguras, sem risco do seu dinheiro e com prazos curtos.
III. O A. limitou-se a assinar o documento que lhe foi apresentado pelo funcionário do banco.
IV. Jamais os Autores manifestaram interesse em aplicações financeiras que envolvessem risco.
V. Aos clientes não era entregue qualquer prospecto com as condições da emissão em causa.
VI. O Réu colocou os Autores num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não recuperarem o dinheiro que, fruto do seu trabalho amealharam ao longo dos anos.
VII. A recusa de pagamento tem provocado nos Autores, tristeza, revolta e sofrimento moral.
VIII. No mês seguinte ao da operação em causa nos autos, os AA. receberam por correio, não só o aviso de débito correspondente à subscrição efectuada, bem como os avisos de crédito a cada seis meses relativos aos juros.
IX. Como também e desde então os vários extractos periódicos onde lhes aparecia essas obrigações como integrando as suas carteiras de títulos de forma separada dos simples depósitos a prazo.
X. Onde se constata que o produto em causa surge separado dos depósitos, num título denominado “CARTEIRA DE TÍTULOS” e com um subtítulo “OBRIGAÇÕES”. 7
XI. O Banco Réu cumpriu com o dever de informação a que estava adstrito.
XII. O investimento efectuado era assim um investimento seguro e não um investimento em qualquer “produto de risco”.
XIII. Nunca o Banco Réu através dos seus colaboradores transmitiu aos seus clientes que o banco garantia a emissão.
XIV. Não foi violado qualquer dever legal de informação.
XV. O Banco Réu, na pessoa dos seus funcionários, agiu de acordo com a vontade do subscritor.
XVI. E com as instruções recebidas do mesmo.
XVII. O subscritor sempre foi pessoa informada, consciente, cuidadosa e preocupada com o investimento do seu património.
XVIII. O Réu, tal qual estava obrigado, prestou ao subscritor informação completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita.
XIX. O Réu cumpriu então com todos os seus deveres de informação, designadamente informando o subscritor sobre todos os elementos que constavam da nota informativa do produto.
XX. Que ademais se encontrava disponível para consulta pelos mesmos.

O Direito.

- Impugnação da matéria de facto:

A impugnação da decisão sobre a matéria de facto é admitida pelo artigo 640º, n.º 1 do Código de Processo Civil, segundo o qual o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto.
Por sua vez, estatui o n.º 1 do artigo 662º do mesmo diploma legal que: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Sustenta o Réu/Recorrente que houve erro na apreciação da prova relativamente à matéria de facto dada como provada nos pontos 3, 5, 6, 10, 11, 12, 17, 18, 19, 20 e 22, pretendendo que os pontos 3, 5, 6, 10, 11, 12, 19, 20 e 22 sejam considerados não provados e que seja alterada a redação do ponto 18 (e não 17, como facilmente decorre da redação que nas respetivas conclusões o Recorrente propugna para o ponto impugnado).
Assim, ainda que eventualmente por lapso, certo é que o Recorrente, apesar de afirmar que pretende impugnar o ponto 17) – Os funcionários do Réu tinham instruções para apenas falarem das vantagens da subscrição daquele produto e, como tal, os produtos SXN eram apresentados aos clientes como semelhantes a depósitos a prazo, com capital e juros garantidos –, acaba por não indicar qual a decisão que quer seja proferida relativamente a tal ponto, o que nos termos do disposto no art. 640º, nº 1, c), do CPC, implica a rejeição da impugnação no que a tal ponto concerne, o que, desde já, se decide.

Isto dito, começando pela análise dos pontos 4 e 5, recordemos o respetivo teor:

3) Em Outubro de 2004, o Autor marido foi contactado por um funcionário da agência bancária daquele Banco, sita em Paredes de Coura, Sr. J. P. e com quem havia criado uma boa relação de confiança na agência de Vila Praia de Âncora, que lhe disse ter um novo produto financeiro, que era seguro, em tudo semelhante a um depósito a prazo, com taxas de juros muito atractivas, de 4,5 %, garantia de reembolso do capital investido e com pagamento semestral dos juros remuneratórios.
5) E que o produto era do próprio banco, pelo que, o retorno do dinheiro aplicado era garantido pelo banco.
Quanto a tais pontos – que, como já se disse, o Banco Recorrente considera deverem ser considerados não provados – invoca aquele o depoimento da testemunha J. P. no seu depoimento gravado no sistema citius no ficheiro com a referência 20190312113551_1477841_2871823, por, conforme refere no corpo das alegações, não resultar do depoimento desta testemunha, funcionário que vendeu o produto ao cliente, que tenha sido transmitido que o produto era em tudo semelhante a um depósito a prazo e que era do próprio banco e garantido por este, aduzindo que, de todo o depoimento aquilo que resulta é que o produto se vendia com facilidade pela sua elevada rentabilidade e pelo facto de ter capital garantido, nunca tendo sido necessário afirmar que o banco garantia o produto em caso de algo correr (mal), pela simples razão de que não era sequer abordada a possibilidade de algo correr mal.
Parece esquecer o Recorrente que a gravação a que alude corresponde ao depoimento prestado em 12.03.3019 e que, por força da anulação parcial ocorrida, a referida testemunha voltou a prestar depoimento em 27.01.2020 – depoimento esse naturalmente destinado ao apuramento da matéria objeto da ordenada ampliação (ponto 5), bem como à clarificação do ponto 3 dos Factos provados –, ocasião em que a aludida testemunha, para além de ter reafirmado que o produto era vendido como um “produto seguro”, se mostrou bem mais distendida ao prestar declarações (recorde-se que na primeira vez que prestou depoimento tinha tanto receio sobre o que deveria – ou não – dizer que levou consigo apontamentos, tentando ater-se à reprodução de tais apontamentos, o que bem se compreende se se tiver em consideração que, como então a mesma declarou, continuava a ser funcionário do Banco Réu) e expressamente referiu ter apresentado a aplicação em causa ao Autor como “aplicação parecida com um depósito a prazo tradicional”, bem como explicado que o produto era seguro “por causa da solidez do Banco e da sua solvabilidade e liquidez”, reconhecendo que o cliente “ficou com a ideia que o capital investido seria reembolsado no final do prazo” e que para o Autor “o produto era do Banco” e “quem tinha que devolver era o Banco ...”, “a entidade que lançou o produto”, dizendo mesmo “isso é óbvio!”, o que se nos afigura bastante elucidativo quanto ao que pensa sobre os efeitos produzidos, no destinatário, pela informação que transmitiu e, consequentemente, bastante elucidativo quanto ao que, na realidade – apesar de na parte mais ensaiada do discurso quer esta, quer a testemunha A. R., referirem que diziam que a emitente era a SXN –, terá sido o teor da informação transmitida no que toca à informação sobre de quem era o produto e, consequentemente, quem garantia o retorno do capital, não podendo, pois, dizer-se, tal como faz o Recorrente, em fugaz alusão, nas suas conclusões, ao segundo depoimento prestado pela testemunha J. P., que nesse segundo depoimento, no essencial, a testemunha em causa confirma as suas primeiras declarações.
Recorde-se ainda, para melhor se compreender o contexto em que as abordagens para subscrição destes produtos eram feitas, que, como o próprio J. P. já havia dito no primeiro depoimento prestado, “para ir de encontro” aos objetivos que lhes traçavam, “andava na rua, a bater às portas”, sublinhando que havia prazos limite para as subscrições (desabafando a esse respeito: “É um desgaste.”). Num tal contexto e tendo em consideração que a relação de confiança do cliente “aliciado” (cfr. ponto 9 não impugnado pelo Recorrente) era com o Banco, em nada surpreende que o efetivamente transmitido a respeito de quem garantia o retorno do dinheiro aplicado correspondesse àquilo de que o Autor se convenceu (cfr. ponto 7, não impugnado pelo Recorrente).
Por outro lado, uma das impressões que remanesce do depoimento da testemunha J. P. – tal como do da testemunha A. R. – é a quase total identificação que os funcionários do então Banco ... ainda fazem entre aquela sociedade emitente e o dito banco, verificando-se que, ao longo do seu depoimento, quando em discurso espontâneo, tanto a testemunha J. P. como a testemunha A. R. se referiram indiferenciadamente a uma e a outro (o primeiro referiu-se, inclusive, a “obrigações subordinadas do Banco”), sendo, por isso, muitíssimo provável que de igual modo se tivessem conduzido nas abordagens efetuadas aos clientes com vista à aquisição por aqueles de produtos da SXN.
Recorde-se ainda que a testemunha A. R., funcionário do Banco Réu e, à data, a trabalhar na agência do Banco ... de Paredes de Coura, não só se referiu às aplicações em causa como produto “com capital garantido”, como disse que, apesar de, no seu caso, nunca ter dito a nenhum cliente dele que era um depósito a prazo, “é natural” que tivesse dito que era um produto “em tudo idêntico (a um depósito a prazo)”, dizendo depois, espontaneamente, quando lhe perguntaram sobre se sabia o que eram obrigações subordinadas (como as que estavam em causa), que correspondiam a um produto “lançado pelo Banco de obrigações do próprio Banco”, com estas declarações acabando por confirmar não só a ignorância e a impreparação dos próprios funcionários sobre as características do produto relativamente ao qual era suposto elucidarem os clientes, como a representação que eles próprios tinham sobre a entidade responsável pelo investimento em causa (ou, pelo menos, a generalizada confusão por eles estabelecida entre emitente e intermediário), corroborando, desse modo, o que já se havia extraído do depoimento da anterior testemunha, no sentido de que, nestas circunstâncias o natural é que, no final, a ideia efetivamente transmitida ao cliente fosse a de que o produto era “do Banco”, como tal sendo vendido, com a inerente ideia de que o retorno do dinheiro aplicado era garantido pelo próprio banco.
No que tange ao ponto 3), importa, aliás, sublinhar que o aludido ponto corresponde à matéria alegada no art. 4º da pi que o Réu não impugnou por falsa mas relativamente à qual apenas invocou desconhecimento, o que, no mínimo, é de estranhar, certo que o alegado corresponde à atuação de alguém que era um funcionário seu (do então Banco ...) à data dos factos, que segundo o alegado, atuou nessas vestes e que (como resulta das respostas às perguntas que sobre o relacionamento da testemunha com o Banco Réu foram feitas na primeira sessão) à data da contestação, continuava a ser seu funcionário, podendo, em tais circunstâncias, ser até defensável tratar-se de factualidade de que o Réu deveria ter conhecimento, situação em que a lei processual prevê que a alegação de desconhecimento conduz à confissão – art. 575º, nº 3, do CPC.
Mas, ainda que se admita – como, sem que tal tenha sido impugnado, aparentemente, admitiu a primeira instância – que na ponderação casuística acerca da situação do réu perante o facto em causa, seja de considerar tal insuficiente para concluir que se tratava de facto de que o Réu deva ter conhecimento, sempre haverá que recordar que o próprio Banco Réu, na sua contestação, defende como válida a comparação entre o produto vendido e um depósito a prazo, afirmando, designadamente, que qualquer comparação que possa porventura ter sido efectuada entre este investimento e um vulgar DP – aquando da subscrição do produto –, levou apenas em conta o critério de risco acima elencado (artigo 45) e a natural asserção de que a mecânica de funcionamento de um e outro são idênticas (artigo 46), sob o ponto de vista de que se trata de um investimento por um determinado prazo, findo o qual o capital é reembolsado na totalidade e, no entretanto, o investidor recebe a rentabilidade do investimento (artigo 47) e, por fim, que daqui resulta também que a comparação com o DP, por referência ao capital garantido, apenas pode ser vista como alusão ao retorno certo da integralidade do capital, no final do prazo do investimento (artigo 53), o que bem denota a visão que o Banco Réu tem sobre a matéria, não admirando, pois, que, em consonância, tenha sido efetivamente a alegada a informação transmitida pelo seu funcionário ao Autor.
É, pois, de manter a matéria constante dos pontos 3 e 5 dos Factos provados.

Seguindo a ordem constante do corpo das alegações, vejamos, agora, se assiste razão ao Recorrente quando defende a eliminação do segmento e assegurar que o Banco cobriria sempre a solvabilidade dos produtos constante do ponto de facto provado nº 18, ponto esse que, no seu entender, deverá, por isso, passar a ter a seguinte redação:

18) As orientações e comunicações internas existentes no Banco e que este transmitia aos seus funcionários incumbidos de comercializar aquele produto, consistiam em afirmar a segurança dele, a sua solidez e a boa rentabilidade.
Desde logo se dirá que de nenhum dos depoimentos ou documentos juntos resulta que as orientações internas dadas aos funcionários incluíssem assegurar que o Banco cobriria sempre a solvabilidade dos produtos, no sentido de o fazerem de forma expressa e direta.
Todavia, recorde-se que quando a testemunha J. P. referiu ter apresentado a aplicação em causa ao Autor como “aplicação parecida com um depósito a prazo tradicional” – com as consequências inerentes a tal equiparação quanto a quem assume a responsabilidade pelo reembolso –, logo a seguir acrescentou que isso mesmo era “o que lhe indicavam”, querendo desse modo referir-se ao que lhe indicavam os seus superiores, o que se mostra consentâneo com a própria posição (a que atrás nos referimos) assumida pelo Réu na contestação quanto à similaridade entre os dois tipos de produtos em questão.
Deve, aliás, dizer-se que, mesmo que este tribunal não tivesse decidido rejeitar a impugnação relativa ao ponto 17), o acabado de expor, conjugado com a análise global do referido depoimento e do da testemunha J. P., sempre conduziria a considerar como provado o mencionado ponto 17) (com reflexos no ponto 18).
Daí que, para que haja uma total correspondência entre a apreciação que fazemos da prova produzida e a matéria de facto a considerar provada, se deva, não, eliminar o segmento em questão, mas, sim, alterá-lo, passando o ponto 18 a ter a seguinte redação:
As orientações e comunicações internas existentes no Banco e que este transmitia aos seus funcionários incumbidos de comercializar aquele produto, consistiam em, para além de assegurar que o mesmo era equivalente a um depósito a prazo, afirmar a segurança dele, a sua solidez, a boa rentabilidade.

Quanto à prova que sustenta a resposta ao ponto 19) – São sintomáticos disso dois e-mails: um, datado de 26 de Julho de 2008, da autoria do Dr. P. J., no qual incentiva os funcionários a venderem num produto semelhante (no caso o papel comercial da SXN Valor, SGPS, S.A), como sendo “equivalente a um depósito a prazo” e o outro, datado de 9 de Julho de 2009, da autoria de um funcionário, no qual evidencia a sua indignação por terem sido incentivados a vender papel comercial e obrigações da SXN e a assumir perante os clientes a segurança dos produtos “idêntica à de um depósito a prazo”.
Corresponde este facto ao alegado no art. 35º da pi que foi impugnado por falso na contestação e os emails ali referidos são os documentos juntos a fls. 10 e 11. Ora, a verdade é que, tendo o alegado sido impugnado e não tendo sido produzida, como não foi, qualquer prova sobre a apontada autoria destes documentos, não pode a convicção do Tribunal sustentar-se exclusivamente, como se sustentou, nos ditos documentos, que não valem por si mesmos, sem qualquer outro suporte, pelo que deverá este facto ser excluído dos Factos provados e remetido para os não provados.

Entende ainda o Recorrente que deveriam ter sido dados como não provados os factos 10, 11, 12, 20 e 22.
Passando, então, a conhecer dos pontos 10) e 11).

Recordemos, em primeiro lugar, o respetivo teor:

10) Contudo, durante anos, o Banco... pagou os juros à taxa contratada, o que, só por si, serviu para acalmar os ânimos dos Autores e não desconfiar dos problemas que lhes vieram a ser colocados.
11) Chegado o prazo máximo das renovações do depósito contratado, os Autores, tendo reclamado a restituição do capital depositado ao Réu, foi-lhe este negado.
Refere a sentença recorrida, na sua motivação, que os referidos factos provados 10) e 11) resultaram do acordo das partes.
Analisada a contestação, resulta, porém, que o facto a que alude o ponto 10) foi impugnado pelo Réu na sua contestação.
Na verdade, corresponde o facto constante nos pontos 10) ao alegado no artigo 18º, artigo que foi, na contestação, expressa e diretamente impugnado por falso, pelo que o aludido ponto só se poderá manter nos factos provados se a prova produzida o sustentar.
Já o ponto 11) corresponde ao teor do art. 19º, que, efetivamente não foi especificadamente impugnado.
Todavia, fácil é de perceber que o sentido do mesmo – no que concerne à alegação implícita da existência de um depósito a prazo, mas já não, sublinhe-se, no que toca ao alegado quanto a terem os Autores reclamado a restituição do capital em causa e a tal restituição lhes ter sido negada – se mostra incompatível com a defesa apresentada, na sua globalidade, porquanto no referido art. 19º se faz referência a “renovações do depósito contratado” e a “capital depositado”, rejeitando o Réu, expressamente, ao longo da sua contestação, todas as alegações do Autor no sentido de lhe ter sido proposta a realização de um depósito a prazo.
Assim sendo, também a decisão relativa ao ponto 11), no que excede a já referida matéria que se deve considerar admitida por acordo, deve ser encontrada na prova produzida.

Quanto a estes dois pontos, limita-se o Recorrente a dizer que:

Efectivamente não foi apresentado qualquer elemento de prova no sentido que havia sido o Banco... a pagar os juros do produto. O produto era da SXN, foi sempre esta entidade que efectuou o pagamento dos juros, como decorre do seu próprio funcionamento e como tal, a menos que tivesse sido produzida prova no sentido de que o banco réu havia pago juros de um produto que não era por si emitido, este facto não poderia ter sido dado como provado. Deverá assim o facto 10 ser dado como não provado.
Também relativamente ao facto 11 não foi produzido qualquer elemento de prova.
De facto resulta da prova produzida que o produto subscrito se tratava de obrigações SXN Rendimento Mais 2004, não fazendo qualquer sentido considerar que não foi cumprido um depósito que não resultou provado que tenha sido contratado.
Deverá assim o facto 11 ser dado como não provado.
Ora, analisando a prova documental e os depoimentos prestados (a cuja audição se procedeu na totalidade), efetivamente impõe-se concluir que da mesma não se pode dizer que, até à data do vencimento das Obrigações, resulte ter sido o Banco ... a suportar o pagamento dos juros contratados, nem que aos Autores tenha sido proposta a realização de um depósito a prazo (mas sim de um produto “equivalente a um depósito a prazo”).
Não quer isso dizer que a decisão relativa a esta matéria deva passar a ser a de “não provado”, importando, sim, refletir nos factos provados, de forma objetiva, o que, para além do mais, se extrai da própria posição do Réu: os juros foram efetivamente pagos, sendo normal que isso tenha contribuído para manter os Autores tranquilos e confiantes quanto à aplicação feita; e, por não estar, como se disse, em oposição com a globalidade da contestação, mais deve manter-se que chegado o termo do prazo da aplicação contratada, tendo os Autores, reclamado, junto do Réu, a restituição do capital aplicado, este lhes foi negado.

Expurgadas as referências a um depósito a prazo, passam os pontos 10) e 11) a ter a seguinte redação:
10) Contudo, durante anos, os juros foram pagos à taxa contratada, o que, só por si, serviu para acalmar os ânimos dos Autores e não desconfiar dos problemas que lhes vieram a ser colocados.
11) Chegado o termo do prazo da aplicação contratada, os Autores, tendo reclamado, junto do Réu, a restituição do capital aplicado, foi-lhes este negado.

Quanto ao ponto 12 – Tendo os Autores sido informados que o Réu estava com dificuldades económicas para procederem ao pagamento imediato de tal capital, mas que, enquanto tal não sucedesse, iriam continuar a pagar os juros contratualizados –, defende o Recorrente que não resultou ainda de qualquer elemento de prova que o cliente tenha sido informado de dificuldades financeiras do banco.
Segundo a motivação, este facto provém do depoimento da testemunha J. P..
Todavia, do referido depoimento efetivamente não resulta que os Autores tenham sido informados que o Réu estava com dificuldades económicas para procederem ao pagamento imediato de tal capital, nem há qualquer referência à promessa de pagamento dos juros enquanto a situação não se resolvesse.
Uma coisa é, porém, certa: J. P. disse ter transmitido ao Autor que “a situação iria ser resolvida”, que “a situação estava a ser resolvida por parte da administração” (o que, no entanto, é distinto de admitir abertamente “dificuldades económicas” por parte do Banco). E também não se pode olvidar que o Recorrente não impugnou o ponto 13) O que de facto veio a suceder em Abril de 2015 – que se refere ao pagamento dos juros contratualizados já após o vencimento das obrigações, a reclamação pelo Autor da restituição do capital aplicado e a não satisfação desse pedido, o que confirma a alegação da promessa feita nesse sentido.

Assim sendo, deve manter-se o ponto 12) dos Factos provados, mas com a seguinte redação:
12) Tendo os Autores sido informados que a situação estava a ser resolvida por parte da administração e que, enquanto tal não sucedesse, iriam continuar a pagar os juros contratualizados.

Quanto ao ponto 20 – Os funcionários do Banco ... não explicaram aos Autores o que eram obrigações subordinadas e perpétuas –, o Recorrente apenas refere:
Relativamente ao facto 20, deverá ser retirada a expressão perpétua, pela simples razão que estas obrigações não eram perpétuas, não tinham essa característica!
Assim, exceto no que toca à expressão “perpétua”, não há qualquer argumentação expendida para efeito da pretendida alteração de “provado” para “não provado”, sendo certo que apesar de a testemunha J. P. ter dito que tinha explicado ao Autor o que eram obrigações subordinadas, não é de crer, face ao teor global do seu depoimento e ao da testemunha A. R. – que, como já antes se frisou, bem revelam a impreparação dos funcionários do Banco ... para uma explicação daquele cariz –, que o tenha feito tanto mais que, logo a seguir a ter dado a resposta em referência, em tom de justificação (da realidade que não revelou), disse “as pessoas só se importavam com a taxa”. Veja-se, aliás, que o Banco Réu não impugnou o ponto 21) dos “Factos provados”, sendo certo que tal facto – Nunca foram explicados aos AA. os riscos envolvidos pelas operações a realizar – é incompatível com a ideia de que ao Autor foi explicado o que eram obrigações subordinadas.
Face ao exposto, exceção feita à aludida expressão “perpétua” que efetivamente em nada releva para a decisão da causa e que, portanto, será simplesmente excluída do elenco dos Factos (provados e não provados), deve manter-se o referido ponto 20) nos Factos provados.
Defende ainda o Recorrente que não resultou de qualquer prova produzida o facto constante do ponto 22) dos “Factos provados” (Acaso lhe tivessem transmitido os funcionários bancários que se tratava de um produto com risco associado e/ou que não poderia solicitar o reembolso do capital antes de atingido o prazo de 10 anos correspondente à maturidade do produto, jamais teriam os Autores aderido à subscrição), acrescentando que a extrema confiança dos autores no seu gestor e a apresentação do produto como seguro sempre levaria à subscrição da aplicação desde que tal lhe fosse sugerido pelo seu gestor de conta, conclusão que, segundo ele, se retira também do depoimento da testemunha J. P. no seu depoimento acima referenciado aos entre os minutos 34:50 a 39:45.
Vejamos.
Segundo a motivação da sentença recorrida, a decisão quanto a este facto assenta no depoimento da testemunha C. P..
Deve, porém, desde já dizer-se que não pode, de todo, extrair-se do aludido depoimento que os Autores não teriam aderido à subscrição se soubessem que não poderiam solicitar o reembolso do capital antes de atingido o prazo de 10 anos correspondente à maturidade do produto, pelo que forçosamente a mesma terá de passar para o elenco dos Factos não provados.
Mas já não assim quanto à restante matéria.
Com efeito, o filho do Autor caracterizou-o como uma pessoa muito cautelosa, “da velha guarda”, que só aplicava o seu dinheiro em depósitos a prazo, exceção feita à aquisição de algumas ações, mas só de “empresas fortes”, imagem esta confirmada pela (como a falta de qualquer indicação nesse sentido, por parte do Banco Réu, nos leva a concluir), ausência de subscrição no Banco ... de qualquer outra aplicação (que não esta) distinta dos depósitos a prazo, bem como pela circunstância de o Autor não ter aderido à subscrição sub judice logo que para o efeito foi abordado pela testemunha J. P., tendo sido necessárias várias “investidas” (nas exatas palavras do referido funcionário que, numa outra ocasião, se justificou: “Temos de ser insistentes.”), algumas delas presenciadas pelo filho do Autor, para que ele viesse a aderir à dita subscrição, nenhum elemento tendo sido aportado pela testemunha J. P. no sentido de sustentar a sua alegada “vaga ideia”, de que a adesão não se deu logo aquando da apresentação do produto porque o Autor estaria à espera do vencimento de outra aplicação, que no depoimento prestado aquela testemunha tentou fazer passar como explicação para a necessidade das várias “investidas” feitas.
Ora, assim sendo, se, ao invés de (em razão do que lhe foi dito) ter ficado convencido de que o responsável pela devolução do dinheiro era o banco onde, recorde-se, já tinha conta desde 1999, o Autor soubesse que a entidade que ficava vinculada a tal devolução era uma sociedade de participações e que o que estava em causa eram obrigações subordinadas – com a explanação do que tal representa –, é legítimo concluir que, tendo em conta o respetivo perfil, o mais provável é que, tal como alega, o mesmo não aderisse à subscrição.
A este respeito e para total apreensão da diferença, em termos de risco, entre um depósito a prazo e uma obrigação (ainda que não subordinada), veja-se o que se mostra explanado no estudo intitulado “Informação e operações sobre valores mobiliários”, ALEXANDRE LUCENA E VALE, (in: https://institutovaloresmobiliarios.pt/estudos/pdfs/1360861866informopervalminf_alv_vf_formatada.pdf), onde se refere o seguinte:
«[n]o caso das Obrigações (…), tal como no caso do depósito a prazo, o investidor adquire um crédito pecuniário, tendo por objecto o reembolso do valor de capital investido. Ainda assim, porém, deveremos considerar que, tno caso das Obrigações, se trata de um investimento que apresenta um risco diferente e maior do que o de um depósito a prazo? A resposta parece-nos ser afirmativa e fundar-se na conjugação das seguintes duas circunstâncias: - o investimento em Obrigações é feito directamente na empresa/emitente [(trata-se do fenómeno da “desintermediação” (…); - o investimento num depósito a prazo é feito em entidades sujeitas a regulação e supervisão específicas que, entre outros aspectos, incide sobre a sua liquidez, solvabilidade e processo de gestão de riscos (o que, em abstracto, é sinónimo de maior segurança e apontaria, portanto, para a “desnecessidade” de informação sobre o Banco depositário e sobre os riscos do investimento no mesmo). Ou seja, tanto no caso dos valores mobiliários em geral como no caso específico (…) das Obrigações (…), o risco do investimento é diferente e maior do que no caso do investimento num depósito a prazo. (…) A estas razões acresce que o investimento em valores mobiliários não beneficia, ao contrário do que sucede com os depósitos a prazo, da protecção de um fundo como o Fundo de Garantia de Depósitos. Em suma, o exercício realizado aponta para a conclusão de que a razão de ser específica do sistema informativo mobiliário reside (para além do que é explicado pela vocação circulatória dos valores mobiliários), no risco específico inerente ao investimento mobiliário: o investimento directo na empresa, ou seja, um investimento, nesse sentido, “desintermediado”».
Daqui se conclui que o risco da subscrição de uma obrigação é efetivamente diferente e superior ao risco de um depósito a prazo e que um investidor, desde que devidamente informado sobre as características de uma e de outro, assim o vê: (…) o investidor não tem um crédito ao reembolso do valor investido mas apenas ao valor residual da sociedade quando esta seja dissolvida, estando, assim, objectivamente mas também na sua perspectiva, sujeito a um risco diferente e maior. (sublinhado nosso)
A isto acresce que obrigações representativas de dívida subordinada – como aquelas que estavam em causa – caracterizam-se ainda pelo facto de o titular da obrigação, em caso de insolvência da emitente, apenas se poder pagar depois de satisfeitos todos os credores comuns (cf. art.º 48.º CIRE), o que, mais uma vez, a ser devidamente explanado a qualquer investidor não qualificado – e explicar isto não é, obviamente, dizer-lhes que o produto é “seguro” –, maior imagem de risco o faz associar ao investimento e, por isso, maior cautela, tende a inspirar, de tal risco se preservando, naturalmente, depois de esclarecidos, os investidores mais cautelosos, como o Autor, independentemente da muita confiança que depositem no funcionário que lhes sugere o produto.
Por último, o excerto do depoimento de J. P. a que alude o Recorrente em nada invalida o que se acabou de dizer, certo que o que este quis sublinhar nessa parte do seu depoimento foi que, depois do sucedido o Autor não teve “nenhuma atitude reprovável” contra ele, o que, na sua perspetiva, quer dizer que aquele não se sentiu enganado (assim se autoconvencendo de que não enganou o Autor), sendo, porém, patente do que relatou sobre o atual trato entre ambos que a sua relação já não é, de todo, o que era (anteriormente chegara ao ponto de serem compadres), esfriamento que não se vê encontrar outra explicação senão a relacionada com o caso em apreço.
Isto dito, para que a matéria considerada provada reflita o que se acabou de expor necessário é concretizar com recurso à prova produzida o “risco associado”, expressão conclusiva a que alude o segmento do ponto 22) ora em causa, nesse sentido se decidindo, pois, considerar como provado que:
22) Acaso lhes tivessem transmitido os funcionários bancários que, ao invés de um produto do Banco Réu equivalente a um depósito a prazo, se tratava de um produto emitido por uma entidade diversa e que, em caso de insolvência da emitente, o investidor apenas se poderia pagar depois de satisfeitos todos os credores comuns, os Autores não teriam aderido à subscrição.

Entende ainda o Recorrente que deverá ser dado como provado o seguinte facto:
a) - O funcionário bancário explicou ao Autor que o produto em causa se tratava de obrigações da SXN, entidade que era dona do Banco Réu, que era um produto a 10 anos, com uma remuneração superior à dos depósitos a prazo e que a liquidez antecipada poderia ser obtida através do endosso do mesmo a um outro cliente interessado.
Não existe, porém, motivo para o requerido aditamento.
Como o próprio Banco refere não recai sobre ele o ónus da prova sobre factos demonstrativos do cumprimento do dever de informação, pelo que, independentemente do teor da prova a tal respeitante, nada justifica o aditamento (quer nos factos provados, quer nos não provados), da aludida matéria.

Relaciona o Recorrente esta matéria com a impugnação do ponto 6) – que pretende seja considerado não provado –, cujo teor é o seguinte:

6) Assim, atenta a relação de confiança criada com o funcionário do Banco, seu conhecido de longa data, o Autor marido convenceu-se de todas as virtudes do produto, atenta a credibilidade que, à data, lhe merecia o banco e o próprio funcionário em questão e aceitou subscrever tal produto, que consistiu na compra de duas obrigações SXN Rendimento Mais 2004, no montante de 50.000,00 € cada uma, no valor global de 100.000,00 €.
Defende o Recorrente que a decisão que preconiza é consequência do que resulta das declarações da testemunha J. P. registadas no depoimento acima identificado (20190312113551_1477841_2871823) e do depoimento da testemunha A. R., testemunha que explica entre os minutos 7:20 a 12:05 e entre os minutos 13:25 a 13:50 explica a forma como transmitia as características do produto aos clientes a quem o vendeu.
Que dizer?
Em primeiro lugar, o teor do ponto em causa corresponde ao art. 10º da petição inicial e não foi tampouco impugnado.
Todavia, no que toca à ligação que o “Assim” inicial estabelece entre os pontos 3) a 5) dos Factos provados e a decisão de aceitar a subscrição a que alude o ponto 6), há razões para se dizer que, nessa parte, o conteúdo do mesmo está em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, pelo que, no que a tal concerne, a sentença recorrida não o deveria ter considerado, como considerou, admitido por acordo (cfr. art. 574º, nº 2, do CPC).
Seja como for, face ao teor integral das declarações prestadas pela testemunha J. P. que acima já se analisaram, não se pode dizer que, face à prova produzida, aquela concreta questão merecesse resposta distinta, pelo que este ponto deve ser integralmente mantido.
Cumpre ainda referir que nada nos documentos a que alude o Recorrente nas suas alegações, nomeadamente a ficha informativa e a nota interna juntos aos autos, tem virtualidade para contrariar as conclusões alcançadas, porquanto, como é bom de ver, uma coisa são a informação e as orientações veiculadas oficialmente e outra as orientações que, paralelamente, podem ser transmitidas de modo informal.

Face ao exposto, decide-se proceder às supra referidas alterações, passando a elencar-se, para uma melhor sistematização, o conjunto dos Factos provados com tais alterações já incluídas:

1) Em 23/08/1999, os Autores abriram uma conta bancária na agência bancária do Banco ... – Banco ..., S.A., sita em Vila Praia de Âncora.
2) Conta essa que, em face do encerramento daquela agência, foi transferida para a agência do Réu de Paredes de Coura e, posteriormente, para a agência de Caminha, encontrando-se, actualmente, domiciliada na agência de Ponte de Lima.
3) Em Outubro de 2004, o Autor marido foi contactado por um funcionário da agência bancária daquele Banco, sita em Paredes de Coura, Sr. J. P. e com quem havia criado uma boa relação de confiança na agência de Vila Praia de Âncora, que lhe disse ter um novo produto financeiro, que era seguro, em tudo semelhante a um depósito a prazo, com taxas de juros muito atractivas, de 4,5 %, garantia de reembolso do capital investido e com pagamento semestral dos juros remuneratórios.
4) O dito funcionário disse ao A. marido que a qualquer altura poderia resgatar o dinheiro aplicado, porquanto, venderiam o produto a outros clientes.
5) E que o produto era do próprio banco, pelo que, o retorno do dinheiro aplicado era garantido pelo banco.
6) Assim, atenta a relação de confiança criada com o funcionário do Banco, seu conhecido de longa data, o Autor marido convenceu-se de todas as virtudes do produto, atenta a credibilidade que, à data, lhe merecia o banco e o próprio funcionário em questão e aceitou subscrever tal produto, que consistiu na compra de duas obrigações SXN Rendimento Mais 2004, no montante de 50.000,00 € cada uma, no valor global de 100.000,00 €.
7) O A. convenceu-se que havia constituído um depósito a prazo ou, pelo menos, que tinha aplicado o seu dinheiro num produto similar.
8) Entretanto, no ano de 2007/2008, começaram a vir a público, através da imprensa, as debilidades financeiras do Banco ... e a sua própria solvabilidade.
9) Logo o Autor reportou as suas preocupações ao funcionário bancário que o havia aliciado para aderir à aplicação e ficou a aguardar pelo vencimento das obrigações em 27 de Outubro de 2014.
10) Contudo, durante anos, os juros foram pagos à taxa contratada, o que, só por si, serviu para acalmar os ânimos dos Autores e não desconfiar dos problemas que lhes vieram a ser colocados.
11) Chegado o termo do prazo da aplicação contratada, os Autores, tendo reclamado, junto do Réu, a restituição do capital aplicado, foi-lhes este negado.
12) Tendo os Autores sido informados que a situação estava a ser resolvida por parte da administração e que, enquanto tal não sucedesse, iriam continuar a pagar os juros contratualizados.
13) O que de facto veio a suceder em Abril de 2015.
14) Contudo, em Outubro de 2015, o Réu, ao contrário do referido, não procedeu ao pagamento semestral dos juros contratualizados.
15) O que levou novamente os Autores a reclamar junto do Réu a restituição do capital depositado.
16) Só aí teve o Autor conhecimento de que nenhuma garantia existia de que iria reaver o seu dinheiro.
17) Os funcionários do Réu tinham instruções para apenas falarem das vantagens da subscrição daquele produto e, como tal, os produtos SXN eram apresentados aos clientes como semelhantes a depósitos a prazo, com capital e juros garantidos.
18) As orientações e comunicações internas existentes no Banco e que este transmitia aos seus funcionários incumbidos de comercializar aquele produto, consistiam em, para além de assegurar que o mesmo era equivalente a um depósito a prazo, afirmar a segurança dele, a sua solidez, a boa rentabilidade.
19) Os funcionários do Banco... não explicaram aos Autores o que eram obrigações subordinadas.
20) Nunca foram explicados aos AA. os riscos envolvidos pelas operações a realizar.
21) Acaso lhes tivessem transmitido os funcionários bancários que, ao invés de um produto do Banco Réu equivalente a um depósito a prazo, se tratava de um produto emitido por uma entidade diversa e que, em caso de insolvência da emitente, o investidor apenas se poderia pagar depois de satisfeitos todos os credores comuns, os Autores não teriam aderido à subscrição.
22) Pela apresentação 101/20121207, referente a inscrição 17, foi transferida a globalidade do património do Banco ... – Banco ..., S. A., para o Banco ... S.A.
23) Efectuando-se, desta forma, a fusão daquele neste Banco.

Subsunção jurídica dos factos:

Em causa está saber se os Autores têm direito à obtenção de uma indemnização por responsabilidade do Banco Réu no exercício da atividade de intermediação financeira.

Defende o Recorrente que se impõe a revogação da sentença proferida e a sua substituição por outra que determine a sua absolvição, porquanto, antes do mais, a putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era um produto sem risco, com capital garantido, equivalente a um depósito a prazo, não transmitindo a característica da subordinação, configura a prestação de uma informação falsa, o que diz estar errado.

Por outro lado, argumenta, no seu entender, o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga(va) então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”, refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução, pelo que tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si, sendo que a informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa e ainda que, seja como for, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!
Assim, também não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave.
Mais diz que por demonstrar restou a existência de um dano e, consequentemente, de um nexo de causalidade entre a atuação do Banco Réu e de um qualquer prejuízo, enfatizando que do elenco de factos provados não resulta sequer um único facto que permita estabelecer uma qualquer ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida aos AA. e o acto de subscrição.

Vejamos se lhe assiste razão.

Ao contrário do preconizado pelo Recorrente, segundo o qual, o contrato em apreço se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes, a factualidade apurada traduz sem dúvida a existência de facto de uma atividade de intermediação financeira (aplicação em ativos financeiros) desenvolvida pelo Banco Réu.
Segundo Engrácia Antunes, in “Os Contratos de Intermediação Financeira, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. LXXXV, Coimbra, 2007, pág.´s 280-284, os contratos de intermediação financeira são os “(…) negócios jurídicos celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de actividades de intermediação financeira”, que têm por objeto essencial a regulação contratual de “(…) veículos instrumentais do exercício da intermediação financeira(…)”.
Nos termos do art. 289.º, n.º 1, do CVM, são atividades de intermediação financeira: a) Os serviços e atividades de investimento em instrumentos financeiros; b) Os serviços auxiliares dos serviços e atividades de investimento; c) A gestão de determinadas instituições de investimento coletivo: d) O exercício das funções de depositário dos instrumentos financeiros que integram o património das instituições de investimento coletivo referidas na alínea anterior.
No caso do recebimento, transmissão e execução das ordens dadas pelos investidores, o intermediário financeiro está a proceder a operações por conta alheia: o intermediário financeiro atua no interesse e por conta dos seus clientes, sendo na esfera jurídica destes que se repercutem as consequências - positivas e negativas - das operações de subscrição ou transação de valores mobiliários.
Essa atuação do intermediário financeiro pressupõe a existência de um negócio antecedente, designado normalmente como negócio de cobertura, que serve de base à subscrição ou transação de valores mobiliários, assumindo-se estas operações como negócios de execução da relação de cobertura.
Os negócios de cobertura, que no CVM aparecem designados como contratos de intermediação, têm a sua regulamentação nos arts. 321.º e ss. deste diploma, entre eles se contando as ordens, cuja disciplina se contém nos arts. 325.º e ss.
Assim sendo, como se concluiu no acórdão da Relação de Lisboa de 02.11.2017, “além de instituição de crédito, é também um intermediário financeiro o Banco que tratou da comercialização, aos seus balcões, executando ordens de subscrição, que lhe foram transmitidas, das obrigações emitidas por uma terceira entidade” e “essa actividade e o contrato celebrado não podem deixar de ser considerados de intermediação financeira enquanto categoria contratual autónoma aberta, representada por um conjunto de contratos financeiros que se encontram subordinados a um regime jurídico mínimo comum, e que têm a natureza de contratos comerciais celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de actividades de intermediação financeira”.
Isto assente, passemos, então a analisar a questão da responsabilidade do Banco Réu como intermediário financeiro, começando por verificar se, face ao apurado, se mostra ou não preenchido o requisito da ilicitude.
A propósito da responsabilidade do intermediário financeiro Menezes Leitão in Direitos dos Valores Mobiliários, Vol. II, Coimbra Editora, 2000 pág. 45, considera que “há que ponderar, confrontando os seus pressupostos, se se deve efectuar o seu enquadramento no âmbito da responsabilidade delitual, por violação de direitos absolutos ou disposições legais de protecção (art. 483 e segs. do C. Civil) ou obrigacional, pelo incumprimento das obrigações arts. 798 e sgs. do C. Civil ou se deve ainda inseri-la no âmbito das categorias de responsabilidade que têm contribuído para abalar a rigidez da repartição entre estas duas categorias, como a da responsabilidade pré-contratual, a responsabilidade por informações e a responsabilidade civil do gestor de negócios, em relação às quais se tem falado na esteira de Canaris de uma terceira via de responsabilidade civil.”
Seja como for, o legislador resolveu a questão de uma forma pragmática ao prescrever no artigo 304.º-A, nº 1, do CVM que os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública, presumindo-se a culpa do intermediário financeiro quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação (nº 2 do citado artigo).
Entre esses deveres do intermediário financeiro - verdadeiras normas de conduta ou deveres jurídicos de conduta profissional - avulta, no que para o caso interessa, o dever de informação.

Sobre ele nos debruçaremos, pois.
À data dos factos ora em apreço, já o art. 7.º do CVM equiparava - em termos gerais - a informação de qualidade com aquela que é completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, o que implica, obviamente, que a informação seja casuisticamente adaptada e compreensiva de todos os elementos relevantes, fiel à realidade, apresentada no momento oportuno, percetível e isenta de elementos subjetivos e conforme à lei, à ordem pública e aos bons costumes.
É a consagração do princípio da “full disclosure”, importado do direito americano, num sentido de revelação total, devendo ter-se presente que a ponderação do conteúdo da informação a prestar deve ser feita de forma casuística e à luz dos interesses daqueles em nome de quem a lei exige esta conduta.
De modo que o art. 312.º, n.º 1, do CVM mais não continha (e não contém) do que um enunciado dos dados informativos básicos ou mínimos que terão que ser fornecidos pelo intermediário financeiro, nela se integrando a informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros, tendo o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, explicitado o que já estava potencialmente contido no corpo do nº 1 do referido art. 312º.
A questão fundamental na aplicação destes preceitos prende-se, aliás, com a densificação dos conteúdos dos conceitos indeterminados neles inseridos.
Para esse efeito, tanto então como hoje, impõe-se ter presentes os princípios da proteção dos interesses dos clientes de atuação diligente e do conhecimento dos clientes previstos no art. 304º do CVM, segundo o qual os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado (nº 1) e, nas relações com todos os intervenientes no mercado, devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência (nº 2), o que, desde logo, denota que o padrão de conduta exigido ao intermediário financeiro é um padrão que transcende, na sua exigência, o do bom pai de família previsto no art. 487º, nº 2, do Cód. Civil, devendo, antes, o intermediário agir como um “diligentissimus pater família”, segundo cuidados especiais que só as pessoas muito diligentes observam. (Gonçalo Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente, Coimbra: Almedina, 2008, pág. 130).
A consagração destes princípios bem se compreende se atentarmos em que é a própria Constituição que no seu art. 101.º prescreve que “o sistema financeiro é estruturado por lei, de modo a garantir a formação, captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social”, assim revelando o Estado uma das preocupações prementes e relacionadas com o interesse público: a de que o mercado de capitais seja um lugar seguro para a aplicação das poupanças geradas pelos indivíduos. Na sua base, pode encontrar-se ainda a necessidade de tutelar a igualdade entre os investidores, protegendo, especificamente, os investidores mais vulneráveis, surgindo, neste aspeto, os deveres de informação como um mecanismo fulcral para prosseguir tal objetivo, visto que o vasto elenco normativo presente no CVM obriga a uma divulgação exaustiva de informação, tanto maior quanto menor for a instrução do devedor.
À luz destes considerandos, a informação prestada, no caso em apreço, pelo Banco Réu, ao Autor não é, de todo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, uma informação que se possa dizer verdadeira, clara e objetiva, podendo, ao invés, dizer-se que a mesma foi não só incorreta, como errónea.
Com efeito, sabe-se que, tendo os Autores uma conta bancária no Banco ... – Banco ..., S.A. desde 23/08/1999, em Outubro de 2004, o Autor marido foi contactado por um funcionário da agência bancária daquele Banco, sita em Paredes de Coura, Sr. J. P. e com quem havia criado uma boa relação de confiança na agência de Vila Praia de Âncora, que lhe disse ter um novo produto financeiro, que era seguro, em tudo semelhante a um depósito a prazo, com taxas de juros muito atractivas, de 4,5 %, garantia de reembolso do capital investido e com pagamento semestral dos juros remuneratórios e que o produto era do próprio banco, pelo que, o retorno do dinheiro aplicado era garantido pelo banco, mais se sabendo que o objeto da venda assim promovida correspondia, na realidade, a Obrigações SXN Rendimento Mais 2004 e que os funcionários do Banco... não explicaram aos Autores o que eram obrigações subordinadas.
Ora, como já se frisou em momento anterior, ao contrário do que entende o Recorrente, o risco da subscrição de uma obrigação é diferente e superior ao risco de um depósito a prazo, sendo precisamente para compensar e atenuar esse maior risco e, se se quiser, para permitir que ele seja corrido, que: (i) se impõe a prestação aos investidores de informação adequada à tomada desse risco; como o risco é maior do que o dos depósitos a prazo, essa informação adequada é, naturalmente, mais exigente do que na contratação destes últimos; (ii) se impõe um regime de assistência informativa a cargo dos intermediários financeiros: os investidores não conseguem obter (exigir acesso, tratar e entender) por si aquela informação adequada. (cfr. citado estudo denominado “Informação e operações sobre valores mobiliários”).
Na verdade, como se enfatiza no citado estudo, nas obrigações há uma relação direta entre o investidor e a empresa emitente, ao contrário dos depósitos bancários, onde a relação é entre o investidor e o Banco (intermediário) e, por outro lado, naquelas “(…) o investidor não tem um crédito ao reembolso do valor investido mas apenas ao valor residual da sociedade quando esta seja dissolvida, estando, assim, objectivamente mas também na sua perspectiva, sujeito a um risco diferente e maior”, o que facilmente nos conduz à conclusão de que umas e outros não podem, na relação estabelecida com o adquirente das obrigações, ser equiparados pelo intermediário financeiro, sob pena de a informação prestada ser, necessariamente, incorreta.
Mais incorreta se revelando a informação dada se tivermos presente que, como noutro momento já se enfatizou, as obrigações representativas de dívida subordinada – como aquelas que estavam em causa – se caracterizam ainda pelo facto de o titular da obrigação, em caso de insolvência da emitente, apenas se poder pagar depois de satisfeitos todos os credores comuns (cf. art.º 48.º CIRE).

A incorreção da equiparação entre obrigações e depósitos a prazo foi já sublinhada por este coletivo de juízes no Acórdão publicado em 10.05.2018 (processo nº 6917/16.3T8GMR.G1), onde estava em apreço um caso em que o funcionário do banco réu também havia assegurado ao autor que o produto em questão era idêntico a um depósito a prazo, ali se tendo dito a esse propósito:

“Relembre-se que a informação a prestar tem de versar necessariamente, sobre as particulares características dos instrumentos financeiros em causa e sobre os concretos riscos neles envolvidos, porque só assim será alcançado o objetivo de permitir aos clientes uma decisão de investimento livre e esclarecida e só assim se assegurará a construção de um clima de confiança entre os vários agentes do mercado e a interiorização da imagem do mercado como um espaço seguro, tanto mais que o intermediário é um dos principais agentes na construção dessa confiança nos mercados, já que detém uma posição privilegiada no que toca ao acesso à informação no mercado de capitais e à possibilidade de a transmitir de forma acessível aos investidores-clientes.
É isso que o cliente espera face à relação de confiança e ao conhecimento especializado detido pelo Banco.”
Anote-se que o referido acórdão deste coletivo foi confirmado por acórdão do STJ de 11.12.2018 (Relatora – Ana Paula Boularot), onde se concluiu que “o Réu/Recorrente, com a sua conduta, desafiou todos os deveres de protecção da integridade pessoal e patrimonial do Autor, tendo-lhe apresentado como realidade, uma situação que à partida sabia que não era aquela (não se tratava de um depósito a prazo, mas sim da aquisição de um produto de risco), o que conduziu, não a uma frustração das expectativas daquele, mas antes, à frustração da sua confiança, porquanto as representações e as disposições efectuadas em função das mesmas, lhe foram indevidamente transmitidas, o que conduz, inexoravelmente à obrigação de reparação, colocando o sujeito na situação em que se encontraria se não tivesse acalentado aquelas expectativas.”
E, como no acórdão anteriormente proferido no âmbito dos presentes autos se assinalou, igual tendência se colhe da análise de recente jurisprudência do STJ sobre outras situações similares à ora em apreço, nomeadamente, a firmada no Acórdão do STJ de 19.03.2019 (Relator - José Rainho), na linha do Acórdão de 7 de fevereiro de 2019 (Relatora Rosa Tching), onde se entendeu que: “Não tendo o banco intermediário, aquando da subscrição da obrigação SXN 2006, dado a conhecer aos clientes/investidores as reais características deste produto financeiro, designadamente os maiores riscos envolvidos nesta operação, incluindo o especial risco de não retorno do capital investido em caso de insolvência da entidade emitente, factor que assume especial relevância visto estarmos perante uma obrigação subordinada com reembolso a dez anos e sem possibilidade de reembolso antecipado por iniciativa do subscritor, e tendo, em vez disso, assegurado aos clientes/investidores que a obrigação SXN 2006 era equivalente a um depósito a prazo, tão segura como este, estando garantido o retorno do capital investido, incorreu o banco em violação dos deveres de informação a que, na sua atividade de intermediação, se encontrava vinculado, não podendo deixar de relevar esta sua atuação ilícita para efeitos de responsabilidade civil contratual.”

No mesmo sentido, se expressou o Acórdão do STJ 25.10.2018 (Relator – Bernardo Domingos), onde se pode ler:
“Estando demonstrado que o Réu, na fase pré-contratual, não prestou a exigível e qualificada informação pautada pelo standard da actuação de boa-fé, com o elevado padrão de conduta, não actuando com diligência e transparência de modo a informar, cabalmente, do risco do negócio, não respeitando, nem protegendo o interesse do investidor e que ao invés lhe prestou informação ambígua tendente a convencê-lo da inexistência de risco ou de um risco igual ao de um depósito a prazo do próprio banco, é obvia a ilicitude de tal conduta (…)”
Como já sublinhamos antes e também se frisa no acórdão do STJ de 10-01-2013, (proc. n.º 89/10.4TVPRT.P1.S1), relatado pelo Conselheiro Tavares de Paiva, “a confiança do cliente, investidor não qualificado, nestas informações, deve ser protegida pela ordem jurídica, sob pena de se minar o valor coletivo da segurança jurídica”, não se podendo esquecer, para efeito da interpretação de quaisquer informações prestadas por funcionários bancários, a especificidade do contexto em que as mesmas se inserem, ou seja, forçoso sendo ter presente que, em tais casos, “o dador aparece, perante o destinatário, portador de qualidades específicas que o habilitam a fornecer tais informações e que induzem o mesmo destinatário a nelas fazer fé, pois o cliente presume uma competência e organização, uma profissionalização específica, que os bancos objetivamente possuem (Agostinho Cardoso Guedes, «A Responsabilidade do Banco por informações à luz do art. 485 do Código Civil», Revista de Direito e Economia, Ano XIV, 1988, pp. 138 e 139)”.
E, se é certo que os deveres de informação, em regra, visam finalidade não coincidente com os deveres de prestar, “já na intermediação financeira, sendo exigências pré-contratuais e contratuais geradoras, se violados, de culpa presumida – art. 304, nº2, do CVM – não podem ser encarados como num vulgar contrato onde o risco é mínimo. Aquilo a que seríamos tentados a considerar, na intermediação financeira, deveres acessórios de conduta – o dever de informar de forma diligentíssima - é o essencial do dever principal de prestar porque incindível da boa execução do contrato, mais a mais ante um cliente não qualificado”, daí que mesmo para quem entende que “nos deveres de informação não cabe, por exemplo, o dever de alertar para o risco de insolvência da entidade que coloca o produto financeiro no mercado, sobretudo se as circunstâncias não assinalarem no horizonte esse risco”, quando “o cliente é induzido a investir pelo Banco que toma a iniciativa de o contactar – como no caso ora em apreço é indubitável ter sucedido –, o que revela confiança”, “qualquer reticência de informação já é violadora do padrão de exigência informativa cometida ao intermediário” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de março de 2018, relatado por Fonseca Ramos).
Assim, relativamente à situação sub judice, tal como relativamente àquela que foi objeto do acórdão proferido no processo nº 6917/16.3T8GMR.G1, reafirma-se, sem sombra de dúvida, ter ocorrido violação do dever de informação suscetível de fazer o Banco Réu incorrer em responsabilidade civil.
E aqui, ainda com mais propriedade, se pode dizer que, no caso concreto, a declaração do funcionário do Réu ao assegurar que o produto financeiro era em tudo semelhante a um depósito a prazo, com garantia de reembolso do capital investido, e que o produto era do próprio banco, pelo que, o retorno do dinheiro aplicado era garantido pelo banco, “interpretada à luz dos critérios interpretativos das declarações negociais fixados no art. 236.º, n.º 1, do CC e que remetem para a perceção do declaratário médio ou normal”, significa, tal como se entendeu no acórdão do STJ de 17.03.2016 (Relatora – Maria Clara Sottomayor), “a assunção de um compromisso perante o cliente, segundo o qual o investimento não comportaria riscos para o capital investido e de garantia ao cliente do reembolso do capital, implicando assim uma assunção de responsabilidade”.
Isto porque, para além do mais, como se enfatiza no estudo do Instituto dos Valores Mobiliários acima citado, num depósito a prazo é o emitente/depositário que fica vinculado ao dever de restituição do dinheiro entregue e respetivos juros e não qualquer entidade terceira, como no caso das obrigações e, assim sendo, quando um funcionário bancário assegura a um cliente que um produto é idêntico a um depósito a prazo, o expectável é que o dito cliente (declaratário normal) entenda tal declaração como equivalendo a dizer que esse mesmo cliente fica com um direito de crédito sobre a própria entidade bancária e que esta assume o dever de restituição do equivalente aplicado, acrescido dos juros convencionados, findo o prazo estabelecido.
Na mesma direção se orientou o acórdão do Supremo Tribunal, de 10.01.2013, (proc. n.º 89/10.4TVPRT.P1.S1), relatado pelo Conselheiro Tavares de Paiva, ao afirmar que “(…) trata-se de um quadro negocial, a que seguramente não é alheio todo o relacionamento contratual de confiança existente entre a autora e o banco Réu desenvolvido ao longo dos anos e que num contexto negocial do tipo do que vem provado, à própria luz do art. 236 nº 1 do CPC, não pode deixar de ser interpretado como um compromisso contratual por parte do banco réu para com a autora traduzido precisamente naquele compromisso de garantir o reembolso do capital que foi aplicado na aquisição dos identificados activos financeiros.)”.
É que, como se sublinha no citado acórdão de 17.03.2016, aquela imagem de profissionalização, de especial conhecimento e experiência por parte dos funcionários bancários no que tange a investimentos financeiros que está na mente do cliente médio ou normal gera “uma situação em que os envolvidos descuram a preocupação de obter informações, pelos seus próprios meios”, baixam “as suas defesas naturais”, o que redunda em tomarem “à letra” aquilo que numa situação de igualdade de posições interpretariam com outra cautela, alcançando eventualmente conclusão diversa, não podendo, por isso, abstrair-se dessa particular vulnerabilidade do investidor não qualificado – categoria em que se insere o Autor – na fixação do sentido da supra referida declaração do funcionário do Banco Réu.
Na mesma linha, se decidiu no Acórdão da Relação do Porto, 7 de Outubro de 2019 (Relator - Pedro Damião e Cunha), onde se sufragou o entendimento da primeira instância no sentido de que “na situação decidenda a constituição da obrigação contratual de reembolso por parte do Réu se traduz na “assunção contratual do risco” referente à devolução do capital, a que alude Carneiro da Frada, Revista da Ordem dos Advogados, ano 69º, vol. III/IV, págs. 656 e segs., em artigo intitulado “Crise financeira mundial e alteração das circunstâncias: contratos de depósito vs. contratos de gestão de carteiras” (pág. 665).
Em conclusão, afigura-se que, no caso, tal como no acabado de referir e no do acórdão da Relação de Coimbra de 16.01.2018, pode dizer-se que, para além da responsabilidade assente na violação do dever de informação, o Banco Réu incorreu em “responsabilidade civil contratual porque o Banco violou o compromisso assumido no acordo feito com o cliente (garantia de restituição do capital e dos juros) e executou o contrato, violando os deveres de boa fé (art. 762.º do CC)”. No mesmo sentido, ainda, Acórdão da Relação de Coimbra de 23.01.2018.
Todavia, mais uma vez se enfatiza, mesmo para quem assim não entenda, como foi o caso do coletivo que subscreveu o acórdão de 19.03.2019 (Relator – José Rainho), sempre será de entender, como o mesmo coletivo também concluiu, que “o Réu incorreu em responsabilidade obrigacional perante os Autores por violação dos deveres de informação, de lealdade e de atuação de boa-fé que sobre ele impendiam” (acórdão proferido no processo nº 3922/16.3T8VIS.C2.S1).
Aqui chegados, deve, desde já, dizer-se que, na situação sub judice, se verificam também os requisitos do dano e do nexo de causalidade.
Quanto ao dano, assim é na medida em que, tendo-se alcançado a conclusão de que o Banco Réu violou o compromisso assumido, através do seu funcionário, com o ora Recorrido, no sentido da garantia de restituição do capital, claro se torna que o prejuízo resultante daquela violação é o equivalente ao capital investido, valor que o Banco assegurou ao cliente que não estava em risco. (cfr. Acórdão do STJ de 17.03.2016).
E o dano produziu-se na data em que, após o vencimento do produto, em 27 de Outubro de 2014, os Autores reclamaram a restituição do capital depositado ao Réu e o mesmo lhes foi negado, com a inerente indisponibilidade da dita quantia que, a cumprir-se o acordado, teria, nessa mesma data, passado a reintegrar-se na esfera patrimonial daqueles.
Por fim, na situação configurada nos autos, não serve, para afastar o nexo de causalidade e a responsabilidade do Banco, o argumento de que “a afirmação da garantia do reembolso do capital investido pelo intermediário financeiro não significa que a decisão da subscrição das obrigações se tivesse ficado a dever a tal circunstância” (como se lê no acórdão do STJ de 12.01.2017, Relator – Olindo Geraldes), porquanto, no caso em apreço, se sabe que, efetivamente, acaso lhes tivessem transmitido os funcionários bancários que, ao invés de um produto do Banco Réu equivalente a um depósito a prazo, se tratava de um produto emitido por uma entidade diversa e que, em caso de insolvência da emitente, o investidor apenas se poderia pagar depois de satisfeitos todos os credores comuns, os Autores não teriam aderido à subscrição.

Neste mesmo sentido se decidiu no acórdão do STJ de 26.3.2019 (Relator – Alexandre Reis):

“I - Considerando o âmbito funcional dos deveres de informação (completa, verdadeira, actual, clara e objectiva) que impendem sobre o intermediário financeiro, determinado pelo grau de conhecimentos e experiência do seu cliente – no caso, um investidor conservador e que, afinal, actuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação com as características de um depósito a prazo, sendo, portanto, não familiarizado com o produto financeiro (obrigação subordinada) em causa –, não cumpre tais deveres o banco que, naquela qualidade, fez crer a este que o capital que lhe propôs investir no produto poderia ser recuperado com rapidez e, sobretudo, que era garantido pelo próprio banco e como um depósito a prazo.
II - Mostrando-se que o cliente nunca teria adquirido a obrigação referida se o intermediário financeiro o tivesse informado de forma completa e verdadeira, designadamente de que o reembolso do capital investido não era garantido pelo banco, mostra-se preenchida a conditio sine qua non do dano e, por outro lado, em função das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis de todo o processo factual e segundo as regras da experiência comum e um critério de verosimilhança e de probabilidade, o facto de este ter violado o bem jurídico tutelado pelo dever de informação a que estava vinculado, não só não se mostra indiferente como foi apto a produzir o não reembolso do capital – a lesão verificada –, independentemente de este ter sido também condicionado pela superveniente insolvência da emitente da obrigação, sendo, pois, razoável impor ao intermediário a responsabilidade por esse resultado.”
Em conclusão, preenchidos se mostram todos os pressupostos que conduzem à obrigação de reparação, quer por via da responsabilidade extracontratual, quer por via da responsabilidade contratual.
Improcede, pois, a apelação.

Sumário:

I - Ao efetuar operações de subscrição ou transação de valores mobiliários, a entidade bancária atua por conta alheia, pressupondo aquela sua atuação a existência de um negócio antecedente entre a mesma e o cliente, designado normalmente como negócio de cobertura, como é o caso da ordem, negócio esse que se integra na categoria autónoma aberta dos contratos de intermediação;
II - Ao ser assegurado, pelo funcionário do Banco, que o produto em questão – obrigações subordinadas de entidade terceira – era idêntico a um depósito a prazo, com garantia de reembolso do capital investido, e que o produto era do próprio banco, pelo que o retorno do dinheiro aplicado era garantido pelo banco, ocorreu violação do dever de informação;
III – Por outro lado, tal declaração corresponde à assunção, pelo Banco, de um compromisso perante o cliente de garantia do reembolso do capital, traduzindo-se, nessa medida, o não reembolso verificado, na violação do compromisso assumido;
IV - Tendo o Banco Réu violado o compromisso assumido, no sentido da garantia de restituição do capital, claro se torna que o prejuízo resultante daquela violação é o equivalente ao capital investido, valor que o Banco assegurou ao cliente que não estava em risco;
V – Demonstrado que acaso lhes tivessem transmitido os funcionários bancários que, ao invés de um produto do Banco Réu equivalente a um depósito a prazo, se tratava de um produto emitido por uma entidade diversa e que, em caso de insolvência da emitente, o investidor apenas se poderia pagar depois de satisfeitos todos os credores comuns, os Autores não teriam aderido à subscrição, isto é, demonstrado que os clientes não teriam adquirido as obrigações referidas se o intermediário financeiro os tivesse informado de forma completa e verdadeira, designadamente de que o reembolso do capital investido não era garantido pelo banco, “mostra-se preenchida a conditio sine qua non do dano e, por outro lado, em função das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis de todo o processo factual e segundo as regras da experiência comum e um critério de verosimilhança e de probabilidade, o facto de este ter violado o bem jurídico tutelado pelo dever de informação a que estava vinculado, não só não se mostra indiferente como foi apto a produzir o não reembolso do capital – a lesão verificada –, independentemente de este ter sido também condicionado pela superveniente insolvência da emitente da obrigação, sendo, pois, razoável impor ao intermediário a responsabilidade por esse resultado”.
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IV. DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando integralmente a sentença recorrida.
Custas do recurso pelo Recorrente.
Guimarães, 01.10.2020

Margarida Sousa
Afonso Cabral de Andrade
Alcides Rodrigues