Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
291/17.8T8PVL.G1
Relator: JORGE BISPO
Descritores: CONTRAORDENAÇÕES AMBIENTAIS
SUSPENSÃO EXECUÇÃO COIMA
PRESSUPOSTOS
LEIS Nº S 114/2015
DE 28-08 E 50/2006
DE 29-08
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:

I) Com as alterações legislativas introduzidas pela Lei n.º 114/2015, de 28-08, na Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais (Lei n.º 50/2006, de 29-08), passou a ser possível suspender a execução não só das sanções acessórias, mas também da coima, dependendo, porém, a suspensão, total ou parcial, da coima da verificação cumulativa das condições previstas no n.º 1 do art. 20º-A, introduzido por aquele primeiro diploma, traduzidas em ser aplicada uma sanção acessória que imponha medidas adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma, e o cumprimento da sanção acessória ser indispensável à eliminação de riscos para a saúde, segurança das pessoas e bens ou ambiente.

II) O facto de a autoridade administrativa não ter aplicado qualquer sanção acessória, não é impeditivo de, no âmbito da impugnação judicial deduzida pela arguida, ao apreciar a pretensão de suspensão da execução da coima deduzida pela mesma, o tribunal poder e dever equacionar a aplicação de tal sanção, enquanto condição necessária para suspender a execução da coima.

III) Com as alterações legislativas introduzidas pela Lei n.º 114/2015, de 28-08, na Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais (Lei n.º 50/2006, de 29-08), passou a ser possível suspender a execução não só das sanções acessórias, mas também da coima, dependendo, porém, a suspensão, total ou parcial, da coima da verificação cumulativa das condições previstas no n.º 1 do art. 20º-A, introduzido por aquele primeiro diploma, traduzidas em ser aplicada uma sanção acessória que imponha medidas adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma, e o cumprimento da sanção acessória ser indispensável à eliminação de riscos para a saúde, segurança das pessoas e bens ou ambiente.

IV) O facto de a autoridade administrativa não ter aplicado qualquer sanção acessória, não é impeditivo de, no âmbito da impugnação judicial deduzida pela arguida, ao apreciar a pretensão de suspensão da execução da coima deduzida pela mesma, o tribunal poder e dever equacionar a aplicação de tal sanção, enquanto condição necessária para suspender a execução da coima.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

1. No processo de contraordenação com o n.º CO/001081/11, foi proferida decisão administrativa, em 06-07-2016, pela Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, a condenar a arguida, O., S.A., pessoa coletiva n.º 506 (…), na coima de € 24.000, pela prática da contraordenação prevista nos arts. 3º, n.º 1, e 18º, n.º 1, do DL n.º 46/2008, de 12 de março, e punida nos termos do art. 22º, n.º 4, al. b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto.
2. Não se conformando com essa decisão administrativa, a arguida impugnou-a judicialmente, tendo sido proferida sentença, em 30-05-2018, depositada na mesma data, a julgar parcialmente procedente o recurso, atenuando especialmente a coima e condenando a arguida, por força dessa atenuação, na coima de € 12.000.
3. Ainda inconformada, a arguida interpôs recurso da sentença, formulando a seguinte síntese conclusiva [1]:

«CONCLUSÕES:

1 – O presente recurso incide exclusivamente sobre matéria de direito.
2 – Foi condenada a arguida numa coima de € 12.000,00 pela prática de uma contraordenação p. e p. pelo n.º 1 do artigo 3.º e pelo n.º 1 do artigo 18.º, do Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12 de Março.
3 – A LQCA prevê no artigo 20.º-A a suspensão da execução da coima, total ou parcialmente, mediante a verificação de duas condições cumulativas, sendo que uma delas é a aplicação de uma sanção acessória.
4 – A arguida depositou os resíduos no terreno de um conhecido e a seu pedido, com o propósito de o aterrar; assim que foi advertida pela GNR de que era obrigada a encaminhá-los para uma entidade gestora de resíduos, procedeu de imediato à regularização da situação, depositando-os na B. – cfr. alíneas k), l) e m) da matéria de facto provada.
5 - A autoridade administrativa considerou que a contraordenação foi cometida a título de negligência; a arguida não tem averbadas condenações pela prática de contraordenações de cariz ambiental ou outras - cfr. alínea n) da matéria de facto provada.
6 – Não foi aplicada sanção acessória à arguida pois que da sua conduta não resultou qualquer perigo para a saúde e em termos ambientais foi de imediato resolvida com o encaminhamento dos materiais para a B..
7 – A sanção acessória a aplicar à arguida sempre seria a de repor a situação anterior à infração e a minimização dos efeitos decorrentes da mesma, eliminando os riscos para a saúde ou ambiente – prevista no artigo 30.º, n.º 1, alínea j) da LQCA. O que já sucedera.
8 – Posto isto, chegamos a um resultado que não se mostra razoável: o douto Tribunal a quo não aplicou a suspensão da execução da coima porquanto a sanção acessória de que se fazia depender estava já cumprida pela arguida.
9 – Além de que tal entendimento beneficia o infrator que nada fez para repor a situação anterior à infração em detrimento daqueloutro diligente, como foi a ora recorrente - vd. com pertinência o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15-11-2017, Processo n.º 143/17.1T8GRD.C1, (Relator: INÁCIO MONTEIRO).
10 - Pelo exposto, o Tribunal a quo deveria ter suspendido a execução da coima, nos termos do artigo 20.º-A, n.º 1 da LQCA, não aplicando a sanção acessória, prevista no artigo 30.º, n.º 1, alínea j) do mesmo diploma legal, por se encontrar cumprida.
11 – E ao não o fazer, a sentença recorrida violou assim a norma do artigo 20.º-A, n.º 1 da LQCA.

Termos em que, a douta sentença a quo deve ser revogada e substituída por uma outra que suspenda a execução da coima aplicada de € 12.000,00 (doze mil euros), nos termos do artigo 20.º-A, n.º 1 do LQCA, com o que, Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, farão a sempre habitual e tão esperada
JUSTIÇA.»

4. A Exma. Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância, em resposta à motivação da recorrente, pronunciou-se no sentido de o recurso ser declarado improcedente, confirmando-se integralmente a sentença recorrida, por não se verificarem os requisitos que permitem suspender a aplicação da coima, uma vez que, pela autoridade administrativa não foi aplicada à recorrente qualquer sanção acessória.
5. Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no sentido de ser concedido provimento parcial ao recurso, por entender «justificar-se que se decrete a suspensão parcial da coima (metade do valor), condicionada à aplicação de medidas que se mostrem adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos dependentes da mesma, isto é, através da aplicação da sanção acessória prevista no artigo 30º, al. j), da Lei n.º 50/2006, de 29/8», citando em abono desse entendimento o acórdão da Relação de Coimbra de 15-12-2016.
6. No âmbito do disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a recorrente não respondeu a esse parecer.
7. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c) do Código de Processo Penal.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Em processo de contraordenação, o regime de recurso interposto para o tribunal da relação de decisões proferidas em primeira instância obedece às regras referidas nos arts. 73º a 75º do Regime Geral das Contraordenações, aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27 de outubro, que instituiu o ilícito de mera ordenação social e respetivo processo, seguindo, em tudo o mais, a tramitação do recurso em processo penal (art. 74º, n.º 4), por força da subsidiariedade genericamente enunciada no art. 41º, n.º 1.

De acordo com o disposto no art. 75º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma, o tribunal da relação apenas conhece, em regra, da matéria de direito, sem prejuízo de poder alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação temática aos termos e ao sentido da decisão recorrida, anulá-la e devolver o processo ao tribunal recorrido.

Por fim, em conformidade com o disposto no art. 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação pelo recorrente, não podendo o tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso [2].

Posto isto, a única questão a apreciar no caso vertente consiste em averiguar se estão verificados os pressupostos para suspender a execução da coima aplicada à arguida.

2. DA DECISÃO RECORRIDA

É do seguinte teor a fundamentação de facto da sentença recorrida (transcrição):

«1. OS FACTOS PROVADOS:

a) No dia 8 de março de 2011, pelas 09h30m, foi efetuada uma ação de fiscalização pela Equipa de Proteção da Natureza e Ambiente (EPNA), da Guarda Nacional Republicana, (GNR de …).
b) Da mencionada ação de fiscalização resultou a elaboração do Auto de Notícia n.º 37/11;
c) A ação de fiscalização teve lugar no local sito na Zona Industrial de ….
d) A equipa de proteção da GNR de …, recebeu uma denúncia anónima, via telemóvel, tendo sido informada que estavam a ser abandonadas grandes quantidades de resíduos de obras e que, por debaixo dos resíduos atualmente visíveis haviam também sido depositadas algumas cargas de lã de rocha, tendo tais resíduos sido transportados pelo veículo com a matrícula …-…-KC.
e) A equipa da GNR de … verificou no local que se encontravam depositados resíduos de construção e demolição, não tendo, porém, confirmado a existência dos resíduos de lã de rocha.
f) Com o fim de identificar o seu autor foi feita a pesquisa do mesmo através da matrícula, tendo sido apurado que a mesma se tratava de um veículo pesado de mercadorias, propriedade de "M. M. P., Lda.", NIPC …, com sede em … .
g) O representante legal daquela sociedade, o Senhor M. P., afirmou que se encontrava a proceder a trabalhos de demolição de um pavilhão na Zona Industrial de …, pavilhão propriedade da empresa "O., S. A.
h) A equipa da GNR de …, por contato telefónico, apurou junto do Senhor E. M., que os resíduos em questão são provenientes do pavilhão da empresa recorrente; mais referiu que os RCO fossem depositados na Zona Industrial de … em virtude de ter recebido autorização do Senhor Presidente da Câmara Municipal de ….
i) A Arguida é a responsável pelos RCO encontrados junto ao Campo de Futebol de (…), em Viseu [3], bem como pelo seu abandono e descarga em local não autorizado/licenciado.
j) A Arguida não agiu com o cuidado a que estava obrigada enquanto produtora dos resíduos.
k) E. M., pai do Administrador da Arguida, foi quem contatou o Presidente da CM de …, por ser seu conhecido, tendo este último indicado um terreno de sua propriedade para a deposição do referido entulho.
l) M. B., sendo proprietário de um terreno no Parque Industrial de … - que precisava de aterrar para o colocar à cota dos restantes situados naquela área - indicou esse seu terreno ao referido E. M. para ser depositado o entulho das obras da O..
m) Após a fiscalização da GNR de …, o entulho passou a ser depositado na B..
n) A arguida não tem averbada condenações pela prática de contraordenações de cariz ambiental ou pela prática de qualquer crime.

2. OS FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provaram, entre outros, os seguintes factos:

· O Sr. Presidente da Câmara, à data, desconhecesse que o referido ato de deposição de resíduos era proibido e punido por lei.
· A atuação da recorrente tenha sido concretizada pelo pai do administrador da recorrente.
3. A CONVICÇÃO DO TRIBUNAL
4. Não foi ouvido o representante legal da recorrente.

Os dois militares da GNR confirmaram, no essencial, o auto de notícia (sendo que a inexistência de lã de rocha consta do próprio auto).

O Sr. M. B., à data presidente da Câmara Municipal de …, confirmou que falou com o pai do administrador da recorrente e que lhe disse para depositar os resíduos num seu terreno a fim de o aterrar; a declaração de que desconhecia a proibição de tal ato não mereceu qualquer credibilidade uma vez que como presidente é manifesto que não poderia desconhecer essa proibição, atentos os poderes de fiscalização e monitorização do ambiente a cargo de qualquer município, sendo que não se está sequer perante uma interpretação jurídica ou qualquer outro ato de complexa interpretação; toda a gente sabe que a deposição de resíduos de obras não pode ser feita em terrenos particulares; além disso, nada se provou quanto ao alegado facto de a atuação da arguida ter sido concretizada pelo pai do seu administrador.

Junto aos autos temos:

Auto de notícia a fls. 7 e ss.
• Certidão permanente a fls. 24 e ss.
• Cópia de modelo 22 a fls. 29 e ss.
• Decisão administrativa a fls. 86 e ss.
• CRC da recorrente a fls. 143.
• Informação da Inspeção Geral a fls. 147.»

3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

Pretende a recorrente que, ao abrigo do disposto no art. 20º-A da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, que aprovou a lei-quadro das contraordenações ambientais (doravante designada por LQCA), seja suspensa a execução da coima que lhe foi aplicada, pela prática da contraordenação ambiental de abandono e descarga de resíduos de construção e demolição (RCD) em local não licenciado ou autorizado para o efeito, prevista nos arts. 3º, n.º 1, e 18º, n.º 1, do DL n.º 46/2008, de 12 de março, e punida pelo art. 22º, n.º 4, al. b), da referida Lei, pretensão essa que lhe foi negada pela primeira instância.

A questão a apreciar reconduz-se, pois, a saber se, no caso vertente, é admissível a suspensão da execução da coima aplicada à arguida e se estão verificados os respetivos pressupostos.

À data da prática dos factos (08-03-2011), a redação então em vigor da LQCA, alterada pela Lei n.º 89/2009, de 31 de agosto, não previa a suspensão da execução da coima, mas tão só das sanções acessórias. É o que claramente resulta da inserção sistemática do seu art. 39º, com a epígrafe “Suspensão da sanção”, cujo n.º 1 dispunha que:

1 - A autoridade administrativa que procedeu à aplicação da sanção pode suspender, total ou parcialmente, a sua execução”.

É certo que a expressão genérica “sanção” também pode abranger a coima, como, aliás, é feito no art. 20º, com a epígrafe “Da sanção aplicável”, cujo n.º 1 elenca os critérios a atender na determinação da medida da coima.
Todavia, o Título III desse diploma, com a epígrafe “Das coimas e das sanções acessórias” apresenta os seguintes Capítulos: o Capítulo I (Da sanção aplicável), composto pelo art. 20º; o Capítulo II (Coimas), composto pelos artigos 21º a 28º; e o Capítulo III (Sanções acessórias), composto pelos artigos 29º a 39º.

Ora, dispondo o art. 29º, com o qual se inicia o Capítulo III (dedicado às sanções acessórias), que “A lei pode, simultaneamente com a coima, determinar, relativamente às infrações graves e muito graves, a aplicação de sanções acessórias, nos termos previstos nos artigos seguintes e no regime geral das contraordenações”, e inserindo-se o art. 39º, que prevê a possibilidade de “suspensão da sanção” no termo desse Capítulo, parece inequívoca a intenção do legislador em restringir essa suspensão às sanções acessórias, não abrangendo, pois, a coima [4].

Todavia, a Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto, ao introduzir alterações à LQCA, revogou esse art. 39º, que apenas previa a suspensão da execução das sanções acessórias, e aditou o art. 20º-A, inserido na Capítulo I (Da sanção aplicável) com a seguinte redação:

“Artigo 20.º-A
Suspensão da sanção
1 - Na decisão do processo de contraordenação, a autoridade administrativa pode suspender, total ou parcialmente, a aplicação da coima, quando se verifiquem as seguintes condições cumulativas:

a) Seja aplicada uma sanção acessória que imponha medidas adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma;
b) O cumprimento da sanção acessória seja indispensável à eliminação de riscos para a saúde, segurança das pessoas e bens ou ambiente.
2 - Nas situações em que a autoridade administrativa não suspenda a coima, nos termos do número anterior, pode suspender, total ou parcialmente, a execução da sanção acessória.
3 - A suspensão pode ficar condicionada ao cumprimento de certas obrigações, designadamente as consideradas necessárias para a regularização de situações ilegais, à reparação de danos ou à prevenção de perigos para a saúde, segurança das pessoas e bens e ambiente.
4 - O tempo de suspensão da sanção é fixado entre um e três anos, contando-se o seu início a partir da data em que se esgotar o prazo da impugnação judicial da decisão condenatória.
5 - A suspensão da execução da sanção é sempre revogada se, durante o respetivo período, ocorrer uma das seguintes situações:
a) O arguido cometer uma nova contraordenação ambiental ou do ordenamento do território, quando tenha sido condenado pela prática, respetivamente, de uma contraordenação ambiental ou do ordenamento do território;
b) O arguido violar as obrigações que lhe tenham sido impostas.
6 - A revogação determina o cumprimento da sanção cuja execução estava suspensa.”

Com esta alteração legislativa, a LQCA passou a prever a possibilidade de suspensão da execução não só das sanções acessórias, mas também da coima, obedecendo, porém, a suspensão desta última a um regime mais apertado, traduzido na verificação cumulativa das condições previstas no n.º 1 do citado artigo.

Pese embora tal alteração tenha sido posterior à data da prática dos factos em apreço nos autos, que ocorreram em 08-03-2011, de acordo com o disposto no art. 4º, n.º 2, da LQCA, segundo o qual “Se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplica-se a lei mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado”, a inovadora possibilidade de suspensão de execução da coima é aplicável à contraordenação ambiental em que a arguida incorreu, por se tratar inequivocamente de lei com conteúdo mais favorável que a anterior.

Posto isto, vejamos se estão verificadas as condições cumulativas que o art. 20º-A, n.º 1, als. a) e b), da LQCA faz depender a suspensão da execução da coima, isto é: que “seja aplicada uma sanção acessória que imponha medidas adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma”, e que “o cumprimento da sanção acessória seja indispensável à eliminação de riscos para a saúde, segurança das pessoas e bens ou ambiente”.

O Mm.º Juiz afastou essa possibilidade com a seguinte fundamentação, que se retira do seguinte excerto da sentença recorrida (transcrição):

«Ora, como resulta claramente da lei, a suspensão da aplicação da coima só é admissível nos casos em que tenha sido aplicada à recorrente uma sanção acessória.
Não tendo à recorrente sido aplicada qualquer sanção acessória, não é legalmente admissível a sugerida suspensão.»

Contra-argumenta agora a recorrente que, relativamente aos resíduos de construção e demolição que depositara no terreno particular em apreço, conduta integradora da contraordenação ambiental pela qual foi condenada, “assim que foi advertida pela GNR de que era obrigada a encaminhá-los para uma entidade gestora de resíduos, procedeu de imediato à regularização da situação, depositando-os na B. – cfr. alíneas k), l) e m) da matéria de facto provada”.

Nessa sequência, sustenta que a sanção acessória a aplicar seria a prevista na al. j) do art. 30º, n.º 1, da LQCA, ou seja, a reposição da situação anterior à infração e a minimização dos efeitos decorrentes da mesma, eliminando os riscos para a saúde ou ambiente. E uma vez que tal já se mostrava cumprido, com o encaminhamento dos resíduos para a B., não se apresenta razoável a decisão do tribunal a quo ao não aplicar a suspensão da execução da coima, porquanto a sanção acessória de que esta dependia já estava cumprida.

Porém, contrariamente ao que a recorrente sustenta, não resulta da matéria de facto provada que os resíduos de construção e demolição depositados no terreno particular em apreço foram posteriormente removidos e encaminhados para a referida B. (na pressuposição de que que esta se trata de uma entidade gestora de resíduos).

Com efeito, o que se retira do elenco dos factos provados, mormente das invocadas alíneas k), l) e m), é que encontrando-se em curso trabalhos de demolição de um pavilhão propriedade da arguida, o presidente da Câmara Municipal de …, conhecido do pai do administrador daquela, indicou-lhe um terreno seu, que precisava de aterrar para o colocar à cota dos restantes, para nele ser depositado o entulho proveniente das referida obras e que, após a fiscalização da GNR que esteve na origem da instauração do presente processo, o entulho passou a ser depositado na B. (sublinhado nosso).

Ora, desta última expressão, utilizada na redação da al. m), de modo algum se pode concluir que a arguida procedeu à remoção dos resíduos do terreno onde os tinha depositado, mas sim que após a fiscalização, o restante entulho passou a ser encaminhado para a referida B..

O facto dado como provado nessa alínea foi integralmente transposto do ponto 13º da matéria de facto dada como provada na decisão administrativa, não tendo, aliás, sido objeto de discussão na impugnação judicial, conforme resulta do respetivo requerimento e da motivação da decisão de facto da sentença recorrida.

Sucede que a autoridade administrativa deu tal facto como provado com base no depoimento prestado pelas testemunhas E. M. e M. P., ao afirmarem “que a partir dessa altura [ação fiscalizadora] o entulho passou a ser depositado na B.” (cf. autos de fls. 51 a 54) e pela testemunha M. B., que afirmou que “após a fiscalização a empresa do filho do Sr. E. levou o restante entulho para a B.” (cf. auto de fls. 55 a 56).

Não pode, pois, proceder a argumentação da recorrente no sentido de que a sanção acessória aplicável à situação já se mostrava cumprida no momento em que foi proferida a decisão administrativa, para daí concluir que nada obstava à suspensão da execução da coima pelo tribunal a quo.

Não obstante, o facto de a autoridade administrativa não ter aplicado à arguida qualquer sanção acessória, tal não pode ser impeditivo de, no âmbito da impugnação judicial deduzida pela arguida, ao apreciar a pretensão de suspensão da execução da coima deduzida pela mesma, o tribunal poder e dever equacionar a aplicação de tal sanção, enquanto condição necessária para suspender a execução da coima.

Consequentemente, ao sindicar a decisão recorrida que negou a pretensão de suspensão da execução da coima com o argumento de não ter sido aplicada pela autoridade administrativa qualquer sanção acessória, também nada impede que se determine a aplicação de tal sanção.

Conforme foi ponderado no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra invocado pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto no seu parecer [5], proferido num caso de contornos semelhantes aos dos presentes autos, «importa cuidar e prevenir a preservação do ambiente, que é património de toda a comunidade, não apenas pela via sancionatória, mas também através de medidas pedagógicas, isto é, o legislador preocupou-se ao introduzir o regime de suspensão da execução da coima nas contraordenações ambientais, fazendo-a depender de condições que visem atingir aquele fim, impondo obrigações aos infratores.
Esta é a filosofia que se extrai do atual regime de suspensão da coima em contraordenações ambientais. Educar, impondo obrigações para melhor prevenir».

Daí que, ponderando ainda que, como resulta da matéria de facto provada, a contraordenação revestiu uma forma de culpa mais leve (negligência) e a arguida não tem averbadas condenações pela prática de contraordenações de cariz ambiental ou pela prática de qualquer crime, cremos justificar-se a suspensão da execução da coima.

Todavia, como vimos, essa suspensão está dependente da verificação das condições cumulativas previstas nas als. a) e b) do n.º 1 do art. 20º-A da LQCA, na redação dada pela Lei n.º 114/2015, a primeira das quais consiste na aplicação de uma sanção acessória que imponha medidas adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma, ou seja, a sanção acessória prevista na al. j) do n.º 1 do art. 30º do mesmo diploma.

No caso vertente, tratando-se a arguida de um mero particular, a sanção acessória que se apresenta como adequada consiste na reposição da situação anterior à infração, removendo e encaminhando para uma entidade gestora, os resíduos de construção e demolição depositados no terreno em apreço, o que se apresenta como indispensável para a eliminação dos riscos para o ambiente, assim se verificando igualmente o segundo requisito cumulativo supra referido.

O art. 20º-A, n.º 1, prevê a possibilidade de a suspensão da coima ser total ou parcial.

Considerando que a arguida é uma pessoa coletiva (sociedade anónima), que os resíduos eram provenientes de obras de demolição de um pavilhão industrial sua propriedade, que a coima, depois de especialmente atenuada, foi fixada no seu montante mínimo, que a contraordenação em apreço é considerada como muito grave (cf. art. 18º, n.º 1, do DL n.º 46/2008, de 12 de março) e que está em causa a proteção de bens jurídicos relativos à qualidade ambiental, com importantes reflexos na saúde e qualidade de vida dos cidadãos, afigura-se-nos necessário e adequado, para acautelar o efeito sancionatório e prevenir a repetição de comportamentos semelhantes, quer por terceiros quer pela própria arguida, que esta suporte parcialmente a coima.

Em face do exposto, tendo o tribunal a quo fixado a coima em € 12.000, cremos adequado que a arguida efetue o pagamento de metade desse valor (€ 6.000), suspendendo a execução da coima na outra metade (€ 6.000), pelo prazo de dois anos, subordinada ao cumprimento da sanção acessória de remoção, no prazo de um mês, de todos os resíduos do local onde foram depositados, encaminhando-os para uma entidade gestora de resíduos, caso entretanto tal não tenha sido feito, assim se repondo a situação anterior à infração e se eliminando os riscos criados para o ambiente, tudo nos termos do art. 20º-A, n.º 1, al. a) e b), 30º, n.º 1, al. j) e n.º 4, todos da LQCA, na redação dada pela Lei n.º 114/2015.

III. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em conceder parcial provimento ao recurso interposto pela arguida, "O., S.A.", e, em consequência, suspender parcialmente a execução da coima fixada pelo tribunal a quo em € 12.000 em metade desse valor [€ 6.000 (seis mil euros)], pelo prazo de dois anos, com a condição de a arguida, no prazo de um mês, cumprir a sanção acessória de remoção de todos os resíduos do local onde foram depositados, encaminhando-os para uma entidade gestora de resíduos, caso entretanto tal não tenha sido feito, mantendo-se o pagamento da coima na parte remanescente [€ 6.000 (seis mil euros)].

Sem tributação em custas, atenta a parcial procedência do recurso (art. 513º, n.º 1, a contrario, do Código de Processo Penal).
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(Texto elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP)
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Guimarães, 05 de novembro de 2018

(Jorge Bispo)
(Pedro Miguel Cunha Lopes)


[1]- Todas as transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo a correção de gralhas evidentes, a formatação e a ortografia utilizadas, que são da responsabilidade do relator.
[2]- Cf. o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/95 do STJ, de 19-10-1995, in Diário da República – I Série-A, de 28-12-1995.
[3]– É manifesto o lapso de escrita cometido neste ponto da matéria de facto provada, no que concerne à indicação do local onde foram encontrados os resíduos, decorrente da transposição para a sentença recorrida da matéria de facto constante da decisão administrativa, onde tal lapso também foi cometido, certamente devido à utilização do texto de um outro processo de contraordenação.
[4]- Neste sentido cf. o acórdão da RC 25-03-2015 (processo n.º 14/14.3T8SCD.C1), disponível em http://www.dgsi.pt.
[5]- De 15-12-2016 (processo n.º 121/16.8T8CDN.C1), disponível em http://www.dgsi.pt.