Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3507/16.4T8BRG-J.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: CASAMENTO CATÓLICO
NULIDADE
INCOMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL ECLESIÁSTICO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Embora não seja admissível o articulado de “Resposta às exceções invocadas na Réplica”, não deverá ser ordenado o desentranhamento de tal articulado se dele constar a alegação de factos (e respectivas provas) demonstrativos da litigância de má-fé da A., caso em que apenas esses factos serão considerados e não os legalmente inadmissíveis.

II- Na Concordata celebrada entre a Santa Sé e a República Portuguesa de 2004, o Estado Português já não se encontra vinculado a reservar aos tribunais eclesiásticos a apreciação da validade ou da nulidade dos casamentos católicos, contrariamente ao que sucedia com a Concordata de 1940.

III- Não obstante essa desvinculação, o legislador português continuou a manter em vigor o artigo 1625º do Código Civil, o qual, enquanto não for revogado ou alterado, impõe que a nulidade (e também a anulação, enquanto forma de invalidade) dos casamentos católicos só pode ser declarada pelos tribunais eclesiásticos.

IV- Embora não seja admissível o articulado de “Resposta às exceções invocadas na Réplica”, não deverá ser ordenado o desentranhamento de tal articulado se dele constar a alegação de factos (e respectivas provas) demonstrativos da litigância de má-fé da A., caso em que apenas esses factos serão considerados e não os legalmente inadmissíveis.

II - Na Concordata celebrada entre a Santa Sé e a República Portuguesa de 2004, o Estado Português já não se encontra vinculado a reservar aos tribunais eclesiásticos a apreciação da validade ou da nulidade dos casamentos católicos, contrariamente ao que sucedia com a Concordata de 1940

V- Não obstante essa desvinculação, o legislador português continuou a manter em vigor o artigo 1625º do Código Civil, o qual, enquanto não for revogado ou alterado, impõe que a nulidade (e também a anulação, enquanto forma de invalidade) dos casamentos católicos só pode ser declarada pelos tribunais eclesiásticos.
Decisão Texto Integral:
Na presente Acção de Divórcio sem o consentimento do outro cônjuge interposta por Maria contra A. M., ambos melhor identificados nos autos, foi proferido o seguinte despacho:

“A presente ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge segue a forma de processo comum, definida por lei como forma única – cfr. artigo 548º do CPC – que contempla a petição inicial, a contestação que, quando acompanhada de reconvenção, pode ser seguida de réplica. Não prevê – e por isso não permite – a lei a apresentação de novo articulado de resposta à réplica (tendo desaparecido a figura da tréplica, anteriormente prevista no artigo 503º do CPC).

Assim, por processualmente inadmissíveis, determino o desentranhamento e devolução aos respetivos apresentantes dos requerimentos de fls. 123 e ss.”
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Não se conformando com a decisão proferida, dela veio o R. interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

1. O despacho recorrido a ordenar a admissão da réplica da A e o desentranhamento da peça processual do Recorrido está duplamente ferido de nulidade dado que viola o direito do contraditório do Reú/Recorrente ( art 3 do CPC).
2. E erradamente rotula o requerimento do R de tréplica, fazendo tábua rasa que é um articulado autónomo em que o Recorrente:

a) pronuncia–se sobre documentos juntos pela A. a 26.º e 27.º no ultimo articulado desta;
b) requer a litigância de má-fé da A. juntando documentos;
c) invoca a inadmissibilidade dos artigos que constam da réplica, que deveriam ser dados por não escritos.
3. e viola a regra da igualdade substancial das partes (ex vi art. 5 CPC) pois admite O CONTRADITÓRIO da A. aos documentos juntos pelo Reu e aceita os meios de prova por esta juntos, os factos novos que esta adita á PI SEM convite prévio.
4. a decisão recorrida viola a regra do artº 195º, nº2, in fine, do CPC [utile per inutile non vitiatur], inspirada no princípio da conservação dos actos jurídicos, ou seja, se o vício de que o acto sofre impedir a produção de determinado efeito (in casu, a resposta a excepções invocadas pela A na Resposta á contestação da Reconvenção), não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o acto se mostre idóneo: o contraditório do Recorrente aos documentos e á alegação de factos novos, a junção de meios de prova do Recorrente e o pedido de litigância de má fé da A.
5. O Despacho recorrido cai em contradição ao admitir a réplica da A. á Reconvenção sem admitir esta aos autos!
6. não cumpre o dever de fundamentação das decisões judiciais limitando-se a um silogismo: rotula a peça processual do Reu de tréplica, sem apreciar o conteúdo do mesmo e faz tábua raza de que artº 427º, do CPC actual, na linha do artº 526º, do pretérito CPC, e porque como o obriga o actual artº 415º (tal como já o determinava o artº 517º, do cpc anterior), salvo disposição em contrário, não são admitidas nem produzidas provas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas, visa “realizar o princípio do contraditório”, explicando v.g. e avisadamente JOSÉ LEBRE DE FREITAS que, quando “o documento é apresentado com o último articulado ou alegação (...) tem lugar a notificação da parte contrária para o fim específico de o impugnar”.
7. o que o Tribunal Recorrido omite, ferindo de nulidade o despacho desentranhamento dos autos do articulado do Recorrente - qual medida drástica de gestão processual - e obsta, erradamente, ao exercício do contraditório pelo Reú da prova documental junta no ultimo articulado da A.
8. O despacho recorrido carece de total fundamentação com factos motivados e preceitos legais o que se traduz na nulidade prevista no artigo 615.º n.º 1 b), ex vi 613.º n.º 3, e 195.º, do Código de Processo Civil.
9. O ordenado desentranhamento do requerimento autónomo do Recorrente, além de cercear o direito deste ao contraditório dos documentos juntos no ultimo articulado da A. viola a regra da proibição de indefesa também por não admitir os meios de prova da igualdade substancial das partes pois enquanto que tudo admitiu à A., a réplica da A., a versão desta dos documentos juntos pelo R. e os meios de prova nela juntos pela A. mas tudo rejeita ao Réu, a impugnação do valor probatório dos docs. juntos pela A. em último articulado desta, os meios probatórios nele juntos pelo R., a oposição á adição de novos factos á PI e impede a apreciação do pedido de condenação da A. como litigante de má-fé, violando a garantia da tutela jurisdicional efectiva consagrado no art 2º do CPC e art. 26 da CRP…”.

Pede, a final, que seja revogado o despacho recorrido e que seja recebido o articulado do Recorrente, com a apreciação do conteúdo do mesmo, nomeadamente o contraditório por ele efectuado aos factos novos aditados pela A. à PI e a junção aos autos dos documentos e mais meios de prova por ele juntos.
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Dos autos não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações a este recurso.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir por este tribunal são as de saber:

- se a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação;
- se era de admitir o articulado do A. de “resposta às exceções” deduzidas no articulado anterior pela A.
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Os factos a considerar para a decisão das questões colocadas são os constantes da decisão recorrida.
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Da nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação:

Acusa o recorrente o despacho recorrido de nulidade, dizendo que o mesmo “carece de total fundamentação com factos motivados e preceitos legais…”
Mas sem qualquer fundamento, adiantamos já, pois como do mesmo consta (e para cuja leitura remetemos), ele encontra-se motivado, quer de facto, quer de direito, não merecendo ser sancionado com a nulidade invocada pelo recorrente.
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Quanto ao desentranhamento do articulado apresentado pelo A:

Ordenou-se no despacho recorrido o desentranhamento do articulado apresentado pelo A. a seguir à réplica da A - que ele apelida de “Resposta do Reconvinte ás excepções da Reconvinda” -, com o fundamento de que a lei não prevê e não permite a apresentação de novo articulado de resposta à réplica (tendo desaparecido a figura da tréplica, anteriormente prevista no artigo 503º do CPC).

Ora, insurge-se o recorrente contra tal decisão, dizendo, além do mais, que não se trata de um novo articulado, mas apenas de um requerimento de resposta a factos novos (inadmissíveis) alegados na réplica; de resposta a documentos apresentados pela A. no articulado anterior; e à dedução de um pedido de condenação da A como litigante de má-fé, com prova oferecida e requerida para essa condenação.

Começamos por dizer que embora o recorrente nas suas alegações de recurso o não considere como tal, trata-se, de facto, de um novo articulado apresentado pelo A. nos autos, por ele apelidado de “Resposta do Reconvinte ás excepções da Reconvinda”, inadmissível face aos novos trâmites processuais.

Aliás, analisado tal articulado, o recorrente termina o mesmo da seguinte forma: “Termos em que se requer:

- seja a resposta do Reconvinte ás excepções da Reconvinda admitida e as excepções ora respondidas julgadas improcedentes, declarando-se este Tribunal materialmente competente e a reconvenção admitida seguindo os ulteriores trâmites processuais.
- seja a Resposta da A. considerada inadmissível e como não escrita por ausência de excepções a responder.

-Seja a A/Reconvinda declarada litigante de má fé e condenada em multa e indemnização a favor do Reu Reconvinte em valor não inferior a 5000€ atento a gravidade dos factos, o forte dano moral causado na honra e consideração do Reu,/Reconvinte bem como nas despesas e encargos processuais e com honorários da mandatária forense deste, atenta a notória intensidade ou gravidade da culpa ainda que a título de negligencia grave , da A. Catedrática de Direito e os avultados proventos financeiros aproximados dos 5000€ mensais desta, ex vi artigos 542 nº 1 e 2 b) e d) segunda parte e 543 nº 1 a) e b) do CPC”.

E indica, no final, os meios de prova para a litigância de má Fé da Autora.
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Ora, temos de concordar com a decisão recorrida, de que este novo articulado apresentado pelo A. não é legalmente admissível, podendo o A. responder às exceções invocadas pela A. na Réplica na Audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final (artº 3º nº 4 do CPC).

A igualdade substancial das partes - que o recorrente considera violado com o desentranhamento do seu articulado –, fica assim assegurada, com a possibilidade dada à parte de se pronunciar sobre as exceções invocadas pela parte contrária no último articulado.

Aliás, o recorrente está bem ciente dessa possibilidade, ao referir no início do seu requerimento (desentranhado): “Ainda que á luz do disposto no nº 4 do artigo 3º do CPC se possa julgar ter o Reú/Reconvinte de aguardar pela Audiência para exercer o seu direito de contraditório e defesa às Invocadas excepções pela Reconvinda, sempre ficará consignada a sua posição processual para efeitos, pelo menos, de boa fé e colaboração processual com o tribunal para não vir arguir nulidades processuais ex vi artº 195º do CPC ainda tão ardilosamente usadas numa ultrapassada e indesejada postura processual em processo civil”.

Ou seja, é o próprio recorrente que, adiantadamente, admite a inadmissibilidade legal do seu articulado.
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Claro que poderá sempre admitir-se que nesse articulado venha o recorrente praticar outros atos, legais, para além daqueles que a lei não admite, como seja, exercer o direito do contraditório relativamente a documentos apresentados pela A. na réplica, ou praticar outros atos legalmente admissíveis, caso em que será de aproveitar o articulado para esses efeitos (como se decidiu no Ac desta Relação de Guimarães, de 25.2.2016, disponível em www.dgsi.pt, onde se consagrou a teoria da conservação dos atos jurídicos, prevista no artº 195º nº2 2ª parte do CPC), considerando-se não ser, nesse caso, de mandar desentranhar o articulado, mas apenas de o não considerar para os efeitos a que ele se destina prioritariamente – para responder às exceções deduzidas no último articulado -, considerando-se apenas os atos válidos nele inseridos (na sequência do entendimento, também defendido naquele acórdão, de que teria aqui aplicação a teoria da conversão/redução dos negócios jurídicos, impondo-se a redução e o aproveitamento do ato processual na parte em que ele é lícito).

Ora, mesmo seguindo esta tese, que perfilhamos, começamos por dizer que não vemos no articulado apresentado pelo A. qualquer resposta a documentos apresentados pela A na réplica. Nos artºs 26º e 27º daquele articulado o recorrente apenas impugna os factos alegados pela A. na resposta à contestação, nos arts. 9.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º e 16.º. Ou seja, o A. exerce apenas o contraditório relativamente a factos alegados pela A. na Réplica, o que é legalmente inadmissível.

O mesmo se não passa já, porém, com a dedução do pedido de condenação da A. como litigante de má-fé.

Como é por todos sabido, a litigância de má-fé (e o correspondente pedido indemnizatório a ela associado) traduz-se num incidente da instância, não tipificado, promovido por qualquer uma das partes, ou desencadeado oficiosamente pelo tribunal, a tramitar nos termos dos arts. 292° e ss. do CPC, sendo que à prolação da decisão do incidente aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no art. 607° do CPC, nos termos do art. 295º do mesmo diploma legal (Abrantes Geraldes, “Temas Judiciários”, Vol. I, Almedina, p. 337 e Acs. STJ de 19/02/2008; Ac. RL de 17/02/2009; Ac. RC de 11/12/2012; e Ac. RP de 26/09/2013, todos disponíveis em www.dgsi.pt.).

Assim, a fim de instruir o aludido incidente, cabe às partes a alegação dos factos respectivos e das provas dos mesmos (artº 293 e 294º), o que foi feito pelo A. no articulado apresentado e mandado desentranhar.

Ora, considerando o acima decidido – relativamente á tese defendida da preservação dos atos jurídicos válidos -, embora o articulado apresentado pelo A. seja legalmente inadmissível para os fins por ele visados primeiramente, deverá o mesmo ser atendido – e mantido nos autos - para efeitos da instrução e decisão do incidente da litigância de má-fé da A.

Assim sendo, revoga-se o despacho proferido, mantendo-se nos autos o articulado apresentado pelo A., embora apenas para efeitos da litigância de má-fé da A.
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Foi também proferida nos autos a seguinte decisão:

“Admissibilidade da reconvenção.
Além de contestar a acção, veio o réu formular pedido reconvencional contra a autora, pretendendo que seja declarada a anulação do casamento que contraiu com esta, com base em erro-vício, nos termos do artigo 1636º do Código Civil.
A autora defende que essa reconvenção é processualmente inadmissível, quer porque não se enquadra em qualquer das hipóteses previstas no nº 2 do artigo 266º do Código de Processo Civil, quer também porque os tribunais civis são materialmente incompetentes para conhecer daquela pretensão.

Apreciando.

Uma vez deduzido um pedido reconvencional, verifica-se uma alteração no objecto da acção. Esta, em vez de ficar circunscrita ao pedido formulado pelo autor, passa a ter também por objecto um pedido formulado pelo réu. Há, no fundo, um cruzamento de acções, como referia o Prof. Alberto dos Reis no seu Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III, a págs. 97.

Porém, não constituindo o pedido reconvencional um simples corolário da defesa deduzida pelo réu, a reconvenção não pode ser admitida indiscriminadamente. Uma vez que ela traduz, como se disse, uma alteração no objecto da acção, não pode ser admitida sem quaisquer condicionalismos, sob pena de se subverter toda a disciplina do processo e provocar uma perturbação indesejada na apreciação da acção principal, com eventuais atrasos e danos para a tutela jurídica requerida pelo autor. – Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, pág. 324.

Por isso a lei condiciona a admissibilidade do pedido reconvencional à verificação de vários pressupostos: uns de índole processual ou adjectivo; outros revestindo natureza material, exigindo uma certa conexão substantiva entre o objecto do pedido principal e o objecto do pedido reconvencional.

No que respeita aos requisitos processuais a lei enuncia-os nos artigos 93º e 266º, nº 3 do Código de Processo Civil. Exige-se, em primeiro lugar, que o tribunal da acção tenha competência para conhecer do pedido reconvencional em razão da matéria, da hierarquia e da nacionalidade. É necessário, por outro lado, que ao pedido reconvencional corresponda a forma de processo aplicável ao pedido principal, salvo se a diferença provier apenas do diferente valor do pedido ou o juiz a autorizar nos termos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 37º do Código de Processo.

Quanto ao laço substantivo de conexão que deve existir entre o pedido principal e o pedido reconvencional, a lei distingue taxativamente quatro tipos de situações de que depende a sua admissibilidade: a) ligação através do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa; b) indemnização por benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega é pedida; c) reconhecimento de um contra-crédito para exercer compensação ou obter o pagamento do valor que exceder o reclamado pelo autor; d) reversão a favor do réu do efeito jurídico pretendido pelo autor (cfr. o artigo 266º, nº 2 do Código de Processo Civil).

Desde já se adianta que na situação presente a reconvenção é inadmissível, não só por faltar um daqueles requisitos formais (o da competência do tribunal), como também por não interceder entre a acção e a reconvenção qualquer dos laços de conexão objectiva exigidos pela lei.

Com efeito, tal como resulta da alegação das partes e está demonstrado pelo teor do assento junto com a petição inicial, o casamento que autora e réu contraíram foi um casamento católico. Como anotam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. IV, 2ª ed., pág. 46), “Começando por dizer que o casamento é católico ou civil, o artigo 1587º afirma a existência legal do casamento católico, religioso, integrado na legislação canónica, ao lado do casamento civil, laico, subordinado à legislação estadual. E a forma como o preceito se encontra redigido, aliada ao rótulo bem expressivo do capítulo que encabeça o artigo 1587º (Modalidades do casamento), insinua desde logo que não se trata apenas de duas formas diferentes de celebração do mesmo acto (o casamento realizado sob a égide do Estado), mas de dois institutos distintos (cfr. o artigo 1589º, 1), com requisitos e disciplina próprios)”.

Também Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira alertam para esta realidade, sustentando, de igual modo, que o casamento católico é não apenas uma forma de celebração do casamento, mas sim um instituto diferente, disciplinado em vários aspectos por normas diversas das que regem o casamento civil, ou seja, por normas de direito canónico. Como escrevem no seu Curso de Direito da Família (Vol. I –Introdução e Direito Matrimonial, 5ª ed., pág. 219), “se se entender, como temos entendido, que o artigo 1625º é conforme à Constituição e que não foi derrogado pela Concordata de 2004, o direito português consagrará ainda hoje a “segunda modalidade” do sistema do casamento civil facultativo a que fizemos referência. Com efeito, se é ao foro eclesiástico que compete julgar – segundo as normas do direito canónico, naturalmente – da validade ou nulidade do casamento católico, será o direito canónico que dirá, p. ex., se o casamento pode ser declarado nulo com fundamento em erro ou outro vício da vontade, se o casamento simulado é válido ou nulo, etc.”.

Mais adiante, a págs. 227 da citada obra, escrevem aqueles autores o seguinte: “Aproximado do casamento civil sob estes três aspectos, o casamento católico continua a ser, todavia, diferente do casamento civil e regido por outras normas jurídicas. (…)

Quanto aos requisitos de fundo do casamento católico há uma distinção a fazer. No que respeita aos vários problemas relativos ao consentimento (divergências intencionais e não intencionais entre a vontade e a declaração, vícios da vontade, casamento sob condição ou a termo, etc.) é o direito canónico que se aplica segundo a orientação que defendemos nas páginas anteriores. Com efeito, trata-se de requisitos de validade do ato e já sabemos que os tribunais civis não podem pronunciar-se sobre a validade ou nulidade do casamento católico (artigo 1625º). Se este preceito não for revogado ou enquanto o não for, é matéria reservada aos tribunais eclesiásticos, que naturalmente só aplicam o seu próprio direito”. – Cfr. no mesmo sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. IV, cit., págs. 147 a 149.

Contrariamente ao que sucedia com a Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa de 1940 - que no parágrafo 1º do artigo XXV expressamente reservava para os tribunais eclesiásticos a competência para conhecimento das causas concernentes à invalidade do casamento católico –, a Concordata de 2004 já não vincula o Estado Português a reservar aos tribunais eclesiásticos a apreciação da validade ou da nulidade dos casamentos católicos (cfr. o artigo 16º da Concordada de 2004).

Todavia, como notam também Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira (ob. cit., pág. 387), o artigo 1625º do Código Civil mantém-se em vigor e enquanto não for revogado ou alterado, a nulidade (e também a anulação, enquanto forma de invalidade) dos casamentos católicos só pode ser declarada pelos tribunais eclesiásticos.

Assim se decidiu no Ac. da Relação de Lisboa de 23/11/2004, proferido no proc. nº 5798/2004-7 (publicado em www.dgsi.pt.), cujo sumário é do seguinte teor: “O Código Civil trata o casamento civil e o casamento católico como duas modalidades diferentes do casamento, e não como duas formas de celebração do mesmo acto, cabendo ao direito canónico regular as condições de validade do casamento que não tenham a ver com a capacidade matrimonial dos nubentes. A falta ou vícios de vontade previstas no artigo 1634º do Código Civil apenas pode ser invocada por quem tenha contraído casamento civil, já que quanto ao casamento católico rege o disposto no direito canónico, designadamente o Código do Direito Canónico. Sendo celebrado casamento católico, não pode ser pedida a anulação do casamento civil, por este não existir entre as partes, nem a anulação dos efeitos civis do casamento católico”.

Conclui-se, pois, por força da previsão contida no artigo 1625º do Código Civil [“O conhecimento das causas respeitantes à nulidade do casamento católico e à dispensa do casamento rato e não consumado é reservado aos tribunais e às repartições eclesiásticas competentes”] que este tribunal é materialmente incompetente para apreciar a reconvenção, o que, só por si, determinaria a sua inadmissibilidade.

Mas falta também o laço de conexão substantiva entre acção e reconvenção que a lei igualmente exige para que esta seja admitida.

As previsões das als. b) e c) do nº 2 do artigo 266º do Código de Processo Civil não têm, manifestamente, aplicação ao caso vertente. É também evidente que o pedido do réu não assenta na mesma causa de pedir ou facto jurídico que alicerça o pedido de divórcio formulado pela autora. E também não emerge aquele pedido reconvencional de anulação do casamento de qualquer facto jurídico que sirva de fundamento à defesa, ao menos tal como é pressuposto pela al. a) do nº 2 do artigo 266º do Código de Processo Civil.

O pedido reconvencional pode fundar-se nos mesmos factos – ou parcialmente nos mesmos factos - em que o próprio réu funda uma excepção peremptória ou com os quais indirectamente impugna os alegados na petição inicial. Mas, como vem sendo uniformemente decidido pelos nossos tribunais superiores, se o fundamento da reconvenção emerge da defesa, é necessário que o facto ou factos invocados produzam efeito útil defensivo, ou seja, que tenham a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor. – Cfr. nesse sentido, p. ex., os Acs. da Relação de Lisboa de 22/11/2007, proc. nº 8548/2007-2, e da Relação de Guimarães de 23/03/2017, proc. nº 2936/16.8.T8GMR-A, publicados em www.dgsi.pt.

Essa hipótese também não se verifica no caso em análise, posto que os factos que o réu alega em sustento do seu pedido de anulação do casamento em nada contendem com a pretensão da autora no sentido de ver dissolvido, por divórcio, o casamento celebrado com aquele.

O efeito jurídico visado pelo réu não é também o mesmo querido pela autora.

Esta pretende, como acaba de dizer-se, a extinção do vínculo conjugal por via do divórcio – que, como decorre do artigo 1788º do Código Civil, dissolve o casamento e tem juridicamente os mesmos efeitos da dissolução por morte, salvas as excepções consagradas na lei. O divórcio extingue o casamento com efeitos ex nunc, para futuro, dele resultando para os ex-cônjuges o estado civil de divorciado. A declaração de nulidade ou anulação tem efeitos retroactivos (cfr. o artigo 289º, nº 1 do Código Civil), tudo se passando como se nunca tivesse existido o casamento, resultando para os ex-cônjuges o estado civil de solteiro.

Donde não seja também enquadrável a situação em análise na previsão da al. d) do nº 2 do artigo 266º do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, decide-se não admitir o pedido reconvencional nestes autos deduzido pelo réu…”.
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Não se conformando também com a decisão proferida, dela veio o R. interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

1. A reconvenção é admissível quando o pedido do R. tende a conseguir o mesmo efeito jurídico do pedido da p.i. ex vi artº 266º nº 2 d). do CPC
2. O pedido de divórcio e o de anulação de casamento tendem a conseguir o mesmo efeito jurídico- extinção por dissolução do vínculo matrimonial
3. Decorre do artº 1795º do CC a admissibilidade de o R. reconvir pedindo a separação judicial de pessoas e bens em acção de divórcio
4. A lei que permite o mais permite o menos, sendo, por maioria de razão, admissível a reconvenção com pedido de anulação de casamento em acção de divórcio.
5. A não admissibilidade do pedido reconvencional de anulação de casamento originaria a impossibilidade de, decretado o divórcio, o R. obter a anulação do casamento.
6. No caso "sub judice" a reconvenção “aproxima-se de um ónus que incide sobre o R. e não apenas uma mera faculdade de exercer um direito que possa ser deduzido sem restrições em acção posterior”.
7. A A. apresentou réplica/contestação que o tribunal "a quo" não rejeitou nem ordenou desentranhamento, pelo que a rejeição da reconvenção é também contrária aos princípios processuais de adequação formal, gestão e economia processual.
8. O princípio da economia processual determina que a resolução da maior quantidade possível de litígios seja efetuada com o mesmo processo, assim evitando o número de pendencias, custos mínimos e evitando-se eventuais futuras litigâncias, o que foi desatendido pelo tribunal a quo ao impedir a inclusão nos temas da prova dos factos alegados na reconvenção,
9. A decisão recorrida viola as regras de remediação da insuficiência da PI da A e do princípio da preclusão do processo civil pois admite a replica em que a A. faz o pedido de lhe ser dirigido o convite á correcção da PI da A. convite que o Tribunal Recorrido faz fora dos limites da alteração do pedido e da causa de pedir e ao condicionamento da defesa pela contestação apresentada, como se retira da remissão feita no art. 590°, nºs 3, 4 e 5, para o art. 265° e para os arts. 573° e 574°, respectivamente.
10. A solução encontrada pelo tribunal a quo de não admitir a reconvenção - após o R. alegar no seu articulado a falta de fundamentos da acção - e em vez de julgar a PI Inepta formula convite à A. a corrigir a p.i. por ser carecida de alegação factual, em sede de audiência prévia, sem debate oral, é tal convite processualmente inadmissível, é uma violação do principio da preclusão das fases processuais e constitui um amparo à A. em violação do principio da igualdade das partes e do direito a um processo justo e equitativo.
11. Os tribunais de família e menores são competentes para a anulação do casamento por erro vício, independentemente de ser observada a forma civil ou religiosa na sua celebração.
12. A decisão recorrida cai em contradição com os fundamentos e é ambígua, dado na parte final do texto de fls. 9 afirma "contrariamente ao que sucedia com a Concordata de 1940 ..... a Concordata de 2004 já não vincula o Estado Português a reservar aos tribunais eclesiásticos a competência para o conhecimento das causas concernentes á invalidade do casamento católico (cf. art 16 da Concordata de 2004) mas conclui que o Tribunal Recorrido é incompetente.
13. Pelo que, á luz do preceituado no artº 615 nº 1 c) a decisão recorrida é nula por padecer de contradição e ambiguidade.
14. A decisão de que são os Tribunais Eclesiásticos e não os Tribunais do Estado Português os competentes para julgarem o pedido reconvencional de anulação do casamento católico do Recorrente, salvo o devido respeito, é anacrónica pois já em 1965 - antes do Código Civil de 1966 - era rejeitada pelos citados quatro votos de vencido de prestigiados conselheiros do STJ que já então a consideravam contrária á Constituição e violadora do princípio actualista imposto ao julgador pelo art 9 nº 1 do Código civil que manda ao aplicador da lei ter em conta "as condições especificas do tempo em que é aplicada" e "unidade do sistema jurídico”.
15. É inconstitucional o entendimento da decisão recorrida por interpretar o artigo 1625 do CC como redutor do direito á acção do Recorrente á anulação do casamento católico aos Tribunais Eclesiásticos do Estado do Vaticano ou Santa Sé declarando incompetentes os Tribunais Judiciais Portugueses porque salvo melhor pensar:

-viola o direito jusfundamental da "tutela jurisdicional efectiva, acesso aos tribunais e processo equitativo através de procedimentos judiciais" consagrado no art. 20 da Constituição na medida em que veda ao Recorrente/Reconvinte o acesso aos tribunais para defesa do seu direito á anulação do casamento por erro de vício de vontade.
-porque os tribunais eclesiásticos não são independentes e apenas sujeitos á lei como exige o art 202 da Constituição.
-e ainda por "não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios" é pela sentença recorrida efectivamente denegada, dado não existir protecção jurídica nos tribunais eclesiásticos…”.
Pede, a final, que seja revogada a decisão recorrida e admitida a reconvenção.
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Pela recorrida foram apresentadas contra-alegações nas quais pugna pela manutenção da decisão recorrida.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir por este tribunal são as de saber:

- se a decisão recorrida é nula por contradição entre os fundamentos e a decisão;
- se a Reconvenção do A. deveria ser admitida.
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Os factos a considerar para a decisão das questões colocadas são os constantes da decisão recorrida (para os quais remetemos).
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Da questão da nulidade da decisão:

Alega o recorrente que “a decisão recorrida cai em contradição com os fundamentos e é ambígua, dado (que) na parte final do texto de fls. 9 afirma (que) "contrariamente ao que sucedia com a Concordata de 1940 a Concordata de 2004 já não vincula o Estado Português a reservar aos tribunais eclesiásticos a competência para o conhecimento das causas concernentes á invalidade do casamento católico (cf. art 16 da Concordata de 2004) mas conclui que o Tribunal Recorrido é incompetente (…) pelo que, á luz do preceituado no artº 615 nº 1 c) a decisão recorrida é nula por padecer de contradição e ambiguidade”.

Mas tal não acontece, como resulta claro do raciocínio seguido na decisão recorrida.

Como da mesma consta, “Contrariamente ao que sucedia com a Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa de 1940 - que no parágrafo 1º do artigo XXV expressamente reservava para os tribunais eclesiásticos a competência para conhecimento das causas concernentes à invalidade do casamento católico –, a Concordata de 2004 já não vincula o Estado Português a reservar aos tribunais eclesiásticos a apreciação da validade ou da nulidade dos casamentos católicos (cfr. o artigo 16º da Concordada de 2004).

Todavia, como notam também Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira (ob. cit., pág. 387), o artigo 1625º do Código Civil mantém-se em vigor e enquanto não for revogado ou alterado, a nulidade (e também a anulação, enquanto forma de invalidade) dos casamentos católicos só pode ser declarada pelos tribunais eclesiásticos…”.

“…Conclui-se, pois, por força da previsão contida no artigo 1625º do Código Civil [“O conhecimento das causas respeitantes à nulidade do casamento católico e à dispensa do casamento rato e não consumado é reservado aos tribunais e às repartições eclesiásticas competentes”] que este tribunal é materialmente incompetente para apreciar a reconvenção, o que, só por si, determinaria a sua inadmissibilidade…”.

Não se vê qualquer contradição ou ambiguidade na decisão proferida, que se limita a expor os factos ocorridos na Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa de 2004, a qual já não vincula o Estado Português a reservar aos tribunais eclesiásticos a apreciação da validade ou da nulidade dos casamentos católicos, contrariamente ao que sucedia com a Concordata de 1940.

Acontece que, não obstante essa desvinculação, o legislador português continuou a manter em vigor o artigo 1625º do Código Civil, o qual, segundo a decisão recorrida, enquanto não for revogado ou alterado, a nulidade (e também a anulação, enquanto forma de invalidade) dos casamentos católicos só pode ser declarada pelos tribunais eclesiásticos.

E concluiu, a final, que por força da previsão contida no artigo 1625º do Código Civil – que prevê que o conhecimento das causas respeitantes à nulidade do casamento católico e à dispensa do casamento rato e não consumado é reservado aos tribunais e às repartições eclesiásticas competentes - que este tribunal é materialmente incompetente para apreciar a reconvenção, o que, só por si, determinaria a sua inadmissibilidade…”.

Não há, assim, qualquer contradição ou ambiguidade na decisão proferida, motivo porque não vemos nela qualquer nulidade.
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Da admissibilidade da reconvenção:

Insiste o recorrente que a reconvenção por si deduzida nos autos é admissível, desde logo porque os tribunais comuns, contrariamente ao defendido pelo tribunal recorrido, são competentes para conhecer do pedido reconvencional – de anulação do seu casamento com a A.

Mas não podemos concordar com o mesmo.

Como consta da decisão recorrida, além de contestar a acção, veio o réu formular pedido reconvencional contra a autora, pretendendo que seja declarada a anulação do casamento que contraiu com aquela, com base em erro-vício, nos termos do artigo 1636º do Código Civil.

Ora, a lei condiciona a admissibilidade do pedido reconvencional à verificação de vários pressupostos: uns de índole processual ou adjectivo; outros revestindo natureza material, exigindo uma certa conexão substantiva entre o objecto do pedido principal e o objecto do pedido reconvencional.

No que respeita aos requisitos processuais a lei enuncia-os nos artigos 93º e 266º, nº 3 do Código de Processo Civil.

Exige-se, em primeiro lugar, que o tribunal da acção tenha competência para conhecer do pedido reconvencional em razão da matéria, da hierarquia e da nacionalidade. É necessário, por outro lado, que ao pedido reconvencional corresponda a forma de processo aplicável ao pedido principal, salvo se a diferença provier apenas do diferente valor do pedido ou o juiz a autorizar nos termos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 37º do Código de Processo.

Quanto ao laço substantivo de conexão que deve existir entre o pedido principal e o pedido reconvencional, a lei distingue taxativamente quatro tipos de situações de que depende a sua admissibilidade: a) ligação através do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa; b) indemnização por benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega é pedida; c) reconhecimento de um contra-crédito para exercer compensação ou obter o pagamento do valor que exceder o reclamado pelo autor; d) reversão a favor do réu do efeito jurídico pretendido pelo autor (cfr. o artigo 266º, nº 2 do Código de Processo Civil).

E começa por ser apreciada na decisão recorrida, desde logo, o requisito de ordem formal, o da incompetência do tribunal em razão da matéria, para conhecer do pedido reconvencional.

Como ali se refere “...resulta da alegação das partes e está demonstrado pelo teor do assento de casamento junto com a petição inicial, o casamento celebrado entre a autora e o réu foi um casamento católico.

Ora, como anotam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. IV, 2ª ed., pág. 46), “…o casamento é católico ou civil. O artigo 1587º afirma a existência legal do casamento católico, religioso, integrado na legislação canónica, ao lado do casamento civil, laico, subordinado à legislação estadual. E a forma como o preceito se encontra redigido, aliada ao rótulo bem expressivo do capítulo que encabeça o artigo 1587º (Modalidades do casamento), insinua desde logo que não se trata apenas de duas formas diferentes de celebração do mesmo acto (o casamento realizado sob a égide do Estado), mas de dois institutos distintos (cfr. o artigo 1589º, 1), com requisitos e disciplina próprios)”.

Também Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira alertam para esta realidade, sustentando, de igual modo, que o casamento católico é não apenas uma forma de celebração do casamento, mas sim um instituto diferente, disciplinado em vários aspectos por normas diversas das que regem o casamento civil, ou seja, por normas de direito canónico. Como escrevem no seu Curso de Direito da Família (Vol. I –Introdução e Direito Matrimonial, 5ª ed., pág. 219), “se se entender, como temos entendido, que o artigo 1625º é conforme à Constituição e que não foi derrogado pela Concordata de 2004, o direito português consagrará ainda hoje a “segunda modalidade” do sistema do casamento civil facultativo a que fizemos referência. Com efeito, se é ao foro eclesiástico que compete julgar – segundo as normas do direito canónico, naturalmente – da validade ou nulidade do casamento católico, será o direito canónico que dirá, p. ex., se o casamento pode ser declarado nulo com fundamento em erro ou outro vício da vontade, se o casamento simulado é válido ou nulo, etc.”.

Mais adiante, a págs. 227 da citada obra, escrevem aqueles autores o seguinte: “Aproximado do casamento civil sob estes três aspectos, o casamento católico continua a ser, todavia, diferente do casamento civil e regido por outras normas jurídicas. (…)

Quanto aos requisitos de fundo do casamento católico há uma distinção a fazer. No que respeita aos vários problemas relativos ao consentimento (divergências intencionais e não intencionais entre a vontade e a declaração, vícios da vontade, casamento sob condição ou a termo, etc.) é o direito canónico que se aplica segundo a orientação que defendemos nas páginas anteriores. Com efeito, trata-se de requisitos de validade do ato e já sabemos que os tribunais civis não podem pronunciar-se sobre a validade ou nulidade do casamento católico (artigo 1625º). Se este preceito não for revogado ou enquanto o não for, é matéria reservada aos tribunais eclesiásticos, que naturalmente só aplicam o seu próprio direito”. – Cfr. no mesmo sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. IV, cit., págs. 147 a 149.

Contrariamente ao que sucedia com a Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa de 1940 - que no parágrafo 1º do artigo XXV expressamente reservava para os tribunais eclesiásticos a competência para conhecimento das causas concernentes à invalidade do casamento católico –, a Concordata de 2004 já não vincula o Estado Português a reservar aos tribunais eclesiásticos a apreciação da validade ou da nulidade dos casamentos católicos (cfr. o artigo 16º da Concordada de 2004).

Todavia, como notam também Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira (ob. cit., pág. 387), o artigo 1625º do Código Civil mantém-se em vigor e enquanto não for revogado ou alterado, a nulidade (e também a anulação, enquanto forma de invalidade) dos casamentos católicos só pode ser declarada pelos tribunais eclesiásticos.

Assim se decidiu no Ac. da Relação de Lisboa de 23/11/2004, proferido no proc. nº 5798/2004-7 (publicado em www.dgsi.pt.), cujo sumário é do seguinte teor: “O Código Civil trata o casamento civil e o casamento católico como duas modalidades diferentes do casamento, e não como duas formas de celebração do mesmo acto, cabendo ao direito canónico regular as condições de validade do casamento que não tenham a ver com a capacidade matrimonial dos nubentes. A falta ou vícios de vontade previstas no artigo 1634º do Código Civil apenas pode ser invocada por quem tenha contraído casamento civil, já que quanto ao casamento católico rege o disposto no direito canónico, designadamente o Código do Direito Canónico. Sendo celebrado casamento católico, não pode ser pedida a anulação do casamento civil, por este não existir entre as partes, nem a anulação dos efeitos civis do casamento católico”.

Conclui-se, pois, por força da previsão contida no artigo 1625º do Código Civil [“O conhecimento das causas respeitantes à nulidade do casamento católico e à dispensa do casamento rato e não consumado é reservado aos tribunais e às repartições eclesiásticas competentes”] que este tribunal é materialmente incompetente para apreciar a reconvenção, o que, só por si, determinaria a sua inadmissibilidade…”.

E nada temos a objectar à decisão recorrida, que abordou de forma correta, desde logo, a primeira questão colocada pela A. na sua resposta à reconvenção – a da incompetência material do tribunal para conhecer do pedido reconvencional – e que levou à sua não admissão.

Conhecida e decidida, de forma correta, esta 1ª questão, e que levou à não admissão da reconvenção, mostra-se desnecessário o conhecimento da questão de ordem substancial, também suscitada pelo recorrente.
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Da invocada inconstitucionalidade do artº 1625º do CC:

Alega ainda o recorrente que é inconstitucional o entendimento da decisão recorrida, por interpretar o artigo 1625º do CC como redutor do direito á acção do Recorrente á anulação do casamento católico aos Tribunais Eclesiásticos do Estado do Vaticano ou Santa Sé, declarando incompetentes os Tribunais Judiciais Portugueses, porque viola o direito jusfundamental da "tutela jurisdicional efectiva, acesso aos tribunais e processo equitativo através de procedimentos judiciais" consagrado no art. 20º da Constituição, na medida em que veda ao Recorrente/Reconvinte o acesso aos tribunais para defesa do seu direito á anulação do casamento por erro de vício de vontade.

Mais invoca que os tribunais eclesiásticos não são independentes e apenas sujeitos á lei, como exige o art 202º da Constituição, e que "não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios", é pela sentença recorrida efectivamente denegada, dado não existir protecção jurídica nos tribunais eclesiásticos…”.

Mas não cremos que exista tal inconstitucionalidade.

Como acima se deixou dito, o casamento civil e o casamento católico assumem-se como duas modalidades de matrimónio que, sendo de igual modo válidas perante a lei, apresentam diferenças, nomeadamente no tocante ao regime jurídico a que ficam submetidas – lei civil ou canónica – e à jurisdição que delas se ocupa – tribunais eclesiásticos e tribunais judiciais.

Ora, tendo o casal optado – conscientemente - pelo casamento católico, ficou este sujeito à lei canónica – Codex Juris Canonici – que, tal como a lei civil, rege também ela sobre a relevância dos vícios da vontade na validade do casamento, admitindo que, em certas circunstâncias, o erro possa conduzir à declaração da sua nulidade e aceita que o casamento não consumado possa dissolver-se por graça ou dispensa pontifícia.

Por isso, para a apreciação de tais questões, quando, como no caso presente, em causa está um casamento católico, são competentes os tribunais eclesiásticos – art. 1625º do C. Civil – não ficando as partes privadas de acesso à justiça, através da jurisdição competente para obter o resultado pretendido.

Por outro lado, no Código Civil (art. 1587º nºs 1 e 2) está consagrado o sistema de livre opção, aí se referindo e tratando o casamento civil e o casamento católico como dois actos jurídicos distintos (duas modalidades diferentes do casamento), cabendo às partes, no exercício da sua liberdade de acção, optar pela modalidade do casamento que mais lhe convém ou mais lhe agrada, sujeitando-se, consequentemente, ao regime vigente para cada uma das modalidades em causa.

Por isso não vemos em que medida se possa invocar a inconstitucionalidade da norma do artº 1625º do CC (aplicável à nulidade do casamento), a qual está em consonância com a que lhe corresponde – a do artº 1587º - relativa à celebração do mesmo casamento, e que as partes, de livre vontade, convocaram para a sua celebração.

Improcedem, assim, todas as conclusões do apelante quanto a esta decisão.
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DECISÃO:

Julga-se procedente a primeira apelação e revoga-se a decisão recorrida, mantendo-se nos autos o articulado mandado desentranhar, embora com efeito apenas quanto ao incidente da litigância de má-fé da A.
Custas (desta Apelação) pela parte vencida a final.
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Julga-se Improcedente a segunda Apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas (da Apelação) pelo recorrente.
Guimarães, 11.10.2018

Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Ana Cristina Duarte
2º Adjunto: Fernando Fernandes Freitas