Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3415/16.9T8VCT.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÕES
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

▪. Limitando-se a apelante a referir-se à prova testemunhal, na impugnação da matéria de facto, não tendo identificado as testemunhas, nem indicado com precisão as passagens da gravação relevantes em que se fundamenta, deve ser rejeitada a impugnação com base em depoimentos de testemunhas, por falta de cumprimento do disposto no artº 640º, nº 2, alínea a) do CPC.

▪. A especial preferência conferida aos laudos periciais efectuados na pendência dos autos, só poderá ser dada se os laudos foram efectuados de acordo com os preceitos legais e não constarem do processo outros elementos que ponham em causa o resultado a que os peritos chegaram
Constando do processo um relatório médico junto pelo A., elaborado por perito com competência em avaliação do dano corporal, nada impede o tribunal de lhe conferir prevalência, se da conjugação com os demais elementos de prova, entender que é este e não o relatório efectuado na pendência dos autos que melhor avalia o dano sofrido pelo lesado.

▪. Mostra-se adequada uma indemnização no montante de 50.000,00 para compensar o lesado que, em consequência do acidente, ficou com um défice funcional permanente da integridade físico psíquica de 16 pontos que se reflectiu na profissão que até então exercia, sendo incompatível com o exercício da actividade profissional, passando a desempenhar outra actividade menos exigente fisicamente, mas que ainda assim lhe exige a realização de esforços suplementares. Esta afectação da sua força laboral, se bem que possa não ter imediata repercussão nos rendimentos por ele auferidos, com exceção do subsídio de trabalho nocturno, pode repercutir-se na perda de rendimentos, pois que limitado como o A. se encontra, não é presumível que possa evoluir na carreira, e embora atenta a sua idade, já não seja previsível que o A. procurasse outra entidade patronal, com as limitações de que padece, não se perspectiva que pudesse vir a ser admitido por qualquer outro empregador, acrescendo que a incapacidade de que ficou afectado, perdurará para além do termo da vida profissional e durante toda a sua vida.

▪. Mostra-se adequada uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de 55.000,00 para compensar o lesado que sofreu politraumatismos, perdeu 14 peças dentárias e sofreu traumatismo da mandíbula, esteve a ser alimentado por sonda durante 3 meses com alimentos apenas líquidos, esteve, após o período de internamento de 1 semana, retido no leito durante três meses, com o membro superior esquerdo e o membro inferior direito engessados, totalmente dependente da presença e do acompanhamento da sua companheira, andou de canadianas mais nove meses, sofreu dores elevadas, atingindo o grau 5 em 7, que se irão manter ao longo de toda a sua vida, pois que passou a depender permanentemente de analségicos, sem os quais não consegue ultrapassar as suas dificuldades em termos funcionais e nas situações de vida diária, foi sujeito a três intervenções cirúrgicas com anestesia geral, sofreu período de quase dois anos de incapacidade, ficou com cicatrizes, com limitação na abertura da boca e com dificuldades na mastigação, passou a sentir dificuldades na marcha, sendo perceptível a terceiros um caminhar desconchavado e desequilibrado.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

Domingos (…) veio propor contra (…) – Companhia de Seguros, S.A., acção declarativa de condenação, peticionando que a Ré seja condenada a pagar-lhe (i) a quantia global líquida de € 354.420,19, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação, até efectivo pagamento e (ii) e a quantia que corresponder à indemnização ilíquida que vier a ser fixada em decisão ulterior ou liquidada em incidente de liquidação, por força dos factos enunciados nos artigos 279º a 318º da petição inicial.

Regularmente citada, contestou a Ré, impugnando todos os factos alegados, do artigo 8º ao artigo 319º da petição inicial.

Em sede de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, definiu-se o objecto do processo e procedeu-se à selecção dos temas de prova.

Foi realizado o exame médico-legal na pessoa do Autor e junto aos autos o correspondente relatório pericial.

Procedeu-se a julgamento, tendo a Ré, no início desta, confessado os factos relativos à dinâmica do acidente os quais se encontram descritos nos artigos 1º a 96º e 116º e 117º da petição inicial.

A final foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:

“Em face do exposto, julgo a acção proposta por Domingos (…) contra (…) – Companhia de Seguros, S.A., parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia global líquida de € 108.099,35, acrescida de juros contados desde data da citação sobre a quantia de € 53.099,35, e desde a data da prolação da presente decisão sobre a quantia de € 55.000,00, à taxa legal de 4%, até integral e efectivo pagamento, e, ainda, a quantia cuja fixação se remete para decisão ulterior, nos termos do disposto no artigo 564º, nº 2, do Código Civil, e que corresponder às despesas que o Autora comprovar que teve com (i) medicamentos analgésicos para atenuar ou debelar as dores nos membros superiores e inferiores, (ii) com consultas de estomatologia, exames auxiliares de diagnóstico, e próteses dentárias para substituição das actuais e (iii) com consultas de ortopedia, exames auxiliares de diagnóstico, para avaliação da necessidade de remoção do material de osteossíntese e, caso seja necessária a remoção, com as respectivas cirurgias.

Absolvo a Ré do restante peticionado. “

O A. não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

a. O Autor tinha 54 (cinquenta e quatro) anos de idade aquando da ocorrência do acidente.
b. Além das lesões e sequelas sofridas – de considerável gravidade e que são as que resultam descritas no ponto hhh) da decisão de facto - o Autor sofreu:
- um Período de Défice Funcional Temporário Total de 60 dias;
- um Período de Défice Funcional Temporário Parcial de 278 dias;
c. um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 16 pontos;
- um Quantum Doloris de grau 5, de 1 até 7;
- Um Dano Estético permanente fixável no grau 3 numa escala de 1 a 7;
d. O Autor ficou absolutamente impossibilitado de continuar a exercer as actividades descritas no facto provado aaaa). (facto provado ffff)),
e. Passando a ter de desenvolver a sua actividade profissional de forma extremamente condicionada e limitada, nas circunstâncias de facto descritas em gggg), hhhh), iiii) e jjjj).
f. Pela factualidade dada como provada, e a título de perda da capacidade de ganho, impunha fixar-se valor mais elevado do que os €50.000,00 efectivamente arbitrados, em valor não inferior a € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros).

Além disso:

g. Provou-se que o Autor esteve pelo menos 15 (quinze) dias internado em unidade hospitalar, três intervenções cirúrgicas com anestesia geral, suportou gesso no braço e perna durante três meses, canadianas durante 9 meses, submeteu-se a múltiplas sessões de fisioterapia, esteve cerca de três meses imobilizado em casa,
h. Sofreu dores intensíssimas, sobretudo no ombro e calcanhares, braço e pernas, que ainda hoje se fazem sentir,
i. Ficou como limitação na abertura da boca, dificultando a mastigação, de forma permanente,
j. Passou a sofrer de marcha claudicante, perceptível a terceiros como desconchavada e desequilibrada,
k. Entre o demais resultante da factualidade demonstrada nos autos.
l. Como tal, também se afigura insuficiente a indemnização fixada em primeira instância para a compensação dos danos não patrimoniais sofridos - € 55.000,00 - a qual, pela sua extensão e gravidade, conforme resulta dos factos provados, deve ser também alterada e fixada em valor não inferior a € 75.000,00.
m. Decidindo de modo diverso, fez a sentença recorrida má aplicação do direito aos factos provados e violou, além de outras, as normas dos artigos 496º., nº. 1, 562º. e 564º., nºs. 1 e 2, do Código Civil.
n. Quanto ao restante que não posto em crise nas presentes alegações de recurso, deve manter-se o doutamente decidido pelo Tribunal de Primeira Instância.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e proferindo-se, em sua substituição, Douto Acórdão, que esteja em conformidade com as conclusões supra-formuladas.

A R. Companhia de Seguros veio interpor recurso subordinado, tendo formulado as seguintes conclusões:

o A. conformou-se com o relatório pericial junto aos autos e deste relatório na parte das queixas verbalizadas pelo sinistrado consta o seguinte que nos “atos da vida diária: dificuldade na marcha” e na “vida profissional ou de formação: exerce a profissão”.
. – e que “neste caso, as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares”.
. - Solicitados esclarecimentos pelo A., a Srª perita diz com clareza que “o examinado tem limitações por que foi avaliado, mas que não o impossibilitam de subir e descer escadas, não necessita de bengala, pode praticar actividades lúdicas de acordo com as suas sequelas.”
. - E, em resposta à matéria do artigo 263º da petição inicial, nomeadamente se o A. “não consegue permanecer de pé, por períodos prolongados de tempo, não consegue fazer força, esforço e movimentar os membros superiores e o membro inferior direito, como o fazia antes…” responde: - “consegue
. - E em resposta ao art. 265º da petição inicial onde era questionada sobre se “…a autora passou a sofrer de total e definitiva possibilidade de desempenhar a sua referida profissão de Assistente Operacional/cantoneiro de limpeza” … diz: “Não”.
. - O A. conformou-se com os esclarecimentos prestados pela Srª perita não mais tendo a reclamar ao relatório perícia.
. - Por essa razão, não há qualquer justificação para o que tribunal “a quo” valorizar um relatório junto aos autos pelo A., a seu pedido, em detrimento do relatório pericial elaborado pelo perito forense que se apresenta com mais credibilidade e idoneidade.
. - Além disso, tem sido entendimento do tribunal que as perícias médico-legais têm de ser realizadas nos termos do disposto no art. 467º, nº 3 do CPC e, por essa razão, ter sido indeferida a perícia colegial pelas partes, não faz sentido que, conformando-se as partes com o seu resultado, o tribunal o não venha a aceitar.
. - Por outro lado, as testemunhas ouvidas apenas referiram que o A. não conseguia efectuar o trabalho noturno, que era o trabalho de recolha do lixo no camião.
10ª. - Mas o referido trabalho não era frequente, como aliás se pode confirmar pelo subsídio do A. de trabalho noturno através da análise dos recibos de vencimento do A. e o facto de o A. se queixar para ser colocado em tarefas menos exigentes não significa que as não possa executar.
11ª. – pelo que a matéria das zzzz), fffff) e jjjjj) deveria ser considerada não provada.
12ª. – tendo em conta que o A. tem um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 16 pontos, compatível com o exercício da actividade profissional habitual, mas implica esforços suplementares, que nasceu no dia 29 de Abril de 1959; que auferia mensalmente e em média o valor líquido de € 705,25;
13ª. - Não deveria ter sido atribuída ao A. quantia superior a 10.000,00 euros.
14ª. – pois o A. é funcionário público e não irá exercer a sua actividade para além da idade legal de reforma e não tem, como não teve, quaisquer perdas salariais (com excepção do subsídio de trabalho noturno) e sempre lhe foi pago, por inteiro, o respectivo vencimento.
15ª.. Além disso mesmo que se entenda que as queixas apresentadas pelo A. aos serviços municipalizados, que o colocaram em serviços físicos menos exigentes, demonstra que o A. não tem qualquer perda patrimonial nem necessita de fazer qualquer esforço físico adicional para obter os seus rendimentos.
16ª. pois, a continuar a exercer a sua actividade habitual o A. teria de fazer um esforço acrescido para desempenhar cabalmente as suas funções e, mudando-lhe as tarefas mais fáceis e que pode executar sem qualquer esforço – auferindo o mesmo vencimento – não representa esse esforço e, como tal, não lhe deveria ser considerada qualquer perda patrimonial.
17ª. - E também por essa razão não lhe pode ser atribuída qualquer quantia, que além do mais, seria injustificada e representaria um enriquecimento do A, ilegítimo.
18ª. - o montante arbitrado na sentença recorrida a título de dano moral mostra-se excessivo e desajustado, se tivermos em conta não apenas os factos dados como provados, mas também a orientação que vem sendo seguida pela nossa recente Jurisprudência em casos semelhantes ao que está aqui em análise.
19ª. - Tal montante, deverá fixar-se sempre em valor próximo dos 30.000,00€ – considerando, sobretudo, concreto caso dos autos, quantia essa que já traduz de forma muito expressiva a gravidade das lesões da recorrida e que não ofende os valores usualmente arbitrados em situações de gravidade substancialmente superior.
20ª. - o tribunal "a quo" violou, além do mais, o disposto no art. 496 n.º 1 e 3, 562.º e 566.º do Código Civil.

II – Objeto do recurso

Considerando que:

. o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
as questões a decidir são as seguintes:

Do recurso principal do A.

. se a indemnização pela perda da capacidade de ganho deve ser elevada de 50.000,00 para 75.000,00; e,
.se a indemnização por danos patrimoniais deve ser elevada de 55.000,00 para 75.000,00.

Do recurso subordinado da R.

. se os factos dados como provados nas alíneas zzzz), fffff) e jjjjj) devem ser considerados como não provados;
. se a indemnização pela perda da capacidade de ganho deve ser diminuída de 50.000,00 para 10.000,00; e,
. se a indemnização por danos não patrimoniais deve ser reduzida de 55.000,00 para o máximo de 30.000,00.

II – Fundamentação

Na 1ª instância foram considerados provados e não provados os seguintes factos:

1 – Factos provados

a) À data de 20 de Janeiro de 2014, a aquisição do direito de propriedade incidente sobre o quadriciclo de matrícula (…) estava inscrita na Conservatória do Registo Automóvel a favor de Domingos (…), conforme se retira da cópia da certidão junta aos autos a fl. 42v e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
b) No dia 20 de Janeiro de 2014, pelas 08,50 horas, ocorreu um acidente de trânsito, na Estrada Nacional nº. …, ao quilómetro número 02,70, na freguesia de …, concelho de ...;
c) Nesse acidente, foram intervenientes os seguintes veículos: (i) o Quadriciclo de matrícula (…); (ii) o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula (…)
d) E, na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, o referido quadriciclo era conduzido pelo Autor;
e) O veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula (…) era propriedade de Sónia (…), residente no lugar de (…), Ponte de Lima; f) E, na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, era conduzido por Filipa (…), residente no lugar de (…), (…).;
g) A qual – Filipa (…) -, na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, conduzia o referido veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula …, à ordem, com conhecimento, com autorização, por conta, no interesse e sob a direcção efectiva da Sónia (…);
h) E seguia, também, por um itinerário que a referida Sónia (…) lhe havia, previamente, determinado;
i) A Estrada Nacional nº …, no local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, configura um troço de recta, com o comprimento superior a mil e seiscentos (1.600,00) metros;
j) A faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. … tem uma largura de 05,80 metros;
k) O seu piso era, como é, pavimentado a asfalto;
l) O tempo estava bom e seco e o pavimento asfáltico da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. … apresentava-se limpo, seco e em bom estado de conservação, pois não apresentava ondulações, fissuras, soluções de descontinuidade ou buracos;
m) A Estrada Nacional nº. ... permitia, como permite, o trânsito automóvel nos seus dois sentidos de marcha;
n) Para o efeito, a faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. ... encontrava-se, como se encontra, dividida em duas hemifaixas de rodagem distintas;
o) Cada uma dessas hemifaixas de rodagem tinha e tem uma largura de 02,90 metros e encontravam-se, como se encontram, separadas, entre si, através de uma linha pintada a cor branca, sobre o eixo divisório da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. ..., com soluções de descontinuidade (linha descontínua);
p) Uma dessas hemifaixas de rodagem – a situada do lado Norte – destina-se ao trânsito automóvel que desenvolve a sua marcha no sentido Nascente-Poente, ou seja, Barroselas-...;
q) A outra dessas hemifaixas de rodagem – a situada do lado Sul – destina-se ao trânsito automóvel que desenvolve a sua marcha no sentido Poente-Nascente, ou seja, ...-Barroselas;
r) Pelas suas duas margens, a faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. ... apresentava, como apresenta, bermas, pavimentadas a asfalto, com uma largura de 01,00 metro, a situada na margem esquerda, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, Barroselas-... – esta berma é, ainda, seguida de uma valeta, em terra batida, com uma largura de 01,00 metro, situada do seu lado exterior, e com uma largura de 01,00 metro, a situada na margem direita, tendo em conta o mesmo indicado sentido de marcha: Nascente-Poente, ou seja, Barroselas-...;
s) A separar essas duas referidas bermas asfálticas do pavimento asfáltico da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. ..., existiam e existem linhas brancas, sem quaisquer soluções de descontinuidade (linhas contínuas);
t) O plano configurado pelo pavimento asfáltico das duas referidas bermas apresentava-se, como se apresenta, ao mesmo nível do plano configurado pelo pavimento asfáltico da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. ...;
u) A uma distância de setecentos (700,00) metros do início do troço de recta que a Estrada Nacional nº. ... configura no local do sinistro dos presentes autos, para quem circula no sentido Nascente-Poente, ou seja, Barroselas-..., o pavimento asfáltico da faixa de rodagem da referida via – E.N. nº. ... – configura uma acentuada lomba;
v) A qual, para quem circula no sentido Nascente-Poente, ou seja, Barroselas-..., apenas permite ver a avistar a faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. ..., em toda a sua larguras e as suas referidas bermas, ao longo de uma distância não superior a cem/cento e cinquenta (100,00/150,00) metros;
w) A Estrada Nacional nº. ..., no local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção e antes de lá chegar, para quem circula em qualquer dos seus dois sentidos de marcha, é marginada por casas de habitação, todas elas com os seus respectivos acessos a deitar directamente para a faixa de rodagem da referida via;
x) O local da deflagração do acidente de trânsito que está na génese da presente acção situa-se numa zona da Estrada Nacional nº. ... compreendida entre as placas, fixas em suporte vertical, que avisam e que assinalam a existência e a presença do núcleo urbano, residencial e habitacional de …, concelho de ...;
y) No dia 20 de Janeiro de 2014, pelas 08,50 o Autor conduzia o seu quadriciclo de matrícula (…) pela Estrada Nacional nº. ...;
z) O quadriciclo de matrícula (…) - propriedade do Autor – desenvolvia a sua marcha no sentido Poente-Nascente, ou seja, ...-Barroselas;
aa) O quadriciclo de matrícula (…) – propriedade do Autor - transitava rigorosamente sobre a metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. ..., tendo em conta o seu indicado sentido de marcha: Poente-Nascente, ...-Barroselas, com os seus rodados direitos a uma distância não superior a 0,50 metros da linha delimitativa da berma do mesmo lado;
bb) E animado de uma velocidade não superior a trinta quilómetros por hora;
cc) Quando rodava rigorosamente nas circunstâncias factuais supra referidas e depois de ter travado o quadriciclo de matrícula (…), que tripulava, e depois de o ter guinado para o lado direito, numa tentativa de evitar o acidente, o quadriciclo DU foi embatido pelo veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula (…) tripulado pela Filipa(…);
dd) Nas referidas circunstâncias de espaço e tempo, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula (…) – tripulado pela Filipa (…) – transitava, também, pela Estrada Nacional nº. ...;
ee) O veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula (…) desenvolvia a sua marcha em sentido inverso ao seguido pelo Quadriciclo de matrícula (…);
ff) Ou seja, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula (…) desenvolvia a sua marcha no sentido Nascente-Poente: Barroselas-...;
gg) Inicialmente, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula (…) transitava pela metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. ..., tendo em conta o seu indicado sentido de marcha: Nascente-Poente, ou seja, Barroselas-...;
hh) À frente do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula (…) – tripulado pela Filipa (…) – transitava um outro veículo automóvel ligeiro de passageiros;
ii) ii) Esse veículo automóvel ligeiro de passageiros que transitava imediatamente à frente do ligeiro de passageiros de matrícula (…) – tripulado pela Filipa (…) – desenvolvia, também ele, a sua marcha no sentido Nascente-Poente, ou seja, Barroselas-...;
jj) Rigorosamente pela metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. ..., tendo em conta esse seu indicado sentido de marcha: Nascente-Poente, ou seja, Barroselas-...;
kk) A Filipe (…) decidiu efectuar a manobra de ultrapassagem a esse veículo automóvel ligeiro que transitava imediatamente à sua frente;
ll) Pois pretendia colocar o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula (…) à frente desse veículo automóvel ligeiro de passageiros que transitava imediatamente à sua frente e prosseguir a sua marcha através da Estrada Nacional nº. ..., no sentido Nascente-Poente – Barroselas-... -, em direcção a esta cidade de ...;
mm) A Filipa (…) imprimia ao veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula (…) uma velocidade superior a 90 quilómetros por hora;
nn) Quanto se encontrava a transitar imediatamente antes de chegar à lomba que a faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. ... configura no sector de recta onde eclodiu o acidente de trânsito que deu origem à presente acção, a Filipa (…), sem olhar para a sua retaguarda, nem para a sua frente, ao longo da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. ...;
oo) Sem accionar o sinal acústico – “buzina” – do veículo automóvel que conduzia;
pp) E sem pôr em funcionamento o sinal luminoso – “pisca” -, do lado esquerdo do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula (…);
qq) Aumentou, ainda mais, a velocidade de que vinha animada, passando a imprimir ao veículo que conduzia uma velocidade superior a 100 quilómetros por hora;
rr) Com vista a levar a efeito e a concretizar a manobra de ultrapassagem ao veículo automóvel ligeiro que transitava imediatamente à sua frente, de forma súbita, brusca, imprevista e inopinada, guinou o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula (…) para o seu lado esquerdo;
ss) Também, de forma súbita, brusca, imprevista e inopinada, a Filipa (…) invadiu, com o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula (…) a metade esquerda da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. ..., tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, Barroselas-...: a metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. ..., tendo em conta o sentido Poente-Nascente, ou seja, ...-Barroselas, que estava reservada à circulação do Quadriciclo de matrícula (…), propriedade do Autor (…);
tt) Sendo certo que a Filipa (…) transpôs o eixo divisório da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. ... e invadiu, com o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula (…), a metade esquerda da referida via – Estrada Nacional nº. ... -, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, Barroselas-... (a metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. ..., tendo em conta o sentido Poente-Nascente, ou seja, ...-Barroselas, que estava reservada à circulação do quadriciclo de matrícula (…), propriedade do Autor Domingos …), numa altura em que o referido quadriciclo de matrícula (…) – propriedade do Autor - se encontrava já muito próximo de si;
uu) A uma distância não superior a dez metros do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula (…), tripulado pela Filipa (…);
vv) O Autor – Domingos… -, perante a manobra de ultrapassagem levada a efeito pela Filipa …, ainda travou a fundo o quadriciclo de matrícula …;
ww) E, em manobra de evasão e de salvação, guinou o quadriciclo que tripulava – …-, para o seu lado direito, numa tentativa de evitar o acidente;
xx) Foi-lhe, porém, absolutamente impossível evitar o embate;
yy) Desse modo, a Filipa … foi embater com o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula … contra o quadriciclo de matrícula …, propriedade do Autor Domingos …;
zz) Este embate ocorreu, totalmente sobre a metade esquerda da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. ..., tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, Barroselas-...: totalmente sobre a metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. ..., tendo em conta o sentido Poente-Nascente, ou seja, ...-Barroselas, que estava reservada à circulação do quadriciclo de matrícula …;
aaa) E essa colisão verificou-se entre a parte frontal esquerda, do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula … – tripulado pela Filipa … – e a parte frontal esquerda do quadriciclo de matrícula … .
bbb) E, em consequência dessa colisão, o quadriciclo de matrícula 1… rodou sobre si próprio, para o seu lado direito, ao longo de um ângulo de cento e oitenta graus, tombou sobre si próprio, para o seu lado esquerdo, até que ficou imobilizado totalmente sobre a berma e sobre a valeta, situadas do lado direito da Estrada Nacional nº. ..., tendo em conta o sentido Poente-Nascente, ou seja, ...-Barroselas, com a sua parte lateral esquerda, correspondente ao habitáculo do condutor, apoiado sobre o solo, com a sua parte frontal apontada no sentido Nascente, em direcção a ... e com a sua parte traseira apontada no sentido Poente, em direcção a Barroselas;
ccc) O veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula … – tripulado pela Filipa … -, com a violência do embate, rodou sobre si próprio, para o seu lado esquerdo, ao longo de um ângulo de cento e oitenta graus, até que ficou imobilizado, com a sua parte traseira apontada no sentido Nascente, em direcção a ..., e com a sua parte frontal apontado no sentido Nascente – para o local de onde provinha -, em direcção a Barroselas
ddd) Todos os vestígios da colisão ficaram localizados totalmente sobre a metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. ..., tendo em conta o sentido Poente-Nascente, ou seja, ...-Barroselas (que estava reservada à circulação do Quadriciclo do Autor, de matrícula …);
eee) O Autor – Domingos … -, logo após a deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, ficou encarcerado no interior do Quadriciclo de matrícula …;
fff) De onde foi retirado pelas equipas de socorros dos Bombeiros que foram chamadas ao local do sinistro;
ggg) quadriciclo de matrícula …, correspondente ao habitáculo do respectivo condutor e levava, apertado e justo ao seu corpo, o cinto de segurança;
hhh) Em consequência do acidente, Domingos … sofreu lesões físicas, designadamente, traumatismo craniano, traumatismo da coluna lombar, traumatismo da coluna dorsal, traumatismo da coluna cervical, fracturas múltiplas dos ossos do antebraço esquerdo, fractura dos ossos da perna direita, fractura do maxilar, traumatismo do ombro direito, fractura da tíbia direita proximal, fractura da mandíbula maxilar, traumatismo toráxico, fractura de uma costela, à esquerda, traumatismos dos dois (2) ouvidos, com otorragia bilateral, com perda de líquido, hemorragia oral, traumatismo do mento, ferida profunda do mento, com afundamento ósseo mandibular, ferida occipital, fractura exposta dos ossos do membro inferior direito, fractura múltipla, com desnivelamento do corpo ramo horizontal esquerdo da mandíbula, fractura-luxação da ATM direita, com esquírolas ósseas no espaço mastigador e na transição ATM/espaço parotídeo à direita, arrancamento de porção do côndilo mandibular onde se insere o músculo pterigóideo lateral, avanço dos dois (2) côndilos mandibulares, na cavidade ganóide, crepitação óssea do antebraço esquerdo, solução de continuidade na face anterior do joelho direito, ferida do joelho direito, traumatismo da garganta, lesão das cordas vocais, fractura e perda de nove (9) dentes do maxilar superior – 17, 16, 15, 14, 13, 24, 25, 26 e 27 - , fractura e perda de cinco (5) dentes do maxilar inferior – 46, 42, 41, 31 e 32 -, escoriações e hematomas espalhados pelo corpo todo;
iii) O Autor foi transportado de ambulância, do INEM, para o Hospital de Braga, onde lhe foram prestados os primeiros socorros, no respectivo Serviço de Urgência;
jjj) Foram-lhe, aí, prescritos medicamentos vários, nomeadamente, analgésicos, anti-inflamatórios, antibióticos e soro, efectuadas limpezas cirúrgicas, desinfeções e curativos às feridas e às escoriações sofridas, bem como suturas com a aplicação de pontos de seda;
kkk) Foi-lhe, aí, efectuada imobilização da fractura dos ossos do antebraço esquerdo – membro superior esquerdo com a aplicação de um aparelho de gesso e imobilização com Robert-Jones;
lll) Após o que foi internado, no Hospital de Braga;
mmm) O Autor manteve-se, internado, no Hospital de Braga, ao longo de um período de tempo de cinco dias;
nnn) Durante esse período de tempo de cinco dias, no Hospital de Braga, o Autor manteve-se retido no leito sempre, deitado, na mesma posição, de costas Sem se poder virar, na cama;
ooo) Foi alimentado a líquidos ministrados através de uma “palhinha”/sonda uma vez que não conseguia abrir a boca para mastigar alimentos sólidos;
ppp) Durante esse período de tempo de internamento, no Hospital de Braga, o Autor fez análises clínicas
qqq) Foi-lhe ministrada uma anestesia geral e foi submetido a uma intervenção cirúrgica consubstanciada na redução da fractura da mandíbula, com a aplicação de material de osteossíntese e com a aplicação de um aparelho metálico exterior, para imobilização da mandíbula, por cirurgia maxilo-facial;
rrr) Após o período de tempo de internamento, de cinco dias, no Hospital de Braga, o Autor obteve alta, nesta Unidade Hospitalar e foi transferido para a Unidade Local de Saúde do Alto Minho, EPE – ULSAM, EPE -, de ..., para tratamento das lesões ortopédicas;
sss) Onde se manteve, internado, ao longo de um período de tempo de uma semana no Serviço de Ortopedia;
ttt) Na unidade Local de Saúde do Alto Minho, EPE – ULSAM, EPE -, de ..., o Autor manteve-se, permanentemente, retido no leito, sempre, na mesma posição, deitado, de costas, sem se poder virar, na cama, tomou todas as suas refeições no leito à base de líquidos, ministrados através de uma “palhinha”/sonda;
uuu) Na Unidade Local de Saúde do Alto Minho, EPE – ULSAM, EPE -, de ..., o Autor foi medicado com analgésicos, anti-inflamatórios, antibióticos e soro;
vvv) Foi-lhe ministrada uma anestesia geral e foi submetido a duas intervenções cirúrgicas;
www) Uma delas, aos ossos – rádio e cúbito – do antebraço esquerdo com aplicação a de uma placa de platina e parafusos metálicos de que ainda é portador, na presente data;
xxx) E outra delas, aos ossos da perna direita com a aplicação de uma placa de platina e parafusos metálicos, de que ainda é portador, na presente data;
yyy) Na unidade Local de Saúde do Alto Minho, EPE – ULSAM, EPE -, de ..., foi-lhe efectuada imobilização das fracturas dos ossos do antebraço esquerdo e da perna direita, com aparelhos de gesso, os quais se viu na necessidade de usar ao longo de um período de tempo de três meses;
zzz) O Autor viu-se, também, na necessidade de andar com o membro superior esquerdo, imobilizado e pendurado ao peito, ao longo de um período de tempo de três meses, com o auxílio de um artefacto ortopédico;
aaaa) Foram-lhe aplicados agrafes metálicos, nas regiões das incisões cirúrgicas, os quais lhe foram extraídos ao décimo quinto (15º.) dias pós-operatório;
bbbb) Após o período de tempo de internamento de uma (01,00) semana, na Unidade Local de Saúde do Alto Minho, EPE – ULSAM, EPE -, de ..., o Autor obteve alta hospitalar e regressou à sua casa de habitação;
cccc) Onde se manteve, doente, combalido e retido no leito, com o membro superior esquerdo e com o membro inferior direito engessados, ao longo de um período de tempo de três meses;
dddd) De onde apenas se levantou para se dirigir à Unidade Local de Saúde do Alto Minho, EPE – ULSAM, EPE -, para consultas e para tratamentos;
eeee) O Autor continuou a dirigir-se ao Hospital de Braga, em regime de consulta Externa, à Especialidade de Cirurgia Maxilo-Facial;
ffff) E continuou a dirigir-se à Unidade Local de Saúde do Alto Minho, EPE – ULSAM, EPE -, de ... Para consultas nas Especialidades de Ortopedia e Fisiatria e para tratamentos de Medicina Física de Reabilitação – MFR: Fisioterapia (às regiões do ombro direito, do membro superior esquerdo e do membro inferior esquerdo) durante 21 sessões;
gggg) O Autor dirigiu-se, ainda, aos Serviços Clínicos da Ré Companhia de Seguros “… Companhia de Seguros, S.A.”, no Hospital Particular do Porto, sito na Rua …, da cidade do Porto, onde frequentou consultas de acompanhamento de controlo;
hhhh) No Hospital de Braga, o Autor continuou a frequentar consultas de acompanhamento da Especialidade de Cirurgia Maxilo-Facial;
iiii) Ao longo do período de tempo inicial após regressar a casa, durante três meses, o Autor esteve na maior parte do tempo deitado na cama, alternando com cadeira e cadeirão, totalmente dependente da presença, do acompanhamento e do auxílio da companheira, a qual lhe ministrou os medicamentos de que o Autor careceu, lhe confeccionou e lhe serviu as refeições através de uma “palhinha”/sonda, lhe deu banho, o auxiliou na higiene pessoal, e o auxiliou na execução de todas as suas tarefas e actividades do dia-a-dia;
jjjj) Após cerca de três meses, o Autor passou a levantar-se do leito, a locomover-se no interior da sua casa de habitação e na via pública com um par de muletas/canadianas como auxiliar de locomoção;
kkkk) As quais, o Autor se viu na necessidade de usar, ininterruptamente, ao longo de um período de tempo de nove meses; llll) No momento do acidente e nos instantes que o precederam o Autor assustou-se e receou perder a vida;
mmmm) Em consequência das lesões sofridas, o Autor ficou com dores nos locais das fracturas, sendo estas mais intensas no antebraço esquerdo, ombro direito e tornozelo esquerdo;
nnnn) Ficou a padecer de talalgia bilateral (dores nos calcanhares);
oooo) Ficou com limitação na abertura da boca (não abre a boca toda) e com dificuldades ma mastigação;
pppp) Ficou, no membro superior direito, com omalgia direita residual, com défice na elevação do ombro;
qqqq) Ficou, no membro superior esquerdo, com uma cicatriz de 15 centímetros e outra de 17 centímetros no antebraço;
rrrr) Ficou, no membro inferior direito, com gonalgia direita residual, com limitação da flexão, cicatriz de 4x4 centímetros na face interna do joelho e com cicatriz de 10 centímetros ao longo da perna;
ssss) Ficou, no membro inferior esquerdo, com tarsalgia (dor no tarso/na região tarsal);
tttt) Passou a sentir dificuldades na marcha, sendo perceptível a terceiros um caminhar desconchavado e desequilibrado;
uuuu) As lesões sofridas pelo Autor determinaram-lhe:

· Um Período de Défice Funcional Temporário Total de 60 dias;
· Um Período de Défice Funcional Temporário Parcial de 278 dias;
· Um Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total de 703 dias;
· Um Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Parcial de 122 dias
· Um quantum doloris fixável no grau 5, numa escala de 1 a 7;
· Um Dano Estético Permanente fixável no grau 3, numa escala de 1 a 7;
· Um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 16 pontos;
vvvv) O Autor obteve a consolidação médico-legal definitiva no dia 23.12.2015;
wwww) Passou a depender permanentemente de analgésicos, sem os quais não consegue ultrapassar as suas dificuldades em termos funcionais e nas situações da vida diária, até ao fim da vida;
xxxx) E, também até ao fim da vida, de consultas de estomatologia e exames vários, como auxiliares de diagnóstico, para vigilância das próteses dentárias aplicadas e eventual substituição;
yyyy) E ficou a necessitar, no futuro, de consultas de ortopedia e exames vários, como auxiliares de diagnóstico, para avaliação da necessidade de remoção do material de osteossíntese que lhe foi colocado em consequência das fracturas sofridas e, caso seja necessária a remoção, das respectivas cirurgias;
zzzz) As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, parcialmente incompatíveis com o exercício da actividade profissional do Autor, necessitando este de realizar esforços suplementares para as tarefas ainda compatíveis;
aaaaa) O Autor, à data do embate, tinha a profissão de Assistente Operacional (cantoneiro de limpeza) por conta dos Serviços Municipalizados e Saneamento Básico de ..., executando trabalhos de recolha de material logístico em armazém e trabalhos de limpeza urbana de varredura e de recolha de lixo;
bbbbb) Auferindo mensalmente e em média o valor líquido de € 705,25;
ccccc) Aí se incluindo o valor do trabalho nocturno que ascendia em média e mensalmente a € 23,09;
ddddd) E o valor mensal médio do subsídio de refeição que ascendia a € 81,07;
eeeee) Valores estes (trabalho nocturno e subsídio de refeição) que o Autor não recebeu enquanto esteve impossibilitado de trabalhar;
fffff) Após o regresso ao trabalho e tendo em conta as lesões sofridas e as sequelas de que ficou a padecer, o Autor deixou de poder executar as tarefas que antes executava, designadamente, apanhar e varrer o lixo a pé e trabalhar na recolha do lixo, pendurado nos veículos pesados que fazem a recolha nocturna do lixo;
ggggg) Tendo, num primeiro momento, ficado durante o horário de trabalho no armazém sem executar qualquer tarefa específica;
hhhhh) E, a partir de determinada altura e até hoje, acartando lixo com a ajuda de um triciclo eléctrico na zona da Praia …, em ...;
iiiii) Necessitando, no entanto, da ajuda de um colega de trabalho para a recolha do lixo por ele acartado;
jjjjj) E de fazer pausas para descansar por causa das dores de que ficou a padecer nos membros fracturados;
kkkkk) O Autor nasceu no dia .. de .. de …;
lllll) Em consequência do acidente o Autor despendeu a quantia de € 658,35 em certidões, um relatório médico, consultas médicas, medicamentos, taxas moderadoras e deslocações de táxi a entidades de saúde para consultas e tratamentos;
mmmmm) Para a Ré estava transferida, à data do embate, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo de matrícula …, através de contrato de seguro titulado pela apólice nº …

2 – Factos não provados

Da petição inicial: artigos 183º a 189º, 201º e 202º, 213º a 228º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas hhh) a vvvv), 241º a 246º e 248º a 251º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas mmmm) a zzzz), 263º a 268º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas uuuu) a aaaaa), fffff), hhhhh), iiiii) e jjjjj), 275º, sem prejuízo do que deu por provado na alínea lllll), 276º, 277º, 279º a 311º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas wwww) a yyyy).

Da contestação da Ré: inexistem factos que careçam de ser respondidos.

Iniciamos a nossa apreciação pela impugnação da matéria de facto que embora só suscitada no recurso subordinado há que conhecer em 1º lugar, pois que só após a definição dos factos provados é que se poderá apreciar se os montantes fixados pelo tribunal a quo devem ser alterados, aumentando-os como proposto pelo A., ou diminuindo-os, tal como defendido pela R.

Da impugnação da matéria de facto

Nos termos do artº 662º, nº 1 do CPC o Tribunal da Relação deve alterar a matéria de facto se a prova produzida impuser decisão diferente.

Entende a recorrente subordinada que ocorreu erro de julgamento do tribunal a quo na fixação dos factos dados como provados constantes das alíneas zzzz), fffff) e jjjjj) que deveriam ter sido considerados não provados.

Fundamenta-se no relatório pericial junto aos autos (efectuado na sequência do exame médico realizado ao Autor), no qual se concluiu que nos atos da vida diária: o A. tem dificuldades na marcha e na “vida profissional ou de formação: exerce a profissão” e que “neste caso as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares”. E também na resposta ao artº 263º da p.i. dado pela sra. Perita médica que subscreveu o relatório pericial, na sequência do pedido de esclarecimentos formulado pelo A., onde se alegou que o A. não consegue permanecer de pé, por períodos prolongados de tempo, não consegue fazer força, esforço e movimentar os membros superiores e o membro inferior direito, como fazia antes e se respondeu “consegue” e na resposta ao artº 265º da petição inicial onde era questionado se o autor “passou a sofrer de total e definitiva possibilidade de desempenhar a sua referida profissão de assistente operacional/cantoneiro de limpeza”, tendo se respondido “não”.

Na tese do apelante R., o A. conformou-se com os esclarecimentos prestados pela Sra. perita, pelo que não há qualquer razão para que o tribunal valore um relatório junto aos autos pelo A. a seu pedido, em detrimento do relatório médico elaborado pela perita forense

Mais alegou que as testemunhas ouvidas apenas referiram que o A. não conseguia efectuar o trabalho nocturno, que era o trabalho de recolha do lixo no camião.

A parte que pretende impugnar a matéria de facto tem de cumprir determinados ónus.

Com o actual preceito o legislador teve em vista dois objectivos: eliminar dúvidas que o anterior preceito legal suscitava e reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente que deverá indicar qual a decisão que o Tribunal deveria ter tido.

O sistema que passou a vigorar impõe o seguinte:

.a) o recorrente deve indicar os concretos pontos da matéria de facto que considere encontrarem-se incorrectamente julgados, tanto na motivação do recurso como nas conclusões, ainda que nestas de modo mais sintético;
.b) quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve indicar aqueles que em seu entender conduzem a uma decisão diversa relativamente a cada um dos factos;
.c) no que concerne aos pontos da matéria de facto cuja impugnação se apoie em prova gravada (no todo ou em parte), para além da especificação dos meios de prova em que se fundamenta, tem que indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes, transcrevendo, se assim o entender, os excertos que considere oportunos;
.d) o recorrente deverá mencionar expressamente qual a decisão que deve ser proferida sobre os pontos concretos da matéria de facto impugnada (cf. ensinamentos de António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código do Processo Civil, Coimbra: Almedina, 2013, p. 126 e 127).

Todos estes pontos têm de ser observados com rigor (cf. se defende, entre outros, no Ac.do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11-07-2012, proferido no proc. 781/09). O não cumprimento destes mencionados ónus, conduz à rejeição imediata do recurso na parte afectada, não havendo sequer lugar a qualquer convite ao aperfeiçoamento, porquanto esse convite se encontra apenas consagrado no n.º 3 do artigo 639º do Código de Processo Civil para as conclusões relativas às alegações sobre matéria de direito (em sentido contrário, mas em clara minoria, o , o Acórdão do STJ, de 26-05-2015, processo 1426/08.7TCSNT.L1.S1,que admite também o convite ao aperfeiçoamento das conclusões relativas ao recurso de impugnação da matéria de facto).

Ora, no que respeita à impugnação com base em prova gravada, como é o caso da referência aos depoimentos testemunhais, a R. não só não identificou as testemunhas, como não indicou com precisão as passagens da gravação relevantes em que se fundamenta, transcrevendo, se assim o entendesse, os excertos que considerasse oportunos.

Assim, por falta de cumprimento do disposto no artº 640º, nº 2, alínea a) do CPC rejeita-se a impugnação dos factos identificados com base em depoimentos de testemunhas.

O Mmo Juiz a quo para dar como provados os factos constantes dos pontos impugnados, baseou-se não só no relatório pericial junto aos autos decorrente do exame médico efectuado na pendência deste processo, como também nos depoimentos das testemunhas que identificou e no relatório médico de fls 125 a 130 junto pelo A..

Ora, desde logo, a recorrente subordinada ao não ter cumprido os ónus impostos pelo artº 640º do CPC relativamente à impugnação com base em depoimentos gravados, impediu este tribunal de ponderar os mesmos elementos probatórios que o Mmo juiz a quo apreciou, tendo formado a sua convicção, a propósito das concretas alíneas invocadas, na conjugação de diversos meios probatórios, pelo que uma alteração da matéria de facto nestes termos, sem a consideração de todos os meios de prova, não pode ser efectuada, porque não valora os mesmos meios de prova.

Sempre se dirá, contudo:

As alíneas visadas têm a seguinte redacção:

zzzz) As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, parcialmente incompatíveis com o exercício da actividade profissional do Autor, necessitando este de realizar esforços suplementares para as tarefas ainda compatíveis;
fffff) Após o regresso ao trabalho e tendo em conta as lesões sofridas e as sequelas de que ficou a padecer, o Autor deixou de poder executar as tarefas que antes executava, designadamente, apanhar e varrer o lixo a pé e trabalhar na recolha do lixo, pendurado nos veículos pesados que fazem a recolha nocturna do lixo;
jjjjj) E de fazer pausas para descansar por causa das dores de que ficou a padecer nos membros fracturados.

O tribunal não está vinculado ao laudo dos peritos, porquanto a prova pericial é livremente apreciada pelo tribunal – artº 389º do CC, sem prejuízo de se considerar que os laudos periciais são elementos de grande importância de que o Tribunal se pode e deve socorrer para formular um juízo final, pois que sendo da autoria de técnicos especializados, têm por objecto matérias em relação às quais é de exigir especiais conhecimentos técnicos que o Juiz normalmente não tem ou não domina.

Esta especial preferência só pode ser dada se os laudos foram efectuados de acordo com os preceitos legais
e não constarem do processo outros elementos que ponham em causa o resultado a que os peritos chegaram.

O Mmo Juiz a quo fundamentou a sua resposta do seguinte modo:” No que se refere às consequências físicas na pessoa do Autor, ou seja, relativamente aos factos dados por provados nas alíneas hhh) a zzzz) e fffff), do ponto II.1., a convicção do Tribunal fundou-se no teor do relatório pericial junto aos autos de fls. 298 a 302, bem como nos subsequentes esclarecimentos de fls. 319-320 e no teor dos documentos clínicos de fls. 54 a 56, 63 a 65, 125 a 136, 140 a 201, 261 a 287. Neste âmbito, foram igualmente valorados positivamente os depoimentos das testemunhas António (…), funcionário público na área de recursos humanos da Câmara de …, Vítor (…), assistente operacional nos serviços municipalizados de …, José (…), encarregado dos serviços de higiene e limpeza dos serviços municipalizados de ..., e João (…), encarregado de brigadas nos serviços municipalizados de .... Estas testemunhas, que trabalham nos mesmos serviços municipalizados onde o Autor trabalha, conhecem o trabalho que este executava antes do acidente e conhecem o trabalho que ele executa actualmente. Por essas razões, revelaram razão de ciência tendo explicado o que o Autor fazia antes e agora não faz por não poder e relataram ao Tribunal a forma como é que os serviços arranjaram forma de tornar o trabalho do Autor útil: atribuindo-lhe o único triciclo eléctrico desses mesmos serviços. Depuseram objectiva e circunstanciadamente. Da análise e valoração destes depoimentos, bem como das lesões sofridas e sequelas de que padece, chegámos à conclusão que seria impossível ao Autor exercer a profissão de cantoneiro na varredura e na recolha do lixo. Hoje, o Autor apenas se consegue manter na varredura e com algumas limitações, estando totalmente afastada a possibilidade de executar tarefas relacionadas com a recolha por serem mais exigentes fisicamente. E só se mantém na varredura porque os serviços municipalizados lograram encontrar uma solução através do referido triciclo eléctrico. Daí que somos levados a considerar, ao contrário do relatório pericial junto aos autos de 298 a 302, que o Autor está incapacitado de exercer a sua actividade habitual, podendo exercer outra na sua área profissional, mas com limitações ao nível do esforço físico que lhe é solicitado. Neste sentido, consideramos que o relatório médico de fls. 125 a 130, realizado pelo Dr. L. (..), aproxima-se mais da realidade do Autor do que o relatório pericial dos autos na parte da repercussão permanente na actividade profissional, pois os esforços suplementares eventuais não permitem ao Autor exercer a actividade habitual, atentas as suas características, que antes exercia. A factualidade vertida nas alíneas zzzz), fffff) e jjjjj) reflecte esta convicção.”

E ao contrário do referido pela apelante subordinada, o A. não se conformou com o relatório pericial efectuado nos presentes autos, tanto é, que com base na discordância entre o que constava em parte nesse relatório e o relatório junto pelo A., este pediu a realização de uma segunda perícia a ser realizada por três peritos médicos para que dessem resposta e fixassem de forma fundamentada

.a) A incapacidade parcial geral;
.b) A incapacidade parcial permanente profissional (para o trabalho) de que o A. ficou a padecer, em consequência das lesões sofridas no acidente de trânsito que deu origem à presente ação e das sequelas dela resultantes;
. c) O rebate profissional resultante da IPP e das demais sequelas de que a A. ficou a padecer.

Foi indeferida a requerida realização da segunda perícia e ordenado que a sra. Perita respondesse individualmente aos artigos da p.i. referidos pelo A. no requerimento em que requereu a segunda perícia e onde alegou que a sra. Perita médica não respondeu a tais artigos (fls 311).

Tendo a sra. Perita respondido aos mencionados artigos da petição inicial, na sequência dos esclarecimentos solicitados e tendo sido indeferido o pedido de realização de segunda perícia, não se vislumbra que outra diligência o A. pudesse requerer, para além da comparência da sra. Perita na audiência a fim de prestar esclarecimentos (1), sem que tal possa ser considerado que se conformou com o resultado do relatório médico.

O Mmo Juiz a quo fundamentou-se no relatório junto aos autos a fls. 125 v - 130 efectuado por médico que também é perito médico do Instituto Nacional de Medicina Legal, tendo sido quem efectuou o exame ao A., de avaliação do dano corporal em Direito Penal que se encontra junto aos autos a fls. 63, elaborado na pendência do processo crime em que foi arguida a condutora que deu causa ao acidente. O perito subscritor do relatório junto aos autos que de acordo com o que consta no cabeçalho do relatório apresentado é médico especialista em Medicina Geral e Familiar e Médico, especialista em Medicina Legal, tem o curso superior de Medicina Legal e Pós-graduação em Avaliação do Dano Corporal, sendo-lhe reconhecida competência em peritagem médica pela Segurança Social e em avaliação do dano corporal, pela Ordem dos Médicos (constando ainda que é perito médico do Instituto Nacional de Medicina Legal, o que se verifica, como referimos) considerou que o A. apresenta incapacidade para exercer a sua actividade habitual, mas capacidade para exercer outra actividade dentro da mesma área. Relativamente aos actos de vida diária considerou que estão limitadas todas as actividades que dependam da marcha, do ortotatismo prolongado e do transporte de pesos e no parâmetro da vida profissional, foi considerado incapaz para o exercício da sua actividade habitual, mas com capacidade para exercer outras actividades dentro da mesma área profissional.

Tendo em conta este relatório, igualmente elaborado por médico com competência em avaliação do dano corporal, as lesões sofridas pelo A., mormente a fractura múltipla de ossos da perna direita, e considerando ainda os testemunhos dos que trabalham nos mesmos serviços municipalizados onde o Autor trabalha, referidos na sentença recorrida e cujos depoimentos não podemos sindicar, por falta de cumprimento pela A. do disposto no artº 640, nº 2, al. a) do CPC, não vislumbramos qualquer erro de julgamento, pelo que sempre se manteria inalterada a matéria de facto.

Do dano pela perda de capacidade de ganho

No caso apurou-se que o A. ficou com um défice funcional permanente da integridade físico psíquica de 16 pontos e que regressado ao trabalho deixou de poder executar as tarefas que antes executava, designadamente apanhar e varrer o lixo a pé e trabalhar na recolha do lixo, pendurado nos veículos pesados que fazem a recolha nocturna do lixo.

O A. num primeiro momento, após regressar ao trabalho, ficou no armazém sem executar qualquer trabalho específico e a partir de determinada altura passou a acartar lixo com a ajuda de um triciclo eléctrico na zona da Praia Norte, necessitando da ajuda de um colega de trabalho para a recolha do lixo por ele acartada.

Este défice pode afectar e diminuir a potencialidade de ganho por duas vias: pela perda da diminuição da remuneração ou pela implicação para o lesado de um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de ganho ou para desenvolver as várias tarefas, nomeadamente as do seu quotidiano.

No caso, o A. não teve perda de rendimentos (para além do subsídio de trabalho nocturno, que se presume ter deixado de receber, porquanto deixou de poder prestar as funções que tinham lugar em período nocturno), e apurou-se que o A. deixou de poder executar as tarefas que até então executava, tendo sido encarregue de outras funções.

Ainda que a incapacidade não tivesse tido qualquer repercussão nas tarefas que até ao acidente o A. desempenhava, o que não é o caso, sempre a incapacidade com que um lesado fique é de indemnizar, mesmo que não tenha qualquer influência nos rendimentos que até então auferia. Uma pessoa com incapacidade, mesmo de reduzida expressão, está numa situação diferente e pior, do que outra sem qualquer incapacidade. E esse dano, em nosso entender e com o devido respeito por opinião contrária, não deve ser indemnizado ao abrigo do artº 496º do CC, por não se tratar de dano não patrimonial. A afectação do ponto de vista funcional, não pode deixar de ser determinante de consequências negativas a nível da actividade geral do lesado, revestindo cariz patrimonial que justifica uma indemnização para além da valoração que se impõe a título de dano não patrimonial (conforme se defende no Ac. do STJ, de 23.04.2009, relator Salvador da Costa, proferido no Proc. nº 292/04).

O dano resultante da atribuição de uma incapacidade é um dano futuro, tendo sido tratado o dano que consiste num défice funcional permanente sem rebate na vida profissional do lesado, pela jurisprudência, como dano biológico, entendido este como ofensa à integridade física, constituindo um dano patrimonial a indemnizar segundo as regras do artºs 562, 564º, nº 2 e 566º do CC (conforme se defende no Ac. do STJ de 23.04.2009, já citado).

O Mmo Juiz a quo partiu do rendimento anual do demandante de € 8.463,00, para calcular uma indemnização que assumisse o tempo provável da sua vida activa, de forma a obter um capital produtor desse mesmo rendimento perdido, de tal modo que, no fim dessa vida activa, esse capital se esgotasse, tendo em conta a idade que o Autor tinha quando sofreu o acidente - 54 anos (só perfez 55 em Abril, tendo o acidente ocorrido em Janeiro) - e calculou uma perda de rendimento desde 23.12.2015 (consolidação médico-legal), altura em que já tinha 56 anos, considerando ainda uma esperança de vida até 2036.

Considerou uma taxa de juro de remuneração do capital de 3% ao ano, uma taxa inflação de 1% ao ano, uma taxa de 1% para os ganhos de produtividade e uma taxa de 1% ao ano para a progressão profissional.

E mediante o recurso a fórmula que de seguida se transcreve

C = (1+i)n – 1 x P
(1+i)n x i

Sendo

P = a prestação anual = € 8.463,00;
C = capital a depositar no primeiro ano;
n = anos de expectativa de vida activa (21 anos);
i = taxa de juro nominal (actualizada nos 21 anos seguintes) que se obtém com o desenvolvimento da seguinte fórmula: i = (1+r) : (1+K); em que r é a taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras e k a taxa anual de crescimento da prestação.


Défice permanente da integridade físico-psíquica: 16 pontos (16%).

Obteve o valor da indemnização por danos futuros pela perda da capacidade de ganho de € 25.533,86.

Após, e com recurso à equidade, corrigiu este valor com a seguinte fundamentação:

“A questão que deve colocar-se agora, face ao caso concreto e à matéria de facto dada por provada é saber se este montante é justo e adequado a indemnizar os reais danos do Autor. Estamos a considerar a factualidade dada por provada nas alíneas aaaaa), bbbbb) e fffff) a jjjjj), do ponto II. 1..

Citemos a este propósito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.12.2016 do Supremo Tribunal de Justiça: “nas palavras do acórdão de 28/01/2016 (proc. nº 7793/09.8T2SNT.L1.S1), in www.dgsi.pt, retomadas no acórdão de 07/04/2016 (proc. nº 237/13.2TCGMR.G1.S1), in www.dgsi.pt, “A afectação da integridade físico-psíquica (em si mesma um dano evento, que, na senda do direito italiano, tem vindo a ser denominado “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial. Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais (neste sentido, decidiram os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 2015 (proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1), de 19 de Fevereiro de 2015 (proc. nº 99/12.7TCGMR.G1.S1), de 7 de Maio de 2014 (proc. nº 436/11.1TBRGR.L1.S1), de 10 de Outubro de 2012 (proc. nº 632/2001.G1.S1), e de 20 de Outubro de 2011 (proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1), todos em www.dgsi.pt.)”. (…). Afirma-se, mais à frente, no acórdão de 28/01/2016, que vimos citando: “Para além dos danos patrimoniais consistentes em perda de rendimentos laborais da profissão habitual, segue-se a orientação deste Supremo Tribunal, supra referida, de procurar ressarcir as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade laboral para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais. Trata-se das consequências patrimoniais do denominado “dano biológico”, expressão que tem sido utilizada na lei, na doutrina e na jurisprudência nacionais com sentidos nem sempre coincidentes. Na verdade, a lesão físico-psíquica é o dano-evento, que pode gerar danos-consequência, os quais se distinguem na tradicional dicotomia de danos patrimoniais e danos não patrimoniais (cf. tratamento mais desenvolvido pela relatora do presente acórdão, Responsabilidade Civil – Temas Especiais, 2015, págs. 69 e sgs.). Com esta precisão, a indemnização pela perda da capacidade de ganho, tem a seguinte justificação, nas palavras do acórdão do Supremo Tribunal de 10 de Outubro de 2012, cit.: “a compensação do dano biológico [dentro das consequências patrimoniais da lesão físico-psíquica] tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.” (…). Entende-se que o aumento da penosidade e esforço para realizar as tarefas diárias pode ser atendido no âmbito dos danos patrimoniais (e não apenas dos danos não patrimoniais), na medida em que se prove ter como consequência provável a redução da capacidade de obtenção de proventos, no exercício de actividade profissional ou de outras actividades económicas. (…) “A perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis diminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe [ao lesado], de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável - e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, - erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais” (acórdão do Supremo Tribunal de 10 de Outubro de 2012, cit.).” (…). Nestes termos, consideram-se reparáveis como danos patrimoniais as consequências danosas resultantes da incapacidade geral permanente (ou dano biológico), ainda que esta incapacidade não tenha tido repercussão directa no exercício da profissão habitual. Considera-se ainda que o aumento da penosidade e esforço pode ser atendido nesse mesmo âmbito (danos patrimoniais) - e não apenas no âmbito dos danos não patrimoniais -, desde que seja provado que tal aumento de penosidade e esforço tem como consequência provável a redução da capacidade genérica de obtenção de proventos, no exercício de actividade profissional ou de outras actividades económicas”.

Em face deste posicionamento do Supremo Tribunal de Justiça, com o qual concordamos e seguimos, consideramos, em face da matéria de facto dada por provada, designadamente, aquela que emerge da factualidade dada por provada nas referidas alíneas aaaaa), bbbbb) e fffff) a jjjjj), do ponto II.1., tornando impossível ao Autor a normal execução da sua actividade de cantoneiro, contando para tal com a disponibilização, por parte da sua entidade patronal, de um veículo eléctrico que compensa as limitações que decorrem das sequelas do acidente, e que, dificilmente o Autor lograria empregar-se ab initio em outra empresa ou entidade pública para exercer a profissão que tinha até à data do acidente, que aquele montante não indemniza adequadamente a situação real do Autor, em face das lesões sofridas e sequelas subsistentes, a efectiva e concreta diminuição da sua capacidade de ganho.

Deste modo, consideramos que devemos recorrer à equidade, tal como proposto no referido aresto, nos termos do disposto no artigo 566º, nº 3, do Código Civil, em função dos seguintes factores: (i) a idade do lesado; (ii) o seu grau de incapacidade geral permanente; (iii) as suas potencialidades de aumento de ganho em profissão ou actividade económica alternativa, aferidas, em regra pelas suas qualificações; e (iv) outros que relevem casuisticamente como, no caso dos autos, o facto de o desempenho profissional do lesado estar dependente de posturas corporais incompatíveis com as lesões sofridas transformando os esforços suplementares em algo particularmente penoso ou impossível.

Feita esta ponderação, julgo adequado e proporcional que o Autor seja indemnizado, a este título, ou seja, pela perda da capacidade de ganho futuro, em € 50.000,00, uma vez que as lesões e sequelas sofridas impedem-no, na prática, de exercer com o mínimo de proficiência, a sua profissão.”

A R. considera que o A. não tem nem teve quaisquer perdas salariais (para além do subsídio de trabalho nocturno, de reduzida expressão), e que sempre lhe foi pago por inteiro o seu vencimento, nem tem que fazer qualquer esforço adicional para efectuar o trabalho que até então fazia, pois que foi colocado noutro menos exigente em termos físicos, pelo que não lhe deve ser arbitrada indemnização superior a 10.000,00.

Por sua vez, o A. entende que ficou totalmente impossibilitado de exercer as funções mencionadas em aaaa), passando a exercer a sua actividade profissional de forma amplamente condicionada, nas circunstâncias descritas em gggg), hhhh), iiii) e jjjj), pelo que lhe deveria ter sido fixada indemnização no montante de 75.000,00.

Ora, como resulta claramente do extracto transcrito da motivação dos factos, foi exactamente em consequência das limitações que o A. passou a ter no exercício da sua actividade profissional que o tribunal lhe atribuiu a indemnização que fixou.

Relativamente à recorrente subordinada, a sua argumentação parte de um pressuposto que não se provou, pois que se manteve inalterada a matéria de facto. Assim, não se provou que o défice de 16 pontos é compatível com o exercício da actividade profissional habitual, mas implica esforços complementares, mas sim que as sequelas que o A. mantem são em termos de repercussão permanente na sua actividade profissional, parcialmente incompatíveis com o exercício da actividade profissional do Autor, necessitando este de realizar esforços suplementares para as tarefas ainda compatíveis (al zzzz).

Assim, ainda que em serviços fisicamente menos exigentes, o A. continua a ter de realizar esforços suplementares e mesmo estes, o A. não consegue realizar na sua plenitude, pois que necessita da ajuda de um colega para a recolha do lixo que acartou.

Esta afectação da sua força laboral, se bem que possa não ter imediata repercussão nos rendimentos por ele auferidos, com exceção do subsídio de trabalho nocturno, pode repercutir-se na perda de rendimentos, pois que limitado como o A. se encontra, não é presumível que possa evoluir na carreira, e embora atenta a sua idade, já não seja previsível que o A. procurasse outra entidade patronal, com as limitações de que padece, não se perspectiva que viesse a ser admitido por qualquer outro empregador. Por outro lado, a incapacidade de que ficou afectado, não vai desaparecer quando se reformar. Esta incapacidade perdurará para além do termo da vida profissional e durante toda a sua vida. As dificuldades na marcha continuarão, o que é limitativo para a realização de qualquer tarefa que exija a actividade motora, como, designadamente, o simples limpar da casa onde se reside, ir às compras e ao médico.

No sentido de que, ainda que não ocorra perda de rendimentos, o dano biológico deve ser indemnizado, o Ac. do TRG de 15.02.2018, proc.652/16.0T8GMR.G1, onde são citadas diversas decisões jurisprudenciais do STJ nesse sentido e que passamos a transcrever:

Acórdão de 4.10.2005:

“O dano biológico traduz-se na diminuição somático-psíquico do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre”.

Acórdão de 4.10.2007:

“O dano biológico derivado de incapacidade geral permanente, de cariz patrimonial, é susceptível de justificar a indemnização por danos patrimoniais futuros independentemente de o mesmo se repercutir na vertente do respectivo rendimento salarial”.

Acórdão de 19.5.2009:

“O dano biológico repercute-se na qualidade de vida da vítima afectando a sua actividade vital, é um dano patrimonial já que as lesões afectam o seu padrão de vida”.

Acórdão de 6.12.2011:

“A perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediatamente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira “capitis deminutio” num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional. (…)”.

Acórdão de 21.3.2013:

I - O dano biológico, dano corporal lesivo da saúde, está na origem de outros danos (danos-consequência) designadamente aqueles que se traduzem na perda total ou parcial da capacidade de trabalho.
II - Constitui dano patrimonial a perda de capacidade de trabalho permanente geral de 15 pontos que impõe ao lesado esforços acrescidos no desempenho da sua profissão a justificar, nos termos do art. 564.º, n.º 2 do CC, indemnização correspondente ao acrescido custo do trabalho que o lesado doravante tem de suportar para desempenhar as suas funções laborais.
III - Este dano é distinto do dano não patrimonial (art. 496.º do CC) que se reconduz à dor, ao desgosto, ao sofrimento de uma pessoa que se sente diminuída fisicamente para toda a vida”.

No Ac. do TRG citado, de 15.02.2018, arbitrou-se uma indemnização no montante de 60.000,00 euros a um lesado que à data da consolidação médico-legal das lesões sofridas (30.9.2014) tinha 41 anos de idade, considerando-se uma esperança média de vida de cerca de 39 anos ;

“- Foi-lhe atribuído um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 10 pontos susceptível de agravamento com o decurso do tempo;
- Era operário da construção civil, embora estivesse transitoriamente inactivo;
- Necessita de fazer esforços acrescidos para exercer essa profissão;
- Ficou impossibilitado de, como até então fazia de forma remunerada, treinar cavalos, conduzir charretes e montar cavalos em desfiles e festas.

No caso concreto, o A. ficou afectado de um défice superior e a incapacidade de que ficou afectado refletiu-se na profissão que até então exercia, sendo incompatível com o exercício da actividade profissional que desempenhava até então, factores mais gravosos que os considerados no acórdão citado. Por outro lado, atento que a sua idade era mais elevada, menor é, em abstracto, a sua esperança de vida.

Tudo ponderado, entendemos que a indemnização se mostra adequada, situando-se dentro dos valores normalmente estabelecidos para casos de igual gravidade, pelo que se mantém inalterada a decisão.

Danos não patrimoniais

Na sentença recorrida fixou-se ao A. uma indemnização no montante de 55.000,00. O apelante entende que este valor deve ser alterado para 75.000,00, tendo em conta as dores que sofreu e que ainda hoje se fazem sentir, as sequelas com que ficou, as hospitalizações e intervenções a que foi sujeito.

Por sua vez a recorrente subordinada defende que a indemnização deve ser diminuída para montante não superior a 30.000,00, tendo em conta o teor das decisões proferidas recentemente pela jurisprudência, em termos de dano não patrimonial e a demais jurisprudência proferidas em casos semelhantes. Embora fazendo referência a decisões jurisprudenciais, no sentido em que advoga, a apelante não identifica qualquer acórdão, no qual, em caso semelhante ao dos autos, tenha sido atribuída uma indemnização inferior.

O Mmo Juiz a quo atribuiu a indemnização por danos não patrimoniais , tendo em conta “o número de dias em que o Autor esteve com um défice funcional temporário total (60 dias), o número de dias com um défice funcional temporário parcial (278 dias), ao período de repercussão temporária na actividade profissional total (703 dias), ao período de repercussão temporária na actividade profissional parcial (122 dias) ao défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (16 pontos), às dores sofridas (5/7), ao dano estético permanente (3/7) sendo de sublinhar a circunstância de ter sido submetido a três operações cirúrgicas e ter sido alimentado por uma sonda durante mais de três meses com alimentos líquidos, consideramos justo, proporcional, adequado e equitativo fixar uma indemnização, para ressarcimento dos danos não patrimoniais decorrentes do evento, de € 55.000,00”.

Como os factos demonstram, o A. em consequência do acidente, sofreu politraumatismos. O A. sofreu, designadamente, traumatismo craniano, traumatismo da coluna lombar, traumatismo da coluna dorsal, traumatismo da coluna cervical, fracturas múltiplas dos ossos do antebraço esquerdo, fractura dos ossos da perna direita, fractura do maxilar, traumatismo do ombro direito, fractura da tíbia direita proximal, fractura da mandíbula maxilar, traumatismo toráxico, fractura de uma costela, à esquerda, traumatismos dos dois (2) ouvidos, com otorragia bilateral, com perda de líquido, hemorragia oral, traumatismo do mento, ferida profunda do mento, com afundamento ósseo mandibular, ferida occipital, fractura exposta dos ossos do membro inferior direito, fractura múltipla, com desnivelamento do corpo ramo horizontal esquerdo da mandíbula, fractura-luxação da ATM direita, com esquírolas ósseas no espaço mastigador e na transição ATM/espaço parotídeo à direita, arrancamento de porção do côndilo mandibular onde se insere o músculo pterigóideo lateral, avanço dos dois (2) côndilos mandibulares, na cavidade ganóide, crepitação óssea do antebraço esquerdo, solução de continuidade na face anterior do joelho direito, ferida do joelho direito, traumatismo da garganta, lesão das cordas vocais, fractura e perda de nove (9) dentes do maxilar superior – 17, 16, 15, 14, 13, 24, 25, 26 e 27 - , fractura e perda de cinco (5) dentes do maxilar inferior – 46, 42, 41, 31 e 32 -, escoriações e hematomas espalhados pelo corpo todo (alínea h).

O A. perdeu 14 dentes, ou seja, quase metade da dentição de um adulto composta normalmente por 32 dentes e sofreu fractura da mandíbula, tendo estado a ser alimentado por sonda durante 3 meses com alimentos apenas líquidos. Esteve, após o período de internamento de 1 semana, retido no leito durante três meses, a ser alimentado por sonda, com o membro superior esquerdo e o membro inferior direito engessados, totalmente dependente da presença e do acompanhamento da sua companheira, andou de canadianas mais nove meses, sofreu dores elevadas, pois que foram consideradas como atingindo o grau 5 em 7, dores que se irão manter ao longo de toda a sua vida, pois que passou a depender permanentemente de analségicos, sem os quais não consegue ultrapassar as suas dificuldades em termos funcionais e nas situações de vida diária, foi sujeito a três intervenções cirúrgicas com anestesia geral, sofreu período prolongado de incapacidade, ficou com cicatrizes, com limitação na abertura da boca e com dificuldades na mastigação, passou a sentir dificuldades na marcha, sendo perceptível a terceiros um caminhar desconchavado e desequilibrado.

O critério legal de fixação dos danos não patrimoniais baseia-se na equidade – cf. artºs. 496.º e 494.º do CC; para tanto, não podem deixar de ser ponderadas circunstâncias como a natureza e grau das lesões, as suas sequelas físicas e psíquicas, as intervenções cirúrgicas sofridas e internamentos, o quantum doloris, o período de doença, situação anterior e posterior do ofendido em termos de afirmação social, apresentação e auto-estima, alegria de viver – seu diferencial global –, a idade, a esperança de vida e perspectivas para o futuro, entre outras (cf. se defende no Ac. do STJ 28-09-2010 - Revista n.º 265/04.9TBSVV.C1S1 - 1.ª Secção – cujo sumário está disponível em www.stj.pt/wp-content/uploads/2017/10/cadernodanosnaopatrimoniais-2004-2012, assim como dos demais acórdãos que iremos infra citar).

Na indemnização por danos não patrimoniais, o tribunal não está sujeito a limites, podendo atribuir indemnizações por danos não patrimoniais em montante superior ao que tem vindo a ser fixado para indemnizar a perda do direito à vida, como se defende no Ac. do STJ, de 14-09-2010 - Revista n.º 267/06.0TBVCD.P1.S1 - 6.ª Secção em que atribuiu uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de 100.000,00 por a situação de incapacidade em que se encontrava a 1.ª autora assumir maior gravidade e acutilância pela sua contínua perduração, quotidiana e reflexamente reflectida como um factor de elevado desgaste no ânimo do respectivo lesado, atento o seu status irreversível quanto a uma eventual evolução positiva, no sentido da diminuição das privações físicas com que a mesma se passou a confrontar, e a cuja causa foi total e absolutamente alheia, comparativamente à natureza instantânea da supressão do bem correspondente à “perda da vida” (no mesmo sentido Ac. do STJ de 28-09-2010 - Revista n.º 2832/05.4TBVFX.L1.S1 - 6.ª Secção).

No acórdão do STJ de 09-09-2010 - Revista n.º 2572/07.0TBTVD.L1.S1 - 2.ª Secção, foi aumentado para € 30 000 o montante compensatório de €10 000,00, fixado pelo Tribunal da Relação, relativamente aos danos não patrimoniais do mesmo sinistrado que, em virtude do acidente, foi sujeito a internamentos hospitalares com intervenções cirúrgicas, teve de estar acamado com imobilização e dependência de terceira pessoa em casa durante cerca de 3 meses, teve enjoos e dores (estas em grau 3 numa escala de 7), esteve longo período sem poder, em absoluto, trabalhar e que, como sequelas permanentes, ficou com uma cicatriz na região dorso lombar de 14 cm e a sofrer de lombalgias que se agravavam no final do dia de trabalho.

No Ac. do STJ de 07-10-2010 - Revista n.º 370/04.1TBVGS.C1.S1 - 2.ª Secção –foi acolhida a pretensão compensatória, por danos não patrimoniais, de € 50 000 relativamente ao lesado de 29 anos que sofreu várias fracturas e um traumatismo crâneo-encefálico, com inerentes dores (de grau 5 numa escala até 7); - esteve hospitalizado duas vezes, foi sujeito a intervenções cirúrgicas e a tratamento em fisioterapia; - teve de se deslocar, por longo tempo, com o auxílio de canadianas; - ficou, como sequelas permanentes, com cicatrizes na perna, claudicação da marcha, dificuldade em permanecer de pé, em subir e descer escadas e, bem assim, impossibilitado de correr e praticar desporto que antes praticava; - passou, de alegre e comunicativo, a triste, desconcertado e ansioso.

No ac. do STJ de 28-10-2010 - Revista n.º 988/03.0TCSNT.L1.S1 - 7.ª Secção, atribuiu-se uma indemnização no montante de 50.000,00 a uma lesada que sofreu vários internamentos hospitalares e intervenções cirúrgicas e apresentava dores no pescoço que se agravavam com os esforços ou em viagens a conduzir, dores no punho esquerdo, dores no joelho direito ao subir e descer escadas, perturbações no sono e ansiedade que se manifestaram depois do acidente, uma cicatriz na posição inferior da face anterior do joelho direito, com 2,8 cm de comprimento, desgosto e complexos de inferioridade física bem como angústia e má disposição pelo estado físico em que se encontra.

O quadro factual apurado nos autos é revelador do elevado sofrimento do A. e não permite a diminuição do valor fixado para a quantia de 30.000,00, pois que não o compensaria. Visando a indemnização por dano patrimonial proporcionar ao lesado uma compensação para os sofrimentos que a lesão lhe causou, contrabalançando o dano com a satisfação que o dinheiro lhe proporcionará, deve ter um alcance significativo, e não meramente simbólico (cf. Ac. do STJ 13-07-2010 - Revista n.º 1171/03.0TBVVC.G1. S1 - 7.ª Secção).

A quantia de 30.000.00 reclamada pela recorrente foi atribuída a um lesado que sofreu lesões muito menos extensas do que o A. no Ac. do STJ de 23-11-2010 - Revista n.º 276/2001.G1. S1 - 6.ª Secção. Nesse caso, foi atribuída a referida indemnização a um lesado que com 33 anos de idade, que sofreu, em virtude de um acidente de viação, apenas traumatismo do membro inferior esquerdo (por comparação com os múltiplos traumatismos sofridos pelo A.) e que teve alta definitiva cerca de um ano e quatro meses após a ocorrência do sinistro (quando no caso decorreram quase dois anos), tendo sido quantificáveis no grau 4 as dores físicas pelo mesmo já sofridas (enquanto no caso em análise foram quantificadas no grau 5) quer aquando do acidente, quer em consequência dos tratamentos a que foi submetido, dores essas que, conjuntamente com os incómodos e o mal estar provenientes das sequelas de que ficou a padecer, o irão acompanhar durante toda a vida. Também no caso do acórdão já citado de 09/09/2010, o quadro factual era menos grave.

Tudo ponderado, considerando os factos apurados com relevância na fixação da indemnização por danos não patrimoniais, e os critérios que têm vindo a ser adoptados pelo STJ, a indemnização fixada pela 1ª instância mostra-se adequada.

IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar as apelações improcedentes, confirmando a sentença recorrida.
Custas da apelação principal pelo apelante A.
Custas do recurso subordinado, pela apelante R.
Guimarães, 21 de Fevereiro de 2019

Helena Maria carvalho Gomes Melo ( relatora)
Pedro Alexandre Damião e Cunha ( adjunto)
Maria João Marques Pinto Matos ( adjunta)

1- Do qual posteriormente, na audiência de discussão e julgamento de 19.02.2108, veio a prescindir, na sequência da confissão pela R. dos factos atinentes à dinâmica do acidente, descritos nos arts 1º a 6º, 116 e 117 da petição inicial (fls 336).