Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1514/21.4T8VCT.G1
Relator: PAULO REIS
Descritores: ARROLAMENTO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REGRAS DE DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL
PROVA DA SIMULAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - É orientação dominante na doutrina e jurisprudência que o n.º 2 do artigo 394.º do CC não veda a possibilidade de os simuladores provarem o acordo simulatório e o negócio dissimulado com base num princípio de prova escrita contextualizada ou complementada por prova testemunhal.
II - O arrolamento, enquanto providência cautelar de garantia ou de natureza conservatória, está sempre na dependência de uma ação à qual interessa a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas.
III - Em procedimento cautelar de arrolamento instaurado como dependência de ação declarativa a instaurar pelo ora requerente, visando a declaração de nulidade do contrato de compra e venda da fração celebrado pela requerida, na qualidade de compradora, por alegada simulação relativa, e a correspondente declaração de validade do negócio dissimulado de compra e venda da mesma fração com referência ao requerente, enquanto invocado comprador real, o decretamento da providência sempre depende da verificação da probabilidade da procedência do pedido correspondente, o que implica necessariamente aferir se estão verificados, ainda que indiciariamente, os pressupostos da invocada simulação relativa subjetiva por interposição fictícia de pessoas.
IV - Vindo alegada uma simulação relativa com interposição fictícia de pessoas num alegado negócio translativo, a forma do negócio simulado não aproveitará ao negócio dissimulado se do negócio simulado não constar uma declaração de vontade do real comprador.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

L. C., divorciado, aposentado, com residência na Rua …, Felgueiras, instaurou providência cautelar de arrolamento contra S. L., solteira, emigrante na Suíça e aí residente em parte incerta, mas com última residência em Portugal na Rua …, Felgueiras, requerendo o arrolamento da fração autónoma que identifica no requerimento inicial e a sua entrega ao requerente como fiel depositário.
Alega para o efeito, em síntese, que a requerida, sua filha, sempre teve habitação exclusiva e permanente em casa do requerente. Sucede que, por motivo fútil, a requerida agrediu o requerente, o qual foi expulso de sua casa, tendo cessado então as relações entre ambos. Há uns anos o requerente comprou um imóvel, que foi posto em nome da requerida, sua filha, para obtenção de benefícios fiscais, figurando falsamente a requerida como compradora e ainda que a fração era destinada a habitação própria e permanente da requerida, pois a real intenção era transmitir a fração ao requerente. Uma vez que as relações entre pai e filha cessaram, o requerente tem justo receio de que a requerida venha a vender o imóvel a fim de o subtrair a uma ação de simulação relativa, que sabe ter existido.
O requerente juntou documentos aos autos e arrolou testemunhas.
Foi proferido despacho dispensando o prévio contraditório da requerida e procedeu-se à inquirição das testemunhas indicadas pelo requerente.
Seguidamente foi proferida decisão decretando o arrolamento da fração autónoma sita na Avenida …, Viana do Castelo, inscrita da matriz predial urbana da freguesia de ..., Viana do Castelo, sob o artigo ..., com o valor patrimonial tributário de 50.212,05€ e descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº .../19900515 - Z, da freguesia de ..., bem como do recheio dessa mesma fração, mais nomeando o requerente como depositário.
Realizado o arrolamento decretado, foi a requerida notificada nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 366.º, n.º 6, 372.º e 375.º do Código de Processo Civil (CPC) vindo interpor recurso da decisão que decretou o arrolamento.

Pede a revogação da decisão proferida, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1. O Reqte alega a divergência entre a vontade declarada na escritura pública de compra e venda junta com a P.I. e a vontade real, posto que esta era que a venda fosse efectuada ao Reqte e não como declarado à Reqda ,
2. Mercê de acordo acordo simulatório entre a declarante vendedora e a declaratária compradora , bem como entre os respetivos procuradores, para que a Ré e o A. fugissem ao pagamento dos impostos que legalmente eram devidos, com intuito de enganar a Fazenda Publica ou o Fisco,
3. Ou seja uma simulação relativa por interposição fictícia de pessoa, em que esta ( testa de ferro ), a Reqda, figurou como titular aparente, sendo o real titular o Reqte ,
4. Esta e respectiva nulidade do negócio declarado, o simulado, e validade do negócio oculto, o dissimulado , com que pretende justificar a tutela que pretende obter por intermédio da providência cautelar de arrolamento.
5. A Reqda beneficia da presunção legal de que o direito de propriedade do imóvel em causa existe e pertence-lhe , uma vez que o mesmo se mostra registado a seu favor pela Ap. 67 de 2002/03/05 da descrição predial correspondente ...-... da Conservatória do Registo Predial de ... , presunção ilidível mediante prova em contrário , no caso, a cargo do Reqte ,
6. Ónus que este não cumpriu.
7. Para que se possa falar de simulação absoluta e lei exige a verificação cumulativa de três requisitos: 1. a divergência intencional entre a vontade real e a declaração; 2. o acordo simulatório entre declarante e declaratário; 3. a intenção de enganar terceiros. - art. 240º nº 1 do C.C. –
8. Para que se possa falar de simulação relativa (as partes quiseram celebrar um outro negócio, diferente, que ficou oculto pelo negócio celebrado) a lei exige, também cumulativamente, além dos três requisitos constantes do n.º 1 do art.º 240, do CC um outro que é a existência do negócio dissimulado válido.
9. Finalmente para falar numa interposição fictícia de pessoas (simulação subjectiva, como modalidade de simulação relativa) é necessário que se verifiquem todos os citados pressupostos e cumulativamente que o conluio exigido abranja todos os intervenientes; a interposição tem de resultar de um acordo que abarque todo o triângulo composto pelo interponente, o interposto e a outra parte.
10. Daí que , sejam requisitos da interposição fictícia de pessoas, os seguintes elementos: 1. Que haja duas ou mais pessoas a quem interesse a realização de um determinado acto jurídico; 2. Que todos ou alguns dos interessados não queiram ou não possam realizar directamente realizar; 3. Que exista um intermediário por meio de quem o acto se pratique e com quem os directamente interessados estabeleçam relações jurídicas; 4. Que esse esse intermediário não o tenha interesse próprio na realização do acto em que intervém como parte.
11. Do exposto resulta à sacidedade que a simulação relativa na modalidade de interposição fictícia de pessoa ( simulação subjectiva ) para contornar uma alegada impossibilidade de negociação directa com a outra , seja qual for o motivo , pressupõe o acordo tripartido entre os sujeitos reais e o fictício ou aparente .
12. Donde , forçoso se mostra concluir que o sujeito real , no caso, o Reqte é um dos supostos três simuladores .
13. Na previsão dos arts 393º e 394º do C.C. , se a declaração negocial , por disposição da lei ou estipulação das partes houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito , não é admissível prova testemunhal, prova que é inadmissível , se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos arts. 373º a 379º , quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele , quer sejam posteriores proibição esta que se aplica ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado , quando invocados pelo simulador.
14. Proibida que é, no caso, a prova testemunhal e que os documentos juntos nada provam quanto à existência de um acordo simulatório , qualquer que fosse, designadamente o pelo Reqte alegado,
15. Os factos 3) , 4) , 6), 7), 8) , 9) , 10) , 10) , 14 ) , 24) e 27) dados como provados na douta sentença recorrida , deviam ter sido dados como não provados por total ausência de prova lícita e válida .
16. Resta dizer que em simulação subjectiva, por interposição fictícia de pessoas, a forma do negócio simulado só aproveitará ao negócio dissimulado desde que haja uma declaração negocial do verdadeiro adquirente com a forma exigida por lei,
17. O que não sucede no caso.
18. A escritura pública pela qual o imóvel se transmitiu para a Reqda / recorrente não constitui título de aquisição para mais ninguém, designadamente , se estivemos no caso que não estamos perante a alega simulação relativa por interposição fictícia de pessoa, para o Reqte .
19. Ao julgar provados os factos supra indicados em 15. Destas a douta sentença recorrida fez incorrecta interpretação dos factos e aplicação do Direito e violou entre outros os arts 7º do C.R.P., 350º, 240º e ss e 393º e 394º do C.C. .

TERMOS EM QUE, dando V. Exªs provimento ao presente recurso , revogando em consequência a douta sentença recorrida e julgando improcedente a providência cautelar de arrolamento , farão, como sempre inteira e sã justiça JUSTIÇA».

Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, confirmando-se a admissão do recurso nos mesmos termos.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC - o objeto do presente recurso circunscreve-se às seguintes questões:

A) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto: apreciar e decidir se os factos vertidos nos pontos 3., 4., 6., 7., 8., 9., 10., 14., 24., e 27., da matéria de facto provada constante da decisão recorrida deviam ter sido dados como não provados por ausência de prova lícita e válida;
B) Se estão verificados os pressupostos legais para o deferimento da providência decretada, traduzidos na prova sumária do invocado direito relativo ao bem e dos factos fundamentadores do receio do seu extravio ou dissipação.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. relevando ainda os seguintes factos considerados indiciariamente provados pela 1.ª instância na decisão recorrida:
1. A Requerida tirou a licenciatura de psicologia, em Viseu, entre os anos de 1999 - 2005.
2. O Requerente, que vivia e vive na rua do …, Felgueiras, sempre alimentou a esperança de ter uma casa de praia para férias, na povoação de ..., freguesia de ..., Viana do Castelo.
3. Para evitar pagar a contribuição autárquica (agora IMI), acordou com a Requerida que iria aí comprar um andar e colocá-lo em seu nome, pois esta ficaria isenta de IMI durante 10 anos, desde que, falsamente, dissesse que aí passaria a ter a sua residência exclusiva, própria e permanente.
4. Mas quem pagaria o andar e todas as despesas daí decorrentes seria o Requerente, pois a Requerida não tinha dinheiro, não trabalhava, estava a licenciar-se e só arranjou um emprego precário de 1.6.2009 a 30.3.2012, na Santa Casa da Misericórdia de ....
5. Depois, ficou desempregada e só voltou a trabalhar quando emigrou, há 5 anos, para a Suíça.
6. Na compra, a Requerida beneficiaria da isenção da sisa.
7. A intenção era obter fraudulentamente a isenção, mas o dono real do andar seria o Requerente, que sempre pagou tudo.
8. A Requerida nunca teve a intenção de ir viver para a povoação da ... e aí estabelecer a sua habitação própria e permanente, pois continuou a viver na casa do Requerente, em ..., Felgueiras.
9. A casa a comprar seria somente para férias de verão ou para algum fim-de semana.
10. Este plano conjunto entre A. e Ré foi levado à prática em 22.3.2002.
11. Nessa data, por escritura pública outorgada no Primeiro Cartório Notarial de ..., foi celebrado contrato de compra e venda entre a proprietária da fração autónoma, M. L., residente em França, representada pelo seu procurador D. R., e a Requerida, representada pelo Requerente, como seu procurador, tendo o primeiro declarado que vendia à Requerida e esta aceitava a venda, por 34.915,80€, do seguinte imóvel: “fração autónoma designada pela letra “Z”, correspondente ao QUARTO ANDAR DIREITO TRASEIRO, destinada a habitação – com três varandas e uma divisão na cave, do prédio urbano afeto ao regime de propriedade horizontal situado no lugar da ..., freguesia de ..., deste concelho (Viana do Castelo), inscrita na respetiva matriz predial sob o número ... “Z”, com o valor patrimonial de 15.686,99 euros, descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número …“Z”, da dita freguesia de ..., registada a favor da vendedora pela inscrição G ..., ..., nove, ..., ..., …, afeta ao regime de propriedade horizontal conforme inscrição F ..., ..., sete, ..., ..., ..., três”.
12. O Requerente, como procurador da Requerida, declarou “que a fração autónoma adquirida se destina à habitação própria permanente da mesma”.
13. A fração em causa está inscrita da matriz predial urbana da freguesia de ..., Viana do Castelo, sob o artigo ..., com o valor patrimonial tributário de 50.212,05€ e descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº .../19900515 – Z, da freguesia de ....
14. Houve um acordo entre a declarante vendedora e a declaratária compradora, bem como entre os respetivos procuradores, para que a Requerida e o Requerente fugissem ao pagamento dos impostos que legalmente eram devidos, com intuito de enganar a Fazenda Pública.
15. O Requerente esteve sempre na posse da fração, indo nela passar férias e fins-de semana, pagando todas as despesas e amortizações.
16. Houve um mútuo com hipoteca a favor do Banco ..., mas quem sempre pagou as amortizações foi o Requerente e não a Requerida, pois esta somente começou a trabalhar em 1.6.2009, na Santa Casa da Misericórdia de ....
17. O empréstimo do Banco ... foi pago antecipadamente, quando o Requerente pagou do seu bolso mais de 20.000€ de uma só vez.
18. A hipoteca voluntária foi cancelada em 9.2.2009.
19. Até ao cancelamento da hipoteca e ao final dos pagamentos mensais, foi aberta uma conta bancária no Banco ..., em Felgueiras, em nome da Requerida, que o Requerente ia abastecendo, com o seu próprio dinheiro, na altura de cada amortização.
20. A água e a eletricidade eram pagas por débito direto na conta bancária do Requerente, na Caixa ..., em Felgueiras.
21. A conta bancária que pagava a água e a luz da fração em causa tinha o NIB ............. 28 e era do Requerente.
22. Todas as contas relativas ao condomínio eram pagas pelo Requerente.
23. A Requerida sempre teve habitação exclusiva e permanente em casa do Requerente, mas não na fração comprada.
24. Requerente e Requerida tinham acordado que, oportunamente, a fração seria registada em nome do primeiro, tratando as partes da documentação necessária.
25. No dia 24.12.2019, pelo almoço, na véspera de Natal, a Requerida agrediu o aqui Requerente, deixando-lhe o olho esquerdo muito pisado.
26. O Requerente foi posto fora da sua casa e foi viver para a fração da ... durante um mês, regressando a Felgueiras ao fim desse tempo, onde ainda se mantém.
27. O Requerente tem justo receio de que a Requerida venha a vender o imóvel a fim de o subtrair a uma ação de simulação parcial, que sabe ter existido.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso

2.1. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

A requerida/apelante impugna a decisão relativa à matéria de facto incluída na sentença recorrida, sustentando que os factos vertidos nos pontos 3., 4., 6., 7., 8., 9., 10., 14., 24., e 27., da matéria de facto provada constante da decisão recorrida deviam ter sido dados como não provados por ausência de prova lícita e válida.
Tal como resulta da análise conjugada do disposto nos artigos 639.º e 640.º do CPC, os recursos para a Relação tanto podem envolver matéria de direito como de facto, sendo este último o meio adequado e específico legalmente imposto ao recorrente que pretenda manifestar divergências quanto a concretas questões de facto decididas pelo Tribunal de 1.ª instância que realizou o julgamento, o que implica o ónus de suscitar a revisão da correspondente decisão.
Estando em causa a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o artigo 640.º do CPC impõe ao recorrente, sob pena de rejeição, além do mais, a especificação dos concretos meios probatórios que imponham decisão diversa da recorrida e, tratando-se de meios probatórios gravados, a indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda o recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
A impugnação deduzida pela apelante reporta-se, em parte, à alegada violação de regras de direito probatório material, mais precisamente da limitação decorrente do artigo 394.º, n.º 2 do Código Civil (CC), que manda aplicar a regra da inadmissibilidade da prova por testemunhas (prevista no n.º 1 do referido preceito para quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares nele previstos) à prova do acordo simulatório e do negócio dissimulado quando invocados pelos simuladores, o que, a verificar-se, consubstancia verdadeiro erro de aplicação de direito (1).

Com efeito, a recorrente não especifica qualquer concreta passagem das gravações das duas testemunhas que foram ouvidas em sede de produção de prova, nem procede à transcrição de algum excerto que entenda relevante para a decisão a proferir relativamente às questões de facto em apreciação.
Porém, a recorrente reporta-se, ainda, à valoração dos documentos juntos aos autos pelo requerente, o que constitui questão a apreciar em sede de impugnação da matéria de facto pois implica aferir se os referidos documentos são idóneos à prova, ainda que sumária, da existência de simulação.

Assim, a apelante defende que devem ser dadas como não provados os factos constantes dos pontos 3., 4., 6., 7., 8., 9., 10., 14., 24., e 27., da matéria de facto provada, sustentando que os documentos juntos aos autos pelo requerente nada provam quanto à existência de um acordo simulatório, qualquer que fosse - designadamente o alegado pelo requerente - e alegando que no caso é proibida a prova testemunhal.

Da decisão da matéria de facto enunciada na decisão recorrida consta a seguinte motivação:
«O Tribunal analisou toda a prova produzida com base na experiência comum e na normalidade das coisas.
Foram devidamente analisados os documentos juntos aos autos.
As testemunhas J. J. e J. M. confirmaram integralmente a versão dos factos plasmada no requerimento inicial.

A 1ª testemunha, por ser irmão do Requerente e conviver frequentemente com o mesmo, revelou ter pleno conhecimento dos factos, relatando todos os pormenores e depondo de modo claro, coerente e, portanto, convincente».
Atenta a motivação antes enunciada e considerando o âmbito das questões suscitadas, importa em primeiro lugar aferir se é ou não admissível a prova testemunhal sobre a matéria agora impugnada pela recorrente.

O artigo 394.º do CC preceitua o seguinte:
1. É inadmissível a prova testemunhal, se tiverem por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores.
2. A proibição do número anterior aplica-se ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores.
3. O disposto nos números anteriores não é aplicável a terceiros.

Por outro lado, prevê o artigo 240.º do CC:

1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.
2. O negócio simulado é nulo.
Tal como decorre deste último preceito legal o negócio simulado assenta nos seguintes elementos: «(1) uma divergência intencional entre a vontade real e a vontade declarada; (2) um acordo simulatório entre declarante e declaratário; (3) a intenção de enganar terceiros» (2):

Esclarece a propósito Luís A. Carvalho Fernandes (3):
«Por simulação entende-se o acordo (ou conluio) entre o declarante e o declaratário, no sentido de celebrarem um negócio que não corresponde à sua vontade real e no intuito de enganarem terceiros.

A análise desta noção revela que, para haver simulação, devem ocorrer simultaneamente os seguintes elementos:
a) divergência entre a vontade real e a declarada;
b) acordo ou conluio (pactum simulationis) entre as partes.
c) intenção de enganar terceiros (animus deciplendi)».

Deste modo, a criação desta aparência de negócio é o resultado de um acordo prévio entre os simuladores (4).
Assim, sendo a divergência entre a vontade declarada e a vontade real o elemento mais distintivo da simulação, o acordo simulatório constitui um elemento diferenciador da simulação, no âmbito dos vícios do negócio, não bastando uma das partes manifestar uma intenção que não corresponda à sua vontade real, exigindo-se uma sintonia entre todos os contraentes (5), ou seja, que a divergência seja comum a todas as partes.
Por outro lado, basta o intuito de enganar terceiros, não sendo necessário o querer prejudicá-los. Assim, a simulação pode classificar-se em inocente e fraudulenta consoante vise apenas enganar alguém – os contraentes são motivados por um animus decipiendi – ou também prejudiciar (ao animus decipiendi acresce um animus nocendi), ainda que, regra geral, a simulação seja fraudulenta: as partes não pretendem apenas criar uma falsa aparência para o exterior; têm, ainda, como fim imediato, retirar benefícios, em prejuízo de terceiros (6).
Já atendendo ao tipo de divergência verificada, a simulação pode classificar-se em absoluta ou relativa, sendo que na primeira o pactum simulationis dirige-se à celebração de um negócio e as partes não querem, na realidade, celebrar esse negócio nem qualquer outro, enquanto na simulação relativa o negócio simulado encobre outro ato (que é dissimulado) (7).

Com efeito, o artigo 241.º, com a epígrafe Simulação relativa, prevê o seguinte:
1 - Quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado.
2 - Se, porém, o negócio dissimulado for de natureza formal, só é válido se tiver sido observada a forma exigida por lei.

Neste domínio, importa atender à distinção entre simulação subjetiva e objetiva, posto que a simulação relativa pode verificar-se quanto a vários elementos dos negócios jurídicos, sendo que a simulação é subjetiva se se reporta aos sujeitos do ato - às partes do negócio, que não são aquelas que aparentemente nele intervêm - e objetiva nos restantes casos (8).
Conforme elucida ainda Luís A. Carvalho Fernandes (9), «há várias razões que podem levar a um conluio sobre quem é parte no negócio. Em certos casos, o verdadeiro interveniente não estaria em condições de, em absoluto, o praticar; noutros o problema reside no facto de o verdadeiro contraente não poder celebrar o negócio com o simulador ou só o poder fazer em condições que se não verificam naquele caso; pode ainda acontecer que ao simulador não interesse que aquela pessoa - o verdadeiro contraente - surja como parte no negócio. Nesta modalidade de simulação há uma interposição fictícia de pessoas.
Um exemplo clássico deste tipo de simulações, no sistema jurídico português, anda ligado ao regime estatuído no art. 877.º, n.º 1, do C. Civ. e visa justamente ultrapassar as limitações que dele decorrem. Assim, se A quer vender um quadro a um seu filho B, sabendo que os demais filhos não darão o seu acordo a esse negócio, uma forma de ultrapassar a dificuldade consistirá em simular uma venda a C, que aceita intervir falsamente no acto, para, a seguir, entregar a coisa a B. Neste caso há uma simulação subjectiva, C só fingidamente é parte na venda, que em verdade ocorre entre A e B; a posição de C corresponde ao que na linguagem corrente se designa por testa de ferro ou homem de palha. Como é manifesto, pode atingir-se o mesmo desiderato através de uma simulação objectiva, simulando uma doação para encobrir o verdadeiro contrato de compra e venda celebrado entre as partes».
Decorre do exposto que a inadmissibilidade de prova testemunhal e por presunção judicial (artigo 351.º do CC) recai sobre o negócio dissimulado e o acordo simulatório, na medida em que estes constituam convenções contrárias e adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou particular que formalize o negócio simulado. «E note-se que a referida inadmissibilidade, prevista no nº 2 do artigo 394.º, é um pouco mais extensa do que a inadmissibilidade prescrita no nº 1 do mesmo artigo, já que não compreende só os factos cobertos pela eficácia probatória plena da prova documental, nos termos estatuídos nos artigos 371º, nº 1, e e 376º, nº 1 e 2, do CC, ou seja, a factualidade inerente à vontade declarada, mas ainda a materialidade subjacente respeitante ao negócio dissimulado e ao acordo simulatório que expressam a vontade real divergente» (10).
Porém, os simuladores podem fazer a prova da simulação por qualquer outro meio de prova, v.g. documental ou por confissão, mesmo que o negócio tenha sido celebrado por documento autêntico.
Assim, tal como refere Luís Filipe Pires de Sousa, (11) «A prova escrita para este efeito não tem de satisfazer os requisitos do documento particular, podendo atender-se a outros escritos (cfr. Artigo 368º). Como se viu, o documento autêntico faz prova plena quanto à declaração negocial documentada mas não quanto à conformidade da declaração com a vontade real, não faz prova da sinceridade das afirmações proferidas perante o notário».
Por outro lado, deve entender-se que a factualidade respeitante ao motivo ou fim do negócio, ou seja, ao animus decipiendi, não está compreendido na referida restrição de prova, sendo por isso passível de prova testemunhal e por presunção judicial (12).
O requerente baseia a tutela que pretende obter por intermédio da providência cautelar de arrolamento, no que concerne ao direito relativo ao bem em causa, alegando que o contrato de compra e venda titulado por escritura pública outorgada no Primeiro Cartório Notarial de ..., em 22-03-2002, entre a anterior proprietária da fração autónoma, representada pelo seu procurador, e a ora requerida, representada pelo requerente (seu pai), como seu procurador, padece de simulação relativa, na medida em que por acordo entre a vendedora, a compradora, e respetivos procuradores, as partes declararam falsamente vender à requerida quando na realidade pretenderam vender a fração ao ora requerente, que ali teve intervenção na qualidade de procurador da requerida (sua filha), sendo este o verdadeiro contraente e não a requerida que, alegadamente, apenas aparentemente nele surge como outorgante com o intuito de contornar a lei fiscal e obter, fraudulentamente, benefícios fiscais.
Neste domínio, constata-se que apenas alguns dos pontos concretamente impugnados pela ora apelante integram efetivamente os pressupostos fácticos integradores da simulação que enfermaria o contrato referido em 11., da matéria de facto provada, concretamente o acordo simulatório - ponto 3 - com exceção de «para evitar pagar a contribuição autárquica (agora IMI)», por respeitar ao animus decipiendi - ponto 4., 10, 14., (este com exceção de «para que a requerida e o requerente fugissem ao pagamento dos impostos que legalmente eram devidos, com o intuito de enganar a Fazenda Pública», por respeitar ao animus decipiendi), e 24., e os contornos do negócio dissimulado - ponto 7., (este com exceção de «A intenção era obter fraudulentamente a isenção», por respeitar ao animus decipiendi), e 9., tratando-se de factos abrangidos pela limitação emergente do citado artigo 394.º, n.º 2, do CC.
O mesmo não sucede com os restantes pontos impugnados - 6., 8., e 27., já que não integram de forma direta os pressupostos fácticos integradores da simulação ou os contornos do negócio dissimulado, podendo sobre eles recair qualquer tipo de prova.
Atento o alegado pelo próprio requerente quanto à respetiva intervenção no acordo simulatório em referência, e no conluio quanto às verdadeiras partes do negócio (simulação relativa/subjetiva, por interposição fictícia de pessoa, nos termos antes enunciados), resulta manifesto que o requerente/ora recorrido não pode ser considerado como terceiro, não beneficiando, por isso, da ressalva prevista no citado artigo 394.º, n.º 3, do CC (do qual resulta que não valem para terceiros as limitações de prova da simulação impostas nos demais números do preceito).
Com efeito, “terceiro”, para efeitos do disposto no artigo 394.º, n.º 3, do CC não é necessariamente alguém que seja alheio ao negócio (ou que não figure como parte outorgante no mesmo), apenas tem que ser estranho ou alheio ao conluio.
Assim, como se decidiu no Ac. do STJ de 29-05-2007 (13), em moldes que sufragamos inteiramente, «“terceiro”, no tocante ao negócio simulado e para efeitos do art. 394, nº3, do C.C., é aquele que não interveio no acordo simulatório, nem represente por sucessão quem nele participou, embora possa figurar como parte representada no negócio simulado».
Desta forma, o facto de vir alegado pelo requerente que agiu como representante da ora requerida, sua filha, por intervir na escritura na qualidade de procurador desta, não implica que seja considerado terceiro para efeitos do artigo 394.º, n.º 3, do CC porquanto se verifica que o mesmo teve intervenção no acordo simulatório.
Como se viu, é o próprio requerente a alegar que «houve um acordo entre a declarante vendedora e a declaratária compradora, bem como entre os respetivos procuradores, para que a Ré e o A. fugissem ao pagamento dos impostos que legalmente eram devidos, com intuito de enganar a Fazenda Pública ou o Fisco» (21.º do requerimento inicial). «Houve uma divergência, na escritura, entre a vontade real, que era vender para o A., e não para a Ré, e a vontade declarada de vender para a Ré» (art.º 22.º do requerimento inicial). «O negócio ficou afetado de simulação relativa, pois ao lado de um negócio jurídico simulado de venda para a Ré, existia um negócio dissimulado, real, latente ou oculto de venda para o A.» (art.º 23.º do requerimento inicial).
Contudo, a temperar a mencionada restrição de prova, tem prevalecido na doutrina e jurisprudência a orientação de que o n.º 2 do artigo 394.º do CC não veda a possibilidade de os simuladores provarem o acordo simulatório e o negócio dissimulado com base num princípio de prova escrita contextualizada ou complementada por prova testemunhal ou por presunção judicial (14), ou seja, admitem que se utilize prova testemunhal desde que, a montante, surja um “princípio” ou “começo” de prova que crie uma convicção que as testemunhas se limitam a sedimentar (15).
Analisando e densificando a questão de saber até onde é admissível o recurso à prova testemunhal e por presunções no caso da arguição da simulação entre os simuladores, Luís A. Carvalho Fernandes (16) esclarece que a interpretação restritiva das proibições resultantes do citado artigo 394.º do CC, atualmente dominante na doutrina e jurisprudência, «foi primariamente defendida, na vigência do atual Código, por Vaz Serra e posteriormente por C. Mota Pinto e Pinto Monteiro e por nós próprios, sendo perfilhada por Menezes Cordeiro e Pedro Pais de Vasconcelos e acolhida na jurisprudência. Todos os defensores deste entendimento aceitam, em casos particulares, o recurso à prova testemunhal, em complemento da prova documental, mas não são inteiramente coincidentes os termos em que a admitem. A posição mais liberal é a de Vaz Serra e a mais condicionada a aqui sustentada».
Ora, mesmo defendendo uma posição mais condicionada, refere Luís A. Carvalho Fernandes (17): «A razão de ser da proibição do art. 394.º, como a doutrina em geral reconhece, reside na necessidade de afastar os riscos próprios da falibilidade e fragilidade da prova testemunhal, que poderia conduzir à prova de uma simulação efectivamente não existente, contra a prova documental mais segura.
Por outro lado, importa também ter presente que, na generalidade dos casos, um entendimento muito rigoroso do art. 394.º pode deixar um dos simuladores nas mãos do outro, facilitando o aproveitamento iníquo da aparência criada pela simulação», admitindo por isso que se atribua à prova testemunhal uma função complementar, quando exista um começo de prova documental da simulação, contribuindo então para permitir ao juiz formar uma convicção da existência da simulação, quando a prova documental apenas permitir tê-la como plausível ou provável, o mesmo se aplicando quanto ao recurso a presunções judiciais, se elas permitirem ao juiz chegar a igual convicção, em circunstâncias equivalentes, com base em regras de experiência nascidas da observação das coisas da vida» (18).
Foi também este o entendimento adotado, entre muitos outros, no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 22-05-2012 (19): «Havendo documento que indicie uma aparência de prova acerca do intuito simulatório, é admissível a prova testemunhal, uma vez que o facto a provar já se tornou verosímil».
Assim, a prova testemunhal será complementar (coadjuvante) de um documento indiciário de "fumus boni juris" (20).
Deste modo, resta concluir, com Luís Filipe Pires de Sousa (21), que a restrição do n.º 2 do artigo 394.º do CC «não veda a possibilidade de os simuladores provarem o acordo simulatório e o negócio dissimulado com base num princípio de prova escrita contextualizada ou complementada por prova testemunhal ou por presunção judicial».
Como se viu, o Tribunal a quo não atendeu apenas aos depoimentos das testemunhas inquiridas, no caso, as testemunhas J. J. e J. M., que considerou terem confirmado integralmente a versão dos factos plasmada no requerimento inicial, nos termos e com os fundamentos enunciados na motivação da decisão de facto constante da decisão recorrida 822), tendo analisado ainda os documentos juntos aos autos, ponderando toda a prova produzida com base na experiência comum e na normalidade das coisas.
No presente caso, em sede de requerimento inicial, o requerente apresentou 15 documentos para prova dos factos alegados.
Ainda que reconhecendo que a prova a produzir em sede de procedimento cautelar assume natureza sumária, à luz do disposto no artigo 365.º, do CPC, alega a recorrente, no essencial, que os documentos juntos apresentados pelo requerente/ora recorrido não provam a simulação e que que dos mesmos apenas resulta que:
«(…)
1. D. 1 – A Reqda tem o curriculum vitae aí descrito ,
2. D. 2 - A Reqda , representada pelo Reqte comprou o imóvel em causa e celebrou com o Banco ... mútuo da quantia de trinta e quatro mil novecentos e quinze euros e oitenta e cinco cêntimos,
3. D. 3 – O imóvel está matriciado no art. ... – Z da freguesia de ... do concelho de Viana do Castelo,
4. D. 4 – O imóvel está descrito na Conservatória do Registo Predial de ... no nº ...- ... e aí registado a favor da Reqda
5. D. 5 – O consumo de água e dos serviços de saneamento público custaram à Reqda no mês de Outubro de 2019 a quantia que dele consta,
6. D. 6 – O consumo de energia é pago por débito directo no IBAN que dele consta ,
7. D. 7 – A Caixa …. comunicou ao Reqte os dados da conta aí identificada ,
8. D. 8 a 14 – As quotas de condomínio da responsabilidade da Reqda são enviadas ou endereçadas à Reqda para a R. … em ... Felgueiras ,e,
9. D. 15 – O rosto fotografado aparenta uma nódoa negra na hemiface esquerda».

Analisados em conjunto todos os documentos apresentados pelo requerente/recorrido para prova dos pressupostos da tutela provisória reclamada no presente procedimento facilmente se constata que os mesmos, só por si, não permitem fazer prova bastante ou suficiente da existência da simulação e dos contornos do negócio dissimulado.
Porém, já se viu antes que apenas é exigível nesta sede que o documento ou o conjunto de documentos disponíveis no processo torne plausível ou razoável admitir a verosimilhança dos factos que, segundo o requerente que os alegou, qualificam, ainda que sumariamente, a simulação, permitindo-se nesses casos que a respetiva prova seja completada com recurso a testemunhas e/ou presunções judiciais.
No caso, importa atender à própria escritura pública celebrada em 22-03-2002 e junta como doc. 2 do requerimento inicial, na qual interveio o ora requerente, na qualidade de procurador da compradora (ora requerida) (23), circunstância que releva na conformação de um juízo prévio de verosimilhança relativamente aos indícios da simulação que descobrem a vontade das partes, posto que, como sublinha Luís Filipe Pires de Sousa (24), «um dos indícios mais operativos em sede de simulação é o indício affectio, gerado pelas relações familiares, de amizade, de dependência, de negócios, profissionais ou de dependência, anteriormente firmadas entre o simulador e o seu co-autor e que vinculam este àquele por um motivo de tal índole. O simulador escolhe como parceiro negocial uma pessoa da sua confiança porque pretende preservar o negócio dissimulado (ou o objectivo final que preside à sua actuação) e subtraí-lo a qualquer risco que ponha em causa a sua subsistência».
Por outro lado, conforme consignado na mesma escritura pública, o requerente, ali segundo outorgante, declarou aceitar a venda para a sua representada, ora requerida, e que a fração autónoma adquirida se destina à habitação própria e permanente da mesma. Constata-se, porém, que a requerida sempre teve o seu domicílio habitual/permanente noutra morada, coincidente com a do requerente, em Felgueiras, o que resulta de forma consistente da análise dos diversos documentos juntos pelo requerente aos presentes autos, em especial dos documentos com os n.ºs 4, 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14 juntos com o requerimento inicial, dos quais decorre que toda a correspondência atinente ao condomínio da fração sita na ..., ..., Viana do Castelo (designadamente as convocatórias para assembleias de condomínio e as faturas/recibos das correspondentes prestações), sempre foi enviada para a referida morada de Felgueiras, em nome da requerida, morada esta que também é a que consta do contrato de fornecimento de eletricidade (X) referente à fração autónoma em causa.
Igualmente significativos parecem os elementos que decorrem da análise do teor do doc. 2 (escritura pública de 22-03-2002) - da qual decorre, além do mais, a celebração de um mútuo com hipoteca a favor do Banco ..., no valor de 34.915,85€, para aquisição da fração autónoma -, num período em que a requerida ainda era estudante de ensino superior (licenciatura entre 1999 e 2005 conforme doc. 1 - Curriculum Vitae) - e teor da certidão junta como doc. 4 - do qual decorre que a referida hipoteca foi cancelada em 09-02-2009, como tal em momento anterior ao início de atividade profissional com caráter mais duradouro e contínuo, em junho de 2009 (conforme doc. 1 - Curriculum Vitae).
Note-se, também, que o Número de Identificação Bancária que foi indicado para processamento dos débitos diretos inerentes às faturas de água e eletricidade (X) da fração sita na ..., ..., Viana do Castelo, corresponde a conta da titularidade do ora requerente, conforme resulta da análise conjugada dos documentos juntos com os n.ºs 5, 6 e 7, juntos com o requerimento inicial, o que permite evidenciar, ainda que sumariamente, diversos factos que, segundo o requerente que os alegou, qualificam a simulação.
Desta forma, julgamos que os documentos em análise constituem, no seu conjunto, um princípio de prova, que torna verosímil ou razoável a existência da simulação alegada e, assim, admissível o recurso à prova testemunhal e a presunções judiciais para completar a prova do acordo simulatório e do negócio dissimulado.
De resto, grande parte desses factos encontram-se já definitivamente assentes, por não terem sido impugnados pela recorrente na presente apelação, o que delimita necessariamente o poder de cognição deste Tribunal quanto a tal matéria.
Assim, mostra-se pacificamente provado nos autos, além do mais, que o requerente esteve sempre na posse da fração, indo nela passar férias e fins-de-semana, pagando todas as despesas e amortizações (ponto 15 da matéria de facto provada), houve um mútuo com hipoteca a favor do Banco ..., mas quem sempre pagou as amortizações foi o requerente e não a requerida, pois esta somente começou a trabalhar em 1.6.2009, na Santa Casa da Misericórdia de ... (ponto 16 da matéria de facto provada), o empréstimo do Banco ... foi pago antecipadamente, quando o requerente pagou do seu bolso mais de 20.000€ de uma só vez (ponto 17 da matéria de facto provada), a hipoteca voluntária foi cancelada em 9.2.2009 (ponto 18 da matéria de facto provada), até ao cancelamento da hipoteca e ao final dos pagamentos mensais, foi aberta uma conta bancária no Banco ..., em Felgueiras, em nome da Requerida, que o Requerente ia abastecendo, com o seu próprio dinheiro, na altura de cada amortização (ponto 19 da matéria de facto provada), a água e a eletricidade eram pagas por débito direto na conta bancária do Requerente, na Caixa ..., em Felgueiras (ponto 20 da matéria de facto provada), a conta bancária que pagava a água e a luz da fração em causa tinha o NIB ............. 28 e era do Requerente (ponto 21 da matéria de facto provada), todas as contas relativas ao condomínio eram pagas pelo Requerente (ponto 22 da matéria de facto provada), a Requerida sempre teve habitação exclusiva e permanente em casa do Requerente, mas não na fração comprada (ponto 23 da matéria de facto provada).
Em relação aos depoimentos das testemunhas inquiridas não vem invocado qualquer erro na apreciação da prova, nem a apelante requer a reapreciação dos respetivos depoimentos.
Porém, sendo admissível a respetiva ponderação em complemento da prova documental junta aos autos, procedemos à audição integral dos registos de gravação dos depoimentos das testemunhas J. J. e J. M., constatando-se que as referências e os esclarecimentos que estas testemunhas apresentaram perante o Tribunal foram claros, consistentes e absolutamente plausíveis, não se eximindo a responder de forma direta, substanciada e precisa às questões formuladas.
Neste enquadramento, também esta Relação formula convicção idêntica à que ficou plasmada na decisão recorrida, sendo inteiramente de sufragar a motivação expressa na decisão da matéria de facto quando realçou o depoimento prestado pela testemunha J. J., o qual revelou ter pleno conhecimento dos factos, relatando todos os pormenores e depondo de modo claro, coerente e, portanto, convincente, confirmando integralmente a versão dos factos plasmada no requerimento inicial.
Pelo exposto, julga-se válida a prova produzida sobre os factos impugnados pela ora apelante, a qual permite confirmar integralmente o juízo decisório indiciário que a propósito foi feito pelo Tribunal a quo relativamente à referida matéria de facto.
Em consequência, improcede a impugnação da decisão relativa à matéria de facto apresentada pela apelante, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre os factos vertidos em 1.1., supra.

2.2. Da reapreciação do mérito da decisão
Atenta a improcedência da impugnação da matéria de facto resulta evidente que os factos a considerar na apreciação da questão de direito são os que se mostram enunciados sob o ponto 1.1., supra.
O quadro fáctico que releva para a subsunção jurídica é exatamente o mesmo que serviu de base à decisão recorrida.
Havendo justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos, pode requerer-se o arrolamento deles, sendo este dependência da ação à qual interessa a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas e consiste na descrição, avaliação e depósito dos bens - cf. artigos 403.º e 406.º do CPC.
Neste domínio, acrescentam ainda os artigos 404.º e 405.º do CPC, o arrolamento pode ser requerido por qualquer pessoa que tenha interesse na conservação dos bens ou dos documentos, devendo o requerente fazer prova sumária do direito relativo aos bens e dos factos em que fundamenta o receio do seu extravio ou dissipação devendo ainda, caso o direito relativo aos bens dependa de ação proposta ou a propor, convencer o Tribunal da provável procedência do pedido correspondente.
O juiz ordenará as providências se adquirir a convicção de que, sem o arrolamento, o interesse do requerente corre risco sério.
Assim, «para que o arrolamento possa ser admitido, torna-se necessário que o requerente alegue e faça prova sumária da titularidade de um direito sobre os bens ou documentos que pretende arrolar, ou seja, exige-se que o requerente demonstre um interesse jurídico relevante na conservação desses mesmos bens ou documentos (art. 405º, nº 1). Se esse direito depender de ação proposta ou a propor, o requerente deve igualmente convencer o tribunal da provável procedência do pedido correspondente. Exige-se, por isso, um “direito aparente”, o qual pode estar já constituído e reconhecido ou a aguardar pela sua declaração em ação judicial pendente ou a propor» (25).
Tal como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, em anotação a este último preceito (26), «[o] maior ou menor labor na alegação de factos em que se funda a providência será o correspondente à especificidade de cada situação. Tratando-se de bens que já pertencem, no todo ou em parte, ao requerente, devem ser alegados factos que permitam concluir pela probabilidade de existência desse direito. Mas se o arrolamento foi dependente de ação constitutiva do próprio direito sobre os bens (v.g. exercício do direito de preferência, execução específica de contrato-promessa), cumpre alegar os factos que, uma vez apurados, possibilitem a afirmação da probabilidade da procedência dessa ação».
Como decorre do supra enunciado, o presente procedimento cautelar de arrolamento foi instaurado como dependência de ação declarativa a instaurar pelo ora requerente visando a declaração de nulidade do contrato de compra e venda da fração celebrado pela requerida, por alegada simulação relativa, e a correspondente declaração de validade do negócio dissimulado de compra e venda da mesma fração da mesma fração com referência ao requerente, enquanto invocado comprador real.
Assim sendo, resulta indiscutível que o mérito do presente procedimento depende da verificação da probabilidade da procedência dessa ação, o que implica necessariamente aferir se estão verificados, ainda que indiciariamente, os pressupostos da invocada simulação relativa subjetiva relativamente ao negócio jurídico descrito no ponto 11., da matéria de facto provada.
Considerando a matéria de facto agora reapreciada, e que permanece inalterada, o Tribunal a quo entendeu, no essencial, que, foi feita prova sumária do direito do requerente, que foi a pessoa que pagou a fração em causa e suportou todas as despesas a ela inerentes, bem como dos factos em que fundamenta o receio de dissipação do bem em causa, sendo que, sem o arrolamento, o interesse do mesmo corre risco sério, nos termos do n.º 2 do artigo 405.º do CPC. Uma vez que está de relações cortadas com a requerida, que o agrediu, receia, justificadamente, que a mesma dissipe o bem.
Em consequência, entendeu o Tribunal a quo ser de decretar o arrolamento da fração autónoma sita na Avenida..., Viana do Castelo, inscrita da matriz predial urbana da freguesia de ..., Viana do Castelo, sob o artigo ..., com o valor patrimonial tributário de 50.212,05€ e descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º .../19900515 - Z, da freguesia de ..., bem como do recheio dessa mesma fração, nomeando para depositário o próprio requerente.
Contra esta decisão insurge-se a ora recorrente/apelante, sustentando, no essencial, que em matéria de simulação subjetiva por interposição fictícia de pessoas a forma do negócio simulado só aproveitará ao negócio dissimulado desde que haja uma declaração negocial do verdadeiro adquirente, com a forma exigida por lei, o que, alega, não sucede no caso, concluindo que a escritura pública pela qual o imóvel se transmitiu para a requerida/recorrente não constitui título executivo para mais ninguém, designadamente para o requerente.
Vejamos.
Conforme já referimos anteriormente em sede de impugnação da matéria de facto, a simulação relativa pode verificar-se quanto a vários elementos dos negócios jurídicos, sendo que a simulação é subjetiva se se reporta aos sujeitos do ato - às partes do negócio, que não são aquelas que aparentemente nele intervêm - e objetiva nos restantes casos.
Procurando clarificar a configuração da simulação relativa, tal como decorre do citado artigo 241.º do CC, à luz da doutrina dominante, Luís A. Carvalho Fernandes (27) esclarece que na simulação relativa «as partes querem manter uma aparência correspondente ao negócio simulado, pois não lhes interessa revelar o acto que efectivamente celebraram e a cujos efeitos ab initio a sua vontade se dirige. Por isso, se a aparência não puder manter-se, por ser descoberta a simulação, o acto dissimulado não deixará de ser invocado para, sendo juridicamente possível, os seus efeitos subsistirem».
Daí a redação do n.º 1 do citado artigo 241.º do CC ao estatuir que quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado.
Porém, sendo o negócio dissimulado de natureza formal, como sucede no caso em análise, o regime jurídico da simulação relativa não se esgota na aferição dos efeitos que a lei atribui ao negócio dissimulado no âmbito da regra geral prevista no n.º 1 do citado artigo 241.º CC.
Nesta situação, importa atender ao disposto no n.º 2 do citado preceito, o qual prevê: «se, porém, o negócio dissimulado for de natureza formal, só é válido se tiver sido observada a forma exigida por lei».
Ora, como refere a propósito Luís A. Carvalho Fernandes (28), sendo «por definição, o negócio dissimulado formal, importa apurar primariamente quais as razões determinantes da exigência de forma. De seguida, cabe perguntar se essas razões valem para a generalidade das estipulações do negócio ou apenas para algumas, e quais. Apurados estes pontos, o negócio dissimulado formal é válido, desde que no documento onde se consubstancia o simulado, ou em qualquer outro (que revista as formalidades exigidas por lei), constem os elementos para os quais seja determinante a exigência de forma legal. Com efeito, da conjugação dos n.ºs 1 e 2 do art. 221.º resulta que, em relação a tais elementos, a exigência da forma legal é absoluta, pois abrange mesmo as estipulações anteriores ou posteriores ao documento. Mas daí não decorre a invalidade de outras estipulações do negócio em relação às quais as razões determinantes da forma não sejam extensivas.
Assim, no exemplo do contrato de compra e venda com simulação de valor, a compra e venda vale pelo preço verdadeiro, mesmo quando estipulado verbalmente, pois a forma legal do acto abrange a estipulação de preço, mas não a estipulação de preço determinado (cfr. Art. 883.º do C. Civ.)».
Sucede que no caso presente está em causa, como vimos, uma alegada simulação relativa com interposição fictícia de pessoas num alegado negócio translativo, do que resulta que não estamos perante estipulações do negócio em relação às quais as razões determinantes da forma não sejam extensivas.
Com efeito, tal como entendeu o Supremo Tribunal de justiça no acórdão de 25-03-2010 (29), em moldes que julgamos de sufragar inteiramente:
«Tratando-se de negócio para cuja validade a lei exija forma (cfr. artigo 220º do Código Civil), na falta de contra-declaração constante dessa forma (hipótese que naturalmente se não coloca quando seja exigido documento autêntico, como é o caso em apreciação), se ela tiver sido observada quanto ao negócio simulado, essa observância será suficiente se a simulação incidir sobre um elemento não essencial do negócio dissimulado.
Estando em causa agora uma simulação de pessoas, não interessa tomar partido sobre que elementos objectivos (comuns ao negócio dissimulado) têm de constar da forma adoptada para o negócio simulado: se todos os que são essenciais à configuração do correspondente tipo negocial, se apenas aqueles que são determinantes para a exigência de forma, em aplicação do critério do artigo 221º do Código Civil, se os suficientes para a existência de “um mínimo de correspondência”, seguindo a razão de ser do artigo 238º do Código Civil.
Em qualquer caso, e pensando exclusivamente nos negócios translativos, porque é o que agora interessa, tem de constar da forma legalmente exigida o encontro de vontades que é a causa da transmissão pretendida».
Assim, conforme vem sendo uniformemente entendido na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, desde que do negócio simulado não conste uma declaração de vontade do real comprador ou do real donatário, a forma do negócio simulado não aproveitará ao negócio dissimulado (30).
Tal como salienta o citado Ac. do STJ de 09-03-2021, «[a] simulação subjectiva respeita às partes do negócio: estas não são as que aparentemente intervêm neste. É o caso da interposição fictícia de pessoas, em que ocorre a intervenção de um sujeito, que não ocupa realmente a posição de parte do negócio, agindo como "testa de ferro" do verdadeiro sujeito que celebra o negócio, existindo, pois, um conluio entre os três sujeitos.
Neste caso, o acto dissimulado não é válido enquanto não se celebrar o segundo negócio, dada a falta de intervenção do verdadeiro sujeito do negócio» (31).
Na situação em análise, mesmo considerando nula a alegada compra e venda da fração à requerida, por simulação relativa subjetiva, nos termos do artigo 240.º, n.º 2, do CC, o invocado negócio dissimulado (a venda da mesma fração ao ora requerente) poderia ser considerado válido, nos termos do artigo 241.º, n.º 1, do CC, atendendo à forma que foi seguida no referido negócio simulado (artigo 241.º, n.º 2, do CC).
Porém, o ora requerente interveio na referida escritura pública de compra e venda agindo em representação da ora requerida, sua filha, não pondo em causa que nela não era outorgante, nem declarante, nem declaratário, mas procurador da requerida, em nome de quem (sua representada), aceitou a venda.
Tal como prevê o artigo 258.º do CC, o negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último.
A atuação representativa (legitimada ou não) tem um duplo significado jurídico: o de que a pessoa que atua o faz juridicamente como se fosse outra e o de que não é ela a autora do ato, não querendo qualquer dos efeitos jurídicos do seu comportamento para si (32).
Ora, da aludida escritura pública de compra e venda não constam quaisquer declarações negociais que possam ser atribuídas ao requerente (alegado contraente/comprador real), faltando assim a manifestação de vontade que é a causa da transmissão pretendida.
Como tal, não se mostra observada a formalidade exigida por lei em relação a um elemento essencial do pretenso negócio dissimulado já que da escritura em referência não consta qualquer declaração de vontade do real comprador quanto a tal negócio.
Assim sendo, a forma do negócio simulado não aproveitará ao negócio dissimulado, nos termos e para os efeitos do artigo 241.º, n.º 2, do CC.
Pelo exposto, resta concluir que a invocada simulação relativa e subjetiva por interposição fictícia de pessoa, tal como equacionada nos autos, nunca permitiria a procedência da correspondente ação declarativa a instaurar pelo ora requerente, visando a declaração de nulidade do contrato de compra e venda da fração celebrado pela requerida, por alegada simulação relativa, e a correspondente declaração de validade do negócio dissimulado de compra e venda da mesma fração, alegadamente celebrado pelo requerente.
Como se viu, a probabilidade da procedência dessa ação constitui requisito legal do deferimento da providência de arrolamento em referência, nos termos previstos no artigo 405.º, n.º 1, do CPC, sem o qual a requerida providência de arrolamento não pode ser ordenada.
Termos em que o requerido procedimento cautelar terá inevitavelmente que improceder.
Pelo exposto, importa dar provimento à apelação e revogar a decisão que decretou o arrolamento requerido, com o consequente levantamento da providência.

Síntese conclusiva:

I - É orientação dominante na doutrina e jurisprudência que o n.º 2 do artigo 394.º do CC não veda a possibilidade de os simuladores provarem o acordo simulatório e o negócio dissimulado com base num princípio de prova escrita contextualizada ou complementada por prova testemunhal.
II - O arrolamento, enquanto providência cautelar de garantia ou de natureza conservatória, está sempre na dependência de uma ação à qual interessa a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas.
III - Em procedimento cautelar de arrolamento instaurado como dependência de ação declarativa a instaurar pelo ora requerente, visando a declaração de nulidade do contrato de compra e venda da fração celebrado pela requerida, na qualidade de compradora, por alegada simulação relativa, e a correspondente declaração de validade do negócio dissimulado de compra e venda da mesma fração com referência ao requerente, enquanto invocado comprador real, o decretamento da providência sempre depende da verificação da probabilidade da procedência do pedido correspondente, o que implica necessariamente aferir se estão verificados, ainda que indiciariamente, os pressupostos da invocada simulação relativa subjetiva por interposição fictícia de pessoas.
IV - Vindo alegada uma simulação relativa com interposição fictícia de pessoas num alegado negócio translativo, a forma do negócio simulado não aproveitará ao negócio dissimulado se do negócio simulado não constar uma declaração de vontade do real comprador.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a presente apelação e, em consequência, decidem:
a) revogar a decisão proferida em 05-07-2021 que decretou o arrolamento da fração autónoma sita na Avenida ... ..., Viana do Castelo, inscrita da matriz predial urbana da freguesia de ..., Viana do Castelo, sob o artigo ..., com o valor patrimonial tributário de 50.212,05€ e descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º .../19900515 - Z, da freguesia de ..., bem como do recheio dessa mesma fração;
b) indeferir o pedido de arrolamento da fração descrita em a) e respetivos imóveis;
c) ordenar o levantamento da providência decretada.
Custas pelo requerente/apelado.
Guimarães, 16 de dezembro de 2021
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (relator)
Joaquim Espinheira Baltar (1.º adjunto)
Luísa Duarte Ramos (2.º adjunto)


1. Neste sentido, cf., por todos, o Ac. do STJ de 03-12-2015 (Relator: Abrantes Geraldes), p. 1297/11.6TBPBL.C1. S1 disponível em www.dgsi.pt.
2. Cf., Manuel Pita, Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata, Volume I, Coimbra, Almedina, 2017, p. 294.
3. Cf., Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil II, Fontes, Conteúdo e Garantia da Relação Jurídica, 5.ª edição - revista e actualizada, Lisboa, 2017, Universidade Católica Editora, pgs. 310-311.
4. Cf., Manuel Pita - Obra e loc. cit.
5. Cf., A. Barreto Menezes Cordeiro, Código Civil Comentado, I – Parte Geral, Coordenação António Menezes Cordeiro, CIDP, Almedina, 2020, p. 713.
6. Cf., A. Barreto Menezes Cordeiro - Obra citada -, p. 710 e 713.
7. Cf., Luís A. Carvalho Fernandes - Obra citada - pgs. 312-313.
8. Cf., por todos, Luís A. Carvalho Fernandes - Obra citada - p. 315.
9. C f., Luís A. Carvalho Fernandes - Obra citada - p. 315.
10. Cf., o Ac. TRL de 11-03-2008 (Relator: Tomé Gomes), p. 10560/2007-7 disponível em www.dgsi.pt.
11. Cf. Luís Filipe Pires de Sousa, Prova Testemunhal, Coimbra, Almedina, 2016 - Reimpressão, pgs. 223-224.
12. Cf., por todos, o citado Ac. TRL de 11-03-2008.
13. Relator Azevedo Ramos, p. 07A1334; em idêntico sentido, cf. o Ac. STJ de 27-11-2012 (relator: Marques Pereira), p. 752/2001.G1. S1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
14. Neste sentido, cf., por todos, o citado Ac. TRL de 11-03-2008.
15. Cf., o Ac. TRL de 22-06-2017 (Relatora: Maria Manuela Gomes), p. 1965/12.5TVLSB.L1-6; em sentido idêntico, Ac. TRL de 02-10-2014 (relator: Farinha Alves), p. 2402/10-2; disponíveis em www.dgsi.pt.
16. Obra Citada, p. 317.
17. Obra Citada, p. 317-318.
18. Cf., Luís A. Carvalho Fernandes - Obra citada - p. 318.
19. Relator Ribeiro de Almeida, p. 03A1565, disponível em www.dgsi.pt.
20. Cf., o citado Ac. TRL de 22-06-2017.
21. Cf. Luís Filipe Pires de Sousa - Obra citada - p. 224.
22. Relativamente aos depoimentos destas testemunhas não vem invocado pela apelante qualquer erro na apreciação da prova.
23. E, ainda, por si, na qualidade de fiador e principal pagador, perante o Banco mutuante.
24. Cf. Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, Coimbra, Almedina, 2013, 2.ª edição, p. 234.
25. Cf. Marco Filipe Carvalho Fernandes, Providências Cautelares, 2017 - 3.ª edição, Coimbra, Almedina, p. 251.
26. Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p. 478.
27. Obra Citada, p. 314.
28. Obra Citada, p. 324.
29. Relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, p. 983/06.7TBBGR.G1. S1, acessível em www.dgsi.pt.
30. Neste sentido, cf. além do citado Ac. STJ de 25-03-2010, os Acs. do STJ de 09-03-2021 (Relator: Pinto de Almeida), p. 2891/18.0T8BRG.G1. S1; de 21-02-2019 (Relator: Nuno Manuel Pinto Oliveira, p. 693/17.0T8FAR.E1. S1; de 23-11-2011 (Relator: Garcia Calejo), p. 783/09.2TBLMG.P1. S1; de 27-05-2004 (Relator: Afonso de Melo), p. 04A1442, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
31. Neste sentido, cf. ainda, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, p. 228.
32. Cf. Ana Prata, Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata, Volume II, Coimbra, Almedina, 2017, p. 312.