Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1901/19.8T8VRL.G1
Relator: MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Descritores: DESCANSO SEMANAL
TRABALHO SUPLEMENTAR
DESCANSO COMPENSATÓRIO
CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - O tribunal da relação só deve alterar a resposta à matéria de facto quando a prova produzida imponha uma decisão diferente.
II - A CCT entre a ANTROP (Associação Nacional de Transportadores Rodoviários e Urbanos de Portugal) e a STRUP) Sindicatos de Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal), publicada no BTE n.º 48 do dia 29/12/2015, nas cláusulas 48.ª, 1, 2 e 3 e ANEXO III Cláusulas de expressão pecuniária, prevê que o trabalho prestado em dia de descanso obrigatório, facultativo ou feriado seja pago a 200% até à 8º hora e a 300% a partir de então.

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

SINDICATO DOS TRABALHADORES DE TRANSPORTES RODOVIÁRIOS E URBANOS DE PORTUGAL em representação do seus associados A. C. e outros, intentou acção emergente de contrato individual de trabalho sob a forma de processo comum contra TRANSPORTES URBANOS DE …, Unipessoal, Lda. pedindo que se condene a R. a pagar aos trabalhadores aqui representados as quantias referentes a compensação pelo trabalho suplementar realizado em dia de folga de Janeiro de 2016 a Dezembro de 2018, as diferenças salariais resultantes da divergência (erro de cálculo) entre o valor pago pelo trabalho suplementar a 200% e o valor que deveria ter sido liquidado de Janeiro de 2016 a Julho de 2019 com um acréscimo de 200% (portanto pago a 300%) e ainda os valores devidos desde Agosto de 2019 até que a R. implemente a fórmula de cálculo invocada pelos demandantes.
Alega que à relação laboral é aplicável a CCT entre a ANTROP (Associação Nacional de Transportadores Rodoviários e Urbanos de Portugal) e a STRUP) Sindicatos de Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal), publicada no BTE n.º 48 do dia 29/12/2015; o trabalho suplementar em dias de descanso ou feriado deve ser pago com adicional de 200% (clª 48) tendo sido pago em valor inferior; não foram respeitados os tempos de descanso semanal em regime de turnos (9 semanas de manhã, 9 de tarde e 1 nocturno), porque não gozavam os dois dias de folgas semanais devidas (clª 22) e, ainda que assim não fosse, tinham direito a 1 dia e ½ de folga (clª 23), não a tendo gozado, pelo que reclama a remuneração por trabalho suplementar e por falta de descanso compensatório.

CONTESTAÇÃO: a ré invoca, em síntese, que os aqui demandantes iniciaram o seu vínculo laboral com a demandada no seguimento de transferência da concessão anteriormente atribuída à X, Lda., á qual todos estavam afectos. Sucede que, desde a vigência da anterior concessão os trabalhadores cumpriam um horário de trabalho móvel, distribuído por cinco dias e meio de trabalho, o qual, com o acordo daqueles se manteve após a atribuição da concessão à ora ré em 1-01-2016. Aceita que se aplica às relações laborais em vigor entre os intervenientes o CCT outorgado entre a ANTROP e o STRUP, no qual se prevê que o horário de 40 horas semanais seja distribuído daquele modo (clª 79) nunca aliás tendo sido excedidas 40h semanais, gozando os trabalhadores um dia e meio de folga. A fórmula de cálculo do trabalho suplementar que é utilizada pela ré limita-se a respeitar a que decorre daquele mesmo CCT (clª 48 e tabela anexa). Conclui no sentido da improcedência da acção e da sua absolvição dos pedidos.
Teve lugar a audiência prévia, procedeu-se a julgamento e proferiu-se sentença.

DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO):
“Tudo visto e nos termos expostos, julga-se a presente acção improcedente por não provada, absolvendo-se a R. dos pedidos formulados pelos AA. Custas pelos AA., sem prejuízo da isenção de que beneficiam. “

FOI INTERPOSTO RECURSO PELO AUTOR –CONCLUSÕES
1. Tendo por base os documentos juntos, em especial as escalas de serviço, documentos 17 e seg., documentos de fls. 640 e seg., complementados pelos documentos de fls. 780.º e seg., bem como as declarações de parte e testemunhal prestadas em sede de audiência de julgamento, considerando ainda uma correcta apreciação crítica destas, as regras da experiência comum, entendem os recorrentes deve impor-se a alteração da matéria de facto dada como não provada dando-se como provados todos os factos ali transcritos;
2. Para o efeito terá de se conjugar os citados documentos com as seguintes declarações (sem prejuízo das restantes não transcritas mas que confirmam os mesmos factos):

1. Depoimento dos AA. H. N. e P. M. - declarações que foram gravadas no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal, CD1, que tiveram início no dia 12/10/2020 pelas 11:23:36 e terminaram pelas 11:59:57 - em particular entre os minutos 00’00’’ a 06’00’’, 07’00 a 11’30.
2. Depoimento da testemunha J. J. - declarações que foram gravadas no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal, CD1, que tiveram início no dia 16/04/2021 pelas 10:39:15 e terminaram pelas 10:58:10 - em particular entre os minutos 05’00’’ a 12’20’’. Depoimento da testemunha M. P. - declarações que foram gravadas no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal, CD1, que tiveram início no dia 16/04/2021 pelas 10:58:54 e terminaram pelas 11:09:34 - em particular entre os minutos 00’50’’ a 07’10’’.
3. Pelo que terá de se dar como provado que:
a) Os turnos da manhã implicavam que, semana sim, semana não, os motoristas tivessem, respectivamente, um dia de descanso obrigatório seguido de dois dias de descanso.
b) Na semana do turno nocturno os motoristas gozavam dois dias de descanso.
c) E na execução dos turnos da tarde, gozavam durante 4 semanas apenas um dia de descanso, seguido de dois dias de descanso para voltarem a ter um único dia de descanso nas quatro semanas seguintes.
d) Após o que regressavam ao turno da manhã e assim sucessivamente. Desde Janeiro de 2016 a Dezembro de 2018, desempenharam os motoristas da R. as suas funções em dia de descanso obrigatório, pelo que deveriam beneficiar de um período de descanso compensatório igual bem como a retribuição devida a título de trabalho suplementar.
e) Dia de descanso que nunca foi gozado; Retribuição por trabalho suplementar e em substituição do período de descanso não gozado que nunca foi paga.
f) Atento o exposto, é ainda devido, a cada um dos representados da A., o valor do trabalho suplementar resultante do trabalho prestado em dia de folga desde Janeiro de 2016 a Dezembro de 2018.
g) Porquanto, a partir de Janeiro de 2019, com a entrada em vigor do novo CCT a R. passou a respeitar as folgas dos trabalhadores, pagando-lhes como trabalho suplementar aquele que eventualmente venham prestar.
4. Acresce que considerando os documentos juntos como documentos n.ºs 17 e seg., documentos de fls. 640 e seg. e documentos de fls. 780 e seg., terá o Tribunal de dar como provado que, num dos dias de folga previstos na CCT, o motorista praticava o seguinte horário de trabalho:
a) O M101 começa a trabalhar às 07h10’ e termina às 16h11’; b) O T101 começa a trabalhar às 11h51’ e termina às 21h03’; c) O M102 começa a trabalhar às 07h40’ e termina às 16h46’; d) O T102 começa a trabalhar às 12h28’ e termina às 20h35’; e) O M201 começa a trabalhar às 07h40’ e termina às 16h31’; f) O M301 começa a trabalhar às 07h45’ e termina às 16h40’; g) O T301 começa a trabalhar às 12h14’ e termina às 20h38’; h) O M401 começa a trabalhar às 07h15’ e termina às 15h59’; i) O T401 começa a trabalhar às 11h51’ e termina às 20h52’;

5. Ao assim não decidir, não fez o Tribunal “a quo” um correcto julgamento da matéria de facto porque há uma clara discrepância entre a fundamentação, as declarações prestadas, tudo conjugado com os documentos juntos e a demais prova produzida;

Sem prescindir,
6. Dado como provado que é aplicável à relação laboral havida entre Recorrentes e Recorrida a CCT entre a ANTROP (Associação Nacional de Transportadores Rodoviários e Urbanos de Portugal e a STRUP) Sindicatos de Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal), publicada no BTE n.º 48 do dia 29/12/2015, têm os trabalhadores, direito, nos termos da cláusula 28.ª, a dois dias de folga por semana;
7. Dado ainda como provado pelo Tribunal recorrido que os Recorrentes trabalhavam 5 dias e meio por semana, terá de se considerar provado que, pelo menos, não gozavam meio dia de folga obrigatória;
8. O que significa que, sem prejuízo do alegado em sede de recurso quanto à matéria de facto provada e não provada e os tempos efectivos de trabalho que se deverão considerar provados, pelo menos por esse meio dia (que é superior) teria de ser atribuído um período de descanso compensatório e de ser pago o valor devido a título de trabalho suplementar;
9. O que deverá determinar a procedência, ainda que parcial, do pedido formulado pelos Recorrentes;
10. Por fim, a compensação pela realização de trabalho suplementar destina-se a compensar o Trabalhador do esforço extra que faz, para além do tempo (normal) contratado;
11. Em consequência disso, quanto maior for considerado o esforço, maior terá de ser a compensação paga ao trabalhador, o que resulta de forma manifesta da legislação laboral, seja do Código do Trabalho, seja de todos os IRCTs;
12. Havendo um manifesto erro na fórmula de cálculo do trabalho suplementar pago a 200%, o qual na prática leva ao pagamento de um valor inferior ao efectivamente devido, não poderá aquela fórmula ser aplicada e, em consequência disso, receberem os trabalhadores um valor grosseiramente inferior àquele que efectivamente têm direito;
13. Pelo que deveria o Tribunal recorrido ter desconsiderado aquela fórmula e condenado a Recorrente a pagar aos Recorridos os valores que lhe são devidos de acordo com os cálculos que os próprios apresentam na P.I.
14. Em resumo, deveria a acção, nesta parte, ter sido totalmente julgada procedente por provada.
15.Ao assim não decidir violou o Tribunal “a quo” o preceituado nos art.s 414.º, 607.º, n.º 4 e 5, 615.º, n.º 1, al. c) do Cód. Proc. Civ., bem como dos art.ºs 362.º e 376.º do Cód. Civil, art.ºs 232.º, 262.º e 268º do Código do Trabalho e cláusula 28.ª da CCT aplicável;
16.Se Vossas Excelências, em face das conclusões atrás enunciadas:
A) Alterarem a resposta dada aos factos provados e, em consequência disso derem como provados os seguintes factos:
1. Os turnos da manhã implicavam que, semana sim, semana não, os motoristas tivessem, respectivamente, um dia de descanso obrigatório seguido de dois dias de descanso.
2. Na semana do turno nocturno os motoristas gozavam dois dias de descanso.
3. E na execução dos turnos da tarde, gozavam durante 4 semanas apenas um dia de descanso, seguido de dois dias de descanso para voltarem a ter um único dia de descanso nas quatro semanas seguintes.
4. Após o que regressavam ao turno da manhã e assim sucessivamente. Desde Janeiro de 2016 a Dezembro de 2018, desempenharam os motoristas da R. as suas funções em dia de descanso obrigatório, pelo que deveriam beneficiar de um período de descanso compensatório igual bem como a retribuição devida a título de trabalho suplementar.
5. Dia de descanso que nunca foi gozado; Retribuição por trabalho suplementar e em substituição do período de descanso não gozado que nunca foi paga.
6. Atento o exposto, é ainda devido, a cada um dos representados da A., o valor do trabalho suplementar resultante do trabalho prestado em dia de folga desde Janeiro de 2016 a Dezembro de 2018.
7. Porquanto, a partir de Janeiro de 2019, com a entrada em vigor do novo CCT a R. passou a respeitar as folgas dos trabalhadores, pagando-lhes como trabalho suplementar daquele que eventualmente venham prestar.
8. num dos dias de folga previstos na CCT, o motorista praticava o seguinte horário de trabalho:
a) O M101 começa a trabalhar às 07h10’ e termina às 16h11’; b) O T101 começa a trabalhar às 11h51’ e termina às 21h03’; c) O M102 começa a trabalhar às 07h40’ e termina às 16h46’; d) O T102 começa a trabalhar às 12h28’ e termina às 20h35’; e) O M201 começa a trabalhar às 07h40’ e termina às 16h31’; f) O M301 começa a trabalhar às 07h45’ e termina às 16h40’; g) O T301 começa a trabalhar às 12h14’ e termina às 20h38’; h) O M401 começa a trabalhar às 07h15’ e termina às 15h59’; i) O T401 começa a trabalhar às 11h51’ e termina às 20h52’;

Sem prescindir,

B)Julgarem procedente o pedido formulado pelos Recorrentes, condenando a Recorrida no pedido…

CONTRA-ALEGAÇÃO - propugna-se pela improcedência do recurso.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO – propugna-se pela improcedência do recurso.
O recurso foi apreciado em conferência – art. 659º, do CPC.

QUESTÕES A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso (1)):impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e sua repercussão na matéria de direito; cálculo de trabalho suplementar em dia de descanso e feriado.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A) FACTOS

Factos provados:

1) Os aqui AA. são associados da autora.
2) E entraram ao serviço da R., sociedade comercial que se dedica ao transporte de passageiros, na sequência de concurso público relativo aos transportes públicos de Vila Real que esta ganhou em 2015.
3) Concessão que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2016, data desde a qual os representados da A. se obrigaram a prestar os serviços da sua profissão, como motoristas de serviço público, a tempo inteiro, como funcionários daquela empresa, desde aí trabalhando sob as suas ordens, direcção e fiscalização.
4) Sendo-lhes aplicável a CCT entre a ANTROP (Associação Nacional de Transportadores Rodoviários e Urbanos de Portugal e a STRUP) Sindicatos de Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal), publicada no BTE n.º 48 do dia 29/12/2015, com as seguintes regras e especificidades, com relevância para o objecto em discussão nos autos.
5) Na execução do contrato de trabalho, desde Janeiro de 2016 a Dezembro de 2018, inclusivamente, trabalham os representados da A. em regime de turno.
6) Destas 9 semanas diziam respeito ao turno da manhã, uma semana no turno nocturno e 9 semanas no turno da tarde.
7) Os aqui AA. cumpriam o seu horário, desde que iniciaram o seu vínculo laboral com a anterior empresa concessionária (X, Lda.) de 40 horas semanais distribuídos por 5 dias e ½ da semana, o que significa que gozavam um dia e 1/2 de folga por semana.

Factos não provados:

a) o Os turnos da manhã implicavam que, semana sim, semana não, os motoristas tivessem, respectivamente, um dia de descanso obrigatório seguido de dois dias de descanso.
b) o Na semana do turno nocturno os motoristas gozavam dois dias de descanso.
c) o E na execução dos turnos da tarde, gozavam durante 4 semanas apenas um dia de descanso, seguido de dois dias de descanso para voltarem a ter um único dia de descanso nas quatro semanas seguintes.
d) o Após o que regressavam ao turno da manhã e assim sucessivamente. Desde Janeiro de 2016 a Dezembro de 2018, desempenharam os motoristas da R. as suas funções em dia de descanso obrigatório, pelo que deveriam beneficiar de um período de descanso compensatório igual bem como a retribuição devida a título de trabalho suplementar.
e) o Dia de descanso que nunca foi gozado; Retribuição por trabalho suplementar e em substituição do período de descanso não gozado que nunca foi paga.
f) o Atento o exposto, é ainda devido, a cada um dos representados da A., o valor do trabalho suplementar resultante do trabalho prestado em dia de folga desde Janeiro de 2016 a Dezembro de 2018.
g) o Porquanto, a partir de Janeiro de 2019, com a entrada em vigor do novo CCT a R. passou a respeitar as folgas dos trabalhadores, pagando-lhes como trabalho suplementar aquele que eventualmente venham prestar.

B) RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:

O tribunal superior deve alterar a materialidade que sustenta o Direito caso os factos considerados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diferente – art. 662º do CPC.
O verbo “impor” distingue-se do verbo admitir ou aceitar. A utilização de tal vocábulo confere um especial grau de exigência imposto à segunda instância, a qual deve apenas modificar a matéria fáctica caso se evidencie de modo claro uma errada valoração. É, assim, preciso que na segunda instância se detecte um inquestionável mal julgado. E que não haja qualquer dúvida que a resposta deveria ser indubitavelmente diferente.

O recorrente pretende que os factos não provados passem a factos provados.

Os pontos em causa têm a seguinte redacção:

a) Os turnos da manhã implicavam que, semana sim, semana não, os motoristas tivessem, respectivamente, um dia de descanso obrigatório seguido de dois dias de descanso.
b) Na semana do turno nocturno os motoristas gozavam dois dias de descanso.
c) E na execução dos turnos da tarde, gozavam durante 4 semanas apenas um dia de descanso, seguido de dois dias de descanso para voltarem a ter um único dia de descanso nas quatro semanas seguintes.
d) Após o que regressavam ao turno da manhã e assim sucessivamente. Desde Janeiro de 2016 a Dezembro de 2018, desempenharam os motoristas da R. as suas funções em dia de descanso obrigatório, pelo que deveriam beneficiar de um período de descanso compensatório igual bem como a retribuição devida a título de trabalho suplementar.
e) Dia de descanso que nunca foi gozado; Retribuição por trabalho suplementar e em substituição do período de descanso não gozado que nunca foi paga.
f) Atento o exposto, é ainda devido, a cada um dos representados da A., o valor do trabalho suplementar resultante do trabalho prestado em dia de folga desde Janeiro de 2016 a Dezembro de 2018.
g) Porquanto, a partir de Janeiro de 2019, com a entrada em vigor do novo CCT a R. passou a respeitar as folgas dos trabalhadores, pagando-lhes como trabalho suplementar aquele que eventualmente venham prestar.

Alega o autor que deveria ser tida em conta o depoimento de parte, depoimento das duas testemunhas que refere deverem ser desvalorizadas, conjugadas com os documentos juntos.
O conteúdo dos pontos d), segundo parágrafo (“Desde Janeiro de 2016…), f) e g) é totalmente conclusiva e/ou de direito. Considerando que na fundamentação de facto da sentença só devem ser atendidos factos (607º, 4, CPC), a matéria invocada será desconsiderada.

Quanto à restante materialidade consta na decisão recorrida:
“O Tribunal baseou a sua convicção em primeiro lugar, na prova documental junta aos autos, designadamente, nos contratos de trabalho e acordos de fls. 693 a 778, os quais atestam não só a transferência do vínculo contratual relativo aos aqui demandantes da anterior concessionária X, Lda. para a aqui R., mantendo a antiguidade, posto de trabalho e demais condições laborais, como também demonstram que todos os trabalhadores aqui demandantes aceitaram expressamente que o seu período normal de trabalho tem a duração média de 40 horas semanais, sendo a mesma apurada por referência a períodos não superiores a 6 meses.
Esta factualidade foi ainda confirmada no depoimento de parte prestado pelos aqui demandantes que confirmaram que aceitaram o cumprimento dum horário de trabalho que se distribuía por 5 dias e ½ durante a semana, folgando ao sábado à tarde e ao domingo e que a partir de Janeiro de 2019 passaram a gozar 2 dias de folga por semana. Acresce ainda que nas escalas juntas aos autos de fls. 32 a 41 e 640 a 676, o sábado à tarde não consta como sendo folga, mas as testemunhas infra referidas foram unânimes em declarar que aos sábados os motoristas (que cumpriam os turnos da manhã ou da tarde) apenas trabalhavam da parte da manhã.
Quanto ao pagamento do trabalho suplementar o Tribunal baseou a sua convicção nos documentos juntos aos autos – cfr. fls. 31 e 44 a 603 – recibos de vencimento que atestam aos motoristas a hora suplementar a 50% era paga ao valor unitário de € 6,07; a 75% o valor unitário era pago a € 7,08 e a hora suplementar a 200% era paga ao valor unitário de € 5,84 (atendendo-se ao vencimento base de € 645,00, acrescido de diuturnidades de € 14,00 cada).
Consideraram-se ainda os depoimentos das testemunhas S. V., a qual disse ser contabilista na aqui R. e afirmou que no que se refere ao pagamento do trabalho suplementar a empresa aplica as fórmulas constantes do CCT e quanto aos tempos de trabalho, os mesmos mantiveram-se inalterados na transição entre a anterior concessionária e a ora demandada; a testemunha M. M. afirmou ser funcionária administrativa da R., auxiliando a testemunha anterior nas suas funções e corroborou as declarações por aquela prestadas, quanto ao modo de cálculo do trabalho suplementar, tendo afirmado desconhecer como se processa a elaboração das escalas e folgas dos motoristas; a testemunha J. J., técnico de movimento, veio afirmar que os turnos transitaram da anterior concessionária X para a R. e que todos os motoristas cumpriam turnos rotativos (em que os horários são fixos e só os motoristas é que vão variando) gozando um dia e ½ de folga em cada semana, cumprindo um horário, assim, de 5 dias e ½ de trabalho por semana; por fim a testemunha M. P., declarou ser técnico de movimento e confirmou que os motoristas faziam uns turnos de manhã e outros de tarde, rodando os turnos entre si, cumprindo cerca de 10 turnos de manhã, 10 turnos de tarde e um turno nocturno e que folgavam todas as semanas um dia e ½, já que ao sábado folgavam meio dia.”
A audição da prova na essência confirma esta fundamentação.
Os depoimentos/declarações de parte de H. N. e P. M., por provirem de quem não é desinteressado na causa devem ser valorados com particular cautela e ser devidamente confirmados ou complementados por outros meios de prova mais imparciais e objectivos. A reserva que se deve ter na valoração das declarações de parte, no segmento em que não comporte uma confissão, tem sido constantemente assinalada pela jurisprudência, mormente da RG (vd. entre outros, ac. de 17-12-2018 e de 19-11-2020).
Os referidos autores confirmaram que o regime de trabalho que assinaram com a anterior entidade empregadora era de cinco dias e meio de trabalho e que o mesmo regime se manteve inalterado com a transição para a ré. Prestaram seguidamente depoimento confuso quanto ao modo como as folgas eram gozadas, ora referindo folga de 1 dia e ½ contínua pelo menos até certa altura, ou folga de 2 dias numa semana, seguidos de folga de 1 dia noutra semana, com média de folgas de 1 dia e ½.
Mas, esta última parte não foi confirmada, ao invés, foi contrariada pelos depoimentos de J. J. e M. P., ambos técnicos de movimento/inspectores, com intervenção na realização das escalas, os quais confirmaram que os AA gozavam, nos turnos da manhã e da tarde, sempre uma folga dois dias numa semana seguida de folga de um dia e meio na semana seguinte, e assim sucessivamente, pelo que era sempre gozada em cada semana, no mínimo, um dia e meio de folga.
Ademais, a matéria não provada que os recorrentes pretendem provada é incompatível com o ponto provado nº 7, que não é alvo de recurso, onde se fixou que os AA gozavam sempre folga semanal de um dia e meio.
Improcede a impugnação.

C) ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Descanso semanal (folgas):

A procedência do pedido de pagamento de trabalho suplementar e de retribuição por trabalho em dia de descanso semanal pressupunha a procedência do recurso sobre a matéria de facto, isto é, que em algumas semanas os AA apenas gozavam um dia de folga, ou gozavam apenas um dia e meio, ao invés de dois. O que, como vimos, não vingou. Porém, insiste a recorrente ao facto de, a manter-se provado que os AA gozavam semanalmente um dia e meio de folga, ainda assim terem direito ao pagamento por meio dia de trabalho em dia de descanso.

A questão está correctamente tratada na sentença, pelo que apenas importa reavivar o segmento em causa, considerando que ficou provado e as partes aceitam que à relação laboral é aplicável o CCT referido (matéria provada e art. 4º da p.i.) :
“…Ora, o CCT publicado no BTE nº 48 de 29/12/2015 prevê na sua cláusula 79ª :
1- Em todas as empresas em que o período normal de trabalho de quarenta horas semanais seja, na data do início do processo negocial (29 de julho de 2015), distribuído por até cinco dias e meio manter-se-á o regime em aplicação. 2- Os trabalhadores abrangidos pelo disposto no número anterior terão direito, em cada semana de trabalho, a um dia de descanso semanal obrigatório e a um dia ou meio dia de descanso semanal complementar.”. Contrapondo este preceito legal com a factualidade acima dada como assente verifica-se que os aqui AA. transitaram da anterior concessionária X, Lda. em 2015 mantendo a mesma organização de tempos de trabalho então em vigor, quer quanto à rotatividade dos turnos que lhe eram atribuídos, quer quanto ao número de dias de folga que semanalmente lhes era permitido gozar.
De acordo com as escalas dos turnos juntas aos autos e que foram unanimemente explicitadas nos depoimentos das testemunhas a que acima se fez referência, os trabalhadores da demandada, aqui AA. bem como os demais, cumpriam um turno da manhã e posteriormente um turno da tarde, ambos durante cerca de 10 semanas e um único turno nocturno e ao longo das semanas em que executavam os turnos, quer da manhã, quer da tarde, gozavam um dia e ½ de folga obrigatória e complementar aos sábados à tarde e aos domingos. Temos, pois, que a distribuição destes períodos de descanso semanal se encontra em conformidade com o estabelecido no CCT em vigor, inexistindo ainda qualquer documento junto aos autos mediante o qual se evidenciasse que os demandantes, a partir do início e actividade da R. quanto concessionária do serviço de transporte urbano de passageiros, tivessem reclamado deste sistema de distribuição das folgas semanais ou exigissem as duas folgas semanais que passou a vigorar, segundo os aqui intervenientes, a partir de Janeiro de 2019.
Acresce ainda que ficou demonstrado que os AA. celebraram acordo com a ora R. no sentido de que o cômputo dos seus tempos de trabalho seria realizado reportando-se a um período médio de seis meses, não tendo aqueles invocado ou demonstrado que, tendo por base esse limite temporal o volume de 40 horas semanais de trabalho tivesse sido excedido entre 2015 e 2019.
Deste modo, considera-se que os demandantes não demonstraram, em nosso entender, que a distribuição dos seus tempos de trabalho e das suas folgas semanais tivesse sido estabelecido em desconformidade com o disposto no CCT aplicável às suas relações laborais, pelo que se julga este pedido improcedente.”
Em suma, a própria CCT invocada pelos AA apenas concede um dia e meio de descanso semanal aos trabalhadores que até 29 de julho de 2015 tivessem o período normal de trabalho distribuído por 5 dias e meio, pelo que o meio dia reclamado pelos AA não é dia de descanso.
Improcede este pedido
Pagamento de trabalho suplementar
A matéria de facto é totalmente omissa quanto a substracto fáctico que possa levar à apreciação deste pedido (matéria aliás impugnada na contestação). Repare-se também que nesta parte não há recurso sobre a decisão da matéria de facto. O âmbito do recurso é definido pelo recorrente, pelo que está o tribunal da Relação impedido de conhecer de falta/insuficiência da materialidade não arguida em sede de recurso - 635º, 637º, 2, 639, 1, 640º e 608, 609, 1 estes dois últimos ex vi 663º, 2, CPC.
Assim, em bom rigor, não é possível rastrear a correcção dos cálculos, pois não ficaram vertidos nem a retribuição base paga, nem o número de diuturnidade, nem os valores finais que foram pagos a título de trabalho suplementar.
Sempre se diga que, em abstracto, não tem fundamento a pretensão dos AA de serem pagos a 300% sempre que prestem trabalho em dias de descanso semanal obrigatório ou complementar e em dias feriado.

Atente-se no teor na clªa 48º e no anexo III onde se consagra a remuneração:

Cláusula 48.ª (Retribuição do trabalho em dias de descanso e dias feriado):
1- O trabalho prestado em dias de descanso semanal obrigatório, descanso semanal complementar e em dias feriado é remunerado com o adicional de 200 %.
2- Para efeito de cálculo, o valor do dia será determinado pela seguinte fórmula: (Retribuição base + diuturnidades) = Remuneração diária 30 e o valor da hora será também determinado pela seguinte fórmula: Remuneração diária = Remuneração hora Horário de trabalho diário (8)
3- Qualquer período de trabalho prestado nos dias de descanso semanal obrigatório e de descanso semanal complementar e nos dias feriado será pago pelo mínimo de cinco horas, de acordo com os números 1 e 2 desta cláusula.
4- Cada hora ou fração trabalhada para além do período normal de trabalho (oito horas) será paga pelo triplo do valor resultante da aplicação da fórmula consignada no número 2 desta cláusula. – negrito nosso.

Logo do confronto entre o nº 1 e o nº 4 da cláusula, pese embora o uso menos próprio da palavra adicional (n.1), resulta que, até à 8ª hora, o trabalho é pago a 200% (e não a 300% como pretende a recorrente) e a partir da 8ª hora, então sim a 300% (triplo da fórmula do n.2 que se refere ao valor hora normal).
Se dúvidas houvesse, o mesmo resulta do “ANEXO III Cláusulas de expressão pecuniária”, onde se consagra a fórmula de cálculo, recorrendo a Retribuição base de 630,00€ e Diuturnidades de 14,00 €, que redunda nos seguintes valores (recorrendo-se ao exemplo de uma diuturnidade):
.Cláusula 48.ª n.º 1 (trabalho em dias de descanso e feriados) - 1.as 8 horas (VB + Diut)/240*2….5,3666 (1 diuturnidade)…
.Cláusula 48.ª n.º 4 (trabalho em dias de descanso e feriados) a partir da 9.ª hora (VB + Diut)/240*3 …8,05000 ((1 diuturnidade)…negrito nosso.
Ou seja, também no anexo III, especificamente referente à fórmula de cálculo, é confirmado que o pagamento será a 200% para o trabalho suplementar até à 8ª hora e a 300% a partir de então.
De resto, no CT/09 na versão actual, a prestação é paga em valor bem inferior, apenas com acréscimo de 50% (Artigo 268.º
Pagamento de trabalho suplementar:1 - O trabalho suplementar é pago pelo valor da retribuição horária com os seguintes acréscimos: a) 25% pela primeira hora ou fração desta e 37,5% por hora ou fração subsequente, em dia útil; b) 50% por cada hora ou fração, em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, ou em feriado).

III. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em não conceder provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
Notifique.
16-12-2021

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins


1 - Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s salvo as questões de natureza oficiosa.