Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
70/16.0PTBRG.G1
Relator: FÁTIMA FURTADO
Descritores: COLHEITA DE SANGUE
EXAME PERICIAL À TAXA DE ÁLCOOL
INEXIGÊNCIA DE CONSENTIMENTO DO ARGUIDO
MEIO DE OBTENÇÃO DE PROVA VÁLIDO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/05/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I) O exame de sangue é a via excecional de recolha de prova admitida na lei para deteção de álcool, apenas admissível em casos expressamente tipificados, designadamente quando o estado de saúde não permite o exame por ar expirado ou esse exame não for possível.
II) Em momento algum a lei impõe ou exige o consentimento expresso do visado para a recolha de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool, pelo que, nesta matéria, se encontram apenas excluídos os exames coercivos, aos quais o titular do interesse manifestou oposição, através de recusa em sujeitar-se ao exame.
III) As circunstâncias de onde decorre a validade de um meio de prova, se bem que tenham que emanar dos autos, não têm que ser alegadas na acusação nem de constar do elenco dos factos que, a final, são dados como provados e não provados na sentença.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.
(Secção penal)
Relatora: Fátima Furtado; adjunta: Elsa Paixão.

I. RELATÓRIO
No processo abreviado n.º 70/16.0PTBRG, da instância local de Braga, secção criminal, juiz 2, da comarca de Braga, foi submetido a julgamento o arguido V. F., com os demais sinais dos autos.
A sentença, proferida a 24 de janeiro de 2017 e depositada no mesmo dia, tem o seguinte dispositivo:
«a) CONDENAR o arguido V. F., pela prática, no dia 22-08-2016, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de € 7,00 (sete euros), que perfaz a multa global de € 490,00 (quatrocentos e noventa euros);
b) Condenar o arguido V. F. na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 (cinco) meses, nos termos do artigo 69.º,n.º 1, alínea a), do Código Penal;
c) Condenar o arguido V. F. no pagamento das custas do processo, fixando a taxa de justiça em 2 (duas) Unidades de Conta, reduzida a metade nos termos do disposto no artigo 344.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal.
Proceda ao depósito da presente sentença na secretaria deste Tribunal.
Após trânsito, comunique à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.
Após trânsito, remeta boletim e ficha de assinatura e impressões digitais ao registo criminal.»
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Inconformado, o arguido interpôs recurso, apresentando a competente motivação, que remata com as seguintes conclusões:
1. «O legislador impõe que a fiscalização da presença de álcool nos condutores de veículos automóveis seja efectuado em regra através de exame de pesquisa de álcool no ar expirado e, só excepcionalmente quando este não for possível, através da pesquisa de álcool no sangue.
2. Para se poder recorrer ao exame de sangue, é necessário alegar e provar factos susceptíveis de se poder concluir que tal exame ocorreu por não ter sido possível a realização de pesquisa de álcool no ar expirado.
3. Estando em causa uma invasão da integridade física do arguido e uma limitação do seu direito à não autoincriminação, a confissão não afasta a necessidade de demonstração de que o exame de sangue não constituiu um método proibido de prova, por não ter sido possível o exame de pesquisa de álcool no ar expirado.
4. Não constando dos autos qualquer alegação e prova da excepcionalidade que pudesse justificar o exame ao sangue, verifica-se insuficiência da matéria de facto para a condenação do arguido.
5. Ao decidir pela condenação do arguido a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 153º e 156º do Código da Estrada.
6. Sem prescindir, a pena acessória de proibição de conduzir por cinco meses é injusta e desproporcionada, face aos elementos concretos constantes dos autos, mormente a conduta anterior do arguido, as circunstâncias em que conduzia o velocípede com motor, e o seu arrependimento.
7. Se se entendesse que o arguido cometeu o crime de que vem acusado, tal sanção acessória deveria ser fixada no seu mínimo de três meses.
8. A sentença recorrida fez também errada aplicação do disposto no artigo 69º, nº 1, alínea a) do Código Penal.»
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O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação de Guimarães, por despacho de 6 de março de 2017.
O Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu, pugnando pela procedência parcial do recurso no que toca à insuficiência da matéria fática provada para a decisão, devendo oficiosamente aditar-se como provado que «o arguido não efetuou o teste por pesquisa de ar expirado por se encontrar ferido e, por esse motivo, se encontrar impossibilitado de o fazer, em consequência de acidente de viação em que foi interveniente». Mantendo-se no mais a decisão recorrida, nos seus precisos termos.
Nesta Relação, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, no sentido do não provimento do recurso, no qual fundamentadamente demonstra a inexistência da alegada insuficiência da matéria fática para a decisão, requalificando a questão a esse propósito suscitada como o afastamento do valimento de um meio de prova, que também entende não ocorrer; justificando, ainda, a adequação da pena acessória.
Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, sem resposta.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
Conforme é jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer Cfr. artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V..
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1. Questões a decidir
Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, as questões a decidir são as seguintes:
. saber se quando a determinação da taxa de álcool no sangue (TAS) é feita por exame toxicológico por colheita de sangue, é necessário constar dos factos considerados como provados na sentença que o estado do arguido não permitia a determinação da TAS através de pesquisa de álcool no ar expirado, sem o que não é possível a sua condenação por crime de condução de veículo em estado de embriaguez;
B. quantum da pena acessória.
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2. Factos Provados
Segue-se a enumeração dos factos provados, não provados e respetiva motivação, constantes da sentença recorrida Transcrição nossa feita a partir da gravação da sentença proferida oralmente.
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1) «No dia 22 de agosto de 2016, cerca das 22h15, o arguido V. F. conduziu o ciclomotor de matrícula ..-..-.., na Rua Valério Pinto de Sá, freguesia de …, , Braga e foi interveniente em acidente de viação.
2) O arguido foi conduzido ao Hospital para realizar exame toxicológico por colheita de sangue, tendo-se apurado que possuía uma taxa de álcool no sangue (TAS) de 1,70 g/l.
3) O arguido agiu de forma deliberada, livre e conscientemente e não obstante ter conhecimento que não podia conduzir veículo motorizados com a referida taxa de álcool no sangue.
4) Sabia o arguido que tal é conduta proibida por lei.
Mais se apurou que:
5) O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos.
6) Trabalha como motorista de veículos pesados na … há cerca de 30 anos, auferindo 950,00 € por mês.
7) Vive com a esposa, que é aposentada.
8) Habita em casa própria.
9) Como habilitações possui o 6.º ano de escolaridade.
10) Não tem antecedentes criminais.
Factos Não Provados:
Não existem.
MOTIVAÇÃO
O Tribunal fundamentou-se na confissão integral e sem reservas do arguido.
Nas suas declarações quanto à sua situação sócio-económica e nos documentos existentes nos autos, designadamente no auto de notícia de fls. 3 a 5, no exame de fls. 7 e no certificado de registo criminal de fls. 37.»
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3. APRECIAÇÃO DO RECURSO
O arguido/recorrente insurge-se por a prova da taxa de álcool no sangue (TAS) de 1,70 g/l, que apresentava, ter sido feita com base nos resultados de exame toxicológico por colheita de sangue, sem que houvesse sido alegada e dada como provada a excecionalidade que pudesse justificar o afastamento da determinação da TAS através do método de pesquisa no ar expirado, o que em seu entender inquina a sentença do vício da insuficiência da matéria fática para a decisão condenatória.
Vejamos.
O vício que o recorrente aponta à sentença – insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – encontra-se previsto na alínea a), do n.º 2, do artigo 412.º do Código de Processo Penal, e consiste na «lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher» Cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 8ª ed. Lisboa, 2012, p. 74.. Tendo essa insuficiência de resultar «do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum», isto é, sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos.
No caso em apreço, a condenação do arguido pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, é perfeitamente suportada pela factualidade considerada apurada, que integra todos os elementos típicos, objetivos e subjetivo de tal ilícito Os elementos objetivos são: a condução de veículo com ou sem motor; em via pública ou equiparada; com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 gramas por litro. Sendo tipo subjetivo integrado pelo dolo (em qualquer das suas modalidades) e, também, pela negligência (consciente ou inconsciente)., dos quais é absolutamente pacífico não fazer parte o tipo de método utilizado para a determinação da TAS apresentada pelo agente. Sendo pois, e para o invocado efeito, absolutamente inócuo não constar dos factos provados o circunstancialismo que, nos termos legais, pudesse justificar o afastamento da determinação da TAS através do método de pesquisa no ar expirado.
Não se verificando, por conseguinte, qualquer insuficiência da matéria de facto para a decisão.
Aliás, a questão neste âmbito suscitada pelo recorrente foi, quanto a nós, indevidamente enquadrada no aludido vício decisório. Já que, na perspetiva em que é apresentada, se prende antes e só com a alegada violação pelo Tribunal a quo de normas legais relativas à validade dos meios de prova para a deteção do estado de influenciado pelo álcool, ao fundamentar a decisão de facto no resultado da perícia ao teor de álcool realizada com base em amostra de sangue, sem que se tenha assegurado da excecionalidade que pudesse justificar o afastamento da determinação da TAS através do método de pesquisa no ar expirado. Sendo que, a ser considerado inválida a perícia efetuada à amostra de sangue recolhida ao recorrente, não poderia com base nela fundamentar-se e consequentemente dar-se como provada a TAS que ele apresentava nas circunstâncias de tempo e lugar em causa nos autos, o que conduziria à sua absolvição.
Assim, no fundo, a verdadeira questão levantada pelo recorrente é a de saber se a colheita ao sangue a que foi sujeito constituiu, ou não, um método proibido de prova, nos termos dos artigos 32.º, n.º 8 da Constituição da República Portuguesa e 126.º do Código de Processo Penal, determinante da nulidade da prova através desse meio obtida.
Apreciemos.
O exame de pesquisa de álcool encontra-se minuciosamente previsto e regulado por lei, nos artigos 152.º, n.º 1, a), 153.º e 156.º do Código da Estrada e no Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas (Lei n.º 18/2007, de 17 de maio), de onde decorre a obrigatoriedade da fiscalização para os condutores, os peões, sempre que sejam intervenientes em acidentes de trânsito, e as pessoas que se propuserem iniciar a condução. Cominando inclusive a lei, com o crime de desobediência, a recusa de submissão às provas estabelecidas na lei para a deteção de álcool, por parte das pessoas que integram os dois primeiros grupos e com o impedimento de iniciarem a condução no caso das últimas.
A fiscalização da condução sob influência de álcool destina-se à recolha de uma prova rapidamente perecível e por isso de natureza urgente, que assegure o fim da descoberta da verdade no processo penal, bem como, ainda, a salvaguardar bens fundamentais, ao impedir que um condutor influenciado pelo álcool persista numa condução suscetível de fazer perigar a sua vida e integridade física, assim como as dos demais utentes da estrada.
O exame de sangue é a via excecional para a recolha de prova admitida na lei para tal efeito, apenas admissível em casos expressamente tipificados, designadamente quando o estado de saúde não permite o exame por ar expirado ou esse exame não for possível Cfr. artigos 153.º n.º 8 e 156.º n.º 2 do Código da Estrada..
Revertendo agora novamente ao caso em apreço, resulta dos autos – designadamente do teor do auto de notícia de fls. 3 e verso, da participação de acidente de fls. 4 e 5 e relatório do Hospital de Braga de fls. 8 – que o arguido foi interveniente num acidente de viação, quando conduzia na via pública um ciclomotor; tendo sofrido ferimentos e por causa deles sido de imediato conduzido ao Hospital Escala de Braga, em veículo do INEM, chamado ao local pelo nº de telefone 112; onde foi atendido na urgência. Tendo sido consignado expressamente pelo agente da PSP que se deslocou ao local, verificou a existência do acidente e contactou com os condutores nele intervenientes, que o arguido V. F. não foi aí submetido ao controlo de álcool por apresentar «ferimentos graves» – conforme consta expressamente da penúltima e antepenúltima linhas de fls. 4 verso.
Perante o que não pode deixar de ter-se por verificada a previsão do n.º 2 do artigo 156.º do Código da Estrada, justificadora da colheita de amostra de sangue ao arguido, para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool, através da qual se apurou ser ele portador de uma taxa de 1,70 g/l de álcool no sangue.
E, embora não resulte dos autos que o arguido tenha dado o seu consentimento para a colheita de sangue, o quadro fáctico deles resultante também não dá conta que ela tenha sido realizada contra a vontade do recorrente, o que, aliás, este nem sequer invoca.
De todo o modo, sempre se adianta que percorrida toda a legislação e regulamentação da matéria – já supra identificada – constata-se que em momento algum a lei impõe ou exige o consentimento expresso do visado para a recolha de sangue, quando o estado de saúde não permite o exame por ar expirado ou esse exame não for possível. De onde decorre, desde logo, que nesta matéria se encontram apenas excluídos os exames coercivos, aos quais o titular do interesse manifestou oposição, através de recusa em sujeitar-se ao exame.
E, in casu, como já se salientou, o arguido não manifestou oposição, embora não pudesse desconhecer o regime legal da proibição de condução sob o efeito de álcool nem o regime normativo que desencadeia a recolha de sangue, quando não é possível proceder ao exame através do método do ar expirado.
Acresce que também não pode considerar-se que a colheita de sangue para exame pericial à respetiva taxa de álcool viole o direito à não auto-incriminação, posto é que a jurisprudência mais recente tem vindo pacificamente a aceitar que tal se circunscreve, essencialmente, ao direito ao silêncio e não, também, ao direito de não ser compelido a realizar determinados exames com vista à obtenção de provas, não alcançáveis por outra via.
De todo o modo, o certo é que a colheita de sangue com vista à realização de perícia à taxa de álcool não só não constitui em si qualquer declaração, como também nem sequer visa a condenação do respetivo sujeito, destinando-se antes e exclusivamente a averiguar a verdade material sobre o seu estado de influenciado de álcool, que é desconhecido e, à partida, tanto pode servir a acusação como beneficiar a defesa.
De tudo assim decorrendo que a recolha de amostra de sangue ao arguido, no circunstancialismo dos autos, constituiu um meio de obtenção de prova legal, constituindo o respetivo resultado da pesquisa quantitativa de álcool efetuada nessa amostra um meio de prova válido.
Ora, as circunstâncias de onde decorre a validade de um meio de prova, se bem que tenham que emanar dos autos, não têm que ser alegadas na acusação nem de constar do elenco dos factos que, a final, são dados como provados e não provados na sentença.
Note-se que o n.º 2 do artigo 368.º do Código de Processo Penal, onde são expressa e taxativamente enunciados os factos De entre os alegados pela acusação, pela defesa e resultantes da discussão da causa. a incluir na fundamentação factual da sentença, entre eles manifestamente não inclui aqueles de onde decorram os pressupostos da validade de cada meio de obtenção de prova que for considerado Artigo 368.º, n.º 2 do Código de Processo Penal: «2 - Em seguida, se a apreciação do mérito não tiver ficado prejudicada, o presidente enumera discriminada e especificamente e submete a deliberação e votação os factos alegados pela acusação e pela defesa e, bem assim, os que resultarem da discussão da causa, relevantes para as questões de saber:
a) Se se verificaram os elementos constitutivos do tipo de crime;
b) Se o arguido praticou o crime ou nele participou;
c) Se o arguido atuou com culpa;
d) Se se verificou alguma causa que exclua a ilicitude ou a culpa;
e) Se se verificaram quaisquer outros pressupostos de que a lei faça depender a punibilidade do agente ou a aplicação a este de uma medida de segurança;
f) Se se verificaram os pressupostos de que depende o arbitramento da indemnização civil.»
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Naufragando este ponto do recurso.
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Quantum da pena acessória
O recorrente defende, ainda, ser injusta e exagerada a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pugnando pela sua redução para o mínimo legal de três meses, face à sua conduta anterior, às circunstâncias em que conduzia e ao arrependimento demonstrado.
Efetivamente, ao crime cometido pelo arguido, por força do previsto no artigo 69.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, é também aplicável a pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor por um período de três meses a três anos.
A concretização desta pena acessória obedece precisamente aos mesmos critérios da concretização da pena principal, definidos nos artigos 40.º, n.º 1 e n.º 2 e 71.º do Código Penal.
Em conformidade com o estatuído no artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal, a aplicação das penas «…visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», ou seja, visa fundamentalmente atingir fins de prevenção geral (proteção dos bens jurídicos) e fins de prevenção especial (reintegração do agente). Não podendo em caso algum a pena ultrapassar a medida da culpa Cfr. nº. 2 do citado artigo 40.º do Código Penal.
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A quantificação da culpa e o grau de exigência das razões de prevenção, em função das quais se vão dimensionar as correspondentes molduras, faz-se através da «ponderação das circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele», tal como decorre do artigo 71.º, n.º2 do Código Penal.
O limite máximo da pena fixar-se-á – atendendo à salvaguarda da dignidade humana do agente – em função da medida da culpa, que a delimitará por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir.
O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que, em concreto, ainda realize, eficazmente, essa protecção dos bens jurídicos penalmente protegidos.
Dentro desses dois limites, encontrar-se-á o espaço possível de resposta às necessidades de reintegração social do agente.
A medida concreta da pena (principal e/ou acessória) tem pois de ser encontrada pelo juiz através de um processo lógico e racional, norteado pelos princípios a esse propósito legalmente definidos.
No caso em apreço a ilicitude situa-se acima da média, face à taxa de álcool no sangue (TAS) de 1,70 g/l que o arguido apresentava, quando uma TAS de 1,2 g/l já bastava para preencher o tipo.
A culpa é intensa, porque na modalidade de dolo direto – sendo que o tipo inclui condutas muito menos graves, designadamente as praticadas com dolo eventual e, ainda, as condutas negligentes (conscientes e inconscientes).
Como fatores de valoração que militam a favor do arguido, também se apurou, desde logo, que conduzia um ciclomotor, que não tem a mesma perigosidade para terceiros que outros tipos de veículos.
Confessou integralmente os factos pelos quais vinha acusado (sem que, contudo, este fator deva ser excessivamente exacerbado, visto que a prova do corpo de delito já se encontrava estabelecida por recurso a meios de prova documentais).
Encontrando-se familiar profissional e socialmente bem integrado, já que é casado e vive com a mulher. Trabalha como motorista profissional. Pautando a sua vida pelos valores jurídico-penalmente vigentes, pois com 60 anos de idade não tem quaisquer antecedentes criminais. O que reconduz a um patamar abaixo da média as necessidades de prevenção especial.
Contudo, as exigências de prevenção geral já se fazem sentir com particular acuidade, pela elevada incidência da criminalidade estradal na sinistralidade rodoviária, o que diminui a tolerância com quem conduz em estado de embriaguez.
Da ponderação de todos os fatores enunciados, que militam contra e a favor do arguido, decorre a adequação da pena acessória concreta de cinco meses de proibição de conduzir veículos motorizados, que se situa apenas dois meses acima do mínimo da respetiva moldura legal e dista, ainda, dois anos e sete meses do limite máximo da mesma moldura. Mostrando-se a pena concreta aplicada igualmente consentânea com a medida das penas acessória de proibição de conduzir veículos com motor que habitualmente são aplicadas nos tribunais a estes casos Cfr. o princípio da necessidade e proporcionalidade das penas, do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa..
Improcedendo também este ponto do recurso.

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III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta secção do Tribunal da Relação de Guimarães, em negar provimento ao recurso do arguido V. F., confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 4 (quatro) UCs a taxa de justiça.
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Guimarães, 5 de junho de 2017
Elaborado e revisto pela relatora
(artigo 94º, nº2, do Código de Processo Penal)