Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
220/16.6T8MAC.G2
Relator: MARIA CRISTINA CERDEIRA
Descritores: MEDIDA DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DO MENOR
MEDIDA DE CONFIANÇA A INSTITUIÇÃO COM VISTA A FUTURA ADOPÇÃO
CRITÉRIOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I) - A escolha da medida de promoção dos direitos e protecção das crianças em perigo deve ser norteada, prioritariamente, pelos direitos e interesses da criança ou jovem, devendo ser aplicada a medida que, atendendo a esses interesses e direitos, se mostre mais adequada a remover a situação de perigo em que a criança ou jovem se encontra.

II) - Tal como resulta do artº. 38º-A da LPCJP, a medida de “confiança a instituição com vista a futura adopção” só deve ser aplicada quando se verifique alguma das situações previstas no artº. 1978º, nº. 1 do Código Civil, pressupondo sempre a inexistência ou o comprometimento sério dos vínculos afectivos próprios da filiação.

III) - Na apreciação dos pressupostos para a aplicação da medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, deve o Tribunal atender prioritariamente ao superior interesse do menor (artº. 1978º, nº. 2 do Código Civil), aferindo objectivamente a verificação de qualquer das situações descritas no nº. 1 do artº. 1978º do Código Civil, independentemente de culpa da actuação dos pais.

IV) - A escolha do percurso de vida da menor, tendo em vista a procura de uma família (seja ela a família biológica ou a família adoptiva) que lhe possa ainda proporcionar um resto de infância feliz e as bases necessárias para a formação de uma personalidade sã e equilibrada, não pode basear-se em esperanças ou expectativas vagas que apenas vão adiando e hipotecando o seu futuro.

V) - A colocação da menor em instituição deve ser encarada sempre em termos provisórios, tendo em vista a procura de soluções que visem a sua reintegração na família natural ou a sua adopção.

VI) - Resultando do quadro factual apurado, objectivamente, situação de inexistência ou, no mínimo, de sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação e mostrando-se insuficiente e inadequada a promoção da integração da menor (actualmente com quatro anos de idade) na sua família natural, é conforme aos princípios do superior interesse da criança, da proporcionalidade e actualidade e da prevalência das soluções familiares sobre as institucionais, a aplicação da medida de confiança a instituição com vista a futura adopção.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

O Ministério Público requereu a abertura do presente processo judicial de promoção e protecção relativamente à menor Filipa, nascida a 5/09/2014, natural da freguesia de (...), concelho de Macedo de Cavaleiros, filha de José e de M. S., que se encontra institucionalizada, pedindo que lhe seja aplicada uma medida de promoção e protecção que salvaguarde o harmonioso e são desenvolvimento da menor, por considerar que a mesma se encontrava numa situação de risco iminente e actual, advinda da falta de competências parentais dos progenitores que os torna incapazes de prestar-lhe os cuidados básicos, proporcionar-lhe as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral.
Por despacho proferido em 22/07/2016, foi declarada aberta a instrução e, no seu âmbito, foram ouvidas a progenitora, a avó materna, a técnica da CPCJ, Liliana, a técnica do CAT da Santa Casa da Misericórdia X, A. L. e a Técnica da Segurança Social, P. P..

Foi elaborado relatório social de avaliação diagnóstica sobre a menor Filipa e a sua família, que se encontra junto a fls. 151 a 156, no qual se conclui pela aplicação à menor da medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, fundamentada na ausência ou insuficiência de condições de segurança, saúde, formação moral ou educação para a Filipa no seio da sua família biológica.

Declarada encerrada a instrução, designou-se data para uma conferência com vista à obtenção de acordo para aplicação de medida de promoção e protecção.

Na conferência realizada em 15/09/2016 foram ouvidos os progenitores e, tendo-se frustrado a obtenção de acordo de promoção e protecção, foram notificados o Ministério Público, o defensor oficioso da menor e os progenitores para alegarem por escrito e apresentarem prova no prazo de 10 dias, nos termos do artº. 114º, nº. 1 da LPCJP.

Apenas o Ministério Público apresentou alegações, nas quais conclui dever ser aplicada à menor Filipa a medida de confiança a pessoa ou instituição com vista a futura adopção.

Procedeu-se à realização do debate judicial, com intervenção dos juízes sociais e observância do legal formalismo, tendo sido proferido acórdão que decretou a medida de confiança da menor Filipa a instituição com vista a futura adopção, confiando a mesma à guarda e cuidados da Instituição Centro de Acolhimento Temporário da Santa Casa da Misericórdia X, nomeou curadora provisória da menor a Directora Técnica do CAT e inibiu os progenitores do exercício das responsabilidades parentais relativamente à filha, com proibição de visitas da sua família biológica.

Inconformado com tal decisão, o progenitor dela interpôs recurso para este Tribunal da Relação, pugnando pela revogação da sentença recorrida por ter violado o princípio do contraditório expresso nos artºs 104º e seguintes da LPCJP, e prolação de outra decisão no sentido de entregar a menor Filipa, ao seio da sua família natural, ou seja, ao seu progenitor.

Foi proferido acórdão nesta instância superior que decidiu anular a decisão recorrida, devendo ser proferida nova decisão na qual se faça constar a matéria de facto pertinente, nos termos acima expostos, a qual, deverá ser precedida das diligências de prova que se tornem necessárias, designadamente, a realização de inquérito sobre as condições sócio-económicas (incluindo profissionais e local de residência) do apelante em França e sobre se este detém condições materiais e psíquicas para exercer de modo responsável as competências parentais, isto é, se tem condições para criar a Filipa, sozinho, ou com ajuda de qualquer apoio familiar.

Em cumprimento do determinado no acórdão deste Tribunal da Relação, foi:

- o progenitor ouvido pelo Tribunal em 4/07/2017;
- solicitada a elaboração de relatório social às competentes entidades francesas e, nessa sequência, foi elaborado e remetido o expediente de fls. 474 a 484, devidamente traduzido a fls. 512 a 514;
- reiterado o pedido de elaboração de relatório social, por o Tribunal “a quo” ter considerado que o remetido não respondia cabalmente ao solicitado e, nessa sequência, foi elaborado o expediente de fls. 549 a 565, o qual foi traduzido a fls. 582 a 584;
- solicitado ao Centro de Acolhimento Temporário Y relatório actualizado sobre a situação da menor e sua relação com os progenitores, o qual consta de fls. 596 a 598;
- solicitada informação ao Ministério Público quanto ao processo administrativo instaurado para averiguação da paternidade da Filipa, tendo sido informado que foi arquivado com base nas declarações dos progenitores.

Foi cumprido o contraditório relativamente aos elementos juntos aos autos e reaberto o debate judicial em 5/07/2018, no qual foi novamente ouvido o progenitor da menor.

Posteriormente, foi proferido acórdão que decidiu:

A. Aplicar a medida de promoção e proteção de Confiança a Instituição Com Vista A Futura Adoção [artigos 35º, n.º 1, alínea g) e 38º-A, alínea b) da LPCJP] à menor Filipa, nascida no dia 5/9/2014, confiando-se a mesma à guarda e cuidados da Instituição Centro de Acolhimento Temporário da Santa Casa da Misericórdia X, com vista a futura adoção.
B. Nomear como curadora provisória da menor a Exmª Diretora Técnica do CAT, Drª A. L. [a qual exercerá, relativamente a esta criança, as responsabilidades parentais no que respeita à segurança, saúde, sustento, educação e representação - n.ºs 3 e 4 do artigo 62º-A da LPCJP];
C. Em consequência, nos termos do artigo 1978º-A do Código Civil, ficam os requeridos José e M. S. inibidos do exercício das responsabilidades parentais relativamente à filha Filipa, e proibimos as visitas destes pais e da sua família biológica à referida menor, no CAT em causa [artigo 62º-A, n.º 6 da LPCJP].

Inconformado com tal decisão, o progenitor dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:

A. Por sentença de 13 Julho de 2018 foi aplicada à menor Filipa, entre outras, a medida de promoção e protecção de confiança ao Centro de Acolhimento Temporário da Santa casa de Misericórdia X, com vista a futura adopção.
B. O Tribunal entendeu estar legitimada a institucionalização da menor por esta vivenciar, na altura, uma situação de perigo para a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral da menor.
C. O Tribunal “a quo” entende que actualmente continua a existir fundamento para a aplicação de uma medida de promoção e protecção, tendo decidido pela institucionalização com vista à adopção da menor.
D. Durante esse acompanhamento foi detectado que a mãe da menor não tinha condições psíquicas, com um quadro grave de saúde mental, com períodos depressivos, que a levavam a manifestar desinteresse pela vida em sociedade.
E. Relativamente ao pai da menor Filipa, nunca foi detectado qualquer desinteresse pela filha, quer a nível afectivo, quer a nível alimentar ou de higiene.
F. Resulta dos relatórios sociais que o pai sempre acompanhou a menor ao hospital, permaneceu junto da menor durante toda a sua estadia no hospital, cuidando dela, mimando-a, demonstrando afecto pela sua filha e a filha pelo pai.
G. A apreciação das técnicas da Segurança Social, revelou em todo o seu depoimento que o pai sempre teve interesse pela filha Filipa, dela cuidando, era notório a afectividade entre o progenitor e a menor.
H. Foi sempre o progenitor quem acompanhou a filha na doença, quem lhe prestou os cuidados de saúde, os cuidados básicos necessários. O progenitor acompanhou a filha durante o período em que a esta esteve internada na Unidade Hospitalar de Mirandela e, já antes havia estado em internamento com ela durante três semanas.
I. Dado o progenitor ter de trabalhar e atendendo à ausência de retaguarda familiar, este, deu o seu consentimento para que houvesse uma intervenção na vida da pequena Filipa.
J. O progenitor sempre visitou a filha na instituição e era sempre o progenitor quem exteriorizava maior afectividade e segurança em relação à menor.
K. O progenitor, já separado da mãe da Filipa, passou a ter consigo a pequena Filipa, quinzenalmente aos fins-de-semana. Sendo que o pai de Filipa perante a instituição que a acolhia, lhe merecia confiança entendendo ser benéfico para a menor passar os fins-de-semana com o pai.
L. O pai da Filipa começou por ter dificuldades a nível económico. A escassez de trabalho foi obrigado a emigrar comunicando esse facto à Instituição onde a Filipa se encontra institucionalizada.
M. O Progenitor tomou a decisão de emigrar e procurar no estrangeiro melhor vida, melhores condições económicas para ter consigo definitivamente e a sua filha e proporcionar-lhe uma vida melhor.
N. Emigrou para França em 23 de Abril de 2016. Antes de emigrar não autorizou que a filha fosse convivesse com a avó ou a mãe, por estas não terem comportamentos próprios, denota a preocupação do progenitor e a vontade de proteger a sua filha.
O. O progenitor, ao contrário do teor do relatório social, não mostrou indisponibilidade para ficar com a filha, nem abandonou a filha.
P. O relatório peca, na nossa opinião por redutor, não conseguir abordar o problema da emigração a que tantos portugueses se sujeitam, mormente na região do Nordeste transmontano.
Q. Estando em França, o progenitor, veio a Portugal para visitar a filha, duas vezes em setembro, altura em que regressou, por escassos dias. E voltou em Outubro, altura em que veio propositadamente para visitar a filha. Entretanto telefonava para a instituição para que lhe dessem conta do estado da sua filha. Apesar da distância sempre que lhe foi possível veio visitar a filha, telefonou, manteve o contacto com a criança, com a esperança de poder voltar a tê-la de volta.
R. O Tribunal não valorou, nem nos relatórios socias valoraram a afectividade existente entre a filha e o progenitor.
S. Existe, pois uma contradição no depoimento das técnicas da Segurança Social, se por um lado afirmam que existe afetividade entre o progenitor e a filha Filipa, sendo o progenitor bom cuidador, por outro lado, a mesma técnica vem dizer que há um abandono por parte do pai, não se nos afigura coerente este testemunho eivado de vícios e preconceitos em relação ao pai.
T. A técnica da Santa casa de Misericórdia X, onde a pequena Filipa, se encontra institucionalizada, em dada altura do seu testemunho afirma que o pai a visitou e telefonou, por outro lado diz que o pai perdeu o interesse em ter a filha consigo, apenas porque este lhe transmitiu que iria emigrar. Emigrar não é sinal de abandono!
U. Há questões a considerar, os relatórios sociais, ou os vários depoimentos das técnicas em sede de debate judicial, as quais foram unânimes em referir que o pai da menor esteve sempre presente, com excepção quando lhes transmitiu que ira emigrar.
V. O progenitor ao emigrar criou condições essenciais para ter consigo a sua filha. Providenciou por uma casa com condições dignas para o crescimento de uma criança. Trabalha na agricultura, tem trabalho durante todo o ano.
X. Vive numa pequena vila de França, onde encontra todas as condições essenciais ao crescimento de uma criança, tem escola primária, pré primaria, parques, além de que convide diariamente com a família do pai, nomeadamente com a tia e os primos.
Z. O progenitor conta com a ajuda da sua irmã, também esta emigrada em França e residente nesta vila do sul de França. Com uma intervenção ajustada ao caso concreto, o apoio da irmã, a intervenção da sociedade francesa, poderão ser respeitados os princípios da responsabilidade parental, a bem da menor, proporcionando-lhe um crescimento digno e o fim da separação do pai.
AA. A família natural, neste caso, o progenitor, apesar de todas as carências, constitui ainda o meio natural para o crescimento e o bem-estar de todos os seus membros e, em especial, as crianças – cf. art.º 36.º n.º 6 da CRP.
AB. Dever-se-á apoiar todas as famílias disfuncionais, com apoios de natureza psicopedagógica, social ou económico, para que encontrem o seu equilíbrio.
AC. Toda a intervenção deve regular-se pelo superior interesse da criança, consagrada no art.º 3.º n.º 1 da Convenção sobre os direitos da Criança e em nosso entender, é interesse desta criança que a sociedade use de todos os meios ao seu alcance na recuperação e integração desta criança no seio da família que neste caso, será constituída pelo progenitor.
AD. Tem consciência de que sozinho não é capaz, como não são 90% dos pais que trabalham em qualquer sociedade ou estrato social. Sabe e tem consciência que pode deixar a filha numa creche durante o seu horário de trabalho e que tem ajuda da segurança social em França, onde reside e pretende residir com a menor.
AE. O pai não sabe ler nem escrever pelo que não se pode exigir, como parece o Tribunal “a quo” pretender, que tenha um discurso e percepção complexo. Trata-se de uma pessoa humilde, que vive do seu árduo trabalho e que quer ter e tratar da sua filha, ao invés de enveredar pelo caminho mais cómodo que seria o de se conformar com a institucionalização da filha, que além do mais tem inúmeros problemas de saúde como resulta dos autos.
AF. A decisão em crise parece pretende criminalizar a pobreza e a falta de habilitações literárias do progenitor, ao invés de promover um projecto de vida para esta menor que, a manter-se a decisão proferida, permanecerá institucionalizada por toda a vida.
AG. Toda a criança tem o direito fundamental a ser educada e a desenvolver-se no seio de uma família, de preferência a sua (biológica) (arts. 36, 67 da CRP, art. 7 nº 1 da Convenção).
AH. De acordo com o relatório de fls…, elaborado pela Segurança Social de França, o pai reúne o mínimo de condições para garantir um desenvolvimento pleno da criança.
AI. E mesmo num juízo de prognose póstuma, evidencia-se que a situação de perigo, objectivamente criada, não se voltará a repetir, já que se deveu à notória e comprovada falta de capacidade da mãe para o exercício das responsabilidades parentais,
AJ. Que culminou na separação dos progenitores da menor em 2015 e na necessidade de o progenitor, ora Recorrente, emigrar para França a fim de obter as condições económicas necessárias para poder ter a sua filha consigo.
AK. Assim, o Tribunal a quo só deveria ter dado preferência à medida de acolhimento em instituição com vista a adopção futura, caso a medida de ser entregue à responsabilidade do pai não protegesse o seu superior interesse.
AL. O tribunal deveria atender ao facto de o pai viver em França, pois fazendo uso dos mecanismos de cooperação europeus, será perfeitamente plausível o acompanhamento da menor e do progenitor pela Segurança Social Francesa. Que consabidamente é dotada de meios bem mais eficazes que a portugueses. Bem como de medidas de apoio ao exercício da parentalidade muito maiores do que os existentes em Portugal.
AM. Existindo vínculos afectivos, como existe entre o progenitor e a menor, deverá ser dada prevalência à reintegração na família, ainda que tal exija algum apoio.
AN. Depois, sendo a família um lugar de afecto, o interesse ou desinteresse do pai pela filha, a que se refere o art. 1978, nº 1, al. e) do C.C., não pode aferir-se exclusivamente por um critério meramente cronológico, traduzido apenas pela existência ou inexistência de uma visita.
AO. Tendo o pai ido residir para outro país, no caso para França, em busca de uma vida melhor, não se poderia esperar que fizesse visitas semanais, ou sequer mensais à menor.
AP. Na prespectiva do Tribunal “a quo” se o pai permanecesse em Portugal, onde não tinha emprego, não podia ter a filha consigo porque não tinha condições económicas,
AQ. Como emigrou para França em busca dessas condições, não pode ter a filha consigo porque vive noutro país e visitou pouco a menor institucionalizada.

Termina entendendo que deve ser revogada a sentença recorrida, por ter violado as normas constantes do artº. 1871º e segs do CC e n.º 1 do art.º 3.º e o n.º 1 do art.º 9.º da Convenção - o superior interesse da criança, sendo substituída por outra decisão no sentido de entregar a menor Filipa, ao seio da sua família natural, ou seja, ao seu progenitor.

O Ministério Público apresentou resposta, pugnando pela improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida.

O recurso foi admitido por despacho de fls. 677.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2, 635º, nº. 4 e 639º, nº. 1 todos do Novo Código de Processo Civil (doravante NCPC), aprovado pela Lei nº. 41/2013 de 26/6.

Nos presentes autos, o objecto do recurso interposto pelo pai da menor, delimitado pelo teor das suas conclusões, reconduz-se à questão de saber se estão ou não reunidos os pressupostos de que depende a aplicação da medida de confiança da menor a instituição com vista a futura adopção ou se, ao invés, deve a mesma ser entregue aos cuidados do seu progenitor.

No acórdão recorrido foram considerados provados os seguintes factos [transcrição]:

1. A Filipa nasceu no dia 5 de setembro de 2014, sendo filha de M. S., nascida em 4/1/1988, e de José, nascido em 26/3/1975 [Assento de Nascimento de fls. 11 e 12 e cópias aos cartões de cidadão dos progenitores, respetivamente, a fls. 18 e 17].
2. A Filipa nasceu prematura de cinco semanas e ficou internada em hospital durante os primeiros três meses de vida, até ao dia 29 de dezembro de 2014 [mails de fls. 27, declarações dos progenitores a fls. 20 e 21 e documento de fls. 16 e 17, proveniente da ULSNE, em que se regista data da alta].
3. Foi-lhe diagnosticado imaturidade estrema, estremo baixo peso – 860g-, doença das membranas hialinas, sépsis neonatal, acidose metabólica, pneumonia hospitalar, atelectasia, displasia broncopulmonar, anemia da prematuridade; icterícia neonatal, PCA, infeção a rhinovirus, retonopatia da prematuridade, coloboma corioretiniano [Documento de fls. 16 e 17, proveniente da ULSNE, na parte referente aos antecedentes pessoais da menor]
4. Após a alta da menor, foi o progenitor quem começou por lhe prestar os cuidados básicos necessários [declarações dos progenitores de fls. 20 e 21] .
5. A Filipa voltou a ser internada nos Serviços de Pediatria da ULSNE, Unidade Hospitalar de Mirandela, em 4 de fevereiro de 2015 por acessos de tosse coqueluchoide, dificuldades alimentares e vómitos, vindo acompanhada pelo pai, transferida da Sub de Macedo de Cavaleiros [Documento de fls. 16 e 17 – “história da doença atual”, proveniente da ULSNE, e declarações dos progenitores a fls. 20 e 21].
6. Em 4/2/2015 apresentava menos 110 gramas do que em 19/1/2015 [Documento de fls. 16 e 17 – “história da doença atual”, proveniente da ULSNE].
7. O progenitor acompanhou a filha durante o período em que esta esteve internada na Unidade Hospitalar de Mirandela e, já antes, havia estado em internamento com ela durante três semanas [declarações dos progenitores de fls. 20 e 21].
8. Atentando na prematuridade e baixo peso da menor e na fragilidade da sua saúde e ajuizando as condições sociofamiliares precárias, em particular, as poucas capacidades da mãe para tratar da filha e a necessidade de o progenitor trabalhar, o hospital solicitou a intervenção da CPCJ [Documento de fls. 16 e 17, “história da doença atual, orientação”, declarações de fls. 20, email de fls. 27 e 28].
9. O progenitor contextualizou o seu acordo para a medida de acolhimento em instituição com a necessidade de recomeçar a trabalhar, pois, tem sido ele a acompanhar a filha aquando do seu internamento [Documento de fls. 16 e 17, “história da doença atual, orientação”, declarações de fls. 20, email de fls. 27 e 28, e registo de deliberação de fls. 28].
10. Nessa sequência, a Filipa veio a ser provisoriamente institucionalizada em 3/3/2015 no Centro de Acolhimento Temporário da Santa Casa da Misericórdia X, mediante a aplicação da medida de acolhimento institucional, a título provisório, com o consentimento de ambos os progenitores, atendendo à ausência de retaguarda familiar e de pessoa idónea disponível para cuidar da menor a tempo inteiro [registo de deliberação de reunião da CPCJ de fls. 28 e 29, acordo de promoção e proteção subscrito pelos progenitores a fls. 29 e verso, declarações dos progenitores de fls. 20 e 21, declarações de Sandra, esposa do tio da Filipa, e de Teresa e Joana, todas sem disponibilidade de cuidar da menor a tempo inteiro ; quanto ao início do acolhimento residencial, o registo de fls. 30 e a informação de fls. 34 e 35].
11. A Filipa continuou a ser objeto de processo de promoção e proteção junto da CPCJ, até 4 de maio de 2016, altura em que esta entidade comunicou a retirada de consentimento do progenitor, de acordo com a al. b) do art. 68.º da Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro [análise de todo o processado desde o registo de deliberação de reunião da CPCJ de fls. 28 e 29, até ao registo de deliberação de reunião de fls. 129].
12. Os progenitores começaram por visitar a Filipa semanalmente na Instituição, normalmente aos domingos, sendo o progenitor quem exteriorizava maior afetividade e segurança em relação à menor [registo de contatos de fls. 31 e relatório de informação de fls. 34, 35 e 37].
13. Registaram-se problemas entre os progenitores em abril de 2015, por, segundo a progenitora, o pai ter verbalizado que, se ela continuasse com os comportamentos recentes, sairia de casa [registo de contactos de fls. 38 e 39].
14. O progenitor acusava a M. S. de ir para o café à noite beber cerveja e de andar novamente com comportamentos inadequados para uma mulher casada [registo de contactos de fls. 38 e 39].
15. Na sequência dos desentendimentos ocorridos, a M. S. ameaçou cometer suicídio, tendo sido encontrado por José remédio dos ratos no parapeito da cozinha [registo de contactos de fls. 38 e 39].
16. Esses desentendimentos prolongaram-se, sendo que o progenitor manteve as acusações de comportamentos inadequados da M. S., nomeadamente, deslocar-se de táxi, permitir a companhia de outros homens e envolver-se com eles e manifestar ideias de suicídio [registo de contactos de fls. 38 e 39 e declarações de fls. 41].
17. A progenitora, no dia 1 de maio de 2015, tomou 14 comprimidos, alegadamente, para dormir, tendo sido reconduzida às urgências pelo padrasto, a quem ligou, e onde ficou internada até ao dia seguinte [declarações da progenitora de fls. 40, confirmadas pelo progenitor a fls. 41].
18. Nesse seguimento, a M. S. foi aconselhada medicamente a ser internada no departamento de psiquiatria, mas ela recusou esse internamento [registo de contactos de fls. 42 e declaração médica de fls. 48; a confirmação da oposição ao internamento é dada pela progenitora, conforme se afere de fls. 49].
19. Os progenitores passaram a viver em casas separadas em maio de 2015, ficando a mãe a viver em casa da avó materna da Filipa [declarações do progenitor de fls. 41 e registo de contatos de fls. 42, depoimento de P. P., declarações da própria avó materna prestadas à CPCJ].
20. Por deliberação da CPCJ de 15/7/2015, foi decidido autorizar que a Filipa passasse quinzenalmente os fins-de-semana com o progenitor até ao final do mês de agosto, autorizando-se igualmente as visitas da progenitora em casa do pai [registo de deliberação de reunião de fls. 53 e 54].
21. Os fins-de-semana começaram por ocorrer, modo de geral, de forma satisfatória, sendo que o progenitor recebia o auxílio da vizinha, Teresa, nomeadamente, na confeção de refeições, higiene, e deslocação à Instituição para trazer e entregar a filha [relatórios de informação de fls. 60 a 61, 68 a 70, 82 e verso, 86 e registo de contatos de fls. 67, 75, verso, datado de 24/8/2015, 83, declarações do progenitor de fls. 104 in fine e de Teresa a fls. 72].
22. À medida que os fins-de-semana passavam, o progenitor começou a desvalorizar o seu papel e a mostrar não ter condições emocionais para ter a Filipa consigo, não indo buscar a filha à Instituição [relatório de informação de fls. 126 e 127 e declarações prestadas por Teresa a fls. 72, dando conta que dá conta que “ambos os progenitores consideram que o projeto de vida da filha continua pelo acolhimento institucional, desresponsabilizando-se pelos cuidados a serem-lhe prestados e obrigação que têm (deviam ter)”, relatório social de fls. 152 a 156, depoimentos de P. P. e de A. L., que percecionaram junto do progenitor essa postura].
23. Em 26/8/2015, Teresa, referida em 20., declarou que se ia desresponsabilizar pela ajuda que tinha dado aos pais, nomeadamente, transporte e acompanhamento que tem feito nos fins-de-semana – alimentação, saúde, higiene e conforto – passando a visitar a Filipa na Instituição, dado que ambos os progenitores consideravam que o projeto de vida da filha continua pelo acolhimento institucional, desresponsabilizando-se pelos cuidados a serem-lhe prestados e pela obrigação que têm enquanto pais [declarações de fls. 72].
24. Em 12/1/2016 o progenitor manifestou a vontade de emigrar [declarações de fls. 104].
25. Acabou por o fazer em 23 de abril de 2016, deslocando-se para França, mas não sem antes ter retirado o consentimento à intervenção da CPCJ, por não autorizar que a filha fosse confiada à avó materna [declarações de fls. 123].
26. Fundamentou essa oposição no facto de a progenitora residir no agregado da avó, antecipando que a Filipa fosse presenciar discussões entre a mãe e a avó e ainda nos comportamentos impróprios da mãe, nomeadamente, a prostituição e os hábitos alcoólicos [declarações do progenitor de fls. 123 e 124].
27. O progenitor não pretende retornar a Portugal, nem mesmo se tal fosse necessário para ficar com a filha [declarações do progenitor prestadas em sede de instrução em 15/9/2016, e de debate judicial, sendo que quando ouvido em 4/7/2017, declarou expressamente que se não conseguisse trazer a Filipa para França não voltaria a Portugal nem por causa dela].
28. Em fase de instrução declarou que não tinha condições para ter consigo a filha em França, justificando que trabalhava na agricultura [declarações prestadas em sede de instrução, em 15/9/2016 – “eu para a levar para lá [França] não tenho … estou num trabalho que é a agricultura – minuto 4:09 a 4:17 da gravação - […] se eu pudesse ajudar e fazer alguma coisa ajudava mais […] se eu pudesse dizer assim “eu faço o meu trabalho e ajudo…” – minuto 12:48 a 12:57].
29. Manifestou, nessa mesma ocasião, que gostava que a filha se mantivesse institucionalizada ou, em alternativa, aludiu que tinha amigos em Macedo que poderiam ficar com ela [vide gravação das declarações do progenitor do dia 15/9/2018].
30. O progenitor não sabe ler, nem escrever, apenas sabe assinar o nome, nem sabe o significado de estado civil [declarações prestadas em Tribunal em 5/7/2018].
31. Não tem carta de condução, nem a pretende tirar [declarações prestadas em Tribunal em 5/7/2018].
32. Não sabe falar francês, pedindo a terceiros que lhe leiam, nomeadamente, a correspondência [declarações prestadas em Tribunal em 5/7/2018].
33. Foi o patrão quem lhe disse para comparecer no Tribunal, em 5/7/2018, em virtude da notificação judicial que lhe foi endereçada, dando conta da realização da diligência [declarações prestadas em Tribunal em 5/7/2018].
34. É o patrão que lhe assegura o transporte para o trabalho [declarações prestadas em Tribunal em 5/7/2018].
35. Trabalha na agricultura, tendo contrato a prazo, durante todos os dias da semana, inclusive, ao domingo sempre que o Patrão necessita, das 7h00m às 16h30m [declarações prestadas em Tribunal em 5/7/2018].
36. Durante o ano, goza, ao todo, cerca de duas semanas de férias, na altura do Natal e do ano novo [declarações prestadas em Tribunal em 5/7/2018].
37. Recebe em função das horas de trabalho, sendo cada hora paga a €9.88 brutos [contrato de fls. 555].
38. Referiu que se encontra a auferir cerca de €1.200,00 mensais [declarações prestadas em Tribunal em 5/7/2018; sublinha-se que os recibos de vencimento de fls. 555 verso e sgs. respeitam todos ao ano de 2017, sendo o contrato de trabalho vigente à data da audição, o de fls. 555, datado de 5/2/2018; portanto, tais recibos, alguns de valor superior a €1.200,00, outros de valor inferior, não respeitam à atual situação laboral do progenitor].
39. Paga €460,00 de renda de casa [declarações prestadas em Tribunal em 5/7/2018 e junto das entidades francesas, assim como recibos de fls. 477 a 479 e contrato de fls. 480 a 485].
40. A residência do progenitor apresentava-se relativamente limpa aquando da visita domiciliária que lhe foi feita pelas entidades francesas [relatório de fls. 564 a 565, traduzido a fls. 583 e 584].
41. Dispõe de um quarto para a Filipa [relatório de fls. 564 a 565, traduzido a fls. 583 e 584].
42. Tem condições razoáveis de habitabilidade, embora a escada possa constituir um perigo para a criança, carecendo de colocação de mecanismos de proteção [relatório de fls. 564 a 565, traduzido a fls. 583 e 584].
43. Aquando da visita domiciliária, a casa estava particularmente fria e não aquecida [relatório de fls. 564 a 565, traduzido a fls. 583 e 584].
44. A esse propósito, o progenitor declarou em Tribunal que a casa é quente e que, por isso, nunca precisou de aquecimento [declarações prestadas em Tribunal em 5/7/2018].
45. Sem prejuízo, disponibilizou-se a aquecer o quarto da Filipa antes de a deitar [declarações prestadas em Tribunal em 5/7/2018].
46. O progenitor aventa a possibilidade de colocar a Filipa numa amiga, a quem já pediu para lhe dar ajuda, ou numa creche, desconhecendo o respetivo custo [declarações prestadas em Tribunal em 4/7/2017 e 5/7/2018].
47. Mais admitiu contatar a Segurança Social francesa, aludindo que a Segurança Social tem casa e quartos para crianças e que assim, «podia contratar uma Instituição como está em Portugal e a Filipa podia estar aos fins-de-semana com ele» [declarações prestadas em Tribunal em 4/7/2017].
48. Questionado sobre o que o trazia a Tribunal respondeu que era «ver se conseguia levar a menina para o pé de si […], estar com ela […], para ser melhor para ela e para ele, para não estar para baixo e para cima», acrescentando que «gosta da menina» [declarações prestadas em Tribunal em 5/7/20178].
49. Desde abril de 2016 a 30/11/2016 visitou a filha na Instituição [depoimento de A. L. em 30/11/2016]:

a. uma vez em abril;
b. duas vezes em setembro;
c. uma vez em outubro.
50. Por referência à data de 30/11/2016, o último contato telefónico do progenitor para a Instituição com vista a saber da situação da filha foi em 25/7/2016 [depoimento de A. L.].
51. Posteriormente à prolação do acórdão que determinou a aplicação da medida de confiança a instituição com vista a futura adoção o progenitor visitou a menor em:

a. 1/1/2017;
b. 12/3/2017;
c. 23/12/2017;
d. 5/1/2018 [relatório de fls. 596 a 598 elaborado pelo CAT Y, onde a Filipa se encontra acolhida].
52. Trataram-se de visitas de uma hora e supervisionadas [relatório de fls. 596 a 598 elaborado pelo CAT Y, onde a Filipa se encontra acolhida].
53. A partir do ano de 2017 em diante, o progenitor não voltou a contatar telefonicamente a Instituição, justificando que “o número não dá” e que não consegue telefonar [relatório de fls. 596 a 598 elaborado pelo CAT Y, onde a Filipa se encontra acolhida, em que o último telefonema registado respeita ao ano de 2016 e declarações do progenitor em 5/7/2018].
54. A Filipa não reconhece o pai como tal [relatório de fls. 596 a 598 elaborado pelo CAT Y, onde a Filipa se encontra acolhida].
55. Na perceção das sras. Técnicas que supervisionam as visitas, o progenitor parece fazer sentir a Filipa mais confortável e tranquila, devido a uma aptidão inata para lidar com crianças [relatório de fls. 596 a 598 elaborado pelo CAT Y, onde a Filipa se encontra acolhida].
56. No entanto, é também sua perceção que o progenitor não tem as competências necessárias para garantir um cuidado e um desenvolvimento adequados à Filipa [relatório de fls. 596 a 598 elaborado pelo CAT Y, onde a Filipa se encontra acolhida].
57. A progenitora revela dúvidas quanto à paternidade da Filipa, por ter mantido relações sexuais com outros homens na altura em que vivia junto com o sr. José [auto de declarações de fls. 125 e declarações da progenitora prestadas em 15/9/2015].
58. A progenitora sofre de deficiência mental e de distúrbio de controlo de impulsos. A agravar a disfunção cognitiva própria do défice, esteve integrada num ambiente familiar desestruturado, sem condições para lhe permitir desenvolver aptidões sociais e pessoais, nomeadamente, cumprir regras, lidar com a frustração, controlar os impulsos e estabelecer objetivos por prioridades [relatório elaborado pela sr.ª psiquiatra da ULSNE, dr.ª C. C., de fls. 84, e relatório de consulta externa de fls. 107].
59. À data do nascimento da Filipa, já tinha padecido de três abortamentos espontâneos e uma morte neonatal precoce por imaturidade estrema [Documento de fls. 16 e 17, proveniente da ULSNE].
60. Mantém relações sexuais a troco de dinheiro [declarações da própria M. S. a fls. 56, confirmadas pelas declarações do progenitor, e registos de contatos efetuados de fls. 64, verso, de 22/6/2015, fls. 75, de 12/8/2015, registo de contatos de fls. 128/verso de 18/4/2016, a propósito de uma fuga da progenitora com um cigano].
61. Confessou ainda ter furtado um cheque a um homem idoso com quem mantinha relações sexuais, justificando essa conduta com necessidade de dinheiro [declarações da progenitora em sede de conferência e a fls. 56 dos autos].
62. Denota ainda problemas de alcoolismo [declarações do progenitor de fls. 123 e 124 e relatório social de fls. 152 a 156].
63. Nas visitas que realizou à Filipa em sede de instituição, a progenitora não interage com a filha, a não ser que estimulada a fazê-lo por funcionário da instituição [relatório social de fls. 152 a 156, depoimentos de dr.ª P. P. e da dr.ª A. L. em sede de debate judicial].
64. A Filipa rejeita o colo da mãe [relatório social de fls. 152 a 156, depoimentos de dr.ª P. P. e da dr.ª A. L. em sede de debate judicial].
65. A progenitora automedica-se de forma aleatória e não consegue, por si, tomar a medicação nos termos prescritos [relatório social de fls. 152 a 156, depoimentos de dr.ª P. P. em sede de debate judicial e registo de contactos de fls. 55 – salvaguardando-se que os autos se mostram mal numerados a partir de fls. 59, retomando, a partir daí, para fls. 40, o que pode gerar alguma confusão].
66. Maria referiu que a filha M. S. não tem condições para cuidar da Filipa, alegando que aquela, em 18/6/2015, continuava a automedicar-se e com grande instabilidade emocional, deitando-se muito tarde e ficando a ouvir TV, com isso perturbando o irmão mais novo [registo de contactos de fls. 55 – salvaguardando-se que os autos se mostram mal numerados a partir de fls. 59, retomando, a partir daí, para fls. 40, o que pode gerar alguma confusão, e relatório social de fls. 54 e sgs – erradamente numeradas igualmente -, com identificação da avó].
67. Prontificou-se a ficar com a menor com vista a evitar a sua institucionalização [auto de declarações de fls. 99].
68. A M. S. e dois dos seus três irmãos foram institucionalizados, por falta de recursos económicos e por conta da conduta da progenitora, que não tinha rotinas e possuía vários companheiros, negligenciando ainda as filhas, ao nível da higiene e dos hábitos, permitindo-lhes saídas tardias e sem o mínimo de vigilância, designadamente, quanto aos sítios onde iam [depoimento de P. P. e certidão relativa a processo ainda pendente nesta Instância Local relativa à Luana, irmã da M. S., junta durante a realização de debate judicial].
69. À irmã de M. S., Luana, mostra-se aplicada medida de acolhimento residencial no processo n.º 71/14.2T8MAC desta Instância Local, sendo desconhecido o seu paradeiro atualmente [certidão junta durante a realização de debate judicial].
70. A Luana desde os treze anos que se relaciona emocional e sexualmente, inclusive com homens adultos [certidão junta durante a realização de debate judicial e depoimento de P. P., que acompanha o processo].
71. Maria solicitou a institucionalização do Luís, seu filho mais novo, sem apresentar motivo bastante para o efeito, a não ser o bom resultado que tal medida propiciou ao seu filho mais velho [depoimento de P. P.].
72. Não existem laços afetivos entre a avó materna e a neta, sendo que a primeira procura vencer alguma rejeição da neta com recurso a chupas e a bonecas [depoimento de A. L.].
73. Não existem igualmente laços afetivos entre a progenitora e a filha [depoimento de A. L.].
74. Nem a avó materna, nem o progenitor, nem os técnicos da Instituição e da Segurança Social, nem, tão-pouco, os médicos que acompanharam a Filipa reconhecem em M. S. competências parentais para cuidar da Filipa [nota de alta de fls. 16, registo de contato de fls. 63, informação de fls. 84, registo de contactos de fls. 55 – salvaguardando-se que os autos se mostram mal numerados a partir de fls. 59, retomando, a partir daí, para fls. 40, o que pode gerar alguma confusão, declarações do progenitor prestadas em 15/9/2016 em Tribunal, reiterando a posição que, uniformemente, foi manifestando junto da CPCJ, designadamente, a 104, relatório social junto aos autos, relatório da instituição a fls. 127, depoimentos das sras. Dras. P. P. e de A. L.].
75. O agregado familiar da M. S. sobrevive à custa do RSI, não auferindo de outros rendimentos [relatórios sociais de fls. 54 e sg., 109 a 115 e 121 e sgs.].
76. Inexistem alternativas adicionais no seio da família alargada a quem confiar a Filipa [relatório da instituição a fls. 127 e depoimentos das sras. Dras. P. P. e de A. L. e análise do processado, de onde decorre que a única alternativa efetivamente ponderada foi confiar a menor à menor materna].
77. A Instituição onde a Filipa se mostra acolhida, elaborou relatório de 28/4/2016, constante de fls. 126 e 127, cujo teor damos por integralmente reproduzido, concluindo que a Filipa necessita de uma família que lhe dê amor, carinho e apoio para atingir o seu pleno desenvolvimento, mas esta família não nos parece existir, nem no progenitor, Sr. José, que mostrou durante este tempo não ter responsabilidade nem vontade para criar a Filipa, nem na família materna, quer na Dona M. S. que na nossa opinião apresenta-se completamente descompensada a nível emocional, apresentando-se apática, deprimida, e sem qualquer interesse ou noção das consequências dos seus atos, nem na Dona Maria, que não nos parece também deter as competências necessárias para que uma criança possa correta e normativamente desenvolver o seu caráter e crescer saudável e feliz.
*
Apreciando e decidindo.

O progenitor José interpôs recurso da decisão que aplicou a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção à menor Filipa, pretendendo que a mesma seja revogada e substituída por outra que determine que a menor lhe seja entregue.

O recorrente alega, em síntese, que, ao contrário do teor do relatório social, não mostrou indisponibilidade para ficar com a sua filha Filipa, nem a abandonou. Por outro lado, o Tribunal “a quo” não valorou, nem os relatórios sociais valoraram, a afectividade existente entre ele e a menor, para além de que existem contradições nos depoimentos das técnicas da Segurança Social e da técnica da Santa Casa da Misericórdia X.

Argumenta, ainda, que existindo vínculos afectivos, como existe entre o progenitor e a menor, deverá ser dada prevalência à reintegração na família natural, ainda que tal exija algum apoio.

Em primeiro lugar importa realçar que o recorrente não impugna a matéria de facto, pois embora se extraia das suas alegações que faz uma análise crítica da fundamentação de facto elaborada pelo Tribunal “a quo”, insurgindo-se essencialmente contra a valoração de alguns depoimentos prestados em audiência de julgamento e dos relatórios sociais juntos aos autos (sendo certo que não é a motivação de facto que deve ser objecto de impugnação, mas sim a matéria de facto dada como provada e/ou não provada), não manifesta qualquer intenção de impugnar a matéria de facto, nem cumpre minimamente o ónus de impugnação respectivo.
Logo, são os factos supra referidos no acórdão recorrido que devem ser considerados para a decisão.
E, assim sendo, desde já adiantamos que concordamos com o teor da decisão recorrida, que se afigura apta à defesa do superior interesse da criança.

Vejamos então.

Em conformidade com o disposto no artº. 36º, nºs 5 e 6 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos, sendo que estes não podem ser separados dos pais, salvo quando os pais não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial. O princípio constitucional aqui consagrado de que os filhos não podem ser separados dos pais não é, evidentemente, um princípio absoluto, na medida em que comporta – como não poderia deixar de ser – as excepções que se revelem necessárias para assegurar os direitos das crianças, quando os pais não cumprem os seus deveres fundamentais para com os filhos e, por via desse incumprimento, não asseguram a necessária protecção e satisfação daqueles direitos.

E é nesse quadro que tem aplicação a Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (doravante LPCJP), aprovada pela Lei nº. 147/99 de 1/09, que tem por objecto a promoção dos direitos e a protecção das crianças em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral, nas situações em que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo (artºs 1º e 3º nº. 1 da citada Lei).
De acordo com o disposto no artº. 34º, als. a) e b) da LPCJP, as medidas de promoção e protecção das crianças e jovens visam afastar o perigo em que elas se encontram e proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem estar e desenvolvimento integral.
As diversas medidas de promoção e protecção aplicáveis estão enunciadas no artº. 35º nº 1 da LPCJP e a sua aplicação deve ter em conta os princípios orientadores consignados no artº. 4º do mesmo diploma, dos quais destacamos os seguintes:

Interesse superior da criança e do jovem - a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afecto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto [alínea a)];

Proporcionalidade e actualidade - a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade [alínea e)];
Responsabilidade parental - a intervenção deve ser efectuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem [alínea f)];
Prevalência da família - na promoção dos direitos e na protecção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem na sua família ou que promovam a sua adopção [alínea h)].

Norteando a escolha da providência a adoptar para afastar a criança ou jovem do perigo em que se encontram e proporcionar-lhes as condições que permitam protegê-los e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e integral desenvolvimento, está o princípio do superior interesse do menor, sendo os demais princípios o desenvolvimento e concretização daquele - coadjuvam-no, visando, afinal, o seu alcance - podendo ser definidos pelas ideias da proporcionalidade, da adequação, da necessidade e da menor intervenção possível.

A providência a adoptar deve ser a adequada e a necessária à concreta situação do menor, devendo importar a mínima interferência na sua vida e na da sua família, privilegiando, tanto quanto possível, desde que tal se mostra adequado, a sua integração na família e promovendo que os pais assumam as suas responsabilidades parentais – a escala da interferência aumentará na exacta medida em que se mostre imprescindível, face à adequação e necessidade da providência a adoptar, considerando os superiores interesses da criança, ao afastar do perigo e à criação das condições para o seu integral desenvolvimento (cfr. acórdãos da RG de 11/10/2012, proc. nº. 3611/11.5TBVCT e da RE de 22/05/2014, proc. nº. 237/13.2TMFAR, acessíveis em www.dgsi.pt).

Conforme se refere no Acórdão da Relação de Évora de 3/03/2010 (proferido no proc. nº. 997/08.2TMFAR, acessível em www.dgsi.pt), “o conceito de interesse do menor tem de ser entendido em termos absolutamente amplos de forma a abarcar tudo o que envolva os legítimos anseios e necessidades daquele, nos mais variados aspectos: físico, intelectual, moral e social.

E este interesse tem de ser ponderado casuisticamente em face duma análise concreta de todas as circunstâncias relevantes.
A personalidade da criança constrói-se nos primeiros tempos de vida, isto é na infância, desenvolvendo-se na adolescência. Infância e adolescência são estádios fulcrais no desenvolvimento do ser humano, revelando-se fundamental que a criança seja feliz e saudável para que venha a ser, na idade adulta, um ser equilibrado e feliz.

São os pais que têm em primeiro lugar uma influência decisiva na organização do Eu da criança. Quem exerce as funções parentais deve prestar os adequados cuidados e afectos. E, se atento o primado da família biológica há que apoiar as famílias disfuncionais, quando se vê que há possibilidade destas encontrarem o seu equilíbrio, há situações em que tal já não é possível, ou pelo menos já o não é em tempo útil para a criança. Quando a família biológica é ausente ou apresenta disfuncionalidades tais que comprometem o estabelecimento de uma relação afectiva gratificante e securizante para a criança é imperativo constitucional que se salvaguarde o interesse da criança, particularmente através da adopção”.

No caso “sub judice” foi aplicada a medida prevista no citado artº. 35º, nº. 1, al. g) da LPCJP: confiança da menor a instituição com vista a futura adopção.

Tal como resulta do artº. 38º-A da LPCJP, a medida de “confiança a instituição com vista a futura adopção” só deve ser aplicada quando se verifique alguma das situações previstas no artº. 1978º, nº. 1 do Código Civil, pressupondo sempre a inexistência ou o comprometimento sério dos vínculos afectivos próprios da filiação.

Esta medida de confiança a instituição com vista a futura adopção (a par da medida de confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a família de acolhimento com vista à adopção – todas previstas na mencionada al. g) do nº. 1 do artº. 35º da LPCJP, na redacção dada pela Lei nº. 142/2015 de 8/9) é a que comporta maior grau de interferência na vida do menor e na da sua família, pois pressupõe uma ruptura com a família natural, que não apresenta os requisitos necessários para manter a criança, não havendo perspectivas, em tempo útil, da mesma conseguir reabilitar-se de molde a continuar a guarda e educação da criança.

Com efeito, como se salienta no acórdão do STJ de 4/05/2010 (proferido no proc. nº. 6611/06.3TBCSC, acessível em www.dgsi.pt), os pressupostos da aplicação da medida de confiança de menor com vista a futura adopção, prevista no artº. 35º, nº. 1, al. g) da LPCJP, traduzem-se “em não existirem ou se encontrarem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação” (corpo do nº. 1 do artº. 1978º. do Código Civil), cuja objectivação, entre outras situações, resulta da circunstância de a conduta dos respectivos progenitores, por acção ou omissão, colocar em perigo grave a segurança, a saúde, a formação e educação ou o desenvolvimento do menor (artº. 1978º, nº. 1, al. d) do mesmo Código).

Esta medida pressupõe o corte da criança com a família parental, já que é decretada em vista da futura adopção, provoca a inibição do exercício das responsabilidades parentais (artº. 1978º-A do Código Civil), implica a nomeação de curador provisório ao menor (artº. 62º-A, nº. 3 da LPCJP), determina a cessação do direito a visitas da sua família natural e dura até ser decretada a adopção, não estando sujeita a revisão (artº. 62º-A, nºs 1 e 2 da LPCJP).

Contudo, visa criar-lhe um novo projecto de vida com a entrega da criança a uma família seleccionada já para a adopção, ou a seleccionar, em curto espaço de tempo. E isto, para que a criança encontre, rapidamente, o equilíbrio duma família que queira investir nos afectos e tenha capacidade económica, financeira e emocional capaz de garantir o desenvolvimento harmonioso que a criança necessita e que não pode ser adiado (cfr. acórdão da RG de 8/01/2013, proc. nº. 2933/11.0TBGMR-A, acessível em www.dgsi.pt).

Na apreciação dos pressupostos para a aplicação desta medida, deve o Tribunal atender prioritariamente ao superior interesse do menor (artº. 1978º, nº. 2 do Código Civil), aferindo a situação objectivamente, uma vez que não se tem em vista punir ou censurar os pais, mas antes acautelar e garantir o interesse do menor (cfr. acórdão do STJ de 30/06/2011, proc. nº. 52/08.5TBCMN e acórdão da RC de 29/03/2011, proc. nº. 649/07.0TBGML-B, ambos acessíveis em www.dgsi.pt – não é requisito da aplicação da medida a imputação aos pais, a título de culpa, da situação de perigo ou potenciadora de perigo, pois basta a objectiva verificação da situação e os efeitos dela resultantes, como sejam a não existência, ou o sério comprometimento, dos vínculos afectivos próprios da filiação).

Acresce referir que o corte dos laços entre os progenitores e a criança, há-de assentar num quadro factual de tal gravidade que seja forçoso concluir que se esgotaram todas as possibilidades de a mesma se conservar no seio da família natural sem correr riscos definitivamente comprometedores de um são e equilibrado desenvolvimento físico e psíquico (cfr. acórdão da RE de 8/09/2010, proc. nº. 155/09.9TMFAR, acessível em www.dgsi.pt).

Feitas estas considerações, e reportando-nos ao caso dos autos, importa referir que não está impugnado o acórdão sob escrutínio na parte em que o Tribunal “a quo” concluiu que a mãe da menor Filipa, M. S., «nem sequer se mostra capaz para cuidar de si de forma minimamente satisfatória, muito menos de uma criança com as particularidades da Filipa. As debilidades da M. S. são intrínsecas, pelo que não há qualquer perspetiva séria de melhoria. E, em contrapartida, a Filipa é uma bebé, por si, particularmente indefesa e que exige cuidados próprios, atendendo às suas condições de saúde derivadas da sua prematuridade e baixo peso, que, por isso, demanda especial responsabilidade e atenções dos progenitores.

(…)
A M. S. mantém a sua debilidade mental e distúrbio no controlo de impulsos. E adota comportamentos que acabam por estar relacionados com essas lacunas e ainda com a sua situação económica precária, como a prostituição e o consumo de álcool [a que acresce o facto de ter sido declarada interdita, facto este do nosso conhecimento funcional, visto que pendeu termos neste Tribunal, tendo sido, por nós, proferida sentença, o que referimos, apenas por entendermos que este facto superveniente poderá revelar interesse, por sedimentar a convicção quanto à incapacidade da progenitora, não obstante tanto não nos ter sido determinado superiormente, por Acórdão do Venerando Tribunal da Relação].

(…)
Os contatos da progenitora com a filha, pese embora existam, são pobres, pois que esta não interage com a filha, a não ser que estimulada a fazê-lo por funcionário da instituição. A Filipa acaba por rejeitar o colo da mãe. Inexiste a afetividade própria e caraterística da relação mãe/filha. A M. S. não revela o mínimo de condições necessárias a assegurar o cuidado e a própria subsistência da filha, do mesmo modo que já não tem essas competências em relação a si própria».
Logo, não é impugnada a decisão quando o Tribunal recorrido concluiu que relativamente à progenitora “estão, portanto, verificados os perigos a que aludem as alíneas c) e f) do n.º 2 do art. 3.º da LPCJP”.

O que o recorrente pretende é atacar o acórdão recorrido na parte em que avaliou o seu comportamento como progenitor da menor Filipa e concluiu estarem quebrados os vínculos afectivos próprios da paternidade e da filiação, verificando-se as situações previstas nas al. d) – perigo esse verificado antes da aplicação da medida de promoção e protecção e que se manteria caso não ocorresse essa aplicação – e al. e) do nº. 1 do artº. 1978º do Código Civil, e em que decidiu pelo encaminhamento desta criança para a adopção, confiando-a à instituição que a acolhe com vista a alcançar esse desiderato.

Ora, em face da matéria de facto provada no acórdão recorrido e demais elementos constantes do processo, podemos dizer que o Tribunal “a quo” escolheu, de entre as medidas de promoção e protecção legalmente disponíveis, aquela que julgava mais adequada à criança e explicitou de forma clara e bastante detalhada os motivos pelos quais afastou outras medidas, sendo que acompanhamos as razões de índole factual e jurídica aduzidas por aquele Tribunal na fundamentação para poder concluir que o futuro da Filipa não pode ficar hipotecado e que não há, nem nos foram trazidas alternativas viáveis que, num tempo útil para a menor, pudessem evitar a sua futura adopção, não sendo o pai uma alternativa, afigurando-se-nos estarem reunidos os pressupostos para que possa ser decretada a medida em causa.

Na verdade, resulta da factualidade dada como provada, além do mais, que:

- A menor Filipa, nascida em 5/09/2014 (actualmente com 4 anos de idade), desde o seu nascimento, nunca residiu com os progenitores a título permanente, estando institucionalizada desde 3/03/2015, após ter estado sujeita a vários internamentos hospitalares;
- Em 23/04/2016, o recorrente emigrou para França, não autorizando que a filha fosse confiada à avó materna, uma vez que a progenitora residia com esta, e mantinha comportamentos impróprios, nomeadamente, a prática da prostituição e problemas de alcoolismo;
- O recorrente não pretende retornar a Portugal, nem mesmo se tal fosse necessário para ficar com a Filipa;
- Em sede de instrução, o ora recorrente alegou que não tinha condições para ter consigo a filha em França, pois trabalhava na agricultura, mas gostava que ela ficasse institucionalizada ou, em alternativa, tinha amigos em Macedo que podiam ficar com ela;
- Não sabe falar francês apesar de estar em França há mais de 2 anos;
- Trabalha na agricultura, tendo contrato a prazo, sendo o patrão que lhe assegura o transporte para o trabalho;
- O recorrente trabalha todos os dias da semana, inclusive ao domingo sempre que o patrão necessita, e durante todo o ano, apenas goza duas semanas de férias, na altura do Natal e do Ano Novo;
- Aventa a possibilidade de colocar a Filipa numa amiga, a quem já pediu para lhe dar ajuda, ou numa creche, desconhecendo o respectivo custo;
- Admitiu contactar a Segurança Social francesa, podendo a Filipa ficar numa instituição durante a semana e aos fins-de-semana estar com ele;
- A partir do ano de 2017, o progenitor não voltou a contactar telefonicamente a instituição que acolhe a menor, justificando que o “número não dá” e que não consegue telefonar;
- O recorrente visitou apenas esporadicamente a filha - durante mais de dois anos visitou unicamente oito vezes a Filipa, visitas essas de uma hora, supervisionadas e algumas bastantes espaçadas entre si;
- A Filipa não reconhece o pai como tal;
- Segundo percepção das técnicas que supervisionam as visitas, o progenitor parece fazer sentir a Filipa mais confortável e tranquila, devido a uma aptidão inata para lidar com crianças, mas não tem as competências necessárias para garantir um desenvolvimento cuidado e adequado à Filipa;
- Inexistem alternativas adicionais no seio da família alargada a quem confiar a Filipa.

No relatório elaborado pela instituição onde a menor se mostra acolhida resulta que “a Filipa necessita de uma família que lhe dê amor, carinho e apoio para atingir o seu pleno desenvolvimento, mas esta família não nos parece existir, nem no progenitor, Sr. José, que mostrou durante este tempo não ter responsabilidade nem vontade para criar a Filipa, nem na família materna, quer na Dona M. S. que na nossa opinião apresenta-se completamente descompensada a nível emocional, apresentando-se apática, deprimida, sem qualquer interesse ou noção das consequências dos seus actos, nem na Dona Maria, que não nos parece também deter as competências necessárias para que uma criança possa correcta e normativamente desenvolver o seu carácter e crescer saudável e feliz”.

Embora resulte dos autos que o progenitor, pelo menos nos primeiros meses de vida da menor, aparentasse preocupação em relação à filha, tendo sido ele quem a acompanhou nos períodos de internamento e quem lhe prestava os cuidados básicos, todavia verifica-se que não evitou a perda de peso da filha entre 19/01/2015 e 4/02/2015, nem a situação que acabou por conduzir ao seu internamento em Fevereiro de 2015, no curto período de tempo em que a Filipa esteve consigo, o que denota as fragilidades dos progenitores para cuidarem da bébé e se adaptarem ao seu estado de saúde.

O progenitor/recorrente consentiu na institucionalização da Filipa a título provisório, com a justificação de que precisava de trabalhar – o que determinou que a menor fosse acolhida na instituição onde ainda se encontra – revelando assim que secundariza o seu papel de pai, bem como a sua intenção de atribuir a terceiros o exercício do mesmo.

Por outro lado, contrariamente ao que é referido nas alegações de recurso, resulta dos autos que, depois da menor ter sido institucionalizada e ter passado alguns fins-de-semana com o pai, este começou a desvalorizar o seu papel e a mostrar não ter condições emocionais para ter a Filipa consigo, deixando de ir buscar a filha à instituição.

Embora se alcance dos autos que os poucos fins-de-semana que o recorrente teve a menor Filipa consigo começaram a correr, de um modo geral, de forma satisfatória - não se podendo ignorar o auxílio que aquele recebeu de terceiros, nomeadamente da sua vizinha Teresa, no que concerne à confecção de refeições, higiene e deslocação à instituição para trazer e entregar a filha, não se podendo, mais uma vez, descortinar que o progenitor estivesse a assumir plenamente as suas funções - verificou-se um desinvestimento gradual do recorrente na sua relação com a Filipa, que culminou com a sua emigração e com uma evidente quebra dos vínculos com a filha, não obstante o curto período de tempo entretanto decorrido.

Aliás, logo em Agosto de 2015 (cerca de um mês após a CPCJ ter autorizado que a Filipa passasse quinzenalmente os fins-de-semana com o progenitor), a vizinha Teresa que estava a apoiar o progenitor declarou que se ia desresponsabilizar pela ajuda que tinha dado aos pais, nomeadamente, transporte e acompanhamento feito nos fins-de-semana – alimentação, saúde, higiene e conforto - por entender que ambos consideravam que o projecto de vida da filha era a instituição e que se desresponsabilizavam pelos cuidados a serem-lhe prestados e pela obrigação que tinham enquanto pais.

Ademais, tendo o progenitor emigrado em Abril de 2016, este não pretende regressar a Portugal, nem mesmo pela filha, o que é sintoma claro que a Filipa não ocupa na sua vida um lugar prioritário.
Argumenta o recorrente que decidiu emigrar em busca de melhores condições económicas para ter consigo definitivamente a sua filha Filipa e proporcionar-lhe uma vida melhor.

Todavia, como bem se refere no acórdão recorrido, tal não resulta evidenciado nos factos provados. “O facto de se encontrar a trabalhar no estrangeiro não se revelou, ao longo do processo, como algo que o progenitor fosse fazer para proporcionar boas condições de vida à Filipa. Basta ver que, apenas após a decisão proferida por este Tribunal no sentido da adoção veio reagir à institucionalização da filha. Nem mesmo isso ele ousou referir nas declarações prestadas.

Mesmo relativamente à sua situação atual, não vemos qualquer futuro delineado, qualquer plano que passe por uma efetiva assunção das responsabilidades parentais. O facto de o progenitor alvitrar, como fez, que a Filipa ficasse institucionalizada em França e que apenas passasse os fins de semana consigo é revelador de como este pai não está preparado, nem sequer psicologicamente, para assumir os deveres ínsitos à paternalidade. De resto, o progenitor manifestou, mesmo em Tribunal, da primeira vez que foi ouvido, que pretendia que a filha ficasse numa instituição, sendo já perceção de terceiros, não apenas da Segurança Social, mas também da vizinha Teresa, que o projeto de vida que tinha planeado para a Filipa era a institucionalização”.

Contrariando, ainda, os argumentos expendidos pelo progenitor/recorrente, bem andou o Tribunal “a quo” ao referir que “ouvido em sede de instrução e mesmo tendo sido confrontado com a hipótese de adoção, o pai não manifestou ter condições para ter consigo a filha. Pelo contrário, as suas declarações são uma clara confissão que não as tinha, justificando-o com o facto de trabalhar. As alternativas que apresentou foi manter a Filipa institucionalizada ou ficar com amigos que tinha em Macedo, mas que não indicou”.

Acrescenta, ainda, que: “E não se olvide que já em Portugal o facto de trabalhar emergia como fundamento impeditivo de ter a filha, pois que a institucionalização da Filipa foi, entre outros motivos mais profundos, fundamentada pelo facto de o progenitor pretender trabalhar. Ou seja, o progenitor já no passado, em Portugal, não demonstrou capacidade para gerir a sua vida laboral com o seu papel de pai e, também por isso, aceitou a institucionalização da filha”.

Portanto, a situação que se nos afigura existir no presente em relação ao progenitor, a nosso ver, não é mais favorável do que a que existia no passado, em Portugal, e em que se verificou um claro desinvestimento dele em relação à Filipa e uma delegação de tarefas que lhe competiam na figura da instituição e da vizinha Teresa.
Acresce referir que tal desinvestimento do recorrente em relação à menor acentuou-se desde que a progenitora deu a entender que ele podia não ser o pai biológico da Filipa, tendo o mesmo deixado de contactar a instituição onde a menor se encontra acolhida.
Concordamos, pois, com a posição expendida pelo Tribunal “a quo” ao referir, no acórdão recorrido, que “se mesmo ao fim de semana, em que, à partida, teria o tempo livre para a filha, tinha de ser a vizinha a auxiliá-lo nos cuidados, confeção de refeições, etc., como convencer-nos que, atualmente, e num quadro de trabalho diário, mesmo aos domingos, com férias apenas na altura do Natal, este progenitor tem capacidades e vontade para gerir a situação e assumir os cuidados da Filipa? Cremos que não podemos firmar prognósticos favoráveis a este propósito.
O que nos parece evidente, igualmente, é que estamos perante um pai com fortes limitações cognitivas e que, por isso, recorre sistematicamente a terceiros para lhes fazer face, não sendo autónomo mesmo em relação a questões que lhe dizem diretamente respeito”, como as referidas nos pontos 30 a 34 dos factos provados.

Como bem se refere no acórdão recorrido, “a situação atual do progenitor, que é de trabalho constante e contínuo, com férias apenas uma vez por ano parece-nos potenciar ainda mais a sua postura pretérita de delegação de funções e de desinvestimento. E esta situação laboral não é despicienda, tendo-se de registar, como já se disse, que o próprio progenitor afirmou que, por força do seu trabalho, não poderia ajudar mais a Filipa, tê-la consigo em França, aquando da sua primeira inquirição em sede de instrução. Tudo nos faz crer que esta perceção do progenitor é avisada e que ele, na realidade e em termos práticos, continua sem disponibilidade para acolher a Filipa.

Acresce que, não podemos olvidar que o facto de o progenitor não fazer tarefas básicas e essenciais numa vida quotidiana, tendo alguém para as assumir em vez dele, é igualmente fator de desresponsabilização e de simplificação das exigências do dia-a-dia, em particular, para o que nos importa, das exigências que uma criança implica. Daí que para este progenitor pareça bastar uma creche, ou uma instituição ou um amigo, para concluir que, com isso, conseguirá cuidar da Filipa, o que, para nós, não é suficiente.

A forma como aborda esta questão parece-nos, por demais, simplista, o que é reflexo do facto de estarmos perante alguém com poucas exigências e expetativas pessoais o que, seguramente, se refletirá na educação e cuidados que se dispõe a dar à filha, aliás, como já se está a refletir, pois que, com certeza que se não fosse esta postura do progenitor, certamente que a Filipa não se manteria, praticamente desde que nasceu, numa instituição.

Mais. A conduta deste progenitor em relação aos contatos telefónicos com a Filipa é, também ela própria, um sinal claro da sua incapacidade, pois que demonstra que qualquer dificuldade, por mínima que seja para um comum cidadão, é, para ele, obstáculo intransponível. Veja-se quão longo é o tempo em que se encontra sem saber da filha, por intermédio da instituição, simplesmente porque não consegue estabelecer contato telefónico. Ora, de um pai espera-se que não desanime ante as dificuldades, que abundarão, durante todo o percurso desta exigente tarefa que é ser pai. O pai que aqui curamos encontra-se no estrangeiro há mais de dois anos, visita esporadicamente a filha e justifica a ausência de contatos telefónicos, a forma mais fácil para ir acompanhando o dia-a-dia daquela, com problemas em telefonar. Ora, se estivesse tão interessado em saber da Filipa, certamente que o problema em causa seria detetado e ultrapassado com muita facilidade. Esta postura, para além de revelar as fracas competências pessoais desta pessoa, é inequívoco sinal do desinteresse vetado em relação à filha”.

Contrariamente à ideia que o recorrente pretende fazer passar, não foi propriamente a situação patrimonial precária do progenitor (pois que baseada em contratos de duração limitada, referentes a trabalhos agrícolas sazonais, pagos à hora, envolvendo várias horas de trabalho, durante todos os dias da semana, inclusive, quando necessário, ao domingo, com férias apenas no Natal e de onde lhe advém um vencimento médio inferior ao salário mínimo nacional em França) que causou reservas ao Tribunal recorrido – que referiu expressamente não aventar uma hipótese de adopção unicamente com base em critérios de insuficiência patrimonial, em que soluções sociais devem intervir – mas antes foram as suas condições pessoais, vistas isolada e conjuntamente com a referida situação económica e profissional precárias, o seu desinteresse efectivamente manifestado em relação à filha (na sua ausência, no esporádico dos contactos pessoais e telefónicos com a Filipa) que causaram efectiva preocupação e criaram no Tribunal a convicção, aliás, secundada pela Segurança Social, pelos técnicos da instituição, pelo defensor da menor e pelo Ministério Público, que este pai não tem condições pessoais, nem competências parentais bastantes para ter a filha consigo.

Alega, ainda, o recorrente que conta com a ajuda e o apoio da sua irmã, também emigrada em França e residente na mesma vila daquele.

Todavia, em momento algum deste processo, veio esta alegada irmã ou qualquer outro familiar do recorrente se pronunciar em relação à menor Filipa ou manifestar a sua disponibilidade para apoiar este progenitor e sua filha. Existe, pois, um total desconhecimento por parte do Tribunal sobre a situação familiar do recorrente em França e as condições sócio-económicas e familiares da referida irmã, não constando dos autos qualquer indicação de que essa suposta irmã do recorrente se tenha deslocado a Portugal, mais concretamente à instituição onde a Filipa se encontra acolhida, para conhecer a sobrinha.

Aliás, conforme se alcança da decisão recorrida e pelas razões nela expendidas, a ponderação da medida de acolhimento em instituição com vista a futura adopção radicou na constatação da ausência de retaguarda familiar e de pessoa idónea disponível para cuidar da menor a tempo inteiro.

Como nos parece evidente, a escolha do percurso de vida da menor, tendo em vista a procura de uma família (seja ela a família biológica ou a família adoptiva) que lhe possa ainda proporcionar um resto de infância feliz e as bases necessárias para a formação de uma personalidade sã e equilibrada, não pode basear-se em esperanças ou expectativas vagas que apenas vão adiando e hipotecando o seu futuro.
A colocação da menor em instituição deve ser encarada sempre em termos provisórios tendo em vista a procura de soluções que visem a sua reintegração na família natural ou a sua adopção.
Naturalmente que, existindo vínculos afectivos entre os progenitores e a criança ou jovem, deverá ser dada prevalência à reintegração na família, ainda que tal exija algum apoio de natureza psicopedagógica, social ou económica. Todavia, estando em causa uma criança com quatro anos de idade, não pode nem deve manter-se a sua colocação em instituição a aguardar a possibilidade (meramente teórica e sem qualquer consistência prática) dos pais virem a adquirir as condições necessárias para a acolher e para lhe proporcionar o afecto, a segurança e todos os demais cuidados de que carece.

Não existindo elementos seguros que nos permitam concluir pela expectativa real de isso vir a acontecer a curto prazo e em tempo útil para a menor, o adiamento da sua confiança com vista a adopção implicará apenas a drástica redução ou a eliminação da possibilidade de vir a ser adoptada e de, por essa via, encontrar a família onde poderá ainda usufruir de tudo aquilo que, até ao momento, não teve (cfr. acórdão da RC de 6/11/2012, proc. nº. 1750/10.9TBCTB, acessível em www.dgsi.pt).

Tal como considerou o Tribunal “a quo”, o tempo destinado à reunificação familiar de modo a reintegrar a Filipa em meio natural de vida esgotou-se e não será legítimo privar a menor de uma família que lhe possa proporcionar um crescimento equilibrado, harmonioso e saudável.

Evidenciador de que a reunificação familiar se encontra seriamente comprometida está o facto da menor Filipa não reconhecer o recorrente como pai, o que não nos surpreende, atentando que, no fundo, durante estes quatro anos da sua vida foi criada na instituição, sendo os seus funcionários as suas figuras de referência. Estamos a falar de uma criança com quatro anos, idade mais do que suficiente para reconhecer a sua família, o que, não sucedendo, como aqui se verifica, é revelador de quão comprometidos se encontram os vínculos afectivos próprios da filiação.
A menor Filipa não precisa de medidas temporárias, pois estas já foram tomadas com o acolhimento institucional da mesma. Ela tem direito a um projecto de vida estruturado, seguro e gratificante que lhe permita ter um desenvolvimento sem mais sobressaltos.
Cremos que a vontade do progenitor em ter a Filipa consigo (manifestada apenas desde a prolação do primeiro acórdão pelo Tribunal “a quo”, que determinou a confiança da menor a instituição com vista a futura adopção) mais não é do que o sentimento de cumprir o dever de manter a Filipa no seio da família natural e de evitar a adopção da menor.
Em face dos elementos constantes dos autos, não se vislumbra que alguma coisa tenha mudado que nos permitisse concluir que, actualmente, o trabalho do progenitor deixou de ser impedimento a ter a Filipa a seu cargo.

Na sequência do que é referido, de forma desenvolvida, na decisão recorrida e do que atrás se deixou dito, este pai tem poucas competências pessoais, tanto que precisa de auxílio de terceiros para tarefas do quotidiano e, na nossa óptica, por isso, também encara com naturalidade que sejam terceiros a assumir a responsabilidade que deveria ser sua perante a sua filha. Aliás, os autos e os factos provados demonstram que a sua vontade era manter a filha institucionalizada, adiantando a possibilidade dessa situação se vir a manter em França. Daí que, mesmo depois de ter vindo interpor recurso da decisão que decretou a confiança da menor a instituição com vista a futura adopção, tivesse referido que a Filipa poderia ficar aos cuidados de uma instituição francesa e ele limitar-se-ia a estar com ela ao fim-de-semana.

Por outro lado, temos um pai que afirma que quer ficar com a filha também por ser melhor para ele, para evitar no fundo andar em viagens. É isto que, na óptica do Tribunal recorrido (e também na nossa) está em causa, ou seja, meros interesses do progenitor. Pois que, se assim não fosse, ele reconheceria que o melhor para a Filipa seria encontrar uma nova família, já que não é com oito encontros de uma hora, durante mais de dois anos, no seio de uma instituição, que se consegue afirmar como pai desta criança e dado que ele próprio afasta a mãe e a família dela como alternativa.

Parece-nos que a postura deste progenitor não mudou e que, claramente, ele não nos dá garantias minimamente consistentes relativamente ao futuro da Filipa, sendo esta também a convicção da Segurança Social, da instituição que acolhe a menor, do defensor da Filipa e do Ministério Público. Do mesmo modo que não nos dá garantias consistentes relativamente aos seus propósitos e à firmeza da sua vontade em relação à Filipa, pois que se revelou inconstante e pouco perseverante a esse propósito.

Em face de tudo o que atrás se deixou exposto, estes quatro anos que passaram desde o nascimento da menor são suficientemente elucidativos e não nos permitem formar qualquer expectativa minimamente sustentável e sustentada, ou juízo de prognose favorável, relativamente à possibilidade de reunificação familiar e de regresso da Filipa à sua família biológica.

Com efeito, se nenhum dos familiares próximos da criança constitui alternativa viável para acolhê-la, compete à sociedade tomar as medidas adequadas para proporcionar-lhe sem risco uma relação substitutiva, que passa pela sua integração em família que não só lhe dê amor, como lhe proporcione os cuidados necessários ao seu desenvolvimento.
A menor necessita de uma família que cuide dela, lhe dê carinho e estabilidade, e não de soluções provisórias com tentativas de aproximação ao progenitor que só vem manifestar interesse em acolher a mesma depois de evidenciada a probabilidade do seu encaminhamento para adopção.

Resultando do quadro factual apurado, objectivamente, situação de inexistência ou, no mínimo, de sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação e mostrando-se insuficiente e inadequada a promoção da integração da menor Filipa (actualmente com quatro anos de idade) na sua família natural pelas razões atrás expostas, é conforme aos princípios do superior interesse da criança, da proporcionalidade e actualidade e da prevalência das soluções familiares sobre as institucionais, a aplicação da medida de confiança a instituição com vista a futura adopção.

O acórdão recorrido não merece, pois, qualquer censura ao concluir que, no quadro fáctico supra descrito, não subsistem dúvidas que:

- se justifica a intervenção judicial e a aplicação de uma medida de promoção e protecção que afaste a menor da situação de perigo a que se encontraria exposta, caso não tivesse sido acolhida no CAT, e lhe proporcione as condições que permitam proteger a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral, tal como preconiza o artº. 34º, al. a) e b) da LPCJP;
- estão reunidas as condições para a menor Filipa poder ser confiada a instituição com vista a futura adopção nos termos do artº. 35º, nº. 1, al. g) do mesmo diploma, encontrando-se preenchida a previsão das alíneas d) e e) do nº. 1 do artº. 1978º do Código Civil.
Não se trata, aqui, de uma situação transitória, mas de um comportamento parental que se vem prolongando no tempo e se revela instalado, sem qualquer perspectiva favorável a uma recuperação social e que é revelador de uma clara ruptura das relações e dos vínculos próprios da filiação, pese embora os pais, interiormente, possam dizer – de forma que não releva – que ainda sentem esse tipo de afecto pela sua filha Filipa.

Como já se referiu, a Filipa tem actualmente quatro anos de idade, surgindo como único projecto de vida viável para o seu normal desenvolvimento, a sua integração numa família que lhe possa proporcionar um crescimento equilibrado num ambiente saudável e harmonioso, sendo, pois, do seu interesse continuar na instituição, mas com definição de um projecto futuro que deverá passar pela adopção.
Por tudo o que se deixou exposto, torna-se forçoso concluir que a medida de promoção e protecção aplicada pelo Tribunal recorrido é, não só a adequada, como a que melhor acautela o futuro da menor Filipa e melhor satisfaz os seus interesses.

Nestes termos, improcede o recurso de apelação interposto pelo progenitor da menor Filipa.
*
SUMÁRIO:

I) - A escolha da medida de promoção dos direitos e protecção das crianças em perigo deve ser norteada, prioritariamente, pelos direitos e interesses da criança ou jovem, devendo ser aplicada a medida que, atendendo a esses interesses e direitos, se mostre mais adequada a remover a situação de perigo em que a criança ou jovem se encontra.
II) - Tal como resulta do artº. 38º-A da LPCJP, a medida de “confiança a instituição com vista a futura adopção” só deve ser aplicada quando se verifique alguma das situações previstas no artº. 1978º, nº. 1 do Código Civil, pressupondo sempre a inexistência ou o comprometimento sério dos vínculos afectivos próprios da filiação.
III) - Na apreciação dos pressupostos para a aplicação da medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, deve o Tribunal atender prioritariamente ao superior interesse do menor (artº. 1978º, nº. 2 do Código Civil), aferindo objectivamente a verificação de qualquer das situações descritas no nº. 1 do artº. 1978º do Código Civil, independentemente de culpa da actuação dos pais.
IV) - A escolha do percurso de vida da menor, tendo em vista a procura de uma família (seja ela a família biológica ou a família adoptiva) que lhe possa ainda proporcionar um resto de infância feliz e as bases necessárias para a formação de uma personalidade sã e equilibrada, não pode basear-se em esperanças ou expectativas vagas que apenas vão adiando e hipotecando o seu futuro.
V) - A colocação da menor em instituição deve ser encarada sempre em termos provisórios, tendo em vista a procura de soluções que visem a sua reintegração na família natural ou a sua adopção.
VI) - Resultando do quadro factual apurado, objectivamente, situação de inexistência ou, no mínimo, de sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação e mostrando-se insuficiente e inadequada a promoção da integração da menor (actualmente com quatro anos de idade) na sua família natural, é conforme aos princípios do superior interesse da criança, da proporcionalidade e actualidade e da prevalência das soluções familiares sobre as institucionais, a aplicação da medida de confiança a instituição com vista a futura adopção.

III. DECISÃO

Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo progenitor José e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas a cargo do recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.
Notifique.
Guimarães, 13 de Setembro de 2018
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)

(Maria Cristina Cerdeira)
(Raquel Baptista Tavares)
(Margarida Almeida Fernandes)