Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
876/19.8T8PVZ.G1
Relator: ALEXANDRA VIANA LOPES
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
DIREITO À REMUNERAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. A celebração de um contrato de mediação com vista à celebração de um contrato de compra e venda, cujas condições globais de negócio não estejam identificadas no contrato de mediação: confere à mediadora o direito de pedir ao cliente vendedor todas as informações úteis sobre o negócio, com vista à angariação de destinatários interessados (sobretudo quanto às condições dos efeitos essenciais da compra e venda previstos no art.879º do C. Civil); onera os clientes vendedores com a obrigação de responder às informações pedidas por esta (sobretudo quanto às condições dos efeitos essenciais da compra e venda previstos no art.879º do C. Civil).
2. A definição das condições do negócio de compra a venda a intermediar pela mediadora cabe ao vendedor e o acordo quanto às mesmas deve ser realizado entre o vendedor e o interessado comprador, ainda que esta negociação beneficie da intermediação da mediadora na aproximação das pretensões dos seus clientes e dos interessados.
3. Num contrato de mediação imobiliária celebrado a 15.09.2018, em regime de exclusividade, sem identificação das condições de negócio quanto à entrega da coisa a vender mas com oneração da mediadora de recolher informações sobre o contrato junto dos clientes vendedores e com oneração destes a fornecerem à mediadora todos os elementos úteis à celebração do contrato no prazo de 10 dias desde a sua subscrição, os vendedores não violam as cláusulas contratuais nem as regras da boa-fé, quando: um dos vendedores, após a interpelação da mediadora, informa-a a 19.09.2018 que precisa pelo menos do prazo de 2 meses para sair do imóvel; a 20.09.2018 este vendedor, em ampliação do prazo indicado na véspera, informa os interessados compradores, na primeira visita realizada ao imóvel com a mediadora, que precisa de um prazo de 6 meses para a entrega do imóvel.
4. A frustração da celebração do contrato de compra a venda a 20.09.2018 por os destinatários potenciais compradores não acordarem na exigência de entrega do imóvel em 6 meses e por clientes vendedores não aceitaram vender o imóvel com a sua entrega num prazo de 2 meses e 10 dias, não corresponde a frustração da concretização do negócio por causa imputável aos interessados vendedores, que permita à mediadora exigir a remuneração nos termos do art.19º/2 da Lei nº15/2015, de 8 de fevereiro.
Decisão Texto Integral:
As Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam no seguinte:

ACÓRDÃO

I – Relatório:
Na presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, movida por X – Mediação Imobiliária, Ld.ª contra J. M. e S. G.:
1. A autora pediu a condenação dos réus no pagamento da quantia de € 13 616,10 (treze mil seiscentos e dezasseis euros e dez cêntimos), acrescida de juros, ação na qual:
1.1. Alegou: a celebração de um contrato de mediação imobiliária com os réus, em regime de exclusividade, pelo prazo de 6 meses; a prestação aos réus de serviços de mediação imobiliária, em que lograram um casal de interessados para comprar o imóvel pelo preço pretendido pelos réus; a frustração da celebração do contrato de compra e venda por os réus a recusarem e terem vindo após declarar revogar o contrato de mediação imobiliária por não pretenderem pagar a comissão; a falta de justificação dos réus para estas recusa e revogação, uma vez que o réu transmitiu que precisaria de 2 meses para sair de casa, a ré fabulou a necessidade de 2 ou 6 meses, nenhum dos réus vivia em casa, os clientes declararam que estavam ao dispor para negociar um prazo mais longo para a entrega do imóvel.
1.2. Defendeu: que o contrato está sujeito à forma escrita, nomeadamente quanto à remuneração (estipulada no mesmo), sob pena de nulidade, nos termos do art.16º/2-a) do RJAMI e 220º do C. Civil, não tendo esse contrato sido alterado; que incumbe ao devedor a ilisão da presunção de culpa que sobre ele impende com o incumprimento do contrato, o que não foi feito; que a autora logrou um interessado nas condições impostas pelos réus, não se vindo a venda a realizar por causa imputável a estes, que violaram exigências de boa-fé, razão pela qual tem direito à remuneração do serviço prestado e ao ressarcimento dos prejuízos sofridos com a frustração da expectativa, nos termos do art.2º/2 e 19º/2 do RJAMI, arts.762º, 801º/1 e 562º ss do C. Civil; que os réus incorreram também em responsabilidade pré-contratual, nos termos do art.227º do C. Civil, pois tinham experiência no ramo da mediação imobiliária e quebraram a confiança da autora no negócio jurídico em causa, frustrando as suas legítimas expectativas de ganhar a comissão de 5%.
2. Os réus apresentaram contestação, a qual:
2.1. Impugnaram motivadamente a versão da autora, alegando: que o negócio angariado por esta não correspondia às condições que haviam sido por si estabelecidas no que diz respeito ao prazo de entrega do mesmo (uma vez: que aquando da celebração do contrato a ré disse ao funcionário da autora que não marcasse a visita para uma pessoa que pretendia a casa para um estudante que iria frequentar o estabelecimento ao lado de sua casa pois estavam em fase de separação e o réu estava num novo projeto de trabalho que lhe ocupava muito tempo, não tendo nenhum dos dois de tempo para procurar nova casa e fazer mudanças; que o réu no dia da visita disse ao casal interessado que, por motivos pessoais e profissionais necessitava de 6 meses para deixar o apartamento); que o casal angariado não aceitou as condições de entrega da casa no prazo de 6 meses; que a autora ameaçou-os que, caso não celebrassem o contrato-promessa, os processava para a cobrança da comissão; que a ré declarou que estava na disponibilidade de assinar o contrato-promessa se fosse estipulado prazo mais alargado para entregar o apartamento, o que a autora não aceitou; que declararam revogar o contrato de mediação, uma vez que a autora lhes comunicou que a 21.09.2018 que se não confirmassem até ao final do dia a celebração do contrato-promessa faturariam os seus serviços e cobrariam coercivamente a comissão.
2.2. Defenderam: que a autora, ao contrário das suas obrigações, ignorou totalmente a sua vontade (sendo que não lhe cabe a definição dos termos e das condições do negócio) e não tentou aproximar o casal angariado dos vendedores; que, nesta medida, não lhe é devida qualquer remuneração.
3. O processo foi saneado, foi dispensada a delimitação do objeto do litígio e a fixação dos temas da prova.
4. Realizou-se a audiência de julgamento.
5. A 13 .02.2020 foi proferida sentença, que decidiu:
«Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por provada apenas em parte e, consequentemente, decido:
A) Condenar os réus J. M. e S. G. a pagar à autora X – MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LD.ª a quantia de 11.070,00€ (onze mil e setenta euros), acrescida de juros moratórios, à taxa comercial prevista no art.º 102.º §3, do Código Comercial, contados desde a citação até integral pagamento;
B) Condenar a autora X – MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LD.ª e os réus J. M. e S. G. no pagamento das custas processuais da ação, na proporção dos respetivos decaimentos.».
6. Os réus interpuseram recurso da sentença de I- 5 supra, no qual apresentaram as seguintes conclusões:
«A – Deu-se como provado (facto do item 6 dos factos provados), com base numa comunicação electrónica, que o apelante J. M. declarou que necessitaria de, pelo menos 2 meses para proceder à entrega do imóvel.
B – Ora, face à provada produzida em audiência de julgamento, em especial às declarações de parte prestadas pelo apelante J. M., o Mmo Juiz do Tribunal “a quo”, deveria ter dado como provado que este necessitaria de pelo menos seis meses para sair do imóvel.
C – No que tange às declarações de parte da apelante S. G., quandos questionada pelo Mmo Juiz acerca do prazo de saída do imóvel, referiu que não se falou em prazo mas que o apelado J. M. necessitava de tempo porque acabava de entrar num novo projecto profissional e sendo dois os proprietários do imóvel, eram os dois que teriam de decidir quanto ao prazo de saída do mesmo.
D – Atentas as declarações de parte dos apelantes, não se poder como provado que o prazo de saída do imóvel seria de 2 meses, apenas e tão só com base na comunicação electrónica do apelante J. M., uma vez que foi outro o prazo referido em audiência de julgamento.
E – Deu-se como provado (facto do item 8 dos factos provados) que na sequência da visita ao imóvel por banda do casal J. L. e M. C., declararam por escrito, pretender adquirir o imóvel pelo preço de 180.000,00 € e, bem assim, realizar a escritura até ao dia 30 de Novembro de 2018.
F – O escrito em causa, intitulado de “Acordo de Reserva de Imóvel, Entrega de de Pré Sinal e Princípio de Pagamento, é um escrito que a apelada tem, já previamente elaborado, não resultando, o seu conteúdo, de nenhuma negociação.
G – Tal documento foi preenchido nas partes em branco, por T. A., testemunha da apelada, que o apresentou aos senhores J. L. e mulher M. C. para comprovar que estes visitaram o imóvel dos apelantes, limitando-se estes a assiná-lo, sem que a apelada e estes o tivessem lido.
H – Resultou provado da testemunha J. L. que, não obstante ter sido assinado o documento em causa, jamais quis adquirir o imóvel dos apelantes e que a escritura do mesmo seria no máximo até 30 de Novembro de 2018, não traduzindo este documento a real vontade daqueles que o assinaram.
I – Deu-se como não provado (facto do item c) dos não provados que aquando da visita realizada ao imóvel no dia 20 de Setembro de 2018, o réu apelante J. M. informou o funcionário da autora apelada e o casal aí mencionado de que necessitava de 6 meses para deixar o imóvel.
J- Ora, resultou sobejamente da prova produzida, quer das declarações J. M., quer das testemunhas J. L. e M. C., a necessidade do prazo de seis para aquele (apelante J. M.) sair do imóvel.
K – Atentos os depoimentos do J. M. Apelante e das testemunhas J. L. e M. C., não se pode dar como não provado o item c) dos factos não provados, quando da prova produzida resultou que no dia da visita ao imóvel o apelante J. M. informou, quer o funcionário da apelada que ali estava, senhor T. A., quer o casal, de que necessitava de seis meses para deixar o imóvel.
L – Deu-se como não provado (facto do item d) dos não provados) que J. L. e M. C. declararam não pretender adquirir a fracção descrita em quatro (imóvel descrito por Apartamento T3(..), sito n Avenida ..., nº …, freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Famalicão).
M- Ora, resultou da prova produzida, nomeadamente dos depoimentos das testemunhas J. L. e M. C. que jamais estes quiseram adquirir o imóvel, propriedade dos apelantes, atenta a condição imposta e transmitida pela apelante J. M. no dia da visita ao local: de que este necessitaria de seis meses para deixar o imóvel.
N - Face aos depoimentos das testemunhas J. L. e M. C., não se pode dar como provado o facto constante da alínea d) dos factos não provados, quando retira-se dos depoimentos destes que declararam expressamente à autora apelada e ao réu apelante J. M. que de modo algum queriam adquirir o imóvel objecto de visita.
O – Dando-se como provado, como se deve dar, que os visitantes do imóvel e testemunhas J. L. e M. C. que não pretendiam adquirir o imóvel, dever ser alterada a matéria dada como não provada na alínea d) dos factos não provados.
P – O Mmo Juiz do Tribunal “a quo” na sentença que proferiu, atenta a matéria dos factos provada (factos 1 a 4) entendeu que entre autora e os réus foi ajustado um contrato de mediação imobiliária, regulado pela Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro, e dando como provados os factos dos itens 4 a 9 dos facos provados e dando como indemonstrada a factualidade vertida em b), c) e d) dos factos não provados, por única e exclusiva actuação e actividade da autora, a mesma logrou obter comprador para o imóvel dos réus, nas precisas condições em que por estes eram exigidas.
Q – Pugnando-se como se pugna de que, ao invés do decidido deve dar-se como provados os factos constantes das alíneas b), c) e d) dos factos não provados, resulta inequivocamente que a autora não logrou arranjar comprador para o imóvel dos réus.
R – O Mmo Juiz do Tribunal “a quo2 na sentença que proferiu considerou que no caso concreto aos ora apelantes não lhes era lícito revogar unilateralmente o contrato de mediação imobiliária, porquanto, por um lado, o contrato celebrado entre as partes não se enquadrar no âmbito da aplicação no artigo 9º nº 7 da Lei 24/96, de 31 de Julho e, por outro lado, o contrato de mediação imobiliária não poder ser unilateralmente revogado, nos quadros gerais.
S – Não obstante o disposto no artigo 406 nº 1 do Código Civil, que estabelece a regra de que os contratos só podem modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos por lei, há quem entenda que, salvo estipulação em contrário, o contrato de mediação deve considerar-se revogável.
T –É essa a posição do eminente Prof. Vaz Serra que em anotação ao Ac. Do STJ de 7-1.1967, disponível na R.L. J, ano, 100, pág. 340/348, em que ao pronunciar-se acerca de um contrato (qualificado pelo STJ como sendo um contrato inominado, geralmente designado por contrato de mediação imobiliária), celebrado entre o proprietário de um prédio e uma sociedade, entendeu que, salvo estipulação em contrário, o contrato de mediação deve considerar-se revogável.
U – Consideram os apelantes que a posição defendida pelo ilustre Professor é aplicável ao caso concreto, não obstante o regime aplicável ao contrato de mediação imobiliária ser diferente do actual, pelo que a ré Apelante S. G. ao revogar o contrato de mediação imobiliária como revogou, fez uso de um direito que lhe assistia.
Termos em que deve ao presente recurso ser concedido provimento, sendo revogada a sentença proferida nos presentes autos que determinou a condenação dos RR. no pagamento da quantia de 11.070,00 € (onze mil e setenta euros), acrescida de juros moratórios, à taxa comercial prevista no artigo 102º, § 3, do Código Comercial, contados desde a citação até integral pagamento, e proferido Acórdão que absolva os RR. apelantes dos pedidos formulados pela A. apelada.».
7. A autora respondeu ao recurso e apresentou as seguintes conclusões:
«1.- Inexiste o invocado erro de apreciação da prova e da decisão sobre a matéria de facto.
2.- Quer os documentos constantes dos autos, quer as declarações de parte dos Réus e da Autora e o depoimento das testemunhas T. A. e R. O., e transcritos em sede destas alegações, comprovam que o Réu aceitou a entrega do imóvel no prazo de dois meses, sendo esse prazo aceite pelos interessados compradores, que o visitaram no dia seguinte a tal confirmação de prazo realizada pelo Réu varão (a sms de fls.16 verso é de 19/04/2018 e a visita é de 20/04/2020).
3.- O depoimento das testemunhas J. L. e M. C., para além de não se conformar com a coerência da demais prova, contraria o documento de reserva de imóvel que assinaram nesse dia 20/04/2018, e que com muito custo procuraram convencer o Tribunal que não haviam lido, senão no dia em que foram a Tribunal.
4.- Tais testemunhas revelaram não ser credíveis e foi ostensiva a falsidade do seu depoimento, rapidamente percecionada por todos os intervenientes na audiência de julgamento, designadamente o Mmo. Juíz que presidiu à audiência.
5.- Requer a junção aos autos de 3 documentos, nos termos conjugados dos artigos 651.º, n.º1 e 425.º, ambos do C.P.C.
6.- Também a douta sentença recorrida interpretou e aplicou corretamente o direito.
7.- Dispõe o art.º 19º da Lei 15/2013 de 8 de Fevereiro, que, a remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou se tiver sido celebrado contrato -promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.
8.- E, no n.º 2 da citada disposição legal estipula que, é igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel, como foi o caso supra descrito nos presentes autos.
Termos em que, na parte que é objeto do recurso da Ré, se deve concluir pela manutenção da decisão de facto e de direito, e pela improcedência do Recurso,
Farão V. Exas. inteira e Sã JUSTIÇA.».
8. Recebido o recurso, colheram-se os vistos.

II. Questão prévia:

A recorrida, nas suas alegações de resposta ao recurso, pediu a junção aos autos dos documentos anteriores ao encerramento da audiência («a) Fichas de visita realizadas pela testemunha ao imóvel dos réus no dia 20/09/2018, bem como a um outro imóvel, no dia 15/09/2018; b) Acordo de reserva formalizado a 17/09/2018, referente a outro imóvel, e; c) Informação predial simplificada, demonstrativa da aquisição, por parte das testemunhas, de um outro apartamento tipo T3, no dia 19/11/2018.»), justificando que a necessidade de junção dos mesmos nesta fase de recurso decorreu dos depoimentos incredíveis das testemunhas J. L. e M. C. em audiência e da recusa dos mesmos quando os juntou após o encerramento da audiência.
«Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento.» (art.425º do C. P. Civil). Estes documentos são aqueles que sejam objetivamente supervenientes (porque foram produzidos após o encerramento da audiência de discussão e julgamento) ou subjetivamente supervenientes (porque a parte apenas conheceu e apenas teve possibilidade de conhecer esse documento após o encerramento da audiência), de acordo com a posição, que se perfilha, do acórdão da Relação de Coimbra de 08-11-2011 e com o Prof. Rui Pinto(1).
«As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.» (art.651º/1 do C. P. Civil). Nesta segunda parte do art.651º/1 do C. P. Civil prevê-se a necessidade de junção de documento em fase de recurso mediante a sentença da 1ª instância, referindo Rui Pinto «A necessidade de junção desses documentos pode decorrer de a sentença ter decidido com base em factos novos de conhecimento oficioso ou em questão de direito sobre os quais não fora dada à parte a possibilidade de pronúncia, ou decorrer da cessão do direito litigiosa para efeitos do incidente de habilitação (LEBRE DE FREITAS/MONTAVÃO MACHADO/RUI PINTO, ob loc.cits.)» (2).
Apreciando os atos que fundamentam o pedido de admissão dos documentos nesta fase de recurso, verifica-se que não estão preenchidas as condições que permitam admiti-los.
Por um lado, os documentos cuja junção foi pedida foram emitidos em data anterior ao encerramento da audiência de julgamento e a recorrida não alegou que só teve conhecimento dos mesmos depois da mesma (reconhecendo, até, que os conhecia anteriormente, como não poderia deixar de ser quanto aos documentos em que interveio como mediadora). Assim, não existe qualquer impossibilidade objetiva ou subjetiva de junção dos documentos antes do encerramento da audiência.
Por outro lado, os documentos cuja junção foi pedida não carecem de ser juntos face ao julgamento da sentença da 1ª instância recorrida, uma vez que a mesma não deu credibilidade ao depoimento das testemunhas J. L. e M. C. no que se refere à não compreensão do documento que aceitaram ter subscrito.
Por fim, o interesse da recorrida em manter a defesa da falta de credibilidade das testemunhas J. L. e M. C., em sede de resposta ao recurso dos recorrentes, não justifica a junção dos documentos que poderia ter requerido a junção no âmbito ou após a prestação do depoimento das referidas testemunhas em audiência, ao abrigo do regime da contradita, nos termos dos arts.521º e 522º do C. P. Civil.
Desta forma, indefere-se admissão dos documentos cuja junção foi pedida pela recorrida na resposta ao recurso dos recorrentes.

III. Questões de mérito a decidir em IV e V infra:

1. Quanto à matéria de facto:
1.1. A impugnação à matéria de facto, quanto aos factos 6 e 8 provados e aos factos b), c) e d) não provados.
1.2. A apreciação oficiosa da omissão de apreciação dos factos alegados nos arts.21º e 35º da contestação.
2. Quanto à reapreciação de direito:
2.1. Se é exigível a remuneração da autora/recorrida através do valor da comissão contratada, face: à decisão a matéria de facto decorrente de III- 1 supra; à declaração de revogação unilateral do contrato de mediação imobiliária.

IV – Fundamentação:

1. Matéria de facto:
1.1. Factos provados e não provados na sentença recorrida:
«A) FACTOS PROVADOS

1. A autora X – MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LD.ª é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à atividade de mediação imobiliária, ao abrigo da licença n.º …-AMI, emitida pelo IMPIC – Instituto dos Mercados Públicos do Imobiliário e da Construção;
2. A licença referida em 1) encontrava-se em vigor no ano de 2018;
3. Os réus J. M. e S. G. são proprietários da fração autónoma tipo T3, designada pela letra “D”, que faz parte de prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sita na Av. ..., n.º ..., freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Famalicão, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º …, descrito na Conservatória do Registo Predial de …. sob o n.º …
4. Por acordo escrito intitulado de «contrato de mediação imobiliária – ref.ª 18989», datado de 15 de Setembro de 2018 e pelas partes assinado, a autora X – MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LD.ª (1.ª outorgante) e os réus J. M. e S. G. (2.º outorgante) acordaram, entre o mais, no seguinte: «1.ª: O segundo outorgante é proprietário e legitimo possuidor do imóvel descrito por Apartamento T3 (…) sito na Avenida ..., n.º ..., freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Famalicão; 2.ª: A mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra pelo preço de 180.000,00€ (cento e oitenta mil euros), desenvolvendo para o efeito ações de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e caraterísticas dos respetivos imóveis;3.ª a) Pelo presente contrato, o segundo outorgante confere à mediadora o encargo, por este aceite, de promover e mediar a venda em regime de Exclusividade; b) Nos termos da legislação aplicável, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade, só a mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação durante o período de vigência; 4.ª O segundo outorgante obriga-se a pagar à mediadora, a título de remuneração a quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado, sendo o seu valor mínimo a quantia de 6.500€ (seis mil e quinhentos tos euros), acrescida do IVA à taxa legal em vigor (…). 5.ª O presente contrato tem uma validade de 6 meses contados a partir da data da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das partes contratantes através de carta registada, com aviso de receção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo (…). Do imóvel ficam a pertencer os seguintes bens, equipamentos e extras incluídos no preço: placa, forno, exaustor, micro-ondas, frigorífico e caldeira, máquina de lavar roupa e louça. Os proprietários têm de receber 170.000,00€ (cento e setenta mil euros) limpos»;
5. No exercício da sua atividade comercial, em execução do acordo referido em 4), a autora promoveu o imóvel aí mencionado e divulgou a vontade dos réus em vender tal fração, bem como as condições em que o pretendiam fazer, publicitando-o e dando-o a conhecer a potenciais interessados e realizando visitas ao mesmo com os seus colaboradores;
6. Na sequência de interpelação da autora, no dia 19 de Setembro de 2018, o réu J. M. declarou que necessitaria de, pelo menos, 02 meses para proceder à entrega do imóvel;
7. Na sequência das diligências referidas em 5), no dia 20 de Setembro de 2018, a autora fez deslocar ao imóvel, para visita ao mesmo, J. L. e M. C., por ser pretensão destes adquirir um imóvel naquela zona;
8. Na sequência visita referida em 7), nesse mesmo dia 20 de Setembro de 2018, J. L. e M. C. declararam, por escrito, pretender adquirir o imóvel referido em 3), pelo preço de 180.000,00€ solicitado em 4) e, bem assim, realizar a escritura, no máximo, até ao dia 30 de Novembro de 2018;
9. Na sequência da proposta de aquisição descrita em 8), no próprio dia 20 de Setembro de 2018, a autora comunicou o teor da mesma aos réus;
10. Na sequência do referido em 9), nos dias 20 e 21 de Setembro de 2018, a ré enviou à autora diversas comunicações eletrónicas, referindo que a proposta apresentada não assegurava que a entrega do imóvel apenas teria de ocorrer em 06 meses e, como tal, recusava-se celebrar a compra e venda nos termos propostos;
11. Por carta datada de 20 de Setembro de 2018, mas expedida no dia seguinte, os réus declararam à autora, após o descrito em 8) a 10), o seguinte: « (…) Tendo em conta a situação muito desagradável e completamente disparatada que aconteceu no dia de hoje, já tratada por email e telefone (…) venho solicitar a revogação deste contrato, com apenas 3 dias, tendo por base o acórdão do tribunal da relação de Coimbra, em que é assegurado ao consumidor o direto de retratação, no prazo de 7 dias úteis, a contar da data da receção do bem ou da conclusão do contrato de prestação de serviços. Este direito à livre revogação, concedida pela lei ao consumidor, materializa a sua única possibilidade de retroceder validamente no negócio, protegendo-o da precipitação em que poderia ter incorrido no momento em que decidiu vincular-se (…)»;
12. Em Setembro de 2018, o imóvel era habitado apenas pelo réu J. M., encontrando-se a ré S. G. a residir noutro local, por ambos se encontrarem em via de separação;»

«B) FACTOS NÃO PROVADOS

«a) No ano de 2018, a licença referida em 1) havia caducado;

b) Aquando da outorga do contrato referido em 4), os réus comunicaram à autora que apenas aceitariam celebrar a venda, desde que o comprador angariado aceitasse que a fração apenas lhe fosse entregue no prazo de 06 meses;
c) Aquando da visita referida em 7), o réu J. M. informou o funcionário da autora e o casal aí mencionado de que necessitava de 06 meses para deixar o imóvel;
d) Em função do declarado em c), J. L. e M. C. declararam não pretender adquirir a fração referida em 4).».
1.2. Factos integrais provados documentalmente, aditados nos termos do art.663º/2 do C. P. Civil
O documento escrito a que se refere o facto provado em IV-4, constante do documento nº5 junto com a petição inicial, que se considera reproduzido:
__ Nas únicas cláusulas predispostas que assinalam o contrato visado com a mediação consta apenas:
__ Na cláusula respeitante às obrigações do cliente/proprietário em relação ao mediador (para além da cláusula 5ª referente à retribuição) prevê-se:
2. Apreciação do mérito do recurso:

2.1. Quanto à impugnação da matéria de facto:

Apreciar-se-á a impugnação da matéria de facto impugnada pela ordem cronológica dos acontecimentos alegados pelas partes.
2.1.1. Da al. b) da matéria de facto não provada- respeitante ao período de subscrição do contrato de mediação de 15.09.2018:
A sentença recorrida julgou não provada na al. b), a alegação dos réus respeitante à altura da subscrição do contrato de mediação («b) Aquando da outorga do contrato referido em 4), os réus comunicaram à autora que apenas aceitariam celebrar a venda, desde que o comprador angariado aceitasse que a fração apenas lhe fosse entregue no prazo de 06 meses;»), com base nos seguintes fundamentos:
«Relativamente ao facto não provado descrito em b), resultou, por um lado, das declarações da ré S. G. que, aquando da outorga do contrato, a mesma nunca mencionou ou estabeleceu como condição para realização da venda do imóvel, a necessidade de garantir um prazo de entrega do mesmo em 06 meses, apenas tendo enfatizado que o outro comproprietário careceria de tempo (não quantificado) para realizar uma eventual mudança.
Por seu turno, resultou das declarações de parte do réu J. M. que, aquando da assinatura do contrato, o mesmo também não mencionou ao representante da autora a necessidade de salvaguardar qualquer prazo, aceitando, no entanto, ter referido, posteriormente e por mensagem escrita, que afinal aceitaria um prazo mínimo de 02 meses para, declaração esta que terá produzido por efeito das insistências (segundo o próprio) da autora.
De resto, para além desta condição não estar expressamente mencionada no contrato (e os réus fizeram lá constar outra, como foi a necessidade de garantir uma venda que lhes rendesse 170.000,00€ «limpos»), a verdade é que não se mostra consentâneo com as regras da experiência comum admitir que aquele que recorre aos serviços de mediação imobiliária (porque carecido de vender um imóvel) imponha como condição de venda, aquando da celebração do contrato, a salvaguarda de um prazo dilatado de 06 meses para entrega do bem, pois, na prática, isto equivaleria à fixação de uma condição que, praticamente, nenhum comprador (ou muito poucos ) está disposto a aceitar.».
Os recorrentes pediram nas conclusões “Q” que se julgasse provado o facto da al. b) da matéria de facto não provada, facto em relação ao qual não apresentou qualquer fundamentação do pedido quer nas alegações (circunscritas às als. c) e d) dos factos não provados), quer nas als. I a Q das conclusões respeitante aos factos não provados.
A recorrida opôs-se à impugnação, entendendo: que a prova de factos que correspondem ao ónus dos réus não pode basear-se apenas nas suas declarações; que, em análise da prova, a ré S. G. referiu que nunca falou em prazos para entrega do imóvel e o réu J. M. confessou que na data de celebração do contrato não havia definido datas concretas para a entrega do imóvel.
Impõe-se apreciar se é possível apreciar a impugnação, em face do regime art.640º do C. P. Civil.
Os recorrentes estão obrigados, sob pena de rejeição da impugnação, a indicar «Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida;», nos termos do art.640º/1-b) do C. P. Civil.
Ora, como se relatou, os recorrentes pediram nas suas conclusões que a al. b) da matéria de facto não provada se desse como provada, sem que, todavia, tivessem: exposto as suas razões da discordância da análise da prova realizada pelo Tribunal a quo e constante da motivação da decisão desse facto; analisado a prova produzida que considerassem conduzir à prova desse facto da al. b) (respeitante à estipulação de um prazo de 6 meses para a entrega do imóvel do negócio visado aquando da celebração do contrato de mediação).
Desta forma, rejeita-se a apreciação da impugnação da al. b) dos factos não provados.

2.1.2. Do facto provado em 6- respeitante a uma declaração de 19.09.2018, subsequente à subscrição do contrato de mediação:
A sentença recorrida julgou provado o facto 6 («Na sequência das diligências referidas em 5), no dia 19 de Setembro de 2018, o réu J. M. declarou que necessitaria de, pelo menos, 02 meses para proceder à entrega do imóvel;»), mediante os seguintes fundamentos:
«Já relativamente aos factos mencionados de 5) a 7) e não provado referido em a), resultou, inequivocamente, dos depoimentos de T. A. (consultor imobiliário e irmão do sócio-gerente da autora) e de R. O. (consultor imobiliário que angariou os réus como clientes) que, na sequência da outorga do contrato de mediação e, bem assim, das atividades de publicitação inerentes à mediação imobiliária, a autora obteve um casal potencialmente comprador (no caso, J. L. e M. C.), o qual pretendia adquirir um imóvel naquele local, altura em que o primeiro diligenciou perante o réu J. M. pela designação de dia e hora para realização de visita ao imóvel.
Resultou, ademais, destes depoimentos que, no essencial não foram desmentidos pelas declarações de parte do réu, que, previamente à realização dessa visita e especificamente questionado a propósito desse tempo, o réu J. M. [confessadamente, o único a residir no imóvel] declarou que carecia, no mínimo de dois meses para proceder à entrega do imóvel, factos estes que surgem totalmente corroborados pelo teor da mensagem de telemóvel junta, onde menciona o seguinte: «mas em relação ao prazo será no mínimo 2 meses» (fls. 16 verso).»
Os recorrentes impugnaram este facto 6: entendendo que não se deveria ter julgado provado este prazo de 2 meses só com base numa comunicação eletrónica, por o Tribunal dever atender aos depoimentos dos réus em audiência, que fizeram referencias diferentes (transcrevendo: um trecho em que o réu disse que precisava de longos meses para sair de casa, sendo impossível antes de meio ano; um trecho em que a ré, na altura da subscrição do contrato, disse ao funcionário da autora R. O. que precisavam de tempo, sem ter falado em prazos de 1, 2 ou 6 meses); entendendo que caberia à autora diligenciar junto dos potenciais compradores e dos apelantes quanto ao prazo de entrega o que não aconteceu; concluindo em B das suas conclusões, que o «o Mmo Juiz do Tribunal “a quo” deveria ter dado como provado que este necessitaria de pelo menos 6 meses para sair do imóvel».
A recorrida opôs-se à alteração do facto 6, defendendo que este se baseou na mensagem de telemóvel de fls.16, que não foi impugnada, não podendo as declarações do réu em audiência alterá-la.
Reapreciando o facto provado e os seus fundamentos, face ao pedido e à análise realizada pelos recorrentes e à globalidade da prova produzida em audiência, verifica-se que, ainda que se considere que na al. B) das conclusões os recorrentes formularam um pedido tácito de alteração nesse sentido, nos termos do art.640º/1-c) do C. P. Civil, o mesmo não pode ser atendido.
Por um lado, o facto concreto e determinado dado como provado em 6 da sentença refere-se à alegação feita pela autora no 5º parágrafo do art.25º da petição inicial (quanto a uma declaração concreta feita pelo réu de precisar de prazo de, pelo menos, 2 meses para entregar o imóvel), com resposta concretizadora quanto ao contexto (realizada após interpelação da autora) e quanto à indicação da data em que foi feita a declaração (19 de setembro de 2018).
Ora, os recorrentes, na sua impugnação não pediram que se desse como não provado o referido facto alegado pela autora mas pediram que, em sua substituição, se julgasse provado que o réu “precisava” de 6 meses para sair do seu imóvel, facto este: que é conclusivo (a necessidade, por si só, apenas se poderia apreciar na apreciação jurídica de factos que a revelassem e que não foram alegados); que esta conclusão não foi alegada por nenhuma das partes, sendo que o réu apenas alegou no seu art.15º da contestação que disse aos casal interessado no dia da visita que precisava de seis meses para deixar o imóvel, por motivos pessoais e profissionais, facto este (neste caso é concreto, pois respeita à declaração negocial realizada) que foi julgado não provada na al. c) da matéria de facto não provada, que foi impugnado e será objeto de apreciação em 2.1.3. infra.
Por outro lado, o facto provado em 6, referente à declaração concreta do réu de 19 de novembro de 2020: está documentado na sms de fls.16 destes autos, documento este não impugnado; foi confirmado pelo próprio réu em audiência (tendo explicado tê-la realizado antes da visita, sob pressão, em face das insistências do funcionário da autora, T. A., declarando que quis dizer que precisaria “desse tempo para cima”) e pela testemunha T. A. (que recebeu a sms e a confirmou), conforme consta da sentença recorrida; não se encontra contrariado por outra prova, sobretudo pelos depoimentos dos réus.
Desta forma, julga-se improcedente a impugnação do facto 6.

2.1.3. Dos factos não provados nas als.) c) e d)- respeitantes a ocorrências na visita ao imóvel de 20.09.2018:
A sentença recorrida julgou não provados os factos das als. c) e d) («c) Aquando da visita referida em 7), o réu J. M. informou o funcionário da autora e o casal aí mencionado de que necessitava de 06 meses para deixar o imóvel; d) Em função do declarado em c), J. L. e M. C. declararam não pretender adquirir a fração referida em 4).»), com base na seguinte apreciação de facto:
«Por último, os factos não provados descritos em c) e d), os mesmos assim se julgaram, na medida em que não nos mereceram crédito as declarações de parte do réu J. M., bem como os depoimentos das testemunhas J. L. e M. C., na parte em que todos verbalizaram que, no final da visita, o primeiro declarou que necessitaria de 06 meses para abandonar o imóvel.
Na verdade, para além da similitude de expressões utlizadas por todos eles (todos qualificaram como «pressões», a eventual necessidade de entregar o imóvel a breve trecho) retirar genuinidade ao depoimento de todos eles, a verdade é que não se mostra crível que, no final dessa visita, o réu tenha vindo estabelecer, como condição para realização da venda, a entrega do imóvel no prazo de seis meses, quando, na véspera, tinha referido, expressamente, o prazo de dois meses.
Por outro lado, também não se mostram verosímeis os depoimentos de J. L. e M. C., no segmento em que refeririam que, no final dessa visita, declinaram, perentoriamente, a compra do imóvel (por não puderam aguardar mais do que um mês para a sua realização), quando nesse mesmo dia acabam por apresentar uma proposta formal para a aquisição do imóvel pelo valor pretendido pelos réus, na qual se dispõem a aguardar até ao dia 30 de Novembro de 2018 para a realização da escritura, mês em que, de resto, a própria testemunha M. C. admitiu ter comprado um outro apartamento naquele local, o que bem demonstra que, afinal, a aquisição do imóvel apenas em Novembro não constituiu fundamento para recusar a compra do imóvel dos réus.».
Os recorrentes, na sua impugnação da matéria de facto, pediram em “Q” que se julgassem provados os factos das als. c) e d) da matéria de facto não provada, defendendo: quanto à al. c), que nas declarações de parte do réu e nos depoimentos das testemunhas J. L. e M. C. todos referiram que o réu lhes disse na visita que precisava de 6 meses para sair da casa e as testemunhas referiram que a mulher reagiu e disse que esse prazo estava fora de questão; quanto à al. d) supra, que nos depoimentos destas testemunhas ambas recusaram que tivesse ficado apalavrado qualquer negócio.
A recorrida opôs-se à impugnação, entendendo: que a prova de factos cujo ónus de prova cabe aos réus não pode basear-se apenas nas suas declarações; que os depoimentos das testemunhas dos réus não revelaram qualquer credibilidade; que a factualidade que os réus pretendem ver demonstrada é contrariada pela declaração de reserva do imóvel de fls.50; que, em análise da prova, a ré S. G. referiu que nunca falou em prazos para entrega do imóvel, o réu J. M. confessou que enviou a sms a confirmar que necessitaria de dois meses para a entrega do imóvel, que o gerente da autora explicou que não faria sentido que a escritura fosse celebrada após a validade do contrato de mediação de 6 meses, que a testemunha T. A. declarou que apenas realizou a visita ao imóvel depois de saber pelo réu aceitava o prazo de dois meses para a sua entrega, que a testemunha R. O. declarou que ambos os réus quiseram celebrar um contrato de mediação com exclusividade e sem imporem prazos para a entrega do imóvel, pelo menos antes da sms do dia anterior à visita.
Impõe-se apreciar a impugnação apresentada nos termos do art.640º/1-a) a c) do C. P. Civil, em face da globalidade da prova produzida.
Entre as partes e as testemunhas ouvidas, apenas confirmaram ter estado presentes na visita ao imóvel do dia 20.09.2018, depondo sobre a mesma, a testemunha T. A. da mediadora, o réu J. M. e o casal de testemunhas J. L. e M. C..
Ora, nestes depoimentos: a testemunha T. A. declarou não ter havido conversas sobre prazos e sobre a apreciação que os destinatários fizeram do imóvel durante a visita; o réu e as testemunhas referiram-se, de uma forma consentânea entre si no seu essencial, que o réu informou os clientes que precisaria de um prazo de 6 meses para sair de casa e que esta exigência não foi acolhida (o réu declarou que conheceu o casal de interessados no dia da visita, que quando estavam “em baixo” do apartamento a conversar explicou-lhes “os seus termos”, dizendo-lhes que precisava, pelo menos, à volta de 6 meses para sair de casa, após o que eles não comentaram nada consigo mas viu pela sua expressão facial que não estariam muito interessados e que precisariam de algo mais para o imediato; as testemunhas J. L. e M. C. declararam com convicção que, no dia da visita do imóvel, o réu lhes disse que precisava de, pelo menos, 6 meses para sair do imóvel e a testemunha M. C. disse ao mediador que essa condição estava fora de questão, pois precisavam do apartamento imediatamente).
Ora, apesar da sentença recorrida ter desvalorizado o depoimento destas duas testemunhas (que prestaram um depoimento coerente com o do réu no essencial) pelas razões referidas em 2.1.4. infra quanto ao facto provado 8 (por estes não terem aceitado a subscrição do documento nº7 com a intenção de apresentarem uma proposta negocial, por entenderam que assinaram uma ficha de visita, e por o Tribunal ter considerado que as testemunhas sabiam distinguir entre uma ficha de visita e uma reserva de imóvel) e pelas razões transcritas supra em relação aos factos das als. c) e d) (nomeadamente, por o Tribunal ter entendido que todos relataram o episódio com as mesmas expressões do réu não querer “pressões”, que não tinha verosimilhança que o réu tivesse dito no dia 19.09.2018 que precisava de um prazo de 2 meses para sair do imóvel e depois no dia seguinte pedisse um prazo de 6 meses para sair do mesmo), considera-se que estes elementos não têm força suficiente para descredibilizar os referidos depoimentos, em conjugação com a demais prova e pelas seguintes razões.
Por um lado, e de uma forma principal, os depoimentos das testemunhas em audiência, para além de serem congruentes com o do réu na mesma audiência, são coerentes com a posição imediata do réu do próprio dia 20.09.2018, após a visita ao imóvel, quando a mediadora lhe comunicou que havia uma proposta de negócio a celebrar até 30.11.2018, posição essa documentada no documento nº6 junto pela própria autora na petição inicial.
De facto, nos termos documentados nesse documento nº6, no dia 20.09.2018, após a autora contactar o réu por sms, às 16:24 h, com a comunicação de uma proposta de compra («Boa tarde Sr. J. M. tenho tentado ligar-lhe porque o cliente que visitou gostou e dá os 180 mil, faz já o contrato promessa de compra e venda e a escritura dentro de 2 meses. Quando podem vir assinar o contrato? Cumprimentos S. C. director ….»), o réu respondeu de imediato por sms: às 16:31 h «Conforme falado pessoalmente com o sr. T. A. a minha saída de casa tem de ser acordada por um período não inferior a 6 meses. Assim que eu puder ligo»; às 16:41 h «Como não foi possível eu contactar-lhe acrescento que também foi falado presencialmente acerca dos 6 meses que necessito para abandonar a casa com os potenciais compradores. Se forem reunidas estas condições podemos então avançar com o contrato promessa de compra e venda. Obrigado».
Ora, estas respostas instantâneas credibilizam o depoimento das testemunhas que confirmaram o facto, uma vez que foram escritas pelo réu: antes de ter tempo para refletir; antes de saber da frustração subsequente das negociações com a mediadora (com insistência e cominação desta na celebração do contrato definitivo até 30.11.2018, sob pena de cobrar a comissão mesmo sem a referida celebração do contrato de compra e venda; com a posterior declaração pelos réus de revogação do contrato de mediação) ou de poder fazer uma prognose sobre uma possível frustração das negociações; antes de ter tempo de preparar qualquer defesa.
Por outro lado, de qualquer forma: não foi demonstrado qualquer facto que revelasse que as testemunhas tinham algum interesse no desfecho da causa e/ou tinham alguma de proximidade com os réus e/ou que articularam versões com estes (apesar de ambas morarem no Bloco de apartamentos contíguo ao dos réus depois de novembro de 2018 e referirem que o réu não queria ser pressionado ); a não aceitação pelas testemunhas que o documento nº7 junto com a petição inicial (e com cópia legível junta em audiência), tenha sido subscrito como uma proposta negocial não é suficiente para abalar a credibilidade dos seus depoimentos no essencial desta matéria em análise neste ponto 2.1.3., sobretudo em face do teor do documento subscrito (destinado a uma entrega de sinal e quitação não realizadas) e da plausibilidade de interpretações quanto à sua subscrição e à conversa subjacente, consoante o interesse de cada um dos presentes, nos termos a apreciar em 2.1.4. infra; a ampliação pelo réu de um prazo de “pelo menos 2 meses” para a saída do imóvel (declarado no dia 19.09.2018) para um prazo de 6 meses, indicado como condição do contrato de compra e venda (alegado e referido como declarado no dia seguinte, 20.09.2018), apesar de poder revelar hesitações e falta de decisão segura do réu quanto a esta condição da venda, não é por si descredibilizadora da declaração testemunhada e referida por sms, independentemente da apreciação jurídica que se possa vir a fazer da mesma; as pequenas faltas de sintonia entre pormenores acessórios dos depoimentos (quando o T. A. declarou não terem conversado sobre prazos na visita, o réu declarou não ter ouvido a resposta das testemunhas à sua informação sobre os 6 meses, as testemunhas terem referido que o cônjuge mulher do casal reagiu de imediato com recusa do contrato com o prazo de 6 meses), compreensíveis no contexto dos normais e possíveis limites de perceção de factos ou da seleção da memória dos mesmos, não são relevantes para colocar em causa o essencial dos depoimentos considerados congruentes entre si.
Desta forma, considera-se que, realmente, encontra-se -se provado que o réu fez a comunicação alegada, na visita onde se encontravam as quatro pessoas indicadas (funcionário da mediadora, réu, casal de interessados) e que a interessada e testemunha M. C. reagiu de imediato com rejeição da condição.

Pelo exposto, determina-se o aditamento ao facto provado em 7 da matéria que agora se considera provada respeitante os factos das als. c) e d) (mantendo-se em itálico o facto 7 mantido e em românico os extraídos das als. a) e b) nos termos em que resultaram provados):
7. Na sequência das diligências referidas em 5), no dia 20 de Setembro de 2018, a autora fez deslocar ao imóvel, para visita ao mesmo, J. L. e M. C., por ser pretensão destes adquirir um imóvel naquela zona, visita na qual:
a) O réu J. M. informou o casal aí mencionado de que necessitava de cerca de 6 meses para deixar o imóvel;
b) A M. C., diante do réu, do marido J. L. e do funcionário da autora T. A., respondeu imediatamente não aceitar a compra da fração referida em 4 dos factos provados, no prazo indicado pelo réu.
2.1.4. Do facto provado em 8- correspondente à ocorrência de 20.09.2018, posterior à visita referida em 7 dos factos provados e dos factos apreciados em 2.1.3. supra.
A sentença recorrida julgou provado o facto 8 («Na sequência visita referida em 7), nesse mesmo dia 20 de Setembro de 2018, J. L. e M. C. declararam, por escrito, pretender adquirir o imóvel referido em 3), pelo preço de 180.000, 00 € solicitado em 4) e, bem assim, realizar a escritura, no máximo, até ao dia 30 de Novembro de 2018;», nos termos dos seguintes fundamentos:
«Já no que tange ao factos referidos em 8) e 9), os mesmos assim se julgaram valorando, desde logo, o depoimento da testemunha T. A. que, no essencial, declarou que após a visita ao imóvel, no próprio dia 20 de Setembro de 2018, o mencionado casal mostrou-se interessado na aquisição do dito apartamento, pagando o valor de 180.000,00€ pretendido pelos réus e, inclusivamente, aceitando realizar a escritura pública de compra e venda até ao dia 30 de Novembro de 2018, tudo de modo a corresponder à exigência dos dois meses para desocupação do imóvel que o réu tinha mencionado no dia anterior.
Tal depoimento mostra-se, ademais, totalmente respaldado no documento de «acordo de reserva de imóvel» (fls. 50) e assinado por J. L. e M. C., sendo certo que, por insondáveis razões, os mesmo optaram por vir declarar em audiência, de forma comprometida e desafiadora dos meios de prova atrás citados, que tal documento foi assinado sem que o tivessem lido ou o seu conteúdo lhes tivesse sido explicado, sempre na convicção de que se tratava de uma mera «ficha de visita», sendo certo que apenas atentaram no teor de tal documento, por mero acaso, já na pendência a ação.
Ora, tais depoimentos não mereceram – de modo algum – a credibilidade do tribunal, não só pelo fato de atentaram contra os citados meios de prova (particularmente, o documento assinado pelos próprios), como, ademais, pela circunstância deste casal ter, previamente à outorga daquele documento, assinado uma proposta de compra (como os próprios admitem) para formalizar a intenção de aquisição de um outro apartamento (cujas negociações se malograram), o que bem demonstra que os mesmos estavam familiarizados com o documento em causa, sabendo distinguir uma ficha de visita de uma proposta formal de aquisição do imóvel e sem ignorar o real significado de qualquer um destes dois atos.
Por outro lado, no verso do documento em causa (fls. 50 verso), encontra-se aposta uma inscrição da autoria de T. A. (como o próprio admitiu), referindo que «a imobiliária restitui aos compradores 1500€ no ato da escritura», tendo esta testemunha contextualizado tal declaração, referindo que, naquele dia e como forma a estimular os compradores a realizarem do negócio, a autora aceitou entregar 1.500,00€ aos compradores por conta da comissão que viesse a receber dos réus, aquando da realização a escritura, ou seja, os compradores pagariam aos réus a totalidade do valor por estes pedido (180.000,00€), sendo a autora quem, posteriormente, devolveria aos compradores a quantia de 1.500,00€, por conta da remuneração que viesse a receber.
Ora, independentemente da valoração que se faça de tal declaração escrita, certo é que a mesma atesta, inequivocamente, a existência de negociações entre a mediadora e os compradores, no que diz respeito à formalização de uma proposta para a aquisição do imóvel, o que inculca decisivamente a ideia de que aquele casal não se limitou a assinar um documento na errada suposição de que estava a firmar uma mera ficha de visita, mas sim a formalizar aquilo que os mesmo agora se forçaram por negar: uma proposta formal de aquisição!.
Por outro lado, resulta do teor das comunicações eletrónicas trocadas entre as partes (fls. 19 verso a 24), bem como da mensagem de telemóvel junta (fls. 17), que a proposta formalizada por J. L. e M. C. foi dada a conhecer aos réus.».
Os recorrentes impugnaram o facto provado em 8 nas conclusões das als. E a H e nas alegações antecedentes, nas quais: defenderam, com base no depoimento da testemunha J. L. em audiência, que o escrito “Acordo de Reserva de Imóvel, Entrega de Pré- Sinal e Princípio de Pagamento” estava pré-escrito e não foi negociado, tendo sido escrito nas partes em branco pela testemunha T. A., que o apresentou aos clientes J. L. e mulher M. C. como se fosse uma ficha de visita do imóvel visitado, que estes assinaram sem ler; concluíram em “H” «Resultou provado da testemunha J. L. que, não obstante ter sido assinado o documento em causa, jamais quis adquirir o imóvel dos apelantes e que a escritura do mesmo seria no máximo até 30 de Novembro de 2018, não traduzindo este documento a real vontade daqueles que o assinaram» (na sequência das alegações em que referiram apenas «Atento o depoimento que se acaba de transcrever, não se pode de modo algum dar como provado, como se deu, que as testemunhas J. L. e mulher M. C. pretendessem adquirir o imóvel dos apelantes, atentas as referidas circunstâncias que o documento foi assinado, não traduzindo este a real vontade daqueles que o assinaram»).
A recorrida defendeu: que os depoimentos das testemunhas J. L. e M. C. não são credíveis (pois assinaram antes uma proposta de compra, pelos mesmos admitida, que lhes concedia familiaridade com o documento e lhes permitiria distingui-lo de uma ficha de visita) e não podem contrariar o facto 8 dado como provado (por o mesmo se ancorar no documento “acordo de reserva de imóvel” assinado pelos próprios); que as comunicações eletrónicas trocadas entre as partes de fls.19/v a 24 e a mensagem telefónica de fls.17 confirmam que a sua proposta foi dada a conhecer aos réus.
Impõe-se apreciar a impugnação apresentada.
Os recorrentes não indicaram de forma clara a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre o facto impugnado em 8 (pretenderam que se desse como não provado? pretenderam que se julgasse provado que, apesar dos clientes terem subscrito o documento nº7, não pretenderam adquirir o imóvel nem celebrar a escritura até 30 de novembro?), em cumprimento das exigências da impugnação da matéria de facto, previstas no art.640º/1-c) do C. P. Civil.
Apesar desta imprecisão, considera-se que, pelo menos, os recorrentes pretenderam que se julgasse não provado o facto provado em 8.
Numa primeira abordagem do facto provado 8, verifica-se que este mencionou que a declaração foi feita por escrito, sem identificar o documento onde foi feita a declaração (embora o indicasse na motivação como sendo o documento de fls.50) e sem acompanhar a declaração da totalidade do contexto escrito do documento.
Ora, este documento de fls.50, assinado reconhecidamente pelas testemunhas J. L. e M. C. e indicado na motivação da sentença, é um documento- tipo, composto: por uma frente com menções impressas (previamente predispostas) e linhas em branco (para preenchimento), apenas parcialmente preenchidas; por um verso branco com uma anotação, nos termos que a seguir se descreverão.

A- Na frente do documento constam as seguintes menções predispostas, apenas parcialmente preenchidas:
1º Existe um primeiro campo para descrição da cópia do cheque (com menção datilografada de ser traçado e passado em nome do proprietário do imóvel).
Este campo não está preenchido.
2º Existe um segundo campo datilografado que prevê:
a) Numa primeira parte uma declaração-tipo de quitação da mediadora de receção de dinheiro como caução reserva e parte do sinal da compra do imóvel:
«X- Mediação Imobiliária, Lda. (…), adiante designada como Mediadora, declara para todos e os devidos efeitos legais que, como Fiel Depositária, recebeu de_____________________ e de_____________________ (…)mediante e emissão de um cheque traçado e em nome do proprietário, com o nº_______, sacado sobre o banco__________, como caução reserva e parte do sinal da compra do imóvel de que são proprietários (…), sito na rua (…).».
Esta parte está preenchida manualmente com os dados: das pessoas que entregam o referido dinheiro, que todavia não foi indicado (neste caso, os nomes, a identificação civil e fiscal e a morada de M. C. e J. M.) e o dos proprietários do prédio a comprar (neste caso, o nome e a morada S. G. e J. M.) e do prédio de propriedade dos vendedores.
Todavia, esta parte não está preenchida com qualquer dado respeitante ao sinal/caução (valor ou as referencias do cheque e banco), a que se destinavam as indicações preenchidas.
b) Num segundo parágrafo subsequente do texto, iniciado com o corpo do texto «O valor da compra é de EUR_____________», seguida da indicação de 11 cláusulas predispostas, onde consta, nomeadamente, uma cláusula 5 (com a redação «A presente proposta de compra fica dependente da aceitação pelos proprietários na venda pelo valor supra mencionado») e uma 12ª cláusula aberta (com a redação «12. Extras/outros. É 2ª Reserva____TEM EXTRAS___ QUAIS»).
Ora, este segundo parágrafo: no início do texto está preenchida com o valor da compra de «180 000, 00 € (cento e oitenta mil euros)»; na cláusula 2 referente ao empréstimo está referido que este será «0»; na cláusula 12 está preenchido «Ficam os eletrodomésticos encastrados incluídos no preço. Escritura é feita no prazo máximo, até 30 de Novembro de 2018.».
3º Numa parte final está indicado o local para a assinatura da mediadora, dos proprietários e dos compradores.
Esta parte tem apenas a assinatura da mediadora e dos interessados e não tem a assinatura dos réus/vendedores.
B- No verso do documento em branco, consta a seguinte menção: «A imobiliária restitui aos compradores 1500 € na data da escritura.».

No regime da força probatória dos documentos, o legislador: prevê não só que «1. O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento. 2. Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante;» (art.376º/1 e 2-1ª parte do C. Civil), mas também que «a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.», em referência ao regime do art.360º do C. Civil que prevê «Se a declaração confessória, judicial ou extrajudicial, for acompanhada da narração de outros factos ou circunstâncias tendentes a infirmar a eficácia do facto confessado ou a modificar ou extinguir os seus efeitos, a parte que dela quiser aproveitar-se como prova plena tem de aceitar também como verdadeiros os outros factos ou circunstâncias, salvo se provar a sua inexactidão.»; prevê ainda, quanto às notas que «3. Se o documento contiver notas marginais, palavras entrelinhadas, rasuras, emendas ou outros vícios externos, sem a devida ressalva, cabe ao julgador fixar livremente a medida em que esses vícios excluem ou reduzem a força probatória do documento.» (art.376º/1 a 3 do C. Civil) e que se «A nota escrita pelo credor, ou por outrem segundo as instruções dele, em seguimento, à margem ou no verso do documento que ficou em poder do credor, ainda que não esteja datada nem firmada, faz prova do facto anotado, se favorecer a exoneração do devedor.» (art.381º/1 do C. Civil).

Numa segunda ordem de abordagem da prova, verifica-se que, perante este documento de fls.50 e a respetiva anotação do verso:
a) A testemunha T. A., funcionário da mediadora, referiu: que o documento de reserva foi por si preenchido antes da realização da visita dos clientes (que já estavam em carteira da imobiliária), tendo a assinatura sido feita na sua presença na agência, após a visita; que a ficha da visita não foi assinada pelos compradores por esquecimento seu, sendo todavia desnecessária uma vez que o documento de reserva assinado pelos compradores dava o feed- back da visita; que a anotação realizada no verso era uma proposta sua para a mediadora autora (de pagar 1500 euros aos compradores por conta da sua comissão, de forma a manter o preço para os vendedores e a beneficiar os compradores que pretendiam um abatimento do preço, de forma a que o mesmo lhes ficasse apenas por € 178 500, 00) e dependente da aceitação da mesma.
b) As testemunhas J. L. e M. C., apesar de assumirem a subscrição do documento de fls.50, declararam em explicação da mesma: que no final de visita, apesar de terem gostado do apartamento e não se oporem ao preço pedido, entendiam que o negócio estava anulado por causa da pretensão de prazo do vendedor e apenas se deslocaram à agência porque o funcionário T. A. lhes pediu para assinar uma ficha de visita (que o J. L. achou normal por o vendedor ter que mostrar trabalho); que assinaram o documento com essa intenção e sem o ler; que levaram uma cópia do mesmo (que o J. L. arrumou numa pasta no carro e só há 15 dias voltou a lê-la e sentiu-se enganado com o seu teor); que, na versão da testemunha M. C., não ficou sequer qualquer negócio apalavrado (tendo, depois, até, recusado a proposta de fazer o contrato até 30 de novembro, quando este lhe foi proposto, na altura em que já estavam a ver outros apartamentos).
c) Na correspondência junta pelos autores com a petição inicial sob os documentos nº6 e 9, verifica-se que o gerente da autora (que não estava presente na visita de 20.09.2018 e na subscrição do documento de fls.50) comunicou aos réus que os clientes angariados estavam na disposição de celebrar o contrato promessa de venda por € 180 000, 00 e a celebrar a escritura até 30 de novembro, mantendo insistentemente esta proposta mesmo depois dos réus dizerem que não aceitavam esse prazo.
Examinando o facto e a globalidade da prova enunciada, verifica-se o seguinte.
Por um lado, não existem condições para julgar o facto 8 não provado por si só, uma vez que o funcionário da autora e os clientes subscreveram o documento de fls.50 e que as ocorrências posteriores à sua subscrição permitem criar a convicção: que, pelo menos a autora, ficou com um convencimento de ter obtido um casal de interessados que aceitaria celebrar um contrato promessa de compra e venda do imóvel, pelo preço de € 180 000, 00, com escritura definitiva a celebrar até 30 de novembro de 2018; que, nessa medida, a subscrição do documento foi acompanhada de alguma conversa e admissão da possibilidade, ainda que eventual, de celebração do negócio de compra e venda nessas condições.
Por outro lado, a globalidade da prova não permite, também, manter o facto provado como uma pretensão dos clientes isolada e acabada, tendo em conta: que o documento subscrito é mais amplo e difuso do que a declaração simples julgada provada, texto este e contexto que pode desfigurar a declaração alegada na interpretação global (em face do teor parcialmente preenchido na frente, conjugado com a anotação do verso que a própria testemunha da autora indicou como uma proposta sua em aberto a decidir pela mediadora, com vista a poder satisfazer o cliente quanto à redução do preço pedida, sem explicar a posição assumida pelos clientes face à falta de aceitação dessa proposta); que a explicação dos clientes (subscrição de um documento pré-escrito, por o funcionário da autora lhes ter dito que era uma ficha de assinatura, que assinaram sem ler), acompanhada do facto de não se ter decorrido da prova qualquer satisfação da mediadora ao casal visitante da não aceitação da proposta, causa, pelo menos, a dúvida sobre o contexto global da subscrição e sobre a declaração negocial das testemunhas.

Pelo exposto:
a) Considera-se parcialmente procedente a impugnação e decide-se alterar o facto 8, para os seguintes termos:
8. Após a realização da visita referida em 7), nesse mesmo dia 20.09.2018 J. L. e M. C. e o funcionário da autora T. A. subscreveram o documento de fls.50, que se considera reproduzido na sua frente e verso, admitindo a possibilidade de uma compra do imóvel visitado se a escritura fosse anterior a 30 de novembro de 2018.
b) Determina-se, consequentemente, que no facto 9 dos factos provados da sentença, onde consta «Na sequência da proposta de aquisição descrita em 8),…» passe a constar «Na sequência de 8 supra, …», nos termos do art.662º/1-c) do C. P. Civil, a fim de compatibilizar o texto do facto 9 com a alteração do facto 8.

2.2. Aditamento oficioso de matéria de facto:
No art.21º os réus alegaram que o gerente da autora não aceitou o prazo mais alargado proposto e no art.35º da contestação os réus alegaram que revogaram o contrato na sequência da comunicação pela autora que lhes cobraria a comissão de venda caso não aceitassem avançar com a assinatura do contrato promessa, alegação esta subsequente aos factos 9 e 10 e antecedente à declaração de revogação alegada e julgada provada em 11.
Esta alegação de factos ocorridos antes da declaração revogatória, integrada nas conversas entre a ré (com declarações essenciais provadas nos factos 10 provados) e o gerente da autora, está suportada por sua vez, pelos documentos juntos sob o nº10 pela própria autora na sua petição inicial (nas páginas nº1/9 e 4/9).
Assim, esta matéria alegada e documentada pode ser aditada oficiosamente à matéria de facto, em resposta explicativa, nos termos do art.663º/2 do C. P. Civil e 662º/1-c), a contrario, do C. P. Civil.

Pelo exposto, determina-se:
1) O aditamento de um facto 11 aos factos provados, com a seguinte redação:
Na sequência de email de 20.09.2018, às 17.40 h, em que o gerente da autora manteve a proposta referida em 9 dos factos provados e a advertiu a ré da cobrança da comissão (dizendo «Sendo que conseguimos encontrar interessados na compra do imóvel a pronto pagamento pelo preço estipulado por vocês caso não aceitem vender o imóvel iremos faturar os nossos serviços de mediação e exigir-vos o pagamento da comissão de venda. Mais informamos que caso não obtenhamos uma resposta no prazo de 1 dia, no sentido de agendar a reunião nas nossas instalações para a assinatura do contrato promessa entregaremos este processo ao nosso gabinete jurídico e emitiremos a comissão de venda exigindo a cobrança do valor.»), a 21.09.2018, às 09.41 h, declarou «Deste modo, reiteramos a informação prestada anteriormente e se até ao fim do dia não obtivermos uma resposta vossa no sentido de avançar com a assinatura do contrato promessa não nos restará outra solução senão faturar os nossos serviços e cobrar-lhes coercivamente a comissão de venda pelo serviço que prestamos e que vocês contrataram.».
2) A alteração da numeração do facto 11 para 12 e do facto 12 para 13.

2.3. Quanto à reapreciação de direito:
A sentença recorrida condenou os recorrentes a pagar o preço de 5% do preço do contrato de compra e venda a que se destinava o contrato de mediação, com fundamento: na celebração pelas partes de um contrato de mediação imobiliária sobre o regime de exclusividade, no âmbito do qual a mediadora logrou angariar um cliente para a compra do imóvel, recusado pelos réus; na falta de prova pelos réus dos factos b) a d), invocados como fundamento para a recusa; no regime legal da remuneração dos contratos de mediação imobiliária em regime de exclusividade, nos quais é devida a remuneração mesmo quando o negócio não se concretize, quando esta falta for imputável a culpa do cliente, nos termos do art.19º/2 da Lei nº15/2013, de 8.2.; na inadmissibilidade da revogação unilateral do contrato de revogação sem justa causa, por inaplicabilidade do art.9º/7 da Lei nº24/96, de 31 de julho, aplicável apenas aos contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial, nos termos do DL nº24/2014, de 14.02., e por a livre revogabalidade tornar ineficaz o disposto no art.19º/2 da Lei nº15/2013, de 8.2.
Os recorrentes pediram a reapreciação de direito da decisão, para além da decorrente da alteração da matéria de facto (pretensão subentendida), pelo facto de entenderem que se deveria admitir a livre revogabilidade do contrato salvo estipulação em contrário das partes, entendendo que agiram ao abrigo do direito que lhes assistia.
A recorrida defendeu: que a desistência pelo vendedor do negócio visado no contrato de mediação não afasta o dever de pagar a remuneração contratada nos termos do art.19º/2 da Lei nº15/2013, de 8.2.; que a resolução de um contrato nos termos do art.432º/1 do C. Civil está condicionada pela lei (tendo por motivo o incumprimento do contrato ou a perda de equilíbrio das prestações, nos termos dos arts.801º e 437º do C. Civil) ou pelo contrato (que pode erigir fundamentos de resolução com pressupostos ou efeitos diversos); que os réus/recorrentes revogaram o contrato de mediação imobiliária para evitarem concretizar o negócio visado com esta, pelo preço e condições que tinham determinado à mediadora autora, sendo por causa exclusivamente imputável aos mesmos que a escritura pública de venda do imóvel, pelo preço por si pretendido, não se veio a concretizar.
Impõe-se proceder à reapreciação de direito pedida neste recurso de apelação, na qual já se encontra qualificado o contrato celebrado pelas partes como um contrato de mediação imobiliária, de forma não contestada pelas partes e que corresponde à matéria de facto provada, importando apenas decidir se se encontram verificados os pressupostos para a mediadora ser remunerada pela angariação de um destinatário para uma compra e venda cujo negócio não se concretizou e, sendo necessário, se os clientes/réus extinguiram o contrato de mediação por revogação ou resolução.
O regime jurídico da atividade de mediação imobiliária encontra-se regulado na Lei nº15/2013, de 8 de fevereiro, conformando-se com o Decreto-Lei nº92/2010, de 26 de julho, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2006/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno.
O cumprimento e o incumprimento dos contratos de mediação imobiliária, na parte não especificamente prevista, e dos contratos por este visados, é regulada no regime geral do Código Civil.
Um contrato de mediação imobiliária celebrado entre uma empresa mediadora e um cliente, que deve ser obrigatoriamente reduzido a escrito, deve identificar obrigatoriamente, nomeadamente, sob pena de nulidade não passível de ser arguida pelo mediador, «a) A identificação das características do bem imóvel que constitui objeto material do contrato, com especificação de todos os ónus e encargos que sobre ele recaiam; b) A identificação do negócio visado pelo exercício de mediação; c) As condições de remuneração da empresa, em termos fixos ou percentuais, bem como a forma de pagamento, com indicação da taxa de IVA aplicável; d) A identificação do seguro de responsabilidade civil ou da garantia financeira ou instrumento equivalente previsto no artigo 7.º (…(); e) A identificação do angariador imobiliário que, eventualmente, tenha colaborado na preparação do contrato; f) A identificação discriminada de eventuais serviços acessórios a prestar pela empresa; g) A referência ao regime de exclusividade, quando acordado, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa quer para o cliente.» (art.16º/1, 2-a) a g) e 7 da Lei nº15/2013, na redação atual).
A empresa mediadora e contratante, cuja atividade de mediação mobiliária «consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou a aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, …», consubstanciando-se também na «Promoção dos vens imóveis sobre os quais os clientes pretendem realizar negócios jurídicos, designadamente através da sua divulgação ou publicitação, ou da realização de leilões.» (art.2º/1 e 2-b) da citada Lei nº15/2013), fica incumbida, em relação aos clientes e destinatários, nomeadamente, de «Propor aos destinatários os negócios de que for encarregada, fazendo uso da maior exatidão e clareza quanto às características, preço e condições de pagamento do imóvel em causa, de modo a não os induzir em erro; d) Comunicar imediatamente aos destinatários qualquer facto que possa pôr em causa a concretização do negócio visado.» (art.17º/1- c) e d) da citada Lei nº15/2013).
Esta atividade a desenvolver pelo mediador, no cumprimento deste contrato convencional e oneroso, corresponde apenas a uma atividade de intermediação entre o cliente (neste caso as pessoas que pretendem vender o seu imóvel) e os destinatários (os interessados no negócio proposto), salvo previsão expressa de agirem também em representação daqueles, não suposta pela aplicação do regime.
Esta atividade de intermediação, que tem sido uniformemente entendida como não correspondente a qualquer exercício de uma atividade de representação, para uns é uma atividade independente que tem apenas em vista a aproximação das partes do contrato externo visado (nomeadamente por Menezes Cordeiro e Pinto Monteiro, citados por Fernando Baptista Oliveira) (3), e, para outros é uma atividade de aproximação das referidas partes, realizada no interesse do cliente que contratou com a mediadora (nomeadamente para Higina Castelo- «Consequentemente, a expressão em nome dos seus clientes contida no art.2.º, n.º1, não pode ser entendida em sentido jurídico, mas num sentido corrente, ou talvez económico, significando que a atividade se destina à satisfação do interesse do cliente, não sendo portanto neutra ou imparcial.») (4).
Em qualquer caso, visando o contrato de mediação imobiliária apenas intermediar um negócio externo, este negócio externo tem as suas condições definidas por aquele que o propõe e terá as condições e os efeitos acordados entre este proponente e o destinatário. Assim, no caso do negócio visado pela mediação imobiliária ser a celebração de um contrato de compra e venda, como no presente caso, cabe aos proponentes vendedores definir as condições de venda e cabe a estes e aos interessados compradores angariados acordar a totalidade dos termos da compra e venda, sobretudo no que se refere aos seus efeitos essenciais quando for celebrado, nos termos do art.874º e 879º do C. Civil (em particular, quanto à obrigação de entrega de entrega da coisa e à obrigação de pagamento do preço).
A remuneração desta atividade desenvolvida pela mediadora no interesse do seu cliente, quando existe um contrato celebrado em regime de exclusividade com vista a apresentar e aproximar destinatários que pretendem celebrar o contrato proposto pelos clientes vendedores, é igualmente devida quando «o negócio visado (…) não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.» (art.19º/2 da Lei nº15/2013).
Ora, avaliando o contrato de mediação imobiliária celebrado (factos provados em 4 da sentença recorrida e no ponto IV-1.2. deste acórdão) e os atos subsequentes ocorridos entre a mediadora/autora e os clientes/réus (factos provados em 5 e seguintes da sentença recorrida), verifica-se: que não se encontra demonstrada uma violação pelos clientes/vendedores das obrigações assumidas no contrato de mediação; que os factos provados não são suficientes para se considerar que os clientes/réus violaram as regras da boa-fé.

Por um lado, o “contrato de mediação imobiliária” de 15.09.2018:
a) Tem uma configuração predisposta de contrato-tipo, na qual, conforme decorre do provado em IV-1-1.2. supra: não existe qualquer cláusula para definir as condições concretas de um contrato de compra e venda que seja pretendido pelos clientes vendedores, para além do preço e da identificação das coisas integrantes do imóvel incluídos no preço; encontra-se assinalado e preenchido apenas nos locais e campos abertos das menções predispostas.
b) Prevê na cláusula 2ª, em conformidade com o regime legal enunciado, que para além de a mediadora se obrigar a diligenciar por conseguir um interessado na compra e venda pelo preço de € 180 000, 00, o faz através do desenvolvimento de «ações de promoção e de recolha de informações sobre os negócios pretendidos…», informações estas que devem ser recolhidas junto dos vendedores quanto aos demais elementos essenciais e acessórios do contrato pretendido.
c) Prevê na cláusula 8ª, de forma correspetiva com a obrigação da cláusula 2ª e com a delimitação de um prazo razoável que proteja a mediadora no exercício da sua atividade e responsabilize os clientes vendedores pela definição das condições do contrato pretendido e pela prestação de informações rigorosas à mediadora, que estes se obrigam a «colaborar com a Mediadora na entrega de todos os elementos julgados necessários e úteis no prazo de 10 dias, a contar da assinatura do presente contrato».
A falta de convenção escrita no contrato de mediação que o negócio de compra e venda visado estaria condicionado a um prazo de entrega do imóvel definido pelos vendedores (indicação esta que não é obrigatória no contrato de mediação nos termos do art.16º/2 da Lei nº15/2013 e que respeita tipicamente ao objeto do negócio a realizar entre o vendedor e o comprador), associada à convencionada incumbência da mediadora recolher as informações sobre a compra e venda (junto dos vendedores) e à convencionada obrigação dos clientes vendedores prestarem e facultarem à mediadora todos os elementos úteis à venda no prazo de 10 dias após a subscrição do contrato de mediação, permitem concluir: que os vendedores não assumiram qualquer obrigação perante a mediadora de aceitar vender o seu imóvel a interessado por si angariado que pagasse o preço indicado (ou posteriormente aceite), sem possibilidade de exigir e de negociar prazos de entrega do imóvel que lhe fossem convenientes, sob pena de incumprir obrigações contratuais com a mediadora e/ou de lhe vir a ser imputada a falta de acordo quanto ao prazo de entrega do imóvel da compra e venda; que os elementos do negócio a exigir pelo vendedor ao comprador, cuja informação fosse útil para a atividade de mediadora, deveriam ser fornecidos pelos clientes à mediadora no prazo de 10 dias após a subscrição do contrato (e sempre que fossem instados por esta).
Por outro lado, nos atos subsequentes ocorridos com vista à angariação de clientes para a compra e venda pretendida, verifica-se que se encontra provado: que o réu, 4 dias após a data aposta no contrato referido em a) e na véspera de uma visita de pessoas angariadas pela mediadora, informou a autora, após interpelação desta, que necessitaria de, pelo menos, 2 meses para entregar o imóvel; que, no dia seguinte, no primeiro encontro que o réu teve com as primeiras pessoas angariadas pela mediadora para a compra do imóvel, aquele ampliou o referido prazo de entrega do imóvel, informando-as que precisaria de 6 meses para sair do imóvel a vender.
Examinando a informação dada pelo réu à mediadora a 19.09.2018, em resposta a uma sua interpelação, verifica-se que aquela foi dada numa formulação aberta (de carecer de um prazo de, pelo menos, 2 meses para entregar o imóvel), o que permite que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, entenda que o vendedor indicou um prazo mínimo abaixo do qual não poderia entregar o imóvel objeto da venda mas não excluiu a possibilidade de poder carecer de um prazo superior ao limite inferior indicado, nos termos do art.236º/1 do C. Civil.
Ainda que se considerasse duvidosa a interpretação da referida declaração, esta deveria valer com o mesmo sentido defendido, por este salvaguardar melhor o equilíbrio das prestações, nos termos do art.237º do C. Civil, tendo em conta: que a mediadora passou a conhecer, com a referida informação, um pressuposto seguro mínimo sobre a condição da entrega, que lhe permitiria excluir da angariação e apresentação aos clientes todos os interessados que carecessem do imóvel para prazo inferior a 2 meses; que a imprecisão da declaração do réu (quanto a um prazo exato ou quanto a uma moldura de prazo com limite mínimo e máximo), tal como a falta de recolha de informação junto da ré anterior à realização da visita, poderiam ser supridas pela mediadora mediante subsequente pedido a ambos os réus vendedores que informassem a condição exata de prazo, caso entendesse ser a mesma fundamental para o desempenho do seu trabalho de seleção e apresentação de clientes para visitar o imóvel, informação essa que os réus estariam assim obrigados a clarificar, sobretudo tendo em conta o teor da cláusula 8ª que os onera com o dever de prestar todas as informações úteis da venda à mediadora, no prazo de 10 dias após a subscrição do contrato de mediação.
Neste contexto, a ampliação do prazo indicada pelo réu vendedor ao interessado comprador no dia 20.09.2018, reforçado pela cliente ré nesse mesmo dia, encontra-se no quadro ainda admissível para a definição da condição de prazo de entrega do imóvel a vender (que cabe aos vendedores) e que poderiam informar a mediadora, no âmbito das informações úteis a prestar sobre a venda pretendida, no prazo de 10 dias após a subscrição do contrato de mediação.
Avaliando, por sua vez, as exigências do negócio de compra e venda visado com a mediação, verifica-se que no primeiro e único contacto que o proponente vendedor teve com os interessados possíveis compradores, angariados pela autora/mediadora: o réu/proponente informou estes destinatários, na visita em que se encontrava a mediadora, que pretendia que a entrega do imóvel objeto da compra e venda ocorresse num prazo de 6 meses (condição esta de contratação que respeita a uma obrigação da compra e venda dos seus efeitos essenciais, prevista no art.879º/b) do C. Civil); os interessados compradores não aceitaram esta proposta do vendedor.
Neste contexto, a frustração de acordo entre os possíveis contratantes de uma compra e venda quanto à exigência do vendedor de entrega do imóvel no prazo de 6 meses (apresentada por este aos interessados compradores no primeiro ato de negociação e mantida depois pela vendedora) implica que se considere que não se formou qualquer acordo que pudesse vir a ser violado pelos clientes/vendedores com a recusa da concretização da celebração do contrato-promessa ou da escritura pública por essa razão.
Desta forma, por fim, perante este quadro global verifica-se que não se encontra preenchida a previsão normativa de “frustração de concretização do contrato por causa imputável ao cliente proprietário”.
Na verdade, e como decorre do que se considerou supra, a exigência feita a 20.09.2018 pelo vendedor aos interessados compradores, em visita ao imóvel realizada com o mediador, de um prazo para a entrega do imóvel superior ao limite mínimo indicado na véspera ao mediador: encontra-se no âmbito dos seus poderes na negociação com estes interessados/compradores; não corresponde, quanto ao mediador, a uma violação de cláusula contratual do contrato de mediação; está integrado num prazo de 10 dias contado desde o dia 15.09.2018, em que o contrato de mediação onerava os clientes com o dever de prestar à mediadora informações úteis sobre a venda; não é suficiente para se considerar que os clientes vendedores violaram os deveres de boa-fé com a mediadora na execução de contrato de mediação, nos termos do art.762º do C. Civil, porque a informação do dia 19.09.2018 não foi exata e porque esta falta de exatidão inicial dos vendedores na indicação do prazo de entrega do imóvel, para além de ter ocorrido apenas em 24 horas, dentro do prazo de 5 dias de vigência do contrato, poderia ter sido suprida por um pedido da mediadora aos vendedores para informarem um prazo definitivo único ou uma moldura exata de prazo para a entrega do imóvel, caso considerasse a mesma imprescindível para o início do exercício rigoroso da sua atividade.
A apresentação pela mediadora autora de uma proposta de celebração imediata de um contrato-promessa e de uma escritura pública de um imóvel no prazo de 2 meses e 10 dias, depois do cliente vendedor ter concretizado a sua exigência de entrega do imóvel num prazo de 6 meses e da cliente vendedora o ter confirmado, e a cominação feita pela mediadora aos clientes que a falta de resposta positiva à sua proposta implicava a cobrança da comissão contratada: não observa as suas obrigações de intermediação de um negócio nos termos em que os vendedores concretizaram as exigências quanto à entrega do imóvel, de que teve conhecimento num prazo de 5 dias após a celebração do contrato, inferior aos 10 dias que os referidos vendedores dispunham para prestar a informação; permite verificar que a mediadora (com a interpelação admonitória dos seus clientes) considerava o contrato de mediação extinto por cumprimento da sua parte com a apresentação daquela proposta e por incumprimento dos vendedores, cumprimento e incumprimento que não se reconhecem neste acórdão, nos termos já expostos.
Desta forma, não se preenchendo os requisitos de que o art.19º/2 da Lei nº15/2015 faz depender o direito da mediadora recorrida/autora obter a remuneração contratada, fica prejudicada a necessidade de apreciar a posterior declaração revogatória dos clientes vendedores quanto ao contrato de mediação (no âmbito da revogação unilateral ou da resolução do contrato por perda objetiva de interesse na prossecução do mesmo, nos termos dos arts.432º ss e 808º do C. Civil).

V – Decisão:

Pelo exposto, as Juízes da 1ª Secção Cível acordam na revogação da sentença recorrida e na absolvição pelos recorrentes/réus dos pedidos contra si formulados pela recorrida/autora.
*
Custas da ação e do recurso pela recorrida/autora.
*
Alexandra Viana Lopes
Anizabel Pereira
Rosália Cunha



1. Ac. RC de 08-11-2011, proferido no processo nº39/10.8TBMDA.C1, relatado por Henrique Antunes, citado por Rui Pinto e Rui Pinto, ambos in Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 2018, vol. II, notas 2-I e 3, fls.312 a 314.
2. Rui Pinto e Rui Pinto, ambos in Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 2018, vol. II, notas 2-II, fls.313, com referência feita na referência ao C. P. Civil Anotado de Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Vol. II, 2008, pág.458.
3. Fernando Baptista Oliveira, in Ebook do CEJ O contrato de mediação imobiliária na prática Judicial, págs.16 ss, disponível in http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_Direito_dos_Contratos_O_Contrato_de_Mediacao_Imobiliaria.pdf, cita na nota 11 estes Professores nos seguintes termos «Também ANTÓNIO PINTO MONTEIRO (Contratos de Distribuição Comercial, Almedina, 2002, pág. 102) refere que o mediador «limita-se a aproximar as pessoas e a facilitar a celebração do contrato… e ao contrário do agente, que actua por conta do principal – “representando-o” economicamente – o mediador age com imparcialidade, no interesse de ambos os contraentes, sem estar ligado a qualquer deles por relações… de dependência ou de representação…é tipicamente uma pessoa independente». A mesma opinião tem ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO (Do contrato de mediação, na revista, “o Direito”, ano 139º, 2007, Tomo III, pág. 517): «em sentido amplo a mediação significa o acto ou efeito de aproximar voluntariamente duas ou mais pessoas, de modo a que, entre elas, se estabeleçam negociações que possam conduzir à celebração de um contrato definitivo. Em sentido técnico ou estrito, a mediação reclama ainda que o mediador não represente nenhuma das partes a aproximar …» - os destaques são nossos.»
4. Higina Orvalho Castelo, in Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado, Almedina, 2ª edição revista e aumentada, pág.50.