Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
276/11.8TBTMC.G1
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO
CONCLUSÕES DA APELAÇÃO
ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
USUCAPIÃO
PRESUNÇÃO DERIVADA DO REGISTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/03/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pela relatora

1. Depois do encerramento da discussão em 1ª instância, as partes só podem apresentar documentos com as alegações de recurso e verificada que se mostre uma das seguintes situações excecionais (cfr disposições conjugadas dos artigos 423º, 425º e 651º nº1, do CPC):

a) ter ocorrido impossibilidade da sua apresentação até àquele momento (superveniência objetiva ou superveniência subjetiva);
b) ter-se tornado necessária a sua junção em virtude do julgamento proferido em 1ª instância ter introduzido na ação um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional;

2. Não deve ser rejeitado o recurso por falta de conclusões (entendidas como indicação sintética das questões colocadas pelos recorrentes) quando as formuladas não sejam mera cópia do corpo das alegações, revelando, apesar de não preencherem tal requisito, esboço síntese, e quer a parte contrária quer o Tribunal tenham apreendido as questões suscitadas;

3. Não cumprem os ónus impostos para a impugnação da decisão da matéria de facto, a que alude o nº1, do art. 640º, do CPC, os recorrentes que não fazem concreta e especificada (ponto por ponto) análise crítica das provas;

4. Da imediação e oralidade resultam elementos decisivos na formação da convicção do julgador que não passam para a gravação, não devendo o Tribunal da Relação alterar a matéria de facto na falta de convicção segura da ocorrência de erro na apreciação dos factos impugnados;

5. O esquema da ação de reivindicação preenche-se através de duas finalidades, que correspondem aos dois pedidos que integram e caracterizam a ação de reivindicação (sujeita ao regime previsto nos artigos 1311º e segs, do Código Civil): um, o reconhecimento do direito de propriedade (pronuntiatio), outro, a restituição da coisa (condemnatio), impondo-se ao tribunal a apreciação de cada um desses pedidos concretamente formulados;

6. A ação de reivindicação tem como causa de pedir o ato ou facto jurídico concreto que gerou o direito de propriedade (ou outro direito real – cfr art. 1315º) na esfera jurídica do peticionante e, ainda, os factos demonstrativos da violação desse direito. Ao reivindicante cabe o ónus de alegação e o, correlativo, ónus da prova de que é proprietário da coisa e de que esta se encontra em poder da parte contrária;

7. Entre os modos de aquisição do direito de propriedade conta-se a usucapião (art. 1316º, do C. Civil), cuja noção consta do artº 1287º, do C. Civil (a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação). A usucapião, prescrição positiva ou aquisitiva, tem sempre na sua génese uma situação possessória, surgindo a posse como o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (artº 1251º, do C. Civil), a provar pelo reivindicante;

8. Pese embora a probatio diabolica característica das ações de reivindicação, onerando-se os peticionantes com uma prova extremamente difícil de, em concreto, realizar, a tarefa dos mesmos é facilitada, pela consagração legal de presunções, designadamente: a presunção de titularidade do direito de propriedade derivada da posse, prevista no nº1, do art. 1268º, e a presunção de titularidade derivada do registo predial, prevista no art. 7º, do Código de Registo Predial;

9. A presunção juris tantum de titularidade derivada do registo predial releva em relação ao facto inscrito, aos sujeitos e ao objeto da relação jurídica dele emergente, presumindo-se que o direito existe e pertence às pessoas em cujo nome se encontra inscrito, emerge do facto inscrito e que a sua inscrição tem determinada substância - objeto e conteúdo de direitos ou ónus e encargos nele definidos (art.º 80º n.º 1 e 2 do Código do Registo Predial);

10. Cabendo aos Autores o ónus da prova de que os danos que alegam, e cujo ressarcimento peticionam, se produziram na sua esfera jurídica, nos termos da regra geral da sua distribuição, consagrada no nº1, do art. 342º, do Código Civil, a sua não satisfação gera o não reconhecimento do direito invocado – a improcedência da ação, nessa parte, e absolvição dos Réus dos pedidos indemnizatórios.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

Maria e Manuel, casados, residentes no …, na freguesia de …, concelho de Freixo de Espada à Cinta, vieram intentar Ação Declarativa de Condenação, com forma de processo Sumária, contra REN, Rede Eléctrica Nacional, SA, pedindo que:

- se declare que os Autores são donos e legítimos proprietários do imóvel descrito no artigo 1º, da petição inicial;
- se condene a Ré a reconhecer os A.A. como donos e legítimos proprietários de tal imóvel;
- se condene a Ré a reconhecer o domínio da propriedade descrita em 1. pelos ante-possuidores e atuais proprietários;
- se condene a Ré a reintegrar os A.A. na posse do imóvel reivindicado;
- se condene a Ré a pagar aos autores a quantia de 1500,00 euros (mil e quinhentos euros) pela reconstrução do muro;
- se condene a Ré a pagar aos autores a quantia de 7 000,00 (sete mil euros) para retirar o poste de alta tensão;
- se condene a Ré a pagar aos autores a quantia de 1 000,00 euros (mil euros) pelo valor da madeira de seis pinheiros;
- se condene a Ré a pagar aos autores a quantia mensal de 100,00 euros pela ocupação do imóvel, pelas linhas e poste, de alta ou media tensão, o que perfaz até ao presente a quantia de 3400,00 euros (três mil e quatrocentos euros);
- se condene a Ré a pagar uma indemnização aos autores, pelos danos morais no valor total de 2 000,00 euros (dois mil euros);
- se condene a Ré a pagar aos autores juros legais sobre a quantia a que vierem a ser condenados desde a data da usurpação do imóvel identificado em 1.

Alegam, para tanto e resumidamente, que são donos do prédio rústico anteriormente identificado, que veio à respetiva titularidade por sucessão do pai da Autora, António, sendo que há mais de trinta anos, eles e ante possuidores, vêm a arar, limpar e colher os frutos do imóvel, à vista de toda a gente, sem interrupção e violência, com perfeito conhecimento de toda a população e, nomeadamente, dos proprietários dos prédios confinantes que sempre respeitaram tal propriedade, respeitando-os como donos e legítimos proprietários e que, no ano de 2009, constataram que o imóvel tinha sido invadido pela Ré REN que derrubou os pinheiros aí plantados, criou um estradão em terra batida, que retalhou o imóvel, e derrubou muros de delimitação, tudo sem a sua autorização, ocupando cerca de 500 metros quadrados em terra batida, derrubando muros delimitativos em pedra numa extensão em cerca de duzentos metros, implantando um poste de média ou alta tensão que ocupa mais de setenta a oitenta metros quadrados e atravessando o imóvel com linhas de alta ou media tensão, no total de cinco, ocupando uma área de mais de 600 metros quadrados.

A Ré REN – REDE ELECTRICA NACIONAL, SA apresentou contestação onde se defende alegando que no âmbito das suas funções e da legislação em vigor procedeu à instalação da linha aérea a 220KV, Picote-Pocinho e que desconhece se o prédio que é identificado pelos autores é o mesmo onde se localiza o apoio que colocou, impugnando os factos alegados por aqueles e requereu a intervenção principal provocada das pessoas que se arrogam proprietárias do terreno onde colocou o referido suporte.
Por despacho de fls.66 e ss, foi admitida a intervenção principal provocada de José e a de Manuela e, citados, veio aquele apresentar contestação, na qual impugna os factos alegados pelos autores - vide fls.71 e ss. e pugna pela improcedência da ação.
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Foi proferido despacho saneador – fls.119 e segs – e foram fixados o objeto do litígio e os temas da prova.
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Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais.
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Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:

Pelo supra exposto, julga-se a acção totalmente improcedente por não provada, absolvendo-se a Ré e os chamados do pedido.
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Custas pelos Autores - artigos 527º, nº 1 e 2, 528º, nº.1 do Código de Processo Civil
*
Os Autores apresentaram recurso de apelação pugnando por que se revogue a sentença recorrida, se declarem os mesmos donos e legítimos proprietários do prédio identificado em 1. e se condenem os recorridos no seu reconhecimento, na reintegração do mesmo imóvel na sua esfera patrimonial bem como a retirar os objetos que lá colocaram e na reparação dos danos em sede de execução de sentença.
Formulam as seguintes
CONCLUSÕES:

1. A Recorrida intentou uma Ação Declarativa Comum contra a aqui Recorrida REN, onde sumariamente pediu que fosse reconhecida ser dona e legitima proprietária do imóvel identificado em 1 da p.i., fosse retirado os postes de alta tensão que foram colocados no imóvel, bem como o pagamento dos prejuízos causados. Para o efeito juntou certidão predial do imóvel e matricial e outros documentos.
2. Segundo resulta da douta sentença resulta provado com interesse para a boa decisão da causa: que se encontra-se registado a favor dos Autores o Prédio rústico sito em …, na freguesia …, concelho de Freixo de Espada à Cinta, inscrito na matriz predial rústica sobre o artigo …, com a área de 1,390 hectares, composto por uma terra para centeio em cada 4 anos, a confrontar a Norte e nascente com Alberto, a Sul Caminho e a Poente Joaquim, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número … da freguesia de ... (artigo 1 º da petição inicial).
3. Como resulta provado que "tal imóvel veio à titularidade por sucessão do pai da A. mulher António (artigo 2º da petição inicial).
4. Em sede de dispositivo julga a ação totalmente improcedente por não provada, absolvendo-se a Ré e os chamados do pedido.
5. Deparamo-nos desde já com uma verdadeira incoerência, pois se se encontra provada que se encontra registado a favor dos autores o imóvel em causa, então e de acordo com o pedido, deverá em sede de dispositivo declarar-se que;
- os AA são donos e legítimos proprietários do imóvel descrito em 1.
6. Isto sem recorrer a outras provas documentais e testemunhais, é manifesto que o julgador do Tribunal a quo por lapso ou erro manifesto não considerou que os AA são donos e legítimos proprietários do imóvel identificado.
7. Devendo nesta parte o Tribunal ad quem revogar o dispositivo e de forma coerente harmonizar a matéria provada e o dispositivo, declarando desde já que;
- os AA são donos e legítimos proprietários do imóvel descrito em 1.
8. Isto usando dos poderes que lhe foram conferidos pelos artigos 662 e seguintes do C.P.C.
9. Mas não ficou por aqui a deficiente analise dos factos, pois verifica-se que o Tribunal a quo, com o devido respeito, também não soube aplicar o direito, ainda que invocando e muito bem o artigo 7 do C.R.P., onde se presume a propriedade do imóvel, esta acaba por afastar a aplicação de tal presunção.
10. Sendo que tal presunção, diga-se ilidível, para ser afastada, teria que haver prova em contrário, nomeadamente por outro titulo, ou posse anterior ao registo (1268, nº 2 do C.C.), entre outros ...
11. Atento à matéria provada nos autos não resulta outro título, ou qualquer ato de posse anterior ao registo do imóvel por nenhum dos chamados ou Reu/Recorrido.
12. Pelo que nunca podia em sede de dispositivo só e simplesmente o Tribunal a quo absolver o ré e os chamados do pedido, pois nunca foi ilidida aquela presunção legal de propriedade de que os autores beneficiam, pelo artigo 7 da C.R.P. nem em toda a sentença (fatos provados ou não provados) se encontra provada qualquer matéria de que foi ilidida tal presunção. 13. Incumbindo aos chamados e Ré/recorridos fazer prova da posse anterior ao registo do imóvel a favor dos A.A., inversão do titulo da posse ou outro titulo nos termos do artigo 342 do C.C., facto que não fizeram in casu.
14. Contudo não o fizeram, nem demonstraram que tal imóvel lhes pertencia, conforme é bem patente na matéria provada e não provada em sede de sentença. Aliás cite-se a própria sentença em crise;
“Foi, pois, com a conjugação da prova supra descrita que o Tribunal entendeu dar como provados os factos supra, sendo que à míngua de provas testemunhais ou documentais do alegado, enfatizando-se que não foi aduzido qualquer meio de prova que sustentasse a posse dos chamados e da Ré, sobre a parcela em litígio {identificada no artigo primeiro da petição inicial]."
Ou;
"( ... ) sendo certo que os Autores se intitulam proprietários da parcela matricial … e o chamado José se intitula proprietário da parcela 1399º. E não uma intitulação de propriedade sobre a mesma parcela. "
15. Assim, o Tribunal a quo não aplicou corretamente o direito aplicável aos factos, desprezando a presunção de propriedade que abona os autores e que lhe é concedida pelo artigo 7 da C.R.P., o que implicaria outra decisão.
16. Invertendo o ónus da prova, não exigindo aos chamados e à R. REN a prova que lhes incumbia para ilidir a presunção que legalmente lhes é concedida aos autores pelo registo e posse, violando assim o Tribunal a quo os artigos 7 da C.R.P. e 342 do C.C.
17. Devendo na modesta opinião dos aqui recorrentes, em sede de dispositivo o Tribunal a quo declarar e condenar a reconhecer que;
- se declare que os A.A. são donos e legítimos proprietários do imóvel descrito em 1.
- se condene a Ré a reconhecer os A.A. como donos e legítimos proprietários do imóvel descrito em 1. desta p.i.
18. Requer por isso ao Venerando Tribunal ad quem que revogue o dispositivo, usando dos poderes que lhe foram conferidos pelos artigos 662 e seguintes do C.P.C.
19. Nos termos do artigo 8-B do C.R.P. as ações em que se impugne os factos constantes do registo deverá ser pedido o seu cancelamento junto da Conservatória do Registo competente.
20. Ora, tanto a Ré como dos demais associados, aqui recorridos, impugnam em sede de contestação os elementos do registo, o seu titular inscrito, a posse e mesmo a identificação da propriedade.
21. Em nenhuma das contestações dos recorridos se pede o cancelamento do registo ou o registo da ação, nem o Tribunal a quo promoveu a sua "obrigação de registo". (Cfr artigo 8 da C .R.P.)
22. E ainda que se tenha presente que este preceito o art° 8° do C.R.P. que «a impugnação judicial de factos registados faz presumir o pedido de cancelamento do respectivo registo», tal não aconteceu como se pode verificar na certidão do imóvel que se junta em anexo.
23. Pelo que incumprida tal obrigação e não se tendo procedido ao cancelamento do registo, nem ao registo da ação, não poderia sequer apreciar-se os factos que pusessem em causa o registo, nomeadamente a inscrição do seu titular.
24. Pelo que deve violou o Tribunal a quo o disposto nos artigos 3, 8 do C.R.P. ao apreciar os factos que impugnam a titularidade constante do registo, quer a promoção do registo da ação a que estava incumbido.
25. Devendo o Venerando Tribunal ad quem promover pelos poderes que lhe foram conferidos declarar a nulidade da decisão relativamente á apreciação concreta no que concerne à apreciação do titular do registo, alterando o dispositivo, concluindo-se pelo peticionado na p.i ..
26. Segundo a Douta decisão, o depoimento de Júlio "foi confuso, atenta falta de pormenorização por si relatado, esclareceu que o local em causa é denominado de …. Ali existem vários terrenos, com vários proprietários, passando de uns para os outros, porquanto não existe delimitação física dos mesmos" (Ao invés ver transcrição do depoimento em 50. desta peça processual onde claramente se constata o claro erro de apreciação pelo Tribunal a quo)
Mais;
" não consegui indicar qual o artigo matricial do mesmo, nem qual o artigo do prédio no qual se encontra implantado o poste de alta tensão e aqui em crise nos autos."
27. Ora, como pode ser exigível a um trabalhador agrícola que saiba os artigos matriciais dos imóveis que labora? Será razoável exigir de um homem normal o conhecimento dos artigos matrículas onde labora? Que propósito ou razoabilidade terá tal fundamentação para abalar a credibilidade de uma testemunha?
28. Mas, não ficou por aqui tal apreciação crítica, estranhando que tal testemunha tivesse ouvido telefonemas! Será assim tão anormal a autora fazer uma chamada em frente a um agricultor, que lavrou a imóvel e que conhece, e queixar-se sobre a usurpação desse terreno? Pergunta-se, claro com o devido respeito, que estranheza poderá ter tal facto? Será que a queixosa tem que se debater contra um direito à surdina sob pena de tal facto ser interpretado como prejudicial em Tribunal?
29. Mais, que preparação e que condicionamento teve esta testemunha? Será também regra da experiência comum que quem fizer uma chamada em frente a um agricultor, que lavrou a imóvel e que conhece, e queixar-se sobre a usurpação do seu terreno é uma testemunha condicionada e preparada? Mais, que estranho poderá ser o agricultor que trata do terreno da autora numa aldeia com cerca de duzentos habitantes?
30. Existe pois um vício expresso na apreciação da prova testemunhal, derivado da falta de conhecimento das regras de experiência comum que não podem deixar de ser censuradas e apreciadas por esse Tribunal ad quem. Pois não é normal que se alicerce uma convicção com tais pressupostos, desvirtuando, adulterando uma realidade que nos norteia. (depoimento em 50. desta peça processual)
31. Mas esta deficiente apreciação veio a ser reiterada... Logo de imediato e no mesmo raciocínio veio descredibilizar a testemunha J. Q., que inevitavelmente também desconhece o artigo matricial do terreno que lavrou trinta anos consecutivos, mandado do pelo pai da autora (anterior proprietário). Ora, este deficiente raciocínio, desconhecimento do artigo matricial da testemunha como algo censurável e descredibilizante, inevitavelmente não pode ser aceite segundo as regras de experiência comum. (depoimento em 50. desta peça processual)
32. Mais, não se entende, que adulteração da prova pode haver de alguém que foi ao terreno em crise antes da audiência com o objectivo de lembrar-se do que ali fez a cerca de trinta anos. Não se percebe segundo as regras da experiência comum que adulteração ou manipulação poderá haver da prova, como evidência o julgador do tribunal a quo?! Será que das regras da experiência comum resulta que ir ver um imóvel que não se vê a trinta anos resulta que a prova produzida em audiência de discussão e julgamento vai ser manipulada? Obviamente que não!
33. A livre convicção do julgador não pode ser arbitrária, desligada da realidade, baseada em pressupostos irreais, do senso comum. O julgador na apreciação da prova testemunhal deve respeitar as regras da experiência comum e não impor uma experiência comum alheia a uma realidade que parece desconhecer...
34. Estás testemunhas, devem ser assim aceites como credíveis, não se vislumbrando que confusão de raciocínio podem estas provocar no julgador do Tribunal a quo, alguém que não sabe um artigo matricial, que visita o local ou que ouve conversas sobre o imóvel que laborou e que acabou invadido pela R. REN/ aqui recorrida. (Vide depoimento transcrito em 50. desta peça processual)
35. Estes depoimentos transparecem e se extrai nitidamente os atos de posse do atual e anteriores possuidores, localização, confrontações do imóvel e a localização/dimensão do poste no imóvel em litígio.
36. Sendo completamente infundada as afirmações que as testemunhas cujo depoimento aqui se transcreveu, se revelaram confusas, com falta de pormenores, indicando o imóvel sem delimitação, entre outros ...
37. Assim, e nos poderes que são conferidos ao Tribunal ad quem, nos termos do artigo 662 do C.P.C., deve a testemunha J. Q. e Júlio ser considerados como testemunhas credíveis e considerar como provados, os factos não provados constantes das alíneas não provadas;
38. Assim deverá ser dado como provado;
i) Assim há mais de trinta ou quarenta anos, que todos os possuidores e ante­possuidores do imóvel, tratam (arar e limpar) e colhem os seus frutos do imóvel, à vista de toda a gentes, e sem qualquer interrupção ou ato de violência.
ii) com perfeito conhecimento de toda a população e nomeadamente dos proprietários dos prédios confinantes que sempre respeitaram tal propriedade como sendo dos A.A .e anteriormente de seus pais, respeitando-o sempre como donos e legítimos proprietários.
39. Conclui a sentença em crise que;
Não sabendo, de forma segura, as delimitações de cada uma das suas propriedades (respectivamente, 1400º e 1399ºJ, não conseguem precisar em qual das parcelas se encontra implantado o poste de alta tensão em crise nos autos.
40. Ora, segundo a contestação da recorrida REN o imóvel onde se encontram instalados os postes de alta tensão (apoio 2 da ligação ...-Pocinho) corresponde ao imóvel identificado pela autora, pois juntou os documentos anexos à ficha de cadastro com a mesma delimitação e área aos do autor. ( Vide doc 3 da pj. e mapa anexo à ficha de cadastro.
41. Só por muita coincidência é que os autores teriam um levantamento do imóvel com a mesma dimensão, ocupação pelas linhas e coordenadas do apresentado pelos R. REN aqui recorrida. Vislumbra-se só aqui que o poste e as ligações aéreas se encontra instalado dentro do imóvel identificado pelo autores e pela R. REN. 42. A acrescer e a confirmar que é no imóvel da dos autores recorrentes temos o depoimento das testemunhas J. Q. e Júlio, transcritas em 50 desta peça processual e que aqui novamente se reproduz para todos os efeitos legais.
43. A crescer as fotografias aéreas, onde é bem visível, à face do cidadão comum, os estradões que atravessaram a propriedade, para a implementação dos postes e das linhas de alta tensão. De outra forma não poderia deixar de ser, sendo factos confessados pela R.REN/recorrida em sede de Contestação.
44. Pelo que, face a tal prova, no modesto entender do aqui recorrente, o Tribunal a quo deveria ter dado como provado as alienas vi, vii, vii, viii, ix, x e xi. da matéria não provada, concluindo-se pela indeminização compensatória correspondente ou, no mínimo pela retirada dos objectos colocados no imóvel pela R.REN aqui recorrida.
45. Pelo que o Tribunal a quo, não fez uma correta apreciação da prova, dos documentos e dos alegado nos articulados da R/REN aqui recorrida, constituindo tal decisão uma autêntica denegação de justiça, decisão esta violadora do artigo 20 da C.R.P. face aos elementos de prova carreados para o processo.
*
A Ré ofereceu contra-alegações pugnando por que o recurso seja julgado improcedente. Formula as seguintes

Conclusões

1.ª O documento que a Recorrente junta aos autos destinado a acompanhar as suas alegações de recurso, para além de inócuo para os fundamentos da ação ou do recurso, não pode ser junto com as alegações por a tal se opor a disciplina prevista no artigo 651.º do CPC, devendo por isso ser desentranhado e devolvido ao seu apresentante.
2.ª A Recorrente nas “conclusões” de recurso que apresenta reproduziu, praticamente integralmente, o corpo das suas alegações, não cumprindo o ónus de apresentar conclusões de recurso, o que conduz à rejeição deste ex vi do artigo 641º, nº2, al. b), do CPC;
3.ª O Recorrente imputa à douta sentença erro por considerar que o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que os “”AA são donos e legítimos proprietários do imóvel descrito em 1.”, uma vez que têm o registo a seu favor e não foi ilidida a presunção legal.
4.ª Contudo, o Tribunal não desrespeitou a presunção legal atribuída pelo registo, tendo apenas considerado que não ficou provado que o poste se localize no prédio registado em nome da Recorrente e que esta não logrou provar tal facto, como lhe competia.
5.ª A Recorrente imputa à douta sentença erro por considerar que os pontos i e ii dos factos não provados, foram incorretamente julgados, entendendo que estes deveriam ter sido julgados provados, invocando tal para tal os depoimentos de Júlio e J. Q., os quais, no entender da Recorrente, foram valorados pelo Tribunal a quo em violação das regras da experiência comum.
6.ª Sucede que os depoimentos foram confusos e incongruentes, não permitindo ao Tribunal a quo basear-se neles na sua decisão, pelo que bem andou o Tribunal a quo na apreciação que fez dos referidos depoimentos.
7.ª A Recorrente imputa à douta sentença erro por considerar que os pontos vi, vii, viii, ix, x e xi dos factos não provados, foram incorretamente julgados, entendendo que estes deveriam ter sido julgados provados, invocando para tal o depoimento das mesmas testemunhas, que curiosamente tinham conhecimento de factos – visíveis a olho nu como os estradões e os pinheiros – que mais ninguém tinha notícia.
8.ª Atendendo à prova constante dos autos, designadamente, ao depoimento de parte do Senhor José, a dúvida sobre a localização do poste, pelo que andou bem o Tribunal a quo a decidir pela improcedência da ação.
9.ª Cabia à Recorrente fazer prova dos factos constantes dos pontos vi, vii, viii, ix, x e xi dos factos não provados, o que manifestamente não logrou fazer, pelo que decidiu bem o Tribunal a quo.
10.ª É, pois, de concluir que a decisão não padece do erro de julgamento que lhe é imputado pela Recorrente, mostrando-se irrepreensível o julgamento da matéria de facto – suportado em prova documental, testemunhal e inspeção judicial –, e revelando aplicação criteriosa do direito.
*
José e esposa apresentaram resposta pugnando pela total improcedência do recurso e por que a decisão recorrida seja mantida.

Formulam as seguintes CONCLUSÕES:

1 – A douta sentença recorrida não é violadora de quaisquer disposições legais, pelo que deve manter-se na integra.
2 – Não existem nenhuns factos, que tivessem sido incorrectamente julgados.
3 – Para proferir a douta sentença, nos termos em que se encontra, o Tribunal lançou mão de toda a prova produzida, quer documental, quer testemunhal, designadamente o depoimento prestado pelo Sr. Francisco, quer do depoimento de parte, prestado pelo Sr. José, de uma forma racional, rigorosa, criteriosa, tendo tido como base o critério essencial da livre apreciação da prova, aplicando de forma correcta e exemplar, o direito aos factos.
4 - A certidão apresentada com as alegações de recurso, por não respeitar o disposto no artº 651º do C.P.C., deve ser mandada desentranhar e devolvida à apresentante.
5 – A Recorrente no recurso que interpôs, não cumpriu o ónus de apresentar conclusões de recurso, tendo como cominação, a rejeição deste.
*
Manuela apresentou resposta pugnando por que seja negado provimento ao recurso referindo que o Tribunal a quo deu como assentes os pontos 1 e 2 da factualidade provada, só que, ao contrário do que pretendem os apelantes, o prédio rustico reivindicado não é onde está implantado o poste de alta tensão, o qual se encontra numa parcela matricial que lhes não pertence e que o constante das conclusões nos pontos 19. a 25. é questão nova.
*
Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO

- OBJETO DO RECURSO

Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Assim, as questões decidendas são as seguintes:

1. Da admissibilidade da apresentação do documento junto com as alegações de recurso;

2. Da rejeição do recurso por incumprimento pelos apelantes dos ónus:
2.1. De apresentação de conclusões de recurso,
2.2. Impostos para a impugnação decisão da matéria de facto,
e se, independentemente disso, ocorre erro na apreciação da prova quanto aos pontos mencionados pelos recorrentes (referentes aos factos não provados, que entendem deverem ser considerados provados);

3. Da modificabilidade a decisão jurídica.
*
II. A - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

São os seguintes os factos provados, com relevância para a decisão:

1. Encontra-se registado a favor da Autora, Maria, casada com o Autor Manuel no regime de comunhão de adquiridos, o Prédio rústico sito em ..., na freguesia ..., concelho de Freixo de Espada à Cinta, inscrito na matriz predial rústica sobre o artigo …, com a área de 1,390 hectares, composto por uma terra para centeio, a confrontar a Norte e nascente com Alberto, a Sul Caminho e a Poente Joaquim, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número … da freguesia de ... – cfr doc de fls 11, cujo teor se dá por reproduzido (artigo 1º da petição inicial);
2. Tal imóvel veio à titularidade da Autora, sendo a causa de aquisição sucessão do seu pai, António - “Causa: Partilha da Herança”- cfr. doc. anteriormente referido (artigo 2º da petição inicial);
3. A R. levou a efeito a obra de estabelecimento da “Linha aérea a 220kV, Picote – Pocinho, entre os apoios n.ºs 96 a 101, com a ligação do apoio 96 à Subestação de ..., na extensão de 1.954 metros, ficando constituída a linha Picote-... 1 e ligação do apoio 101 à subestação de ..., na extensão de 917 m, ficando constituída a linha ...-Pocinho 1.”, incluída no projeto mais amplo designado por “Subestação do “Douro Internacional” 400/220 kV e modificação das linhas na zona “Douro Internacional” a 220/400 kV” (artigo 3º da contestação);
4. A citada obra foi objeto de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e obteve a correspondente Declaração de Impacto Ambiental (DIA) favorável, por despacho de 16 de Janeiro de 2008, do então Secretário de Estado do Ambiente (artigo 4º da contestação);
5. Por despacho de 5 de Novembro de 2008, a citada linha veio a obter Licença de Estabelecimento (artigo 5º da contestação);
6. A licença refere expressamente: “Esta licença confere à REN os direitos previstos no artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de Fevereiro, nomeadamente a constituição das servidões necessárias ao estabelecimento e exploração da referida instalação.” (artigo 6º da contestação) ;
7. Em 18 de Julho de 2008, a REN adjudicou à empresa X – Serviços de Engenharia, SA, SA, com sede na Rua … Maia, a prestação de serviços referentes ao estabelecimento de servidões da referida linha de transporte de energia (artigo 7º da contestação);
8. Em 05 de Novembro de 2008, o Senhor Engenheiro Filipe, colaborador da empresa X, efetuou uma visita ao local para verificar a localização do apoio 2 da linha ... – Pocinho 1, em ..., freguesia da ..., concelho de Freixo de Espada à Cinta (artigo 8º da contestação);
9. A referida visita foi efetuada na companhia do Senhor José, o qual declarou ser o legítimo proprietário e possuidor do terreno onde estava localizado o referido apoio (artigo 9º da contestação);
10. Atendendo à inexistência de marcos de delimitação da propriedade houve necessidade de confirmar a delimitação do prédio onde iria ser instalado o apoio n.º 2 com a proprietária do terreno confinante, a Senhora Manuela (artigo 10º da contestação);
11. Nesse mesmo dia, o Senhor José e a Senhora Manuela acordaram quanto às estremas dos respectivos seus terrenos (artigo 11º da contestação);
12. De acordo com a definição das estremas resultantes do acordo dos proprietários, o apoio n.º 2 ficaria localizado, na sua totalidade, no terreno do Senhor José, tendo sido elaborada a respectiva ficha de cadastro (artigo 12º da contestação);
13. Em data posterior, o Senhor José solicitou uma nova visita ao local, alegando que a Senhora Manuela estava com reservas quanto à delimitação das estremas acordadas em 05 de Novembro de 2008 (artigo 13º da contestação);
14. Em 06 de Maio de 2009, foi efectuada uma nova visita ao local, tendo os alegados proprietários chegado novamente a acordo relativamente às estremas dos seus terrenos (artigo 14º da contestação);
15. Na sequência do novo acordo verificou-se que, afinal, o apoio n.º 2 ficaria localizado nas propriedades de ambos (artigo 15º da contestação);
16. Nessa data foi elaborada a respectiva Ficha de Cadastro, na qual se declara como proprietária do prédio denominado por “...” a Senhora Manuela (artigo 16º da contestação);
17. Tendo presente o conflito existente sobre a titularidade do direito de propriedade e a necessidade de delimitação desse prédio relativamente aos confinantes, a R. informou os interessados que não procederia ao pagamento de qualquer indemnização pela constituição da servidão enquanto a questão da propriedade sobre os solos em causa não estive resolvida pelos alegados proprietários (artigo 20º da contestação).
*
Factos considerados não provados:

i. Assim, há mais de trinta ou quarenta anos, que todos os possuidores e antepossuidores do imóvel, tratam (arar e limpar) e colhem os frutos do imóvel, à vista de toda a gente, e sem qualquer interrupção ou ato de violência (artigo 3º da petição inicial);
ii. Com perfeito conhecimento de toda a população e nomeadamente dos proprietários dos prédios confinantes que sempre respeitaram tal propriedade como sendo dos AA. e ulteriormente de seus pais A. mulher, respeitando-os sempre como donos e legítimos proprietários (artigos 4º e 5º da petição inicial);
iii. Pagando as respetivas contribuições e impostos relativos ao mesmo imóvel (artigo 7º da petição inicial);
iv. No ano de 2009, por volta do mês de Fevereiro, a aqui demandante deslocou-se ao imóvel identificado em 1., tendo constatado que o mesmo tinha sido invadido/apropriado pela demandada (artigo 9º da petição inicial);
v. Numa total destruição da propriedade, derrubando a totalidade dos pinheiros aí plantados, num total de seis, e com uma idade superior a trinta anos e criando um estradão em terra batida que retalha completamente em várias partes o imóvel identificado em 1. (artigos 10º e 11º da petição inicial);
vi. Criando um acesso a outros imóveis, derrubando muros de delimitação, isto sem qualquer autorização dos aqui demandantes ou de seu conhecimento (artigo 12º da petição inicial);
vii. Ocupando cerca de 500 metros quadrados em terra batida, derrubando os muros delimitativos em pedra numa extensão em cerca de duzentos metros (artigo 13º da petição inicial);
viii. Assim como a ocupação do terreno com máquinas, materiais, como cabos (artigo 14º da petição inicial);
ix. Implantando no mesmo um poste de média ou alta tensão que ocupa mais de setenta a oitenta metros quadrados (artigo 15º da petição inicial);
x. Assim como atravessaram todo o imóvel com linhas de alta ou media tensão, no total de cinco, três duplos e dois simples, que atravessam o imóvel de norte para sul (artigo 16º da petição inicial);
xi. Ocupando uma área de mais de 600 metros quadrados, pois atravessam todo o terreno (artigo 17º da petição inicial);
xii. Os autores sofreram prejuízos com a situação supra descrita, tendo que despender:
- com a retirada do poste cerca de €7.000,00 €
- com a replantação de seis pinheiros no valor de cinquenta euros cada, no total de 300,00€
- com o valor da madeira dos pinheiros que foi retirado por um preço não inferior a 1000,00 € ( mil euros)
- com a reposição do muro em pedra em cerca de trinta metros, com a altura de um metro, em pedra, no total de 1 500,00 euros (artigo 18º da petição inicial)
xiii. Propriedade ainda não vendida por ser uma dos que os seus pais (A. mulher) tinham mais carinho no seu trato (artigo 21º da petição inicial);
xiv. Com arrelias, cartas, desentendimentos por desoladamente se verem com uma propriedade completamente destruída por um ato de total desrespeito da demandada pela sua proprietária (artigo 22º da petição inicial);
xv. As idas ao advogado, as cartas à REN, os telefonemas aos engenheiros da REN, entre outros (artigo 23º da petição inicial);
xvi. Em 25 de Maio de 2009, a aqui A., entrou em contacto com o Engenheiro Filipe, informando que o terreno alegadamente pertença do Senhor José era afinal sua propriedade, declarando, no entanto, desconhecer a exata localização dos marcos de delimitação da propriedade (artigo 17º da contestação);
xvii. Na sequência do referido contacto, a empresa responsável pelos contactos dos proprietários de terrenos sobrepassados pela linha, na pessoa do Engenheiro Filipe, informou o Senhor José da posição da aqui A. (artigo 18º da contestação);
xviii. Este informou que efetivamente tinha adquirido uma propriedade ao Senhor António, pai da A., cujo processo formal nunca havido sido concluído mas que não se tratava do terreno onde estava localizado o apoio n.º 2 (artigo 19º da contestação);
xix. O apoio n.º 2 ocupa uma área de 51m2 e não mais do que isso (artigo 30º da contestação).
*

II. B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1. Da admissibilidade de junção do documento com as alegações de recurso

Oferecem os Apelantes, com as alegações de recurso, um documento – certidão permanente referente ao registo predial do imóvel objeto dos presentes autos.
Sustentam os Apelados que o documento que os Recorrentes juntam aos autos destinado a acompanhar as suas alegações de recurso, para além de inócuo para os fundamentos da ação ou do recurso, não pode ser junto com as alegações por a tal se opor a disciplina prevista no artigo 651.º, do CPC, devendo, por isso, ser desentranhado e devolvido aos apresentantes.
Cumpre apreciar da admissibilidade da junção do documento com as alegações de recurso.
Analisando as normas adjetivas que regulam tal matéria, constata-se que após o momento próprio de apresentação - cfr. art. 423º, do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência - e mesmo depois do encerramento da discussão em 1ª instância, as partes podem juntar documentos em determinadas circunstâncias.
Na verdade, desde logo, o art. 425º estatui que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
E consagra o nº1, do artigo 651º, que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”.
Assim, depois do encerramento da discussão em 1ª instância as partes só podem juntar documentos cuja junção não tenha sido possível até àquele momento, no caso de recurso (art. 425º), sendo que apenas poderão juntar documentos, com as alegações de recurso, nas duas situações excecionais previstas nos citados artigos.
O que diz a letra do referido nº1, do artigo 651º foi reproduzido no Acórdão da Relação de Guimarães de 22/1/2015, processo 561/12.1TBMAR-A.G1 (1) e no Acórdão da Relação de Lisboa de 19/1/2016, onde se refere que da conjugação dos referidos artigos resulta que a junção de documentos em fase de recurso só é admissível em duas situações, a saber: a) por se ter tornado necessária a junção em virtude do julgamento proferido em 1ª instância, face à “surpresa” da decisão proferida; b) por não ter sido possível a sua apresentação até ao encerramento da discussão em 1ª instância (2), afirmando-se no Acórdão da Relação de Lisboa de 23/4/2025, Processo 1481/05 que o documento que a parte teve a possibilidade de juntar ao processo até ao encerramento da discussão em 1ª Instância, por ter sido do seu conhecimento e disponibilidade, não pode ser junto com a alegação de recurso (3).

Da análise conjugada do nº1, do art. 651º, com os artigos 425º e 423º resulta que a juncão de documentos na fase de recurso, é admitida a título excecional, dependendo da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações:

- a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso (1ª parte do art. 651º);
- ter o julgamento de primeira instância introduzido na ação um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional (2ª parte do art. 651º).

Quanto à primeira situação, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objetiva ou superveniência subjetiva, sendo que:

- Objetivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado;
- Subjetivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado. Neste caso (superveniência subjetiva) é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante a caráter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como atendíveis. Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento (4).

Quanto à segunda situação, pressupõe a novidade da questão decisória justificativa da junção do documento com o recurso, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão recorrida, o que exclui que essa decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum (5).
Referindo ser legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objetiva e subjetiva) quando se destinem a provar fatos posteriores aos articulados ou quando a sua apresentação apenas se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior ao julgamento de 1ª instância, sendo que nesse caso podem ser oferecidos em qualquer estado do processo, considera o Tribunal da Relação de Guimarães e também o da Relação de Lisboa dever ser recusada a junção de documentos para provar factos que já antes da decisão se sabia estarem sujeitos a prova, não podendo a surpresa quanto ao resultado servir de fundamento válido para a sua junção (6) (7).
A junção de documento apenas tornada necessária em virtude do julgamento proferido no tribunal da primeira instância, só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª instância, por esta se ter baseado em meio probatório não oferecido pelas partes ou em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam (8).
Vista a lei e a interpretação que dela vem sendo feita pela Jurisprudência, vejamos os contornos de caso.
In casu, para além de se não verificar superveniência, nem objetiva nem subjetiva, o documento apresentado não se tornou necessário em virtude do julgamento proferido em 1ª instância, não se justificando a sua junção, face à alegação dos factos que o documento se destina a comprovar feita já na petição inicial, ao documento (certidão do registo predial) há muito junto (fls 10 e segs) e ao já considerado nos factos assentes - cfr. f.p. nº1 e 2 - pelo que se não admite a junção do documento de fls 334 (certidão permanente), cujo desentranhamento e devolução à apresentante cumpre ordenar.
*
2. Da rejeição do recurso

2.1. Por incumprimento pelos apelantes do ónus de apresentação de conclusões de recurso

Consideram os Recorridos que os Recorrentes nas “conclusões” de recurso que apresentam praticamente reproduzem o corpo das suas alegações, não cumprindo o ónus de apresentar conclusões de recurso, o que conduz à rejeição deste ex vi do artigo 641º, nº2, al. b), do CPC.

Vejamos.

Estabelece o referido preceito que

2. O requerimento é indeferido quando:
a)…
b) Não contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não tenha conclusões.

Ora, os recorrentes apresentaram a sua alegação e esta contém conclusões (em número de 45) que, embora repetindo o já anteriormente dito, ao longo dos 65 pontos, não são a mera repetição do corpo das alegações.

É certo que o nº1, do art. 639º, impõe que na alegação se conclua, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da decisão e que o recorrente deve terminar as suas alegações de recurso com conclusões sintéticas (onde indicará os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida). Essas conclusões devem ser idóneas para delimitar de forma clara, inteligível e concludente o objecto do recurso, permitindo apreender as questões de facto ou de direito que o recorrente pretende suscitar na impugnação que deduz e que o tribunal superior cumpre solucionar. Não devem valer como conclusões arrazoadas longas e confusas em que se não discriminam com facilidade as questões invocadas (9).

Porém, o facto de os Recorrentes, nas “conclusões”, reproduzirem parte do corpo das suas alegações, não impõe a rejeição do recurso apenas podendo haver lugar ao convite a que alude o nº3, do referido artigo, caso se considere serem as mesmas “deficientes, obscuras ou complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior”.
Não considerando ser caso disso, desde logo porque foram entendidas, e por se não verificar fundamento de indeferimento do requerimento por falta de conclusões, pois que elas, apesar de poderem não ser sintéticas, existem e não são mera cópia do corpo das alegações, não cumpre rejeitar o recurso com tal fundamento.
Como se decidiu no Acórdão do STJ de 13/7/2017, processo 6322/11.8TBLRA-A.C2.S1, relatado pelo Senhor Juiz Conselheiro Fonseca Ramos, as “conclusões das alegações que reproduzem o texto das alegações, dão a conhecer o objeto do recurso – art. 635º, nº3, do Código de Processo Civil – o que não pode deixar de ser tido em consideração no juízo de ponderação que importa convocar quanto a saber se, por tal procedimento, é como se não existissem. A equivalência que o Acórdão recorrido faz, considerando não haver conclusões, pelo facto delas serem a reprodução das alegações, parece excessivo. Cumpre ao Tribunal recorrido convidar o recorrente ao aperfeiçoamento das alegações, assinalando a incorreção formal que, drasticamente, serviu para rejeitar o recurso” (10).

No Acórdão da Relação do Porto de 24/1/2018 Processo 131/16.5T8MAI-A.P1, relatado pelo Senhor Juiz Desembargador Madeira Pinto decidiu-se que as “conclusões são a enumeração clara e enxuta dos fundamentos expostos no corpo das alegações pelos quais a parte entende que se justifica a revogação, alteração ou anulação da decisão recorrida, com eventual resumo sintético das preposições que configuram a exposição dos argumentos relativos a cada uma dessas questões invocadas. A mera repetição de argumentos nas conclusões das alegações de recurso configura uma actuação processual inútil e prejudicial ao fim visado, e violadora das regras processuais” (11).

Mais aí se considerou que a “ausência de conclusões – enquanto indicação sintética das questões colocadas pelos recorrentes – implica que o recurso deva ser rejeitado, ao abrigo do disposto no art. 641º, nº2, al. b), do CPC”, citando doutrina e jurisprudência.

Na verdade, “se o recorrente não alegar, ou alegando, não concluir, o requerimento de interposição do recurso é indeferido, nos termos do estipulado pelo artigo 641º, nº 2, b), do CPC, mas se alegar e concluir faltando as especificações quanto à exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, o mesmo é, imediatamente, rejeitado, mas se, apenas, faltar a indicação (…) sobre o sentido da decisão que defende ou a indicação das normas jurídicas violadas, o sentido em que as mesmas deveriam ser interpretadas e aplicadas ou, em caso de erro, a norma jurídica que deveria ser aplicável, a rejeição do recurso só pode ser determinada, atento o estipulado pelos artigos 640º, nºs 1 e 2 e 639º, nºs 1, 2 e 3, do CPC, após prévio convite inconclusivo quanto ao aperfeiçoamento das alegações, exceto se o Tribunal «ad quem» e a parte contrária conseguem apreender as questões suscitadas pelo recorrente (12).

Ora, apesar de, in casu, as conclusões serem repetitivas e muito ficarem a dever à exigência de síntese, por falta de indicação sintética, pelos recorrentes, das questões que colocam, as mesmas não são mera repetição do corpo das alegações e revelando algum espirito de síntese, tendo quer a parte contrária quer o Tribunal apreendido as questões suscitadas, entendemos não ser de rejeitar o recurso por falta de conclusões. E porque apreendidas as questões objeto do recurso, evita-se, também, o aperfeiçoamento, com a inerente vantagem para a mais rápida conclusão do processo.
*
2.2. Por incumprimento pelos apelantes dos ónus impostos para a impugnação da decisão da matéria de facto.

Do erro na apreciação da prova.

Concluem os recorrentes ter havido deficiente análise da prova e que as provas produzidas impunham decisão diferente, devendo ser considerados “como provados, os factos não provados constantes das alíneas não provadas” (cfr conclusão 37).

A fim de fixar, definitivamente, a matéria de facto e de analisar da modificabilidade da fundamentação jurídica, antes de mais, cumpre decidir se os apelantes, impugnantes, observaram os ónus legalmente impostos em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, e que vêm enunciados nos arts 639º e 640º, os quais constituem requisitos habilitadores para que o tribunal ad quem possa conhecer da impugnação e decidi-la.
Desde logo, na verdade, o nº1, do art. 639º, consagrando o ónus de alegar e formular conclusões, estabelece que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, sendo as conclusões das alegações de recurso que balizam a pronúncia do tribunal.
A fim de fixar, definitivamente, a matéria de facto e de analisar da modificabilidade da fundamentação jurídica, antes de mais, cumpre decidir se os apelantes impugnantes observaram os ónus legalmente impostos em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, e que vêm enunciados no art. 640º, os quais constituem requisitos habilitadores para que o tribunal ad quem possa conhecer da impugnação e decidi-la.

Na verdade, no que se reporta à atividade jurisdicional que, quanto a tal, deve ser levada a cabo por este Tribunal de Segunda Instância, o nº1, do art. 640º, consagra que, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a)- os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (negrito nosso).

O n.º 2, do referido artigo, acrescenta que:

a) … quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (negrito nosso).

Como resulta do referido preceito, e seguindo a lição de Abrantes Geraldes, quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras:

a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; (negrito nosso)
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;(…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente; (13).

Com a reforma introduzida ao Código de Processo Civil pelos Decretos-Leis n.ºs 39/95, de 15/02 e 329-A/95, de 12/12, o legislador consagrou o registo da audiência de discussão e julgamento, com a gravação integral da prova produzida, e conferiu às partes duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto. O tribunal de segunda instância passou a fazer um novo julgamento da matéria impugnada, assegurando um efetivo duplo grau de jurisdição, sendo isto que resulta do estatuído no art. 662º, n.º 1 do CPC, quando nele se expressa que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento supervenientes impuserem decisão diversa.

Comparando o anterior regime com o atual (cfr. o art. 712º, do anterior CPC, com o art. 662º do atual), verificamos que a possibilidade de alteração da matéria de facto, que era excecional, passou a ser função normal do Tribunal da Relação, elevado a verdadeiro Tribunal de substituição, verificados os referidos requisitos legais. Conferiu-se, assim, às partes um duplo grau de jurisdição, por forma a poderem reagir contra eventuais e hipotéticos erros de julgamento, com vista a alcançar uma maior certeza e segurança jurídicas e a, desse modo, obter decisões mais justas, alcançando-se, assim, uma maior equidade e paz social, sempre buscadas pelo Estado, verdadeiro interessado na realização da justiça.

O duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto pressupõe novo julgamento quanto à matéria de facto impugnada e “somente será alcançado se a Relação, perante o exame e análise crítica das provas produzidas, a respeito dos pontos de facto impugnados, puder formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das prova, sem estar limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida, em função do princípio da imediação da prova, princípio este que tido por absoluto transformaria este duplo grau de jurisdição em matéria de facto, numa garantia praticamente inútil” (14).

Tendo o recurso por objeto a impugnação da matéria de facto, a Relação deve proceder a um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, devendo nessa tarefa considerar os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda relevantes, apreciando livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão (art. 607º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil).

Contudo, o legislador, ao impor ao recorrente o cumprimento das referidas regras, visou afastar soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente. (15)

Não se consagra a possibilidade de repetição do julgamento e de reapreciação de todos os pontos de facto, como os apelantes estão a pretender, mas, apenas e só, a reapreciação pelo tribunal superior e, consequente, formação da sua própria convicção (à luz das mesmas regras de direito probatório a que está sujeito o tribunal recorrido) quanto a concretos pontos de facto julgados provados e/ou não provados pelo tribunal recorrido. A possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver a reapreciação global de toda a prova produzida, impondo-se, por isso, ao impugnante, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, a observância das citadas regras. O Tribunal da Relação, sendo de 2ª instância, continua a ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto (16), estando subtraída ao seu campo de cognição a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação.

Em suma, deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, sendo que, como refere Abrantes Geraldes, esta última exigência (plasmada na transcrita alínea c) do nº 1 do art. 640º) vem reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente (…) por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (17).

É entendimento doutrinal e jurisprudencial uniforme que, nas conclusões das alegações, que têm como finalidade delimitar o objeto do recurso (cfr. nº4, do art. 635º, do CPC) e fixar as questões a conhecer pelo tribunal ad quem, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, sob pena de rejeição do recurso, como a lei adjetiva comina no nº1, do art. 640º.

Não obstante o NCPC proceder, como vimos, ao alargamento e reforço dos poderes da Relação no domínio da reapreciação da matéria de facto, deve ser rejeitado o recurso, no atinente a tal ponto, quando o recorrente não cumpra os ónus impostos pelos nº1 e 2, a), do art. 640º (18). E impõe-se a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto quando ocorra:

a) falta de conclusões sobre a impugnação da matéria de facto (art. 635º, n.º 4 e 641º, n.º 2, al. b);
b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a);
c) falta de especificação (que pode constar apenas na motivação), dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) falta de indicação exata, (que pode constar apenas na motivação), das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) falta de posição expressa, (que pode constar apenas na motivação), sobre o resultado pretendido a cada segmento da impugnação” (19).

Os critérios têm sido aplicados pelo Supremo Tribunal de Justiça, conforme resulta dos acórdãos proferidos em 18/11/2008, Proc. 08A3406; em 15/09/2011, Proc. 1079/07.0TVPRT.P.S1; em 04/03/2015, Proc. 2180/09.0TTLSB.L1.S2; em 01/10/2015, Proc. 824/11.3TTLSB. L1. S1; em 26/11/2015, Proc. 291/12.4TTLRA.C1; em 03/03/2016, Proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1; 11/02/2016; Proc. 157/12.8TUGMR.G1.S1, em 12/5/2016: Processo 324/10.9TTALM.L1:S1; em 31/5/2016: Processo 1184/10,5TTMTS.P1:S1, todos in dgsi.net .

Este Tribunal Superior tem vindo a distinguir, quanto aos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, entre:

- ónus primário ou fundamental, que se reportam ao mérito da pretensão;
- ónus secundários, que respeitam a requisitos formais.

Quanto aos requisitos primários, onde inclui a obrigação do recorrente de formular conclusões e nestas especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e a falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados e falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, requisitos estes sobre que versa o n.º 1 do art. 640º, do CPC, a jurisprudência tem considerado que aquele critério é de aplicar de forma rigorosa, pelo que sempre que se verifique o incumprimento de algum desses ónus por parte do recorrente se impõe rejeitar o recurso – cfr. Acs. do STJ de 27/10/2016, Processo 110/08.6TTGM.P2.S1 e Processo 3176/11.8TBBCL.G1.S1, in dgsi.net.

Assim, e como se decidiu no Ac. do STJ proferido em 3/5/2016, Processo 17482/13: Sumários, Maio/2016, p 2 “O apelante pretendendo que o Tribunal da Relação reaprecie o julgamento da matéria de facto, para dar cabal cumprimento ao preceituado na al. c) do nº1, do art. 640º, do NCPC (2013), deve ser claro e inequívoco, afirmando que os pontos da matéria de facto impugnados deveriam ter as respostas que segundo a sua apreciação deveriam ter tido, indicando-as, de harmonia com as provas que indicou. II. Tal ónus não se satisfaz expressando o recorrente meras apreciações discordantes do julgamento e juízos de valor críticos, referidos aos depoimentos das testemunhas indicadas, III. A mera indicação de que certos pontos da matéria de facto, que são indicados, não deveriam ter tido as respostas que tiveram, sem se dizer quais as respostas que numa correta apreciação deviam merecer, não cumpre aquele ónus”.

A delimitação tem de ser concreta e específica e o recorrente têm de indicar, com clareza e precisão, os meios de prova em fundamenta a sua impugnação, bem como as concretas razões de censura. Tal tem de ser especificado quanto a cada concreto facto. Não pode ser efetuado em termos latos, genéricos e em bloco, relativamente a todos os factos impugnados.

Analisado as conclusões das alegações dos Apelantes, entendemos que os Recorrentes, que impugnam a decisão da matéria de facto, não fazem referência aos concretos pontos da matéria de facto que consideram incorretamente julgados indicando, justificadamente, os elementos probatórios que conduziriam à alteração de cada concreto ponto e a decisão que devia ter sido proferida quanto a cada concreto facto, procedendo a uma análise critica das provas e indicando a decisão que devia ser proferida sobre as concretas questões de facto impugnadas, em obediência às três alíneas do nº1, do referido art. 640º.

Na verdade, e após o que refere no corpo das alegações formulam os Apelantes as conclusões supra referidas, que como se referiu, delimitam o objeto do seu recurso.

E, efetivamente, verifica-se que os recorrentes não indicam especificadamente os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados, com especificação dos meios probatórios que determinariam decisão diversa da tomada em Primeira Instância para cada um dos factos que impugnam.

Ora, como vimos, tal não basta para que se possa considerar cumprido aquele ónus, o que obsta ao conhecimento do objeto de recurso, pois que nesta Segunda Instância não se realiza novo julgamento sendo, tão só, de reapreciar os concretos meios probatórios relativamente aos pontos de facto impugnados e não em bloco. A falta de indicação por parte dos apelantes quer dos elementos probatórios que conduziriam à alteração de cada um dos pontos nos termos por eles propugnados, quer da decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida, relativamente a cada facto concreto (e não em bloco), situação esta que se verifica in casu, têm, como consequência, a imediata rejeição do recurso, na parte respeitante aos pontos da matéria de facto relativamente aos quais se verifica a omissão, pois que quanto ao recurso da matéria de facto não existe despacho de aperfeiçoamento ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, por aplicação do disposto no art. 639º, nº3, do CPC.

Acresce que os recorrentes não fizeram, também, qualquer apreciação crítica dos meios de prova produzidos, quanto a cada concreto facto, a justificar o erro de julgamento que invocam em termos genéricos, tendo de o fazer pois que só assim cumpririam a exigência de obrigatória especificação imposta pelo nº1, do art. 640º.

E, como se decidiu no Ac. da Relação de Lisboa de 13/3/2014, Processo 569/12.dgsi.net “I. Ao impugnar a decisão de facto, à luz do NCPC, cabe ao recorrente, em sede conclusiva, expressar o sentido da decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica, de que não poderá demitir-se, dos meios de prova produzidos/invocados – exigência nova de reforço do ónus de alegação e conclusão, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente – sob pena de rejeição da impugnação, por insuficiência ou obscuridade, na parte não fundamentada em exame crítico das provas. II. Tais exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, em decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão de facto se transforme em simples manifestação de inconsequente inconformismo (20) .

No mesmo sentido se orienta toda a jurisprudência – v., designadamente Ac. da Relação de Guimarães de 3/3/2016, Processo 283/08 e de 4/2/2016:Processo 283/08.8TBCHV.A.G1, ambos in dgsi.net – onde se refere que “Tal como se impõe, por mor do preceituado no nº4, do art. 607º, do CPC, que o tribunal de 1ª instância faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas) também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundamentar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos. (…) Não cumpre o ónus de impugnação da decisão relativa à matéria de facto a que se refere a al. b), do nº1, do art. 640º, do NCPC, o recorrente que se limita a transcrever uma parte … do depoimento, aí partindo para a formulação da sua pretensão de modificação de diversos pontos da matéria de facto que indicou em bloco”.

E, servindo as conclusões para delimitar o objeto do recurso, nelas devem ser identificados com precisão os pontos de facto que são objeto de impugnação (quanto aos demais previstos no art. 640º, é suficiente que constem de forma explícita na motivação do recurso) (21).

Sendo função das conclusões do recurso indicar, embora de forma sintética, os fundamentos porque se pede a alteração (seja de facto seja de direito) da decisão, nelas tem o recorrente, que impugna a matéria de facto, de especificar os concretos factos que entende estarem mal julgados. A aferição deste mau julgamento é a questão colocada à decisão do tribunal de 2ª instância e, como tal, tem de constar das conclusões ou estará fora do objeto do recurso. Já a especificação dos concretos meios de prova que impunham decisão diversa e o cumprimento da exigência indicada na al. a), do nº2, do art. 640º do NCPC têm a sua sede própria no corpo da alegação. Acresce, ainda, que cabe ter em conta, que, quanto ao recurso da decisão da matéria de facto, não existe a possibilidade de despacho de convite ao aperfeiçoamento, sendo este tipo de despacho reservado somente aos recursos em matéria de direito. A falta de especificação nas conclusões dos factos concretos que se consideram mal julgados não dá lugar a despacho de aperfeiçoamento no quadro do nº3, do art. 639º do NCPC, (22).

Deste modo, impugnada a matéria de facto pelos Apelantes, verifica-se que não foram cumpridos os ónus impostos pelo artº 640º, do C.P.C, de impugnação especificada de cada facto.
*
No seguimento do que acima se deixou dito, perante a omissão pelos recorrentes do cumprimento do ónus estatuído nas als a) a c), do nº1, do art. 640º, pois que nada referiram, especificadamente, para cada facto, com análise crítica de cada um, impõe-se rejeitar o recurso da matéria de facto interposto pelos Apelantes, nenhuma alteração havendo, contudo, a fazer à decisão da matéria de facto, que, de qualquer modo, nunca mereceria atendimento, atenta a esclarecedora fundamentação da decisão.

Na verdade, mesmo que se mostrassem cumpridos aqueles ónus e, portanto, nada obstasse ao conhecimento do objeto de recurso, nunca seria de realizar novo julgamento nesta 2ª Instância, mas tão só reapreciar os concretos meios probatórios relativamente aos pontos de facto impugnados, como a lei impõe
.
O art. 662º, nº1, ao estabelecer que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, que vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto.

O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, deve, pois, conter-se dentro dos seguintes parâmetros:

a)- o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente;
b)- sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;
c)- nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).

Dentro destas balizas, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição, que é, está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que, neste âmbito, a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de 1ª Instância, apenas ficando aquém quanto a fatores de imediação e de oralidade.

Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode deitar por terra a livre apreciação da prova, feita pelo julgador em 1ª Instância, construída dialeticamente e na importante base da imediação e da oralidade.

A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (23) (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPC) que está atribuído ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também, elementos que escapam à gravação vídeo ou áudio e, em grande medida, na valoração de um depoimento pesam elementos que só a imediação e a oralidade trazem.

Com efeito, no vigente sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento, com base apenas no juízo adquirido no processo. O que é essencial é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado (24). A lei determina expressamente a exigência de objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4).

O princípio da livre apreciação de provas situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis (25)

E na reapreciação dos meios de prova, o Tribunal de segunda instância procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção - desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância. Impõe-se-lhe, assim, que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação (seja ela a testemunhal seja, também, a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser, também, fundamentada).

Ao Tribunal da Relação competirá apurar da razoabilidade da convicção formada pelo julgador, face aos elementos que lhe são facultados.
Porém, norteando-se pelos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e regendo-se o julgamento humano por padrões de probabilidade, nunca de certeza absoluta, o uso dos poderes de alteração da decisão sobre a matéria de facto, proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, pelo Tribunal da Relação deve restringir-se aos casos de desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados (26), devendo ser usado, apenas, quando seja possível, com a necessária certeza e segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

Assim, só deve ser efetuada alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam para direção diversa e impõem uma outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância.
Na apreciação dos depoimentos, no seu valor ou na sua credibilidade, é de ter presente que a apreciação dessa prova na Relação envolve “risco de valoração” de grau mais elevado que na primeira instância, em que há imediação, concentração e oralidade, permitindo contacto direto com as testemunhas, o que não acontece neste tribunal. E os depoimentos não são só palavras; a comunicação estabelece-se também por outras formas que permitem informação decisiva para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras da experiência comum e que, no entanto, se trata de elementos que são intraduzíveis numa gravação.
Por estas razões, está em melhor situação o julgador de primeira instância para apreciar os depoimentos prestados uma vez que o foram perante si, pela possibilidade de apreensão de elementos não apreensíveis na gravação dos depoimentos.

Em suma, o Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto se formar a convicção segura da ocorrência de erro na apreciação dos factos impugnados.

E o julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida. Cada elemento de prova tem de ser ponderado por si, mas, também, em relação/articulação com os demais. O depoimento de cada testemunha tem de ser conjugado com os das outras testemunhas e todos eles com os demais elementos de prova.

Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjetivas – como a prova testemunhal -, a respetiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e o tribunal de 2.ª instância só deve alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando, efetivamente, se convença, com base em elementos lógicos ou objetivos e com uma margem de segurança elevada, que houve erro na 1.ª instância.

Em caso de dúvida, deve, aquele Tribunal, manter o decidido em 1ª Instância, onde os princípios da imediação e oralidade assumem o seu máximo esplendor, dos quais podem resultar elementos decisivos na formação da convicção do julgador, que não passam para a gravação.

Tendo presentes os mencionados princípios orientadores, vejamos se assiste razão aos Apelantes, nesta parte do recurso que tem por objeto a impugnação da matéria de facto nos termos por eles pretendidos, que entendem dever todos os factos julgados não provados sejam dados como provados.

Considerou o Tribunal a quo, como explicou que “Quanto aos factos não provados, sobre os mesmos não foi feita qualquer prova, ou pelo menos foi feita prova contrária ao ali vertido”.

Efetivamente, quanto à matéria impugnada tida como não provada, importa referir que não adveio ao conhecimento do Tribunal qualquer elemento seguro que permita afirmar a sua verificação. Assim, as respostas negativas ficaram a dever-se a ausência de prova que permita dar respostas diversas.

Na verdade, cada elemento de prova de livre apreciação, designadamente depoimentos de testemunhas e declarações de parte, não podem ser considerados de modo estanque e individualizado. Há que proceder a uma análise crítica, conjunta e conjugada dos aludidos elementos probatórios, para que se forme uma convicção coerente e segura. Fazendo essa análise crítica, conjunta e conjugada, não pode este Tribunal, com segurança, divergir do juízo probatório efetuado pelo Tribunal a quo.

Tanto basta para considerar que o Tribunal Recorrido decidiu de uma forma acertada no que concerne à factualidade que considerou não provada, esta, por, evidente, falta de prova suficientemente segura, credível e convincente que permita dar resposta diversa.

Assim, tendo-se procedido a nova análise dos articulados e da prova e ponderando, de uma forma conjunta e conjugada, os meios de prova produzidos, pode este Tribunal concluir que o juízo fáctico efetuado pelo Tribunal de 1ª Instância, no que concerne a esta matéria de facto, se mostra conforme com a prova, de livre apreciação, produzida, não se vislumbrando qualquer razão para proceder à alteração do ali decidido, que se mantém, na íntegra.

Na verdade, e não obstante as críticas que são dirigidas pelos Recorrentes, não se vislumbra, à luz dos meios de prova invocados qualquer erro ao nível da apreciação ou valoração da prova produzida – sujeita à livre convicção do julgador –, à luz das regras da experiência, da lógica ou da ciência.

Ao invés, a convicção do julgador tem, a nosso ver, apoio nos ditos meios de prova produzidos, sendo, portanto, de manter a factualidade não provada, tal como decidido pelo tribunal recorrido.
Não resultando os pretensos erros de julgamento sempre se tem de concluir pela improcedência da apelação.
*
3– Da modificabilidade da decisão jurídica

Pretendem, desde logo, os Apelantes que se declare que são donos e legítimos proprietários do prédio rústico sito em ..., na freguesia ..., concelho de Freixo de Espada à Cinta, inscrito na matriz predial rústica sobre o artigo …, com a área de 1,390 hectares, composto por uma terra para centeio em cada 4 anos, a confrontar a Norte e nascente com Alberto, a Sul Caminho e a Poente Joaquim, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número … da freguesia de ..., concluindo que esse seu direito resulta de presunção derivada do registo.

Vejamos se tal acontece, sendo que, a assim se verificar, atentos os autónomos pedidos cumulativamente formulados e, todos eles, a apreciar e a decidir, tem, o referido, como solicitado, de ser objeto de decisão.

A ação de reivindicação constitui uma ação declarativa de condenação sujeita a um regime especial previsto nos artigos 1311º e seguintes do Código Civil, diploma a que pertencem os preceitos a citar doravante sem a indicação de origem. É uma ação petitória, a que, adjetivamente, não corresponde qualquer forma de processo especial, caindo, assim, na forma comum.

Consagra o nº1, do referido artigo, que O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence.

São, assim, dois os pedidos que integram e caracterizam a reivindicação: o reconhecimento do direito de propriedade (pronuntiatio), por um lado, e a restituição da coisa (condemnatio), por outro. Só através destas duas finalidades, previstas no n º 1, se preenche o esquema da acção de reivindicação (quanto à primeira finalidade, tem-se entendido que, se o reivindicante se limita a pedir a restituição da coisa, não formulando expressamente o pedido de reconhecimento do seu direito de propriedade, deve este pedido considerar-se implícito naquele (…). Nada impede, no entanto, que, ao abrigo das regras válidas no domínio do direito processual civil (….), o autor da reivindicação junte aos dois pedidos referidos no artigo 1311º um pedido de indemnização (vg., dos danos causados na coisa pelo demandado ou do valor do uso que este dela fez): vide Antunes Varela, na Rev. de Leg. e Jur., anos 115º, pág. 272, nota 2, e 116º, pág. 16, nota 2 (27).

Deste modo, a ação de reivindicação, que tem como finalidade afirmar o direito de propriedade e fazer cessar as situações ou atos que o violem, tem um objetivo inicial - a declaração de existência do direito e, subsequentemente, visa realizar o direito declarado, com a condenação na restituição da coisa.

Na sua estrutura identificam-se dois elementos: o pedido de reconhecimento do direito e o pedido de restituição da coisa objeto desse direito. Processualmente, entendemos que não terá, necessariamente, de existir uma cumulação de pedidos, antes a demonstração da titularidade será havida como integrante da causa de pedir na ação, fundamentando o pedido de condenação na restituição. (28)

A ação de reivindicação tem como causa de pedir o ato ou facto jurídico concreto que gerou o direito de propriedade (ou outro direito real – cfr art. 1315º) na esfera jurídica do peticionante e, ainda, os factos demonstrativos da violação desse direito. O reivindicante tem de alegar e provar que é proprietário da coisa, e que esta se encontra em poder do réu/autor reconvindo, a si cabendo, pois, o ónus de alegação e o da prova.

Por sua vez, ao réu/autor reconvindo, detentor da coisa e caso pretenda evitar a restituição, cabe, em sua defesa, o ónus de alegar e provar o facto jurídico em que assenta a sua detenção legítima (cfr. art. 342º, do Código Civil, que estabelece as regras do ónus da prova, sendo que àquele que invoca um direito cabe fazer a prova do direito alegado e àquele contra quem a invocação é feita cabe a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito). Assim, apesar de o Autor da reivindicação demonstrar o seu direito, pode não lograr obter a restituição da coisa se o Réu/autor reconvinte invocar na contestação (em defesa por exceção ou mediante reconvenção) e demonstrar que dispõe de título que legitime a sua detenção, conforme dispõe o nº2, do art. 1311º.

Podendo, nos termos do nº1, do referido artigo, o proprietário exigir de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence, Só tem legitimidade activa para recorrer à reivindicação quem seja titular de um direito real que atribua a posse da coisa, mas não tenha a posse. Por sua vez, tem legitimidade passiva para a acção de reivindicação quem seja possuidor ou detentor da coisa, mas não seja titular do correspondente direito real. (29)

À procedência da ação de reivindicação é necessária a prova da titularidade do direito real. Para esse efeito, não basta, porém, a demonstração de uma aquisição derivada do direito, uma vez que nada garante que o autor adquiriu a coisa ao seu legítimo proprietário. Para proceder a acção de reivindicação, é assim necessária a demonstração de uma aquisição originária do direito, como a usucapião, por parte do autor ou de anterior titular do direito, a quem aquele tenha adquirido (30).

Assim, para fazer valer o seu direito sobre a coisa, o autor/réu reconvinte tem duas possibilidades:

- ou alega e demonstra a aquisição originária, por si ou por algum dos seus antepossuidores, do direito de propriedade sobre a coisa;
- ou invoca aquisição derivada e terá de provar as sucessivas aquisições dos antecessores até à aquisição originária, sendo que na aquisição derivada, o adquirente, apenas e tão somente, adquire o direito de que o transmitente seja titular.
Pedem os Autores o reconhecimento do seu direito de propriedade invocando um dos modos previstos na lei (cfr. art. 1316º), a usucapião.

O artigo 1316º consagra os modos de aquisição do direito de propriedade, contando-se entre eles a usucapião, fixando o art. 1317º o momento da aquisição (que no caso de usucapião é o do início da posse - v. al. c), sendo que, nos termos do art. 1288º, a aquisição do direito correspondente à posse que se exerceu e a correlativa extinção de qualquer direito real pré-existente é retroativa ao início da posse prescricional, isto é posse pública e pacífica).
No caso concreto, como referimos, está em causa a aquisição originária do direito de propriedade pelos Autores e, por isso, também, a posse (inerente àquele modo de aquisição).

A noção de usucapião, prescrição positiva ou aquisitiva consta do art. 1287º, que estatui que a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação.

Assim, a usucapião é a aquisição do direito de propriedade ou de outro direito real de gozo por efeito da posse nos termos desse direito, mantida por certo lapso de tempo. O objeto da aquisição por via da usucapião é, pois, constituído pelos direitos reais de gozo… (31)

A aquisição de um direito real por usucapião exige a ocorrência, simultânea, de vários requisitos:

a) - posse prescricional ou posse boa para usucapião (é aquela que é pacífica, pública e efetiva. A exigência no sentido de que se tenha possuído publica e pacificamente resulta do art. 1297º, a contrario. A posse efetiva é a que tem correspondência na situação de facto, enquanto efetivo exercício de poderes de facto sobre uma coisa nos termos de um direito real de gozo, o que resulta da ratio da usucapião);
b) – decurso de certo lapso de tempo (a posse deve manter-se com os carateres referidos de modo contínuo, durante todo o período de tempo necessário para a usucapião, sendo que o prazo de tempo exigido varia consoante a coisa, a existência ou não de título e de registo, a posse ser de boa ou má fé –cfr. arts 1294º a 1299º);
c) – ato de vontade de adquirir o direito (manifestação de vontade de adquirir o direito).

A usucapião constitui uma forma voluntária de aquisição de certos direitos reais que necessita de uma posse com certas características e mantida pelos prazos legais. São requisitos da aquisição do direito de propriedade por usucapião: a posse e que ela revista as características de:

- Pública, por exercida à vista de toda a gente;
- Contínua, por exercida de forma ininterrupta;
- Pacífica, por exercida sem oposição de ninguém.

Para além da materialidade da posse, tem de resultar também o animus e que a posse se tenha mantido durante um lapso de tempo suficiente para permitir a aquisição do direito de propriedade.
A usucapião tem, sempre, na sua génese uma situação possessória, que pode derivar de constituição ex novo ou de posse anterior.

Pese embora a probatio diabolica característica das ações de reivindicação, em que tem de se fazer a demonstração da aquisição originária do direito, onerando-se os peticionantes com uma prova extremamente difícil de realizar em concreto, a tarefa dos mesmos é facilitada, tornando-se menos diabólica, pela existência de presunções, concretamente, no que ao caso interessa:

- a presunção de titularidade do direito de propriedade derivada da posse, prevista no nº1, do art. 1268º, sendo a usucapião, forma de aquisição originária que se basta com a demonstração da cadeia de transmissões até perfazer o prazo de 20 anos (prazo máximo para usucapião) e, usando a possibilidade de acessão na posse prevista no art. 1256º;
- a presunção de titularidade derivada do registo predial (art. 7º, do Código de Registo Predial) pois que estando o direito do reivindicante inscrito no registo em seu nome, o mesmo goza da presunção de titularidade, ficando dispensado da prova do facto presumido.

Temos, assim, legalmente consagradas duas presunções legais;
- uma resultantes da posse, prevista no nº1, do art. 1268º;
- outra resultante do registo, prevista no art. 7º, do Código de Registo Predial.
E como quem tem a seu favor a presunção legal fica dispensado de provar o facto que a ela conduz – nº1, do art. 350º - cabe analisar se os Autores beneficiam das presunções legais anteriormente mencionadas.

Estabelece o art. 7º, do Código de Registo Predial, que O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.
Verifica-se presunção de titularidade do direito fundada no registo (art. 7º, do Código de Registo Predial).
Na verdade, o direito de propriedade da Autora sobre o prédio em causa presume-se, atenta a sua inscrição no registo predial (art. 7º do Cód. do Registo Predial).
Esta presunção apenas se refere ao direito de propriedade (e não à composição, às confrontações ou às áreas dos prédios).

Na verdade, decidiu-se, no Ac. da Relação do Porto de 3 de Fevereiro de 2003, a presunção constante do art. 7º do Cód. de Registo Predial - juris tantum - apenas actua relevantemente em relação ao facto inscrito, aos sujeitos e ao objecto da relação jurídica dele emergente, não abrangendo, porém, os elementos de identificação do prédio constantes da descrição predial, tais como as confrontações, as estremas e as áreas, que continuam sujeitas a uma eventual rectificação ou actualização e, portanto, dependentes de prova da coincidência entre a realidade física e a descrição registral (32).

No Acórdão do STJ de 14/11/2013 Processo nº 74/07.3TCGMR.G1.S1, considerou-se que “A presunção resultante da inscrição do direito de propriedade no registo predial, não abrange a área, limites ou confrontações dos prédios descritos, não tendo o registo a finalidade de garantir os elementos de identificação do prédio”.
Aí se escreve, um dos mais importantes efeitos substantivos do registo é o da atribuição ao seu titular da presunção da titularidade do direito.
Por força de um dos seus princípios orientadores, o da presunção da verdade registal, ou da exatidão do registo, também chamado da fé pública registal, o que consta do registo é juridicamente existente e, consequentemente, quem aparece no registo como titular de um direito real sobre um bem imóvel é o seu verdadeiro titular, podendo, portanto, dispor desse direito.
Trata-se de uma presunção juris tantum, naquelas duas vertentes, que pode, todavia, ser destruída por prova em contrário – art. 7.º do Código do Registo Predial.
E, assim, quem tem tal presunção a seu favor escusa de provar o facto que a ela conduz: o efeito da presunção é o de inverter o ónus da prova – art. 350.º.
Ora, dúvidas não restarão que, face ao registo predial efetuado presume-se a titularidade do respetivo direito de propriedade. Sendo, porém, tal presunção, como atrás vimos, ilidível. E presunção essa, apenas atinente ao prédio tal como constante da respetiva descrição predial.

Como se decidiu no Acórdão da Relação de Coimbra de 3/12/2013, Processo 194/09.0TBPBL.C1, as presunções registrais emergentes do art.º 7º do Código do Registo Predial não abrangem fatores descritivos, como as áreas, limites, confrontações, do seu âmbito exorbitando tudo o que se relacione com os elementos identificadores do prédio. Apenas faz presumir que o direito existe e pertence às pessoas em cujo nome se encontra inscrito, emerge do facto inscrito e que a sua inscrição tem determinada substância - objeto e conteúdo de direitos ou ónus e encargos nele definidos (art.º 80º n.º 1 e 2 do Código do Registo Predial).A presunção não abrange os limites ou confrontações, a área dos prédios, as inscrições matriciais - com finalidade essencialmente fiscal - numa palavra, a identificação física, económica e fiscal dos imóveis, tanto mais que o mesmo é suscetível de assentar em meras declarações dos interessados, escapando ao controle do conservador, apesar da sua intervenção mesmo oficiosa, … com interesse para esta questão, aconselhamos a leitura dos artigos 60.º, 90.º e 46.º do Código do Registo Predial, os Acórdãos do STJ de 11 de Maio de 1995, 17 de Junho de 1997, 25 de Junho de 1998, 11 de Março de 1999, 10 de Janeiro de 2002 e 28 de Janeiro de 2003, retirados, respectivamente, da CJ/STJ – III-II-75, V-II-126, VI-II,134, VII-I-150; Sumários/2002, 28 e 249; Sumários/Janeiro, 2003, Acórdão do STJ 30.09.2004, este pesquisado no site (33) www.dgsi.pt (34)

Também no Acórdão do STJ de 21/6/2016 Processo 7487/11.4TBVNG.P2.S1, se considerou que a presunção não dever abrange os elementos identificadores do prédio. Aí se escreve que a presunção do art. 7º do CRP (e a despeito da expressão legal “nos precisos termos em que o registo o define”), não abrange a área, confrontações e/ou limites dos imóveis registados (só para referir a jurisprudência mais recente, citem-se neste sentido os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 11 de fevereiro de 2016, proferido no processo nº 6500/07.4TBBRG.G2.S3 , e de 14 de novembro de 2013, proferido no processo nº 74/07.3TCGMR.G1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt) (35).

Pretendem os autores, beneficiando a Autora de presunção derivada do registo, que se declare que são donos e legítimos proprietários do imóvel descrito no artigo 1º da petição inicial e se condene a Ré a reconhecê-los como seus donos e legítimos proprietários, a reintegrá-los na posse do mesmo e a pagar indemnizações pelos prejuízos causados.
Analisando a matéria de facto, constata-se - o que resulta do necessário documento que o prova, o doc. de fls 11 - que se encontra registado a favor da Autora, casada com o Autor no regime de comunhão de adquiridos, o Prédio rústico sito em ..., na freguesia ..., concelho de Freixo de Espada à Cinta, inscrito na matriz predial rústica sobre o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número … da freguesia de ..., imóvel que veio à titularidade da Autora por sucessão de seu pai, António.

Assim, a Autora tem registada seu favor a aquisição do imóvel, por partilha da herança de seu pai, pelo que, em conformidade com o nº1, do art.º 7.º, do Código de Registo Predial, se presume que a mesma é sua proprietária. O mesmo não sucede com o Autor dado o regime de bens (cfr referido doc. de fls 11) ser o da comunhão de adquiridos, sendo que os bens adquiridos depois do casamento por sucessão são considerados, em tal regime de bens, bens próprios, nos termos da al. b), do nº1, do art. 1722º.
E, na verdade, não resultaram provados factos que permitam concluir pela aquisição da propriedade nem a posse do Autor nem, ainda, sequer, que o poste de alta tensão tenha sido implantado no ser referido imóvel (artigo 1400).

Assim, pese embora a presunção de titularidade do direito de propriedade do imóvel anteriormente referido de que a Autora (e apenas ela) goza, dado o registo da aquisição a seu favor (cfr fls 11), não lograram os Autores provar ter a Ré implantado no referido prédio o poste de alta tensão, não estando, assim, provados todos os elementos da ação de reivindicação e os pressupostos da obrigação de indemnizar: o facto ilícito praticado pela Ré, causador de danos na esfera jurídica dos Autores.
Ora, em caso de incumprimento do ónus da prova, a ação é julgada contra quem impende tal ónus, sendo que, como vimos, cabia aos Autores a prova dos factos constitutivos do direito alegado, nos termos da regra geral da sua distribuição, consagrada no nº1, do art. 342º, do Código Civil, entre eles, a violação do seu direito, pela Ré, e que os danos se produziram na sua esfera jurídica.

Ponderada essa questão e considerando os termos como vem formulado o pedido, é evidente que, salvo quanto ao reconhecimento do direito de propriedade (pronuntiatio) da Autora, com base na presunção derivada do registo, não existindo qualquer modificação na matéria de facto considerada provada, nenhuma crítica pode, no demais, ser apontada à decisão de mérito proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, pois que, desde logo, nenhuma violação ao invocado direito de propriedade, pela Ré, ficou demonstrada.
Refira-se, ainda, que o conhecimento da questão da falta de registo da ação está prejudicado, sendo que, estando o direito a reconhecer já registado, nunca seria de efetuar tal registo.
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III. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência declaram a Autora dona e legítima proprietária do Prédio rústico sito em ..., na freguesia ..., concelho de Freixo de Espada à Cinta, inscrito na matriz predial rústica sobre o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número … da freguesia de ..., improcedendo o recurso quanto ao mais.
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Custas pelos apelantes (totalmente vencidos quanto a todas as pretensões, exceto quanto ao direito da apelante, fundado na presunção registral, não posto em causa pela parte contrária) – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.
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Desentranhe e devolva o documento de fls 334 aos apresentantes.
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Guimarães, 3 de maio de 2018

Eugénia Marinho da Cunha
José Manuel Flores
Sandra Melo


1. Acórdão da Relação de Guimarães de 22/1/2015, processo 561/12.1TBMAR-A.G1.dgsi.net
2. Acórdão da Relação de Lisboa de 19/1/2016, CJ, 2016, 1º, 62
3. Acórdão da Relação de Lisboa de 23/4/2025, Processo 1481/05, dgsi.net
4. Cfr., neste sentido, Acórdão da Relação de Coimbra de 24/3/2015, processo 4398/11.7T2OVR-A.P1.C1,in dgsi.net
5. Acórdãos da Relação de Coimbra de 18/11/2014, processo 628/13.9TBGRD.C1.dgsi.net e da Relação do Porto de 26/9/2016, processo 1203/14.6TBSTS.P1.dgsi.net, citados in Abílio Neto Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição revista e ampliada, Março de 2017, Ediforum
6. Acórdão da Relação de Guimarães de 3/3/2016, processo 7109/15, dgsi.net
7. Acórdão da Relação de Lisboa de 17/3/2016: CJ, 2016, 2º, 81
8. Acórdão da Relação de Guimarães de 24/4/2014, processo 523/11.6TBCBT.G1, in dgsi.net
9. Acórdão do STJ de 18/6/2013, processo 483/08.0TBLNH.L1.S1, in dgsi.net
10. Acórdão do STJ de 13/7/2017, processo 6322/11.8TBLRA-A.C2.S1, in dgsi.net
11. Acórdão da Relação do Porto de 24/1/2018 Processo 131/16.5T8MAI-A.P1, in dgsi.net
12. Acórdão do STJ de 26/5/2015, processo 1426/08.7TCSNT.L1.S1in dgsi.net
13. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, pags 155-156
14. Ac. STJ. de 14/02/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.G1.S1, in base de dados da DGSI.
15. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, 2017,pag. 153
16. Ibidem, pág. 153.
17. Ibidem, pags 155 e seg e 159
18. Ac. da Relação do Porto de 18/12/2013, Processo 7571/11.4TBMAI.P1.dgsi.Net
19. Abrantes Geraldes, idem, pags 155-156
20. Abílio Neto, Código de Processo Civil anotado, 4ª Ed. 2017, Ediforum, Edições Jurídicas, Lda pag 999
21. Cfr. Ac. da Relação de Évora de 3/11/2016, processo 1070/13. dgsi.Net
22. Ac. Do STJ de 3/5/2016, Processo 145/11, Sumários, Maio/2016, p.3
23. Acórdãos RC de 3 de Outubro de 2000 e 3 de Junho de 2003, CJ, anos XXV, 4º, pág. 28 e XXVIII 3º, pág 26
24. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 348.
25. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, vol II, pag.635.
26. Acórdão da Relação do Porto de 19/9/2000, CJ, 2000, 4º, 186 e Apelação Processo nº 5453/06.3
27. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª edição, pag. 113, Coimbra Editora
28. Ana Prata (Coord.) e outos, Código Civil Anotado, vol II, 2017, Almedina, pag 108.
29. Luís Manuel Teles de Meneses Leitão, Direitos Reais, 6ª Edição, 2017, Almedina, pag 228.
30. Ibidem, pag 228
31. Ana Prata (Coord.) e outos, Código Civil Anotado, vol II, 2017, Almedina, pags 68,69
32. Ac. da Relação do Porto de 3 de Fevereiro de 2003 in www.dgsi.net
33. Acórdão da Relação de Coimbra de 3/12/2013 Processo 194/09.0TBPBL.C1, in Dgsi.net
34. Acórdão da Relação de Coimbra de 3/12/2013 Processo 194/09.0TBPBL.C1, in Dgsi.net
35. Acórdão do STJ de 21/6/2016 Processo 7487/11.4TBVNG.P2.S1, in dgsi.net