Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
634/19.0T8VCT.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: SERVIDÃO DE PASSAGEM
EXTINÇÃO POR DESNECESSIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Não basta para a extinção da servidão por desnecessidade que, para além da passagem objecto da servidão, exista a possibilidade de construção de outra via de acesso do prédio dominante para a via pública.
II - Perspectivando-se um juízo de proporcionalidade actualizada subjacente aos interesses em jogo, a extinção da servidão de passagem e a "alternativa" ao acesso existente é de molde a traduzir ainda assim um prejuízo significativo para o prédio dominante associado à onerosidade e agravamento que resulta de um novo acesso, por acarretar um lanço de escadas em número não apurado a vencer, a maior distância a calcorrear até ao ‘centro’ da casa de habitação e redução do terreno para a sua feitura – o que tudo consubstanciará maior onerosidade e agravamento ponderoso para acesso ao prédio dominante no confronto com o acesso pedonal existente.
II - A vantagem/utilidade que a servidão proporciona ao prédio dominante da autora, em face daquele apontado agravamento e onerosidade inerente à alternativa àquela, legitima a manutenção da compressão/sacrifício que a servidão representa para o prédio dos réus.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório;

Recorrente: M. F., (AA.);
Recorridos: J. L. e mulher R. L. (Réu);
*****
Pedido:

A autora intentou a presente acção de processo comum contra os réus, pedindo que:

a) Se declare que é legítima proprietária e possuidora do prédio identificado no artigo 1º da petição inicial;
b) Se declare que o caminho que se situa a norte do prédio da autora e que serve o caminho desta é um caminho de servidão;
c) Se condenem os réus a reconhecerem que a autora tem o direito de passar nesse caminho;
d) Se condenem os réus a não turbarem o exercício deste direito da autora sobre o dito caminho, abstendo-se de qualquer ato que limite o exercício livre desse direito a servidão por parte da mesma;
e) Se condenem os réus a pagar à autora, por cada ato concreto que pratiquem de que resulte a turbação do direito de servidão detido pela autora, uma sanção pecuniária de € 1.000,00, acrescida de € 5.000,00 por cada dia que perdure essa mesma turbação e de todas as despesas que resultem para a reposição da situação anterior à turbação.

Causa de pedir:

A autora alegou que é dona de um prédio urbano sito no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Monção, com a área total de 369 m2, a confrontar a norte com J. L., a sul com herdeiros de A. B., a nascente com J. L. e a poente com caminho público, descrito na conservatória sob o n.º ... da respetiva freguesia e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., prédio registado a seu favor pela Ap. 7, de 1981/02/06, e que lhe adveio por doação que lhe fizeram os seus pais, I. F. e T. B., no ano de 1970. Desde então que a autora vem exercendo atos de posse sobre tal prédio, como foi o caso das obras de reconstrução na casa de moradia que integra o referido prédio e que ficaram concluídas em 1981, ano em que a autora, o seu então marido e a filha mais velha passaram a habitar.
Que desde então ali habita continuamente, procedendo às obras de melhoramento e conservação, agricultando os respetivos rossios, colhendo e fazendo seus os frutos respetivos, o que fazia à vista de toda gente, sem oposição de ninguém e na convicção de exercer direito próprio e correspondente ao direito de propriedade.
Há mais de 20, 30, 40 e mais anos que o acesso ao prédio da autora sempre se fez pelo caminho de servidão a norte do seu prédio e que dá acesso ao caminho público denominado Rua do …, sendo que nunca a autora ou os seus antepossuidores tiveram qualquer outro caminho para aceder ao seu prédio, tanto a pé como com veículos de quatro rodas.
Há cerca de um ano, aquando da aquisição pelos réus do prédio que confronta a nascente com o prédio da autora, estes passaram a ocupar o caminho de servidão, designadamente, aí colocando tojo, gravilha, depositando plástico para o lixo, pedras (mormente pedras de médio porte que ali colocaram em finais de Dezembro de 2018. Em meados de Janeiro de 2019, os réus depositaram dois montes de tojo no caminho, ocupando praticamente toda a sua largura, impedindo a autora de aceder livremente ao seu prédio.
O caminho de servidão inicia-se junto ao caminho público, com 4,9 metros de largura, estreita até ao prédio a nascente do da autora, local onde mede 2,160 metros, sendo que na entrada do prédio da autora, esse caminho de servidão tem apenas 1,85 metros, e, face à ocupação de uma parcela desse caminho pelos réus, a passagem de veículos de quatro rodas fica condicionada.
Quando é possível circular, os veículos têm de circular junto ao muro de suporte de terras do prédio da autora. O réu marido, quando tem necessidade de passar de tractor, necessariamente tem de passar com as rodas do tractor a tocar no muro da autora, o qual, edificado há mais de 30 e 40 anos, começa agora a ceder, apresentando perigo de queda para o caminho, temendo a autora, não só pela queda do muro, como pela desestabilização da sua casa, já um dos pilares da mesma assenta muito perto do muro.
Que a ocupação do referido caminho de servidão inviabiliza o aproximar de uma ambulância ou dos carros dos bombeiros para a casa da autora.

Citados, os réus contestaram, afirmando que jamais questionaram ou perturbaram o direito de propriedade da autora sobre o prédio identificado em 1º da PI.
Quanto ao invocado direito de passagem da autora, afirmam que existe, efetivamente, mas é meramente pedonal, com exclusão de trânsito carral, qualquer que seja.
De acordo com os réus, o prédio da autora não é prédio encravado, já que confronta, pelo poente, com caminho público que oferece excelentes condições de circulação a pé e de carro, sendo que na extrema poente do prédio identificado em 1º da PI existe há mais de 20 e 30 anos, uma entrada de acesso às edificações urbanas da autora, com largura de 2 metros, que permite o trânsito de veículos e pessoas de modo ininterrupto, durante todas as horas do dia e ao longo de todos os dias do ano, em perfeitas condições de segurança e conforto e que, aliás, a autora vem usando, há mais de 20 e 30 anos, ininterruptamente, à vista de toda a gente e sem qualquer oposição.
É absolutamente desnecessário o uso do caminho de servidão de passagem pedonal (cujas características são até evidenciadas pelo portão de acesso existente no prédio da autora) que vem onerando o prédio dos réus.
Os réus, conquanto não impeçam ou dificultem o trânsito pedonal da autora, podem usar, fruir e dispor do seu prédio como melhor lhes aprouver.
No que concerne ao muro da autora - e negando peremptoriamente que o seu trânsito de tractor haja alguma vez causado dano ao muro – aceitam que o mesmo está em risco de desmoronamento, mas apenas e só porque nos últimos 20, 30 e 40 anos nunca procedeu a obras de reparação, manutenção ou sequer limpeza do muro, que, em toda a sua extensão se encontra em progressiva inclinação, na parte superior, no sentido sul-norte, com risco real de desabar para o caminho de servidão que integra o prédio dos autores.
Alegam ter o réu marido, adquirido por sucessão de seus pais, M. L. e B. R., os prédios descritos em 29º da contestação/reconvenção, prédios de que, por si e seus antepossuidores, há mais de 20, 30 40 e 50 anos, os réus estão na posse pública, pacífica, exclusiva e sucessiva, posse traduzida na utilização das edificações urbanas para armazenar fenos e rações destinados à alimentação dos seus animais, para armazenar batatas, cebolas e vinho e para albergar tractores, alfaias agrícolas e outros utensílios à atividade agrícola que ali desenvolvem, na limpeza e cultivo da parte rústica, (de que retiram potencialidades e frutos e cultivam e tratam), mais pagando os encargos tributários dos prédios, fazendo-o à vista de toda a gente, com o ânimo de exercerem o direito de propriedade de que são titulares exclusivos, sem oposição de ninguém, mormente da autora.
No dia 1 de Fevereiro de 2017, por contrato de compra e venda, adquiriram a M. C. e A. C., o prédio rústico denominado “Eira”, na freguesia de ..., Lugar de ..., Monção, composto de terreno de cultura com a área de 150 m2, a confrontar do norte e nascente com M. L., do sul com M. R. e do poente com I. F., inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ... e descrito na CRP sob o n.º ..., mostrando-se a aquisição a favor dos réus registada pela Ap. 432 de 2017/02/02.
Não sendo o prédio da autora encravado e dispondo ela de entrada carral e pedonal com 2 metros de largura, que lhe permite transitar em segurança e comodidade de e para o caminho público, torna a servidão pedonal desnecessária, onerando injustificadamente os réus que se vêem, desde logo, impedidos de delimitar o seu prédio da via pública e de cultivar o seu prédio em toda a extensão.
Pedem que se considere extinta, por desnecessidade, a servidão que existe.
Para a eventualidade de improceder tal pretensão, alegam que a abertura de nova entrada, pelo poente é viável e não implica incómodo que se repute de relevante para a autora, tanto mais que os custos sempre seriam a suportar pelos réus.

Concluem peticionando que seja a ação julgada improcedente e, em sede de pedido reconvencional, peticionam:

- Que se declare que são proprietários dos prédios que identificam sob alíneas a) e b) do artigo 29º e no artigo 41º da contestação/reconvenção;
- Que o direito de servidão de passagem pedonal que onera os seus prédios a favor do citado prédio da autora deverá ser declarado extinto por desnecessidade, já que tem outra entrada mais segura e cómoda;
E, subsidiariamente, para a eventualidade de se considerar que tal entrada não é suficiente,
- Que seja declarada extinta por desnecessidade, por ser viável e estarem os réus obrigados a custear as obras com vista a tal desiderato.

Na réplica, veio a autora reafirmar que sempre o acesso ao seu prédio se fez pelo caminho de servidão que onera o prédio dos réus, que é o único acesso de que dispõe e o único que usou, seja pedonal, seja carral.
Refuta que seja possível construir acesso pelo lado poente, dada a elevada cota de terreno relativamente ao caminho público.
Quanto ao trânsito carral, afirma que sempre a própria e o ex-marido se serviram do caminho para carregar objetos pesados, descarregar ração para os animais, descarregar os gigos de uvas resultantes da vindima, para coloca-las na adega, na entrada da casa da autora, o que sempre aconteceu há mais de 20, 30 e 40 anos, à vista de todos e sem oposição de ninguém, incluindo os réus que só após a aquisição primeiro por sucessão e depois por compra vem modificando os prédios para negar o evidente, sobretudo após aquisição do prédio a que se alude em 49º e agora que a autora não vindima e menos frequentemente transita por ali de carro, assinalando ser pessoa de idade avançada, que vive sozinha e que pode, a qualquer momento, necessitar de recorrer a algum veículo de emergência de suporte de vida.
Mais refere que a entrada que os réus afirmam ser sua integra o prédio que é pertença da herança indivisa aberta por óbito de C. B..
A acrescer, toda a edificação da casa e anexos estão voltados para o caminho de servidão, o mesmo se diga da entrada e porta principal da casa.
De acordo com a autora, os prédios dos réus estão todos devidamente delimitados e a parcela de terreno em causa jamais poderá ser cultivada, porquanto é o acesso para o prédio dos réus, que confronta a norte e nascente com o da autora.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença na qual se decidiu :

«1. Julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:
a) Declaro que a autora adquiriu, por doação, o direito de propriedade sobre o prédio urbano, composto de casa de R/C e 1º andar, com área total de 369 m2, dos quais 89,6 m2 de área coberta e 279,4 m2 de área descoberta, sito no Lugar de ..., freguesia de ..., a confrontar do norte e nascente com J. L., do sul com Herdeiros de A. B. e do poente com caminho público, descrito na CRP de Monção sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da referida Freguesia.;
b) Declaro que o prédio identificado em 10.2 dos factos provados se mostra onerado com servidão de passagem pedonal a favor do prédio identificado em 1., através da faixa de terreno, a sul desse prédio, que parte do caminho público, no sentido poente/nascente onde apresenta a largura de 4,90, estreitando para nascente e com a largura, em frente ao portão descrito em 9 de 2,10 metros, servidão essa que se constituiu por usucapião.
c) Condeno os réus a reconhecerem o declarado sob as alíneas a) e b); e
d) Absolvo os réus do demais peticionado contra si pela autora.
2. Julgo a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência:
a) Declaro que os réus reconvintes adquiriram, por compra, o direito de propriedade sobre o prédio rústico, denominado “Eira”, sito no Lugar de ..., freguesia de ..., Concelho de Monção, composto de terreno de cultura, com área de 150 m2, a confrontar do norte e nascente com o réu marido, do sul com M. R. e do Poente com I. F., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ... e descrito na CRP sob o n.º ... da referida Freguesia; e
b) Declaro que o réu reconvinte marido adquiriu, por sucessão hereditária, o direito de propriedade sobre o prédio urbano destinado a habitação, sito no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Monção, composto de casa com dois pisos e duas divisões, com a área bruta de construção de 48 m2, a confrontar de norte com A. A. e outro, do sul com a autora, do nascente com M. R. e do Poente com caminho público, inscrito na matriz sob o artigo ... da referida Freguesia, e sobre o prédio rústico, denominado “Eido”, sito no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Monção, composto de cultura e vinha em ramada, com a área de 0,131 ha, a confrontar de norte com M. G., do sul com M. R., do nascente com autora e do Poente com caminho público, inscrito na matriz sob o artigo ... da referida Freguesia.
c) Declaro extinta, por desnecessidade, a servidão de passagem a que se alude em 1.b) do dispositivo, que onera o prédio identificado em 10.2 dos factos provados e que beneficia o prédio da autora melhor identificado em 1, ficando os custos da abertura de acesso pedonal a cargo dos réus/reconvintes;
d) Condeno a reconvinda a reconhecer o declarado em a) a c); e
e) Absolvo a reconvinda do demais peticionado contra si pelos reconvintes».

Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso a autora, de cujas alegações se extraem as seguintes conclusões:

1 - A Autora não se conforma com a decisão proferida que apenas julgou a acção parcialmente procedente bem como o pedido reconvencional.
2 - Desde logo, porque das duas questões suscitados nos autos, apenas a segunda é controversa.
3 - Porquanto, não existe dúvidas que a Autora é dona e legitima possuidora do prédio identificado no ponto 1 dos factos provados e os Réus, são igualmente donos e legítimos possuidores dos prédios identificados nos pontos 10, n.º 1 e 2 e 17 dos factos provados.
4 - A controvérsia coloca-se quanto à segunda questão de saber se existe ou não servidão de passagem que onere o prédio dos Réus a favor do prédio da Autora e em caso afirmativo se o mesmo deve ou não ser declarado extinto por desnecessidade
5 - A A. na sua P.I. não identifica o prédio serviente, nem o prédio dominante, limitando-se a dizer que o acesso ao seu prédio sempre se fez pelo caminho de servidão existente a norte que dá acesso ao caminho publico designado rua do ..., afastando a noção de servidão predial estatuída no referido artigo 1543º do CC.
6 - Esta refere-se a um caminho de servidão e não em servidão de passagem, ou seja, sustenta o seu direito num alegado caminho, a que chama de “caminho de servidão”.
7 - Embora uma e outra coisa pareçam o reverso da mesma medalha a verdade é que pode existir um caminho de servidão (consortes) sem que haja necessariamente uma servidão de passagem tal e qual a noção de servidão predial do artigo 1543 do CC.
8 - Por outro lado, os próprios Réus no artigo 16º da sua Contestação alegaram que a referida servidão de passagem é feita através do prédio rustico a que chamam de “Eido”, melhor identificado no ponto 10.2 dos factos provados, sem que no entanto nenhuma prova tenha sido efectuada nesse sentido.
9 - Assim, ao não ser identificado por parte da A. o prédio serviente e o prédio dominante, e à ausência de prova neste sentido, coloca-se a questão de saber se estamos perante uma servidão de passagem, nos termos do disposto no artigo 1543º do CC ou pelo contrário, se estamos perante um caminho, que a Autora, erradamente identificou como de servidão, mas que, na verdade, atentas as suas características, se afigura de todo a um caminho de consortes.
10 - A decisão proferida, aponta no sentido da existência de uma servidão de passagem, ao declarar extinta por desnecessidade a servidão que onera o prédio identificado em 10.2 dos factos provados e que beneficia o prédio da Autora melhor identificado em 1.
11 - Não obstante, em momento algum essa decisão reconhece e declara, que a parcela de terreno faz parte integrante do prédio identificado em 10.2.
12 - Aliás, da matéria de facto, não é possível concluir que o dito caminho de servidão faça parte integrante da área do prédio dos Réus, nem mesmo dos pontos 16 e 9 dos factos tidos como provados.
13 - Pese embora o direito de propriedade da Autora e dos RR., sobre as passagens e sobre os seus prédios, ficou por decidir que prédio ou prédios, a dita parcela de terreno, que a Autora denominou de “Caminho de Servidão”, integra.
14 - Aspecto cuja prova é determinante para aferir se existe ou não uma servidão de passagem que onera um prédio a favor de outro, ou se, antes se existe um caminho que a Autora identificou como servidão, mas que atentas suas características pode ser denominado de consortes.
15 - Quer das declarações de parte, quer dos depoimentos das testemunhas, da Autora e Réus, prestados no fia 11/11/2019 e supra transcritos, a prova deste facto é inconclusiva, uma vez que, deles não resulta, que a referida parcela de terreno faz parte integrante do prédio identificado no ponto 10.2 dos factos tidos como provados, nem tal sequer foi perguntado.
16 - Aliás, do registo fotográfico dos autos e do resultado da inspecção judicial ao local, facilmente se conclui que o denominado caminho de servidão não faz parte integrante do prédio dos Réus, melhor identificado no ponto 10.2.
17 - Através do registo fotográfico, é possível verificar que o caminho de servidão possui leito próprio e é totalmente independente dos imoveis que o circunscrevem.
18 - É perfeitamente identificável por uma parcela de terreno, com uma largura de cerca de 4,9 metros no seu início, junto ao caminho publico, que vai estreitando até ao prédio dos Réus melhor identificado no ponto 17 dos factos tidos como provados, onde apenas possui uma largura de 2,16 metros, sendo que junto ao portão pedonal colocado no muro a norte do prédio identificado em 1, tem a largura de 2,10 metros, que permanece assim há mais de 40 anos, pelo menos, desde 1981.
17 - Onde são visíveis os sinais de circulação de veículos agrícolas, com rodados no pavimento que permanece em duro. (cfr. ponto 9 dos factos provados), encontrando-se a dita parcela de terreno, ladeada em toda a sua extensão, por muros de vedação em pedra que a demarca dos prédios da Autora e Réus, cujas entradas distam directamente para o leito do referido caminho.
18 - Assim, trata-se de um caminho autónomo e independente de qualquer um dos prédios da Autora e dos Réus.
19 - Logo, o Tribuna a quo não poderia ter dado como provado que a parcela pertencente ao caminho de servidão fazia parte integrante do prédio identificado no ponto 10.2 dos factos provados.
20 - E, assim, o ponto 16 dos factos tidos como provados, deveria ter sido dado como não provado e, em consequência, ser julgado improcedente o pedido efectuado pelos Réus na alínea b) da reconvenção.
21 - Tanto mais que, os Réus, em reconvenção, não provaram que a parcela de terreno a que chamam de servidão de passagem faz parte do prédio rústico, denominado de “eido”, melhor identificado no ponto 10.2 dos factos provados.
22 - Perante a falta de prova sobre este facto, o tribunal não poderá declarar ou reconhecer aos Réus, a existência de uma servidão de passagem, independentemente da forma como a Autora acede ao seu prédio. E, por maioria de razão declarar por desnecessidade extinta a referida servidão.
23 - Para que os RR. alcançarem a declaração de extinção do direito de servidão de passagem tinham, como ónus, a prova da sua existência, nos termos do artigo 342º, n.º1.
24 - Porém, estes não lograram demonstrar que o caminho de acesso ao prédio da Autora se faça por terreno integrante do prédio aludido nos pontos 10.2 dos factos provados.
25 - Pese embora exista naquela área uma faixa de terreno, em duro e trilhada, para trânsito a pé e de carro, entre a entrada do caminho público “...” e a extrema norte do prédio dos réus, com cerca de 4,9 metros de largura na parte inicial e com 2,16 na parte final. Porém, também ficou amplamente demonstrado que a faixa de terreno que constitui o denominado caminho de servidão, se encontra totalmente independente e destacada dos prédios, quer da Autora quer dos Réus e que a mesma se encontra, inclusive, ladeada por muros de pedra que servem de vedação e quaisquer uns dos referidos imoveis.
26 - Atendendo à definição legal do direito de servidão, esta falta de prova já era suficiente para que pedido formulado pelos Réus no ponto b) da contestação/reconvenção fosse improcedente. Até porque, não ficando demonstrando o encargo sobre o prédio dos Réus a favor do prédio da Autora, a restante construção jurídica perde qualquer sentido, já que não se pode declarar extinto (ou mandar o exercício para outro local) um direito que não existe.
27 - Face ao exposto, o Tribunal a quo julgou incorrectamente os factos do ponto 16 dos factos tidos como provados ao dar os mesmos como provados e, em consequência, ter declarado que a parcela pertencente ao caminho de servidão fazia parte integrante do prédio identificado no ponto 10.2 dos factos provados.
28 - Quando se impunha decisão diversa da recorrida, e como tal ser o mesmo dada como não provado.
29 - Nessa linha de pensamento também deveria ter sido dado como provado o facto dado como não provado na alínea c) dos factos tidos como não provados, ou seja, que “nunca a autora ou seus antecessores tenham tido qualquer outro caminho para aceder ao prédio identificado em 1.”
30 - Acresce que, ainda que por mera hipótese académica se admita o que não se admite que a parcela de terreno aqui em causa faz parte integrante do prédio dos RR, constituindo uma servidão de passagem que onera o seu prédio, a favor do prédio da Autora.
31 - A extinção duma servidão de passagem por desnecessidade, deve atender, apenas, à desnecessidade objectiva, referente ao prédio dominante, em si mesmo considerado, o que significa que a extinção da servidão com fundamento na desnecessidade da servidão tem de resultar de alterações objectivas, típicas e exclusivas, verificadas no prédio dominante.
32 - Cabe ao dono do prédio serviente alegar e provar – artigo 342. nº 1 do CC, que a servidão deixou de ter qualquer utilidade para o prédio dominante, por verificação de qualquer alteração produzida neste prédio, antes do momento em que a ação é proposta, quais as vantagens da extinção da servidão para o prédio serviente, quais os custos e prejuízos com o novo acesso para o prédio dominante e quais as características do novo acesso ou caminho.
33 - Não obstante, no caso sub judice apenas se apurou que o prédio dominante confronta com o denominado ..., porém, desconhece-se quantos metros terá a Autora que deixar de cultivar na parte rustica do prédio para se chegar à parte urbano (varanda). Não se apurou o custo das obras, apenas, se sabe que a Autora, ora recorrente, terá de destruir construções ali existentes, árvores de fruto e uma grande parte do terreno que aquela utiliza para cultivo.
34 - Acresce que, ao derrubar um muro com cerca de 2 metros de altura, terá que retirar do local uma enorme quantidade de terra que descalça todo o socalco do prédio que serve de suporte à habitação, com um eminente perigo de ruir, atenta a proximidade do referido muro com os alicerces da casa.
35 - Factos que não foi devidamente acautelados, pelo relatório pericial doa autos, e poderá trazer consequências irreparáveis para o prédio (casa) da Autora. Além do prejuízo,
36 - Por outro lado não existe projecto, ou parecer prévio da Autarquia a permitir a realização da obra, necessário uma vez que o novo acesso, dista diretamente para a via pública.
37 - Assim, além do prejuízo imediato que a Autora terá que sofrer com a demolição do muro, remoção das terras, destruição de construções e árvores de fruto, esta desconhece e não ficou determinado as características do novo caminho, que tipo de construção vai ser efetuada e quais os materiais a utilizar.
38 - Além de que, não existe qualquer alteração sofrida pelo prédio dominante para que deixe de ter qualquer utilidade uma servidão constituída há mais de 30 anos.
39 - Acresce ainda, que os Réus, também não provaram os benefícios que adviriam para o prédio serviente da extinção da referida servidão de passagem, limitando-se a alegar motivos relacionados com a privacidade e tapagem dos seus prédios.
40 - O que, não corresponde à verdade, porque os registos fotográficos juntos aos autos, demonstram que os prédios dos Réus, são fechados, vedados e demarcados por muros em pedra, com entradas próprias e, portanto, autónomos e independentes.
41 - Outrossim, a extinção da servidão, não irá constituir para parcela uma mais-valia, até porque, a parcela de terreno onde se encontra implantado o caminho de servidão, nem sequer permite aumentar a área de cultivo.
42 - Logo, a matéria de facto provada não é suficiente para que se conclua que a servidão deve ser extinta, por desnecessidade.
43 - Acresce que, da prova testemunhal, nomeadamente da testemunha M. E. prestado no dia 11/11/2019 supra transcrito, e documental junta aos autos, designadamente, das fotografias, do relatório pericial e até da inspecção judicial ao local, resulta que o único acesso que a Autora dispõe para aceder ao seu prédio é pelo denominado “caminho de servidão”.
44 - Se a Autora não tem outra entrada, o Tribunal não pode declarar extinta, por desnecessidade, a servidão de passagem a que alude em 1.b) do dispositivo que onera o prédio identificado em 10.2 dos factos provados e que beneficia o prédio da Autora melhor identificado em 1. Neste sentido, as declaração da parte da Autora M. F. – prestadas no dia 11/11/2019, supra transcrito.
45 - Desta forma, mais uma vez se reafirma a convicção de ter sido incorretamente julgada a matéria dos factos provados no ponto 16 e impunha-se ao Meritíssimo juiz a quo, decisão diferente sobre tal matéria.
46 - Por outro lado, dos depoimentos supra transcritos resulta que a entrada a que se refere o ponto 23 dos factos tidos como provados, não pertence ao prédio da Autora, mas antes ao prédio da denominada casa velha, hoje em ruinas, que foi a casa de morada de família dos seus pais, a qual em virtude de partilhas ficou a pertencer a seu irmão de acordo com os usos e costumes.
47 - Além disso, dos registos fotográficos dos autos, da inspecção judicial ao local e do relatório pericial, é possível aferir que no local não existem quaisquer indícios que a A. utilize essa entrada, como acesso a pé ou de carro para o seu prédio.
48 - A ausência de sinais visíveis e permanentes da utilização dessa entrada, como meio de aceder, a pé ou de carro, ao prédio da Autora, não permitem ao Tribunal dar como provado o ponto 23 dos factos provados.
49 - Logo, o Tribunal a quo deveria ter dado como não provado o ponto 23 dos factos tidos como provados.
50 - Caso o Tribunal quisesse com segurança dar como provado que a Autora acedia ao seu prédio, a pé ou de carro por aquela entrada, deveria fazer intervir, nos autos, o proprietário do imóvel em ruinas (casa em ruinas).
51 - Porém, o proprietário do imóvel não teve intervenção nos autos como parte.
52 - Logo, ao declarar que a Autora, beneficia ou não dessa entrada, sem intervenção do proprietário do imóvel corre-se um sério risco, de decidir de um direito que não existe.
53 - Assim e, uma vez que, não poderia o Tribunal a quo ter declarado a existência de uma passagem deste prédio, a favor do prédio da Autora e como tal não deveria ter dado como provado o ponto 23 dos factos tidos como provados.
54 - Ao fazê-lo foi essa matéria incorretamente julgada, porquanto, tais factos deveriam ter sido julgados, clara e inequivocamente, como não provados.
55 - Neste sentido, o Tribunal também não deveria ter dado como provado o ponto 27 dos factos tidos como provados.
56 - No entanto deveria ter dado como provado o facto dado como não provados nas alíneas c) e j) dos factos tidos como não provados.
57 - Face ao exposto, e salvo melhor opinião que a douta sentença ao em crise é nula por falta de fundamentação, uma vez que, não foram provados factos suficientes para chegar decidir como decidiu, quanto à existência da própria servidão, à ausência de alterações objectivas, típicas e exclusivas, verificadas no prédio dominante.
58 - E nem sequer existe um juízo de proporcionalidade na decisão, tendo em conta as vantagens e desvantagens da sua extinção por desnecessidade, atento os motivos invocados, quer pelo prédio serviente, quer pelo prédio dominante, pois não basta que o prédio da Autora confronte a ponte com via pública, porque se assim fosse já não se teria constituído.
59 – Face ao exposto, a matéria de facto dos pontos 16, 23 e 27 dos factos tidos como provados foram incorretamente julgados, bem como os factos tidos como não provados nas alíneas c), f) e j), dos factos tidos como não provados, existindo, nítida contradição na fundamentação entre a matéria de facto dado como provada e a dada como não provada.
60 - Por último, dizer que o Tribunal à quo não se pronunciou sobre o pedido da Autora, quando ao reconhecimento do seu direito de passagem sobre o dito caminho de servidão, ou seja, a decisão proferida não faz qualquer referência, aos pedidos formulados pela Autora, nos pontos 2 e 3 do seu petitório.

Termos em que, e no mais que Vossas Excelências suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência ser a matéria de facto alterada nos termos expostos revogando-se a sentença, substituindo-se por outra, que considere como não provados os pontos 16, 23 e 27 dos factos tidos como provados e considere provados os factos das alíneas c), f) e j), dos factos tidos como não provados, tudo de molde a que todos os pedidos efetuados pela Autora sejam julgados procedentes por provados, condenando-se a final os Réus na totalidade do pedido da Autora e, considerando-se improcedente por não provado o pedido reconvencional deduzido pelos RR..

Não houve contra alegações.

II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos do artigo 639º do Código de Processo Civil (doravante CPC).

As questões suscitadas pelos Recorrentes são as seguintes:

a) Nulidade da sentença: falta de fundamentação e omissão de pronúncia;
b) Erro na apreciação da prova: alteração da matéria de facto;
c) Existência ou não de servidão de passagem; não prova da sua desnecessidade;

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – Fundamentos;

1. De facto;

A factualidade dada como assente na sentença recorrida é a seguinte:
1. Mostra-se inscrito a favor da autora o direito de propriedade plena sobre o prédio urbano, composto de casa de R/C e 1º andar, com área total de 369 m2, dos quais 89,6 m2 de área coberta e 279,4 m2 de área descoberta, sito no Lugar de ..., freguesia de ..., a confrontar do norte e nascente com J. L., do sul com Herdeiros de A. B. e do poente com caminho público, descrito na CRP de Monção sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da referida freguesia, pela Ap. 7 de 1981/02/06 (cfr. documentos de fls. 8 v.-9 e 10 e auto de inspecção judicial ao local de fls. 95-100, ainda por referência a fls. 86-94);
2. Tal prédio adveio ao domínio e posse da autora por efeito de doação que lhe fizeram seus pais, I. F. e T. B. em data não concretamente apurada, mas anterior a 06/02/1981. (cfr. documento de fls. 8 v.-9)
3. Desde então e por isso há mais de 20 e 30 anos, a autora tem exercido atos de posse sobre tal prédio, condizentes com o exercício do direito de propriedade.
4. Em data não concretamente apurada mas anterior a 06/02/1981, a autora realizou obras de reconstrução na casa de moradia que integra o prédio identificado em 1, as quais ficaram concluídas em data não concretamente apurada mas que se situa em data não posterior ao ano de 1981.
5. Na verdade, pelo menos em 1981, a autora, o então marido e a filha mais velha de ambos, passaram a habitar a referida habitação, que constituíram casa de morada de família, onde tiveram mais uma filha e onde a autora, desde então e continuamente vem habitando.
6. Desde, pelo menos, 1981 que a autora vem-se aproveitando de todas as utilidades do prédio, designadamente habitando a respetiva casa de morada, melhorando-a e conservando-a, bem como agricultando os respetivos rossios, colhendo e fazendo seus os frutos e rendimentos respetivos,
7. Atos estes sempre praticados à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e com o animus de sobre tal prédio exercer os respetivos poderes correspondentes ao direito de propriedade,
8. Todos reconhecendo, ao longo de tal período de tempo, que só ela era a legítima dona e possuidora.
9. Desde 1981, a autora acedeu apeada ao seu prédio, também pela parcela de terreno a norte do seu prédio, que parte do caminho público, denominado “...”, através de portão com 1,5 metros de largura e com degraus, que impossibilita, por ali, o trânsito carral, sendo que por tal parcela se transitava, a pé e de carro, para aceder ao prédio rústico a nascente do prédio identificado em 1, e que foi pertença de M. C. e A. C., que o herdaram de P. R.. (cfr. Documentos de fls. 38 v.-42 e fls. 43)
10. Naquele Lugar de ..., o réu marido tem inscritos na matriz a seu favor os seguintes prédios:
10.1. prédio urbano destinado a habitação, sito no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Monção, composto de casa com dois pisos e duas divisões, com a área bruta de construção de 48 m2, a confrontar de norte com A. A. e outro, do sul com a autora, do nascente com M. R. e do Poente com caminho público (Rua ...), inscrito na matriz sob o artigo .... (cfr. Fls. 37 v.)
10.2. Prédio rústico, denominado “Eido”, sito no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Monção, composto de cultura e vinha em ramada, com a área de 0,131 ha, a confrontar de norte com M. G., do sul com M. R., do nascente com autora e do Poente com caminho público (Rua ...), inscrito na matriz sob o artigo .... (cfr. Fls. 38 f.)
11. Na verdade, em 26/11/2013, na UF de … e …, concelho de Monção, faleceu, sem deixar testamento ou outra disposição de última vontade, M. L., no estado de viúvo de B. R., com última residência habitual no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Monção, sucedendo-lhe como seu único filho o aqui réu, que, em 28/02/2014, na qualidade de cabeça de casal e único sucessor, procedeu ao preenchimento e entrega, no SF de Monção, do Modelo 1 do Imposto do Selo, em vista a participar à AT a transmissão gratuita de todo o acervo patrimonial que compunha a herança do de cuius e que integrava os prédios identificados em 10. (cfr. Fls. 31 v.-32 f., 32 v.-34 f., 34 v.-37 f., 37 v. e 38 f.)
12. Há mais de 20, 30 40 e 50 anos que os réus, por si e por seus antecessores, estão na posse pública, pacífica e exclusiva e sucessiva de tais prédios, designadamente, utilizando as edificações urbanas para armazenar fenos e rações destinados à alimentação dos seus animais, para armazenar batatas, cebolas e vinho e para albergar tractores, alfaias agrícolas e outros utensílios destinados à atividade agrícola por si ali desenvolvida,
13. traduzindo-se também na limpeza e cultivo da parte rústica, dela assim retirando todas as suas potencialidades e frutos, por si colhidos e consumidos,
14. Fazendo a poda a videiras, em que aplicavam adubos e fitofármacos, renovando cepas, conservando e reparando muros de delimitação, limpando e roçando mato, codessos e ervas daninhas (impedindo a sua proliferação), lavram e cultivam a terra, semeando ervas para alimentarem os seus animais domésticos, feijão, milho, favas e outros produtos hortícolas, colhendo-os e fazendo-os seus para seu consumo próprio, suportando, ainda, todas as contribuições e encargos fiscais, mormente IMI, inerentes à sua qualidade de exclusivos proprietários,
15. Atos que sempre praticaram à vista de toda a gente, com o ânimo de sobre os ditos prédios exercerem os poderes correspondentes ao direito de propriedade, sem oposição de ninguém, nomeadamente da autora, antes todos reconhecendo, ao longo de tão dilatado período de tempo, que só eles eram, sem nunca deixarem de ser, seus legítimos donos e possuidores.
16. O prédio rústico a que se alude em 10.2., que integra o caminho de servidão, é contíguo ao prédio urbano identificado em 1., na confrontação sul/norte.
17. Os réus, no dia 01/02/2017, por via de contrato de compra e vende, formalizado por documento particular autenticado, adquiriram a M. C. e A. C. o prédio rústico, denominado “Eira”, sito no Lugar de ..., freguesia de ..., Concelho de Monção, composto de terreno de cultura, com área de 150 m2, a confrontar do norte e nascente com o réu marido, do sul com M. R. e do Poente com I. F., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ... e descrito na CRP sob o n.º ..., onde tal aquisição se mostra registada a favor do réu marido, casado com a ré mulher segundo o regime da comunhão de adquiridos, pela AP. 432/02/02/2017. (cfr. Fls. 38 v.-42 e 43)
18. Aquando da aquisição pelos réus do prédio a que vem de se aludir, altura em que o prédio pelo lado norte e nascente passou a pertencer-lhes, estes passaram a ocupar a parcela de terreno por se faz o acesso pedonal para o prédio identificado em 1. e pedonal e carral para o a que se alude em 17. Como lhes apraz, aí colocando tojo, gravilha, pedras (mormente de médio porte), o que sucedeu em data não concretamente apurada mas após 02/02/2017.
19. A referida parcela de terreno tem uma largura de cerca de 4,9 metros no seu início, junto ao caminho público, e vai a estreitar até ao prédio identificado em 17., onde apenas possui uma largura de 2,160 metros, sendo que junto ao portão pedonal colocado no muro a norte do prédio identificado em 1., tem a largura de 2,10 metros. (cfr. Auto de inspecção judicial de fls. 95-100 e fls. 86-94)
20. Face à concreta ocupação por parte dos réus de uma parcela desse terreno, os veículos por vezes têm de circular próximo do muro de suporte de terras na estrema norte do prédio identificado em 1.. (cfr. Auto de inspecção judicial de fls. 95-100 e fls. 86-94)
21. O muro da autora a que vem de se aludir, nos primeiros 15 metros a contar do caminho público (que não na zona do portão), aí edificado em data não concretamente apurada mas nunca depois de 1981, começa agora a evidenciar instabilidade, apresentando perigo de queda para a parcela de terreno por onde se faz o acesso nos moldes descritos em 18., sobretudo em presença de fenómenos climáticos como chuvadas e dias de temporal e trovoadas, o que se deve, em grande parte à deficiente, ou mesmo inexistente, fundação do muro, em violação das boas regras de execução deste tipo de estrutura, sobretudo quando está em causa, como está, muro de suporte de terras em grande parte do seu desenvolvimento, fragilidade que, por força da possível agravação da deterioração do talude em que o muro assenta, é passível de ser agravada pela passagem de rodados de tractores e afins. (cfr. Fls. 68-77)
22. O que vem de aludir-se não compromete a estabilidade da casa implantada no prédio identificado em 1., contudo e porquanto o pilar da varanda da fachada norte mais próximo do caminho público está a cerca de 1,5 metro da zona de transição do muro estável (a partir de 15 metros a contar do caminho público e na zona que circunda o portão do referido muro) para o instável, este pode ficar com a fundação “descalça”, levando ao eventual colapso do mesmo juntamente com o elemento varanda.
23. A autora vem, ao longo dos anos, utilizando, além da passagem anteriormente aludida uma entrada com a largura de 2,15, pelo poente, entrada que era comum ao prédio identificado em 1. e para o prédio (hoje em ruínas) que foi a casa de morada dos pais da autora (e do qual o identificado em 1. provém), mormente apeada, sendo possível igualmente o acesso carral, dispondo na fachada sul de entrada para a casa de habitação, entrada que conta com apenas com 4 degraus, ao passo que a entrada voltada a norte conta com cerca de 15 degraus. (cfr. Fls. 86-94 e 95-100)
24. Na fachada voltada a norte encontram-se as portas de acesso à adega, à outra divisão ao nível do R/C e duas portas (uma das quais a única com duas folhas da construção ao nível do 1º andar) ao nível do primeiro andar, também os anexos estão construídos voltados a norte.
25. Além das duas entradas já aludidas, a autora acede ainda à sua propriedade e inclusive à garagem que a própria e o marido construíram a nascente da ruína que foi a casa de morada dos pais da autora, apeada e, quando o então marido consigo vivia, com carro, através de entrada, com 2 metros de largura, que confronta com a Travessa do ..., significativamente mais distante da casa da autora do que as anteriores. (cfr. Auto de inspecção judicial de fls. 95-100 e fls. 86-94)
26. Autora e réus estão de relações cortadas há vários anos, havendo, inclusive, participações criminais entre ambas as facções.
27. A manutenção da servidão a onerar o prédio dos autores representa para eles um pesado ónus, agora que deixaram de ter ceder passagem para o prédio identificado em 17., vendo-se, desde logo, impedidos de delimitarem os prédios identificados em 10. e 17. da via pública, mormente a poente, impedindo a devassa e o acesso livre de terceiros, com prejuízo para o seu direito à reserva da vida privada, impedindo-os de, pelo menos em parte, cultivar a área por onde se vem exercendo a passagem.
28. O prédio identificado em 1. confronta com a via pública, pelo lado poente, numa extensão de, pelo menos, 12,30 metros, possibilitando a abertura de nova entrada que permita o trânsito, pedonal e carral, entre a Rua ... e a habitação da autora, estando em causa obras viáveis e que os réus se propõem custear, sendo a distância percorrida idêntica, apesar de obrigar a autora a vencer o desnível entre a via pública e os rossios a norte/poente pelo recurso a degraus em número não concretamente apurado.
29. Pontualmente e em datas não concretamente apuradas, conhecidos ou familiares da autora, quando a foram buscar ou levar a casa, adentraram com as suas viaturas pela parcela de terreno a que se alude em 18. e 19., apesar de ali não poderem manobrar o veículo.
30. A autora não tem carro e há vários anos que não produz vinho.
31. A autora é pessoa de idade avançada, que vive sozinha e sem familiares que a possam auxiliar e pode a qualquer momento necessitar de recorrer a algum veículo de emergência de suporte de vida.
32. Os prédios dos réus estão delimitados e vedados, deixando de fora a parcela de terreno a que se alude em 18. e 19..
33. A referida parcela de terreno não pode ser inteiramente cultivada, a menos que seja alterado o necessário acesso pedonal e carral aos prédios identificados em 10. e 17..
*
B) FACTOS NÃO PROVADOS

a) Que a doação a que e alude em 2. dos factos provados tenha sido feita concretamente no ano de 1970 e que desde essa data a autora venha praticando os atos a que se alude em em 3. a 8. dos factos provados;
b) Que o prédio a que se alude em 9. e 17. dos factos provados tenha sido propriedade de M. P.;
c) Que nunca a autora ou seus antecessores tenham tido qualquer outro caminho para aceder ao prédio identificado em 1.;
d) Que o acesso pelo caminho a que se alude em 9., 18. e 19. dos factos provados para o prédio identificado em 1. se fizesse também com veículos a quatro rodas (acesso carral em geral, seja através de veículos de tração animal, tratores, veículos automóveis e ambulâncias) e que assim tenha sido desde há mais de 40 e 50 anos;
e) Que na parcela de terreno a que se alude em 18. e 19. dos factos provados, os réus tenham depositado plásticos para o lixo e que tivesse, em frente ao portão a que se alude em 9. dos factos provados tenha 1,85 metros de largura e que, face à ocupação pelos réus de parte da mesma, nos moldes em que o vêm fazendo, condicione a passagem de veículos de quatro rodas e que, quando estes podem, apesar da ocupação que vem sendo feita, circular, têm de circular junto ao muro de suporte de terras do prédio da autora, tendo, concretamente, o réu marido, quando tem necessidade de passar de tractor, de passar com as rodas do mesmo a tocar no muro da autora e que essa a é a causa, pelo menos, primordial, para que o muro comece a ceder e para que apresente risco de queda para a parcela de terreno a que se alude em 18. e 19.;
f) Que a autora tema e que haja fundamento para tal temor, pela destabilização da casa face ao risco de colapso do muro;
g) Que a ocupação da parcela de terreno a que se alude em 18. e 19. dos factos provados, nos moldes em que vem sendo feita pelos réus ou ainda que total, inviabilize o aproximar de uma ambulância ou carro dos bombeiros até ao prédio da autora;
h) Que a abertura a que se alude em 23. dos factos provados se situe na estrema poente do prédio identificado em 1. ou que se situe no prédio contíguo e que constitua ou não constitua entrada própria da autora;
i) Que ao circular de trator os réus jamais tenham criado dano no muro de delimitação do prédio da autora a que se alude em 21. e 22. dos factos provados;
j) Que o risco de derrocada do muro a que se alude em 21. e 22. dos factos provados se estenda a toda a extensão do mesmo e se deva ao facto de, nos últimos 20, 30 e 40 anos a autora nunca ter procedido a obras de reparação, manutenção ou sequer de mera limpeza do muro e concretamente ao peso excessivo que a vegetação (hera trepadeira) cria no topo do muro, descalçando-o e tirando.se sustentação e estabilidade a partir da parte superior;
k) Que quando os réus circulam na faixa de terreno a que se alude em 18. e 19. Dos factos provados sintam receio da autora, por esta já os ter ameaçado e tentado emboscar, procurando atingi-los pelas costas com foice de cabo longo;
l) Que os réus possam, sem alterar o acesso aos prédios descritos em 10. e 17. dos factos provados, cultivar toda a faixa de terreno a que se alude em 18. e 19. dos factos provados;
m) Que não seja viável a abertura de acesso, a poente, do prédio identificado em 1. Para a Rua do ..., atenta a elevada cota do terreno - 2,12 metros – relativamente ao caminho público;
n) Que a autora e o seu marido se tenham servido da parcela de terreno a que se alude em 18. e 19. dos factos provados para carregar objetos pesados, descarregar ração para animais, bem como descarregar os gigos de uvas resultantes da vindima, de modo a coloca-los na adega;
o) Sempre que alguém vá levar ou buscar a autora a casa, ou quando foi necessário chamar ambulância, os referidos veículos tenham entrado na referida parcela de terreno, percorrendo-a até à entrada do prédio da autora, e que tal aconteça há mais de 20, 30 e 40 anos, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, designadamente dos pais do réu marido;
p) Que a abertura de novo acesso por força do desnível que teria de ser vencido, representaria uma dificuldade acrescida de qualquer meio de socorro aceder e fazer transportar alguém por uma maca até à via pública; e
q) Que a autora nunca tenha passado pela entrada a que se alude em 23. dos factos provados, nem de carro nem a pé, e que toda a edificação da casa construída no prédio identificado em 1. dos factos provados esteja de voltada para a faixa de terreno a que se alude em 18. e 19. dos factos provados.
C) A demais matéria contida nos articulados não releva para a decisão da causa, é conclusiva ou de direito, pelo que não foi aqui considerada.
*****
2. De direito;

a) Nulidade da sentença: falta de fundamentação e omissão de pronúncia;

Começa a recorrente por invocar a nulidade da sentença, com base em alegada falta de fundamentação e omissão de pronúncia – conclusões 57 e 60.

Afirma, assim, a violação, por parte da decisão recorrida, do disposto no artº. 615º, nº 1, als. b) e d), do CPC, onde expressamente se refere que é nula a sentença quando:

“b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;».

Argumenta a apelante que a referida falta de fundamentação existe porque “não foram provados factos suficientes para chegar a decidir como se decidiu, quanto à existência da própria servidão, à ausência de alterações objectivas, típicas e exclusivas, verificadas no prédio dominante” (sic).
Ora, a decisão recorrida não padece de nenhum dos apontados vícios.
As nulidades da decisão previstas no citado artº 615º do CPC são deficiências da sentença que não podem confundir-se com o erro de julgamento, o qual se traduz antes numa desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjectivo) aplicável. Nesta última situação, o tribunal fundamenta a decisão, mas decide mal; resolve num certo sentido as questões colocadas porque interpretou e/ou aplicou mal o direito (cfr. Ac. RC de 15.4.08, in www.dgsi.pt).
Como se resumiu no Ac. RL de 10.5.95 (in CJ, 1995, t. 3, pág. 179), “As nulidades da sentença estão limitadas aos casos previstos nas diversas alíneas do nº 1 do art. 668º [actual 615º] do C.P.C.. Não se verificando nenhuma das causas previstas naquele número pode haver uma sentença com um ou vários erros de julgamento, mas o que não haverá é nulidade da decisão.”
Quanto à não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, é entendimento doutrinal e jurisprudencial unânime que só a ausência total de fundamentação [caso da citada al.b)] acarreta a nulidade da sentença.
Já não uma fundamentação incompleta, inexacta ou sucinta.
Acresce que a pretensa “não prova de factos suficientes para se decidir como se decidiu quanto à existência da própria servidão, à ausência de alterações objectivas, típicas e exclusivas, verificadas no prédio dominante” o que pode vir a consubstanciar é um erro de julgamento, mas não uma nulidade da decisão por falta de fundamentação, já que esta enumera os fundamentos de facto e de direito que conduziram à decisão decretada.
Por outro lado, também não se descortina qualquer omissão de pronúncia, nomeadamente “sobre o pedido da Autora, quando ao reconhecimento do seu direito de passagem sobre o dito caminho de servidão, ou seja, a decisão proferida não faz qualquer referência, aos pedidos formulados pela Autora, nos pontos 2 e 3 do seu petitório”.

Tais pedidos são do seguinte teor:

«2) Se declare que o caminho que se situa a norte do prédio da autora e que serve o caminho desta é um caminho de servidão;
3) Se condenem os réus a reconhecerem que a autora tem o direito de passar nesse caminho».

Quanto aos mesmos é manifesto que a sentença se pronunciou detalhadamente.
Basta atentar na fundamentação de facto provada e não provada e na fundamentação de direito, desde logo a partir do seguinte parágrafo:” Debrucemo-nos, agora, sobre a questão da (in)existência da alegada servidão de passagem”.
E mais concretamente, nela se fundamentou que “ Inquestionável – e ambas as partes nisso consentem – é que efetivamente o prédio identificado em 10.2 está, há mais de 30 anos, onerado com servidão de passagem, que foi carral e pedonal para o prédio identificado em 17 e que para extinguir a servidão os réus adquiriram e pedonal (quanto ao âmbito da servidão, sendo certo que há divergência, alegando e pretendendo a autora ver reconhecido o direito de servidão carral, certo é também que a prova produzida não suporta tal pretensão, não podendo considerar que pontuais e não localizadas no tempo, deslocações de terceiros de carro, faz prova da alegada servidão para trânsito carral, que decai por conseguinte) do caminho público até ao portão a que se alude em 9, no que concerne ao prédio identificado em 1, da autora/reconvinda, servidão que se constituiu por usucapião, o que cumpre reconhecer, pelo que declaro que o prédio identificado em 10.2 dos factos provados se mostra onerado com servidão de passagem pedonal a favor do prédio identificado em 1., através da faixa de terreno, a sul desse prédio, que parte do caminho público, no sentido poente/nascente onde apresenta a largura de 4,90, estreitando para nascente e com a largura, em frente ao portão descrito em 9 de 2,10 metros, servidão essa que se constituiu por usucapião.
Quanto aos pedidos de condenação dos réus a reconhecerem e respeitarem os direitos de propriedade e de servidão que pretendem ver declarados nos presentes autos, dir-se-á que os mesmos são redundantes, na medida em que, sendo parte na presente ação, a decisão é-lhes oponível e impende sobre os réus a obrigação de respeitar os direitos declarados e de se absterem da prática de quaisquer atos que, por alguma forma, perturbem ou impeçam o seu exercício».
Em suma, inexiste a apontada falta de pronúncia acerca dos formulados pedidos 2) e 3) pela autora.

b) Erro na apreciação da prova;

A recorrente impugna ainda a matéria de facto, no que concerne aos factos provados nos pontos 16, 23 e 27 e aos não provados nas alíneas c), f) e j), os quais deveriam ter merecido resposta inversa, respectivamente.

Apreciando.

Em matéria de valoração das provas, nomeadamente dos depoimentos e da prova pericial em questão, bem como dos demais elementos juntos aos autos, seja as fotografias ou o auto de inspecção, o tribunal a quo aprecia-os livremente, por força do disposto no artº 607º, nº 5, do CPC.
É certo que, no que respeita à questão da alteração da matéria de facto, face ao invocado erro na avaliação da prova, cabe a esta Relação, ao abrigo dos poderes conferidos pelo artº 662º, do CPC, e, enquanto tribunal de 2ª instância, reapreciar, não apenas se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os restantes elementos constantes dos autos revelam, mas, também, avaliar e valorar (de acordo com o aludido princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto (1).
Mas importa, no entanto, não olvidar que, mesmo havendo gravação sonora dos meios de prova produzidos oralmente, o Tribunal de recurso está cerceado de toda a panóplia de elementos probatórios ao dispor do Tribunal a quo que enriquecem a reconstituição dos factos, como seja, desde logo, a inspecção ao local e, a nível testemunhal, a espontaneidade do testemunho, a linguagem gestual, os silêncios ou hesitações, enfim, a percepção do imediatismo desse depoimento.

Nesta vertente - impugnação da matéria de facto - a apelante começa por questionar a prova da matéria fáctica provada vertida nos pontos 16, 23 e 27, com o seguinte teor:

«16. O prédio rústico a que se alude em 10.2., que integra o caminho de servidão, é contíguo ao prédio urbano identificado em 1., na confrontação sul/norte.
23. A autora vem, ao longo dos anos, utilizando, além da passagem anteriormente aludida uma entrada com a largura de 2,15, pelo poente, entrada que era comum ao prédio identificado em 1. e para o prédio (hoje em ruínas) que foi a casa de morada dos pais da autora (e do qual o identificado em 1. provém), mormente apeada, sendo possível igualmente o acesso carral, dispondo na fachada sul de entrada para a casa de habitação, entrada que conta com apenas com 4 degraus, ao passo que a entrada voltada a norte conta com cerca de 15 degraus. (cfr. Fls. 86-94 e 95-100)
27. A manutenção da servidão a onerar o prédio dos autores representa para eles um pesado ónus, agora que deixaram de ter ceder passagem para o prédio identificado em 17., vendo-se, desde logo, impedidos de delimitarem os prédios identificados em 10. e 17. da via pública, mormente a poente, impedindo a devassa e o acesso livre de terceiros, com prejuízo para o seu direito à reserva da vida privada, impedindo-os de, pelo menos em parte, cultivar a área por onde se vem exercendo a passagem».

Pugna pela sua não prova.

Já, ao invés, defende que a factualidade não provada e constante das alíneas alíneas c), f) e j) merecia resposta negativa, cujo teor é o seguinte:
« c) Que nunca a autora ou seus antecessores tenham tido qualquer outro caminho para aceder ao prédio identificado em 1.;
f) Que a autora tema e que haja fundamento para tal temor, pela destabilização da casa face ao risco de colapso do muro;
j) Que o risco de derrocada do muro a que se alude em 21. e 22. dos factos provados se estenda a toda a extensão do mesmo e se deva ao facto de, nos últimos 20, 30 e 40 anos a autora nunca ter procedido a obras de reparação, manutenção ou sequer de mera limpeza do muro e concretamente ao peso excessivo que a vegetação (hera trepadeira) cria no topo do muro, descalçando-o e tirando.se sustentação e estabilidade a partir da parte superior».

Fundamenta tal modificação em erro de avaliação quanto à prova vertida nos pontos 9, 10.2 e 16 dos factos provados e à não prova dos factos elencados nas alíneas c), f) e j) para afirmar, desde logo, de forma algo temerária, que não foi alegado nem provado pela autora que o dito ‘caminho de servidão’ faça parte integrante da área do prédio dos réus.
Em suma, esgrime agora, nesta fase recursiva, que a autora, aqui recorrente, na sua petição inicial não identifica o prédio serviente, nem o prédio dominante, limitando-se a dizer que o acesso ao seu prédio sempre se fez pelo caminho de servidão existente a norte que dá acesso ao caminho publico designado rua do ..., quando é certo que, inexiste dúvida quanto à localização geográfica desse trato de terreno (dito ‘caminho de servidão’), à sua confrontação com o lado norte do identificado da autora e com o lado sul do prédio referenciado no ponto 10.2, pertencente ao réu marido e dele fazendo parte integrante – independentemente das confrontações matriciais plasmadas no aludido ponto de facto provado nº 9.
É o que resulta claramente do vertido no ponto 16 dos factos provados, no qual se refere que “O prédio rústico a que se alude em 10.2., que integra o caminho de servidão, é contíguo ao prédio urbano identificado em 1., na confrontação sul/norte”.
Isto, para além de se assinalar que ambas as partes, com base na materialidade alegada nos seus articulados (cfr. artigos 21 da p.i., 40º da contestação/reconvenção, 4º e 18º da réplica), sempre admitiram por acordo que existia o dito ‘caminho de servidão” a onerar o prédio dos réus pelo lado sul e a favor do prédio da autora pelo lado norte.
Ou seja, que a delimitação pelo lado sul do prédio (serviente) dos RR. confina com o lado norte do prédio (dominante) da A., abrangendo a parcela de terreno desse intitulado ‘caminho de servidão’.
E o registo fotográfico, o auto de inspecção e relatório pericial, também com fotografias, esclarecem perfeitamente tais confrontações neste sentido, ao invés do defendido agora pela recorrente, de forma oposta ao por si articulado (cfr. artigos 21º da p.i. e 4º e 18º da réplica e ainda o conteúdo do depoimento de parte da autora exarado em acta), sendo que a delimitação do prédio dos RR. em relação ao trato de terreno com rede ou pilares em pedra não afasta o seu domínio sobre o mesmo, já que sempre teriam de permitir a passagem a terceiros, quer à A., quer aos donos do prédio identificado no ponto 17 dos factos provados, constituindo tal vedação uma forma de evitar a devassa da restante parte do terreno.
A sua divergência apenas radicou na natureza da servidão de passagem – se pedonal/carral ou apenas pedonal – e na sua necessidade ou não.
Também o depoimento de parte da autora e o depoimento da testemunha M. E. infirmam tal, com vista à alteração daquela materialidade fáctica.
Bem pelo contrário, conforme exarado em acta, a autora corroborou que “Sempre fez o acesso preferencialmente pela entrada com cancela que dá para o terreno que confirma ser dos réus e por onde firma ter passagem. O trânsito que faz pelo caminho, que diz implantado no terreno dos réus (…)”.
Em síntese, reexaminada toda a prova produzida - seja a documental ( certidões de inscrição matricial e de descrição predial, cadernetas prediais, escritura de compra e venda, registo fotográfico do ‘caminho’ em causa e prédios rústico e predial que o ‘delimitam’, auto de inspecção ao local, relatório pericial, seja os depoimentos de parte da autora e dos réus, seja ainda o conteúdo dos depoimento da assinalada testemunha M. E., em conjugação com o relato prestado pelas restantes testemunhas, nomeadamente arroladas dos réus, - - podemos concluir que a valoração global da prova levada a cabo pelo tribunal recorrido, além de traduzir com fiabilidade o relato prestado pelas testemunhas ouvidas e evidenciar um escrutínio objectivo, imparcial, consistente e bem fundamentado, se mostra acertada, inexistindo a apontada deficiência ou erro de julgamento que serve de fundamento à pretendida modificação da matéria de facto.

Daí que se mantenha a mesma, nos pontos 16, 23 e 27 dos factos provados e nas alíneas c), f) e j) dos factos não provados, nos termos do artº 663º, nº 6, do CPC, com a ressalva do ponto 27, na parte relativa à expressão “pesado”, por se tratar de mera adjectivação e com conteúdo algo conclusivo, passando o mesmo a ter a seguinte redacção:

«A manutenção da servidão a onerar o prédio dos autores representa para eles um pesado ónus, agora que deixaram de ter ceder passagem para o prédio identificado em 17., vendo-se, desde logo, impedidos de delimitarem os prédios identificados em 10. e 17. da via pública, mormente a poente, impedindo a devassa e o acesso livre de terceiros, com prejuízo para o seu direito à reserva da vida privada, impedindo-os de, pelo menos em parte, cultivar a área por onde se vem exercendo a passagem».

c) Existência ou não de servidão de passagem; não prova da sua desnecessidade;

Em matéria de subsunção jurídica dos factos, contrapõe a recorrente que não se mostra provada a existência de uma servidão de passagem nem a sua desnecessidade, como pressuposto da sua extinção.
Quanto ao primeiro pressuposto - existência de uma servidão de passagem a favor do prédio da autora e onerando o prédio dos réus – além de a autora e réus admitirem por acordo a constituição da mesma (cfr. artigos 21 da p.i., 40º da contestação/reconvenção, 4º e 18º da réplica, em consonância com a confissão das partes exarada em acta, aquando do seu depoimento de parte), o factualismo vertido nos pontos de facto 16 e 23 enquadra-se na previsão normativa do artº 1543º, do Código Civil (CC) que define servidão predial e na modalidade de servidão de passagem, adquirida por usucapião – cfr. artºs 1544º e 1547º, ambos do CC.
Ainda que a recorrente pretenda afastar tal subsunção jurídica, ao alegar que a autora se referiu a um caminho de servidão e não a uma servidão de passagem, certo é que “por regra, um caminho de servidão define uma situação de servidão de passagem e/ou de aqueduto que onera um ou mais prédios em benefício de outros prédios rústicos, necessariamente pertencentes a donos diferentes (os dominantes e os servientes) como é pressuposto de qualquer servidão predial, estando afastada pelo actual ordenamento jurídico a orientação do primitivo direito romano de que o titular da servidão é também dono do terreno por onde se faz o percurso ou do leito por onde correm as águas – artº 1543º do Código Civil” (neste sentido vide Acórdão do TRG de 15.02.2018, proc. 159/12.4TBSBR.G1, in www.dgsi.pt).
Acresce que “um caminho de consortes traduz apenas uma situação de comunhão de direitos, que tanto pode reportar-se a direitos relativos (relação jurídica estabelecida entre as partes, vg. por meio de contratos) como a direitos absolutos de eficácia erga omnes(citado aresto).
Ora, no caso em apreço, atenta a facticidade provada, nem sequer se poderia concluir que se está perante uma situação de ‘caminho de consortes’.
Configura-se, antes, uma constituição de servidão de passagem a favor do prédio da recorrente e a onerar o prédio dos recorridos.

Resta indagar da pretensão dos reconvintes/recorridos de verem declarada a extinção da servidão de passagem, por desnecessidade, que onera o seu dito prédio.
Nesta vertente, esgrime a recorrente que os réus não demonstraram que a servidão tivesse deixado de ter qualquer utilidade para o prédio dominante, por verificação de qualquer alteração produzida neste prédio, antes do momento em que a ação é proposta, quais as vantagens da extinção da servidão para o prédio serviente, quais os custos e prejuízos com o novo acesso para o prédio dominante e quais as características do novo acesso ou caminho.
Limita-se a alegar motivos relacionados com a privacidade e tapagem dos seus prédios, os quais são fechados, vedados e demarcados por muros em pedra, com entradas próprias e, portanto, autónomos e independentes, além de que a extinção da servidão não irá constituir para parcela uma mais-valia, até porque, a parcela de terreno onde se encontra implantado o caminho de servidão, nem sequer permite aumentar a área de cultivo.
Mais argumenta que nem sequer existe um juízo de proporcionalidade na decisão, tendo em conta as vantagens e desvantagens da sua extinção por desnecessidade, atento os motivos invocados, quer pelo prédio serviente, quer pelo prédio dominante, pois não basta que o prédio da autora confronte a poente com via pública, porque se assim fosse já não se teria constituído.

Vejamos:
Face ao disposto no artº 1569º, nº 2, do CC, tem-se entendido que “a desnecessidade da servidão tem de ser objectiva, típica e exclusiva, caracterizando-se por uma mudança na situação, não do prédio onerado ou serviente, mas do prédio dominante, por virtude de certas alterações neste sobrevindas. Não basta, para a extinção da servidão, uma desnecessidade subjectiva, assente na ausência de interesse, vantagem ou conveniência pessoal do titular do direito”.
Neste sentido, o Acórdão do TRC de 25.10.1983: CJ, 1983, 4º-62.
Com o mesmo entendimento, vejam-se os Acórdãos do TRG de 31.03.2016, proc. 169/08.6TBMNC.G1 e do TRC de 13.05.2014, proc. 4054/11.6TJCBR.C1, in www dgsi.pt.
Ou seja, a extinção da servidão por desnecessidade não se dá por razões subjectivas respeitantes ao proprietário do prédio dominante, mas por alterações objectivas, típicas e exclusivas das servidões.
Na linha destes últimos arestos citados, também se tem defendido que “a apreciação da utilidade ou desnecessidade da servidão deve ser objecto de um juízo de actualidade, no sentido que há-de ser apreciada pelo tribunal, atendendo à situação presente, ou seja, atendendo à situação que se verifica na data em que a acção é proposta”.
E que “há que efectuar um juízo de proporcionalidade subjacente aos interesses em jogo, em que devem ser ponderadas as circunstâncias concretas de cada caso, e havendo alternativa – com um mínimo de prejuízo para o prédio dominante, na medida em que esteja garantida uma acessibilidade, em termos de comodidade e regularidade, ao prédio dominante, sem onerar, desnecessariamente, o prédio serviente – deve permitir-se a extinção, por desnecessidade, da servidão”.
Mas “não basta (para a extinção da servidão por desnecessidade) que, para além da passagem objecto da servidão, exista outra via de acesso do prédio dominante para a via pública, porquanto é necessário que este outro acesso ofereça condições de utilização similares, ou, pelo menos, não desproporcionalmente agravadas”.
Ora, no caso sub judice, conforme se alcança, aliás, da factualidade provada vertida no ponto 28 supra, a extinção da servidão acarreta a realização de obras no prédio dominante que obrigam a “autora a vencer o desnível entre a via pública e os rossios a norte/poente pelo recurso a degraus em número não concretamente apurado”.
Ou seja, verifica-se um agravamento desproporcional, no pretendido novo acesso para o prédio dominante, já que o existente, face ao troço da passagem, se verifica praticamente ao nível do rés-do-chão e fachada principal da casa, por via da sua configuração.
Além de que um novo acesso pedonal sempre implicará uma diminuição da área do prédio dominante.
Acresce que o prédio dominante, desde a sua construção, coincidente com o início da servidão de passagem a favor deste, mantém-se inalterado, assim como se mantém inalterado o exercício dessa servidão de passagem pela autora.
De igual modo, o prédio serviente mantém-se imutável.
O que ocorre é que o dono do prédio serviente adquiriu um outro prédio a terceira pessoa – o prédio identificado no ponto de facto provado nº 17 supra, ao qual se acedia também pelo dito ‘caminho de servidão’.
E se é certo que tal servidão se extinguiu por ‘confusão’, face ao disposto no artº 1569º, nº 1, al. a), do CC, o acesso a esse adquirido prédio deverá fazer-se pelo leito do dito ‘caminho’, pelo menos em parte, dada a sua configuração, o que impossibilitará o dono do prédio serviente de aumentar a produtividade agrícola nessa parte, até porque tem de passar nele com as alfaias agrícolas, como seja o tractor.
Noutra perspectiva, dir-se-á ainda que o próprio tribunal a quo ponderou que “ pese embora possa ser um acesso útil, até porque mais completo (permite acesso carral) a entrada a que se alude em 23 e só quanto a esta está formulado pedido reconvencional, atente-se, não se pode dizer que, na dialética da proporcionalidade, objetividade e atualidade a que vem de aludir-se, a servidão de passagem pedonal possa considerar-se objetivamente desnecessária, sobretudo que, salvo no que concerne à delimitação face à via pública, que poderiam sempre fazer ressalvando o direito de passagem da autora, e de evitar a passagem da autora no seu prédio (com toda a conflituosidade entre as duas fações que resultou provada), não teriam a outra vantagem alegada do cultivo total do prédio, já que no atual ‘status quo’ e tendo-se presente que aquela faixa de terreno é, igualmente, o acesso para os prédios identificados em 10 e 17, tal não seria possível.
Como tal e quanto ao pedido reconvencional formulado sob a al. b), cumpre julgá-lo improcedente”( sublinhado nosso).

E quanto ao agravamento e maior onerosidade em relação ao proprietário do prédio dominante que a extinção da servidão e a feitura de novo acesso pedonal possam trazer, também o mesmo tribunal recorrido considerou que “ todas as construções da autora estão, essencialmente, voltadas a norte, fachada na qual se encontram 4 das 5 portas que o Tribunal pôde percecionar e é para norte que estão voltados os seus anexos.
É certo que a tal fachada se pode aceder contornando a casa pelo lado poente, mas tal implica necessariamente que a autora tenha de percorrer uma distância maior substancialmente maior se considerada a entrada sul), contornando as variadas construções existentes nos rossios, comprometendo a vocação da adega (produção de vinho) ou armazenamento que seja, por ser sobejamente dificultado o transporte seja de uvas, seja de outros artigos para armazenar, ao obrigar que se siga por trilhos e passeios, descendo e subindo degraus” (sublinhado nosso).
Ou seja, as razões que estiveram na base da constituição dessa servidão de passagem pedonal perduram e a construção do novo acesso pedonal implica o recurso a degraus em número não determinado para se vencer o desnível de 2,12 metros do caminho público, além de ter de percorrer diversos metros, inclusive pelos rossios da casa, até entrar na sua habitação pelo lado sul, sendo certo que a fachada principal da casa está voltada para norte (pelo referido caminho de servidão acede de imediato à sua casa) – situação que é de molde a consubstanciar um incómodo relevante.
Afigura-se-nos, pois, que este outro acesso não oferece condições de utilização similares, ou, pelo menos, não garante uma acessibilidade, em termos de comodidade e regularidade, ao prédio dominante, equivalente à existente servidão de passagem.
Não basta (para a extinção da servidão por desnecessidade) que, para além da passagem objecto da servidão, exista a possibilidade de construção de outra via de acesso do prédio dominante para a via pública.
Perspectivando-se um juízo de proporcionalidade actualizada subjacente aos interesses em jogo, pode-se asseverar que a "alternativa" ao acesso existente é de molde a traduzir ainda assim um prejuízo significativo para o prédio dominante a extinção da servidão de passagem, associado à onerosidade e agravamento que resulta de um novo acesso, por acarretar um lanço de escadas em número não apurado a vencer, a maior distância a calcorrear até ao ‘centro’ da casa de habitação, redução do terreno para a sua feitura – o que tudo consubstanciará maior onerosidade e agravamento ponderoso para acesso ao prédio dominante no confronto com o acesso pedonal existente.
Em síntese, pelas razões sobreditas a vantagem/utilidade que a servidão proporciona ao prédio dominante da autora, em face daquele apontado agravamento e onerosidade inerente à alternativa àquela, legitima a manutenção da compressão/sacrifício que a servidão representa para o prédio dos réus.

Em conclusão, não procede em parte a apelação.
*

IV – Decisão:

Em face do exposto, acordam os Juizes da 1ª Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, por consequência:

a) Revoga-se a sentença recorrida na parte em que declara extinta, por desnecessidade, a servidão de passagem a que se alude em 1.b) do dispositivo, que onera o prédio identificado em 10.2 dos factos provados e que beneficia o prédio da autora melhor identificado em 1, ficando os custos da abertura de acesso pedonal a cargo dos réus/reconvintes e condena a reconvinda a reconhecer tal.
b) Mantém-se no mais o decidido.

Custas pela apelante e apelados na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
Guimarães,

António Sobrinho
Ramos Lopes
Jorge Teixeira


1 - Ac. STJ de 18.05.2017 “I - O princípio da livre apreciação da prova, plasmado no n.º 5 do art. 607.º do CPC, vigora para a 1.ª instância e, de igual modo, para a Relação, quando é chamada a reapreciar a decisão proferida sobre a matéria de facto. II - Em tal circunstância, compete ao Tribunal da Relação reapreciar todos os elementos probatórios que tenham sido produzidos nos autos e, de acordo com a convicção própria que com base neles forme, consignar os factos que julga provados, coincidam eles, ou não, com o juízo alcançado pela 1.ª instância, pois só assim actuando está, efectivamente, a exercitar os poderes que nesse âmbito lhe são legalmente conferidos” - in www.dgsi.pt