Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1356/20.4T8VRL.G1
Relator: MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Descritores: DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA
DEVER DE LEALDADE
BANCÁRIO
FALSIFICAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Sumário – artigo 663º n.º 7 do C.P.C

I- Justificam o despedimento por “impossibilidade de subsistência da relação de trabalho”, com “ruptura irreversível”, casos de perda da confiança e em que a gravidade do comportamento, em si mesmo, encerra a violação do dever de lealdade, ainda que o prejuízo patrimonial seja inexistente.
II- O que acontece se o trabalhador, gerente de conta, entre o mais, falsifica, por cinco vezes, a assinatura de cliente nos documentos que servem de base a operações de movimentação de valores, independentemente de o cliente ser ou não familiar.
III- São factores particularmente relevantes, a natureza da actividade bancária em que autor se insere, sector onde o valor confiança é insubstituível, a especificidade das funções de gestor de clientes lidando com valores alheios e a natureza dos actos praticados, mormente os de falsificação de assinaturas, corroendo o valor essencial de “fidedignidade” nas operações bancárias.

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

O trabalhador, M. R., empregado bancário intentou acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, apresentando requerimento de oposição ao despedimento- 98º-C. CPT.
A empregadora “Banco X, S. A. apresentou o articulado motivador do despedimento e o procedimento disciplinar– 98º/2- G, 98º/1-J, CPT.
Alega que: o autor era gestor de clientes no Balcão de Carrazedo Montenegro, Valpaços; analisada a movimentação da conta nº 0 – ................... de que o Autor é cotitular, bem como a utilização dos cartões de crédito associados à mesma, constatou-se que no período compreendido entre 02/01/2018 a 03/01/2019, aquele processou a diversas entregas/pagamentos de importâncias para a Conta Cartão nº ..........00, no montante de €2.692,73 (valor acumulado), relativas à utilização de cartão de crédito X Campeões, do qual era titular, por débito de contas de clientes, sendo que nalgumas delas intervêm titulares e representantes de pessoas com relações de parentesco ou análogas com o Autor. Os documentos de suporte a diversas operações foram assinados pelo Autor como se dos titulares das contas se tratasse, deste modo falsificando as respetivas assinaturas, o que, aliás, o próprio admitiu. No período compreendido entre 20/06/2018 e 30/01/2020, o Autor processou através de transação específica o montante global de 1.870,00€, correspondente a entregas em numerário para as Contas Cartão n.ºs: ..........00 e ..........01, relativas à utilização dos cartões de crédito X Campeões e X Prémio, dos quais é titular, sendo que os normativos internos impedem o acesso, movimentação ou a realização de operações pelos empregados através dos sistemas informáticos quando estejam em causa contas por si tituladas ou co-tituladas.
Os factos integram infração disciplinar reiterada e grave e culposa, sendo violados deveres contidos nas normas e instruções recebidas e nas regras usuais de deontologia da profissão, tal como se encontram previstas no artigo 128.º, n.º 1, alínea e) do Código do Trabalho (CT) e na cláusula 18.ª do ACT para o setor Bancário, violando o disposto nos normativos Ordem de Serviço | RH | 1097 | Código de Conduta do Grupo X (em vigor até 27/09/2019)( “III – Valores e Cultura X – 3. Rigor, diligência, qualidade e competência profissional), Ordem de Serviço |RH|1171| Operações Pessoais e Conflitos de Interesses (em vigor até 27/09/2019) (“Secção II –Conflitos de Interesses - (…) 5. Movimentação e gestão de contas), Ordem de Serviço | CTR |1298 | Código Ético e Princípios de Atuação do Banco X – Cumprimento da Legislação e das Normas (em vigor desde 30/09/2019) – “Cumprimento da Legislação e Normas e, Suporte Operacional | Sistema de Informação | Acessos e Regras de Utilização -Acesso à Informação de Clientes e Contas - constituindo pela sua gravidade e consequências justa causa de despedimento. Os factos constituem ainda prática do crime previsto e punido pelo artigo 256.º do Código Penal – crime de falsificação e contrafação de documento.
Concluiu que tais comportamentos do Autor fizeram quebrar, definitiva e irremediavelmente a confiança que tem de existir no contrato de trabalho.
O trabalhador apresentou contestação e formulou reconvenção- 98º-L, CPT. Alegou por excepção: a) A irregularidade do processo disciplinar; b) A caducidade do procedimento disciplinar pelo decurso do prazo de 60 dias a que se refere a cláusula 79º, nº 1, do ACT e o artº 329º, nº 2, do Código do Trabalho; c) A prescrição da infracção disciplinar pelo decurso do prazo de um ano a que se refere o nº 1, do artº 329º, do Código do Trabalho e a cláusula 79º, nº 2, do ACT; d) A ilicitude do processo disciplinar, por o Relatório Final ser omisso quantos aos deveres concretos violados, ter sido violado o princípio da proporcionalidade, bem como ter sido violado o RGPD, dado a R. ter acedido a dados pessoais do A. sem o consentimento do mesmo. Concluindo que as excepções invocadas sejam julgadas procedentes, com as legais consequências, designadamente a de o despedimento promovido pela entidade empregadora ser declarado ilícito e irregular. Formula a seguinte reconvenção; ser o Réu condenado a: I) Pagar ao autor a quantia de 15.000,00 € (quinze mil euros) pelos danos não patrimoniais sofridos; II) Reintegrar o trabalhador no seu posto de trabalho, sem prejuízo de categoria e antiguidade; III) Pagar ao autor as retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão; IV) Pagar juros de mora.
A empregadora apresentou resposta – 98º/4-L, CPT. Concluindo pela improcedência das excepções, bem como pela improcedência dos pedidos, incluindo os reconvencionais, devendo declarar-se a licitude e regularidade do despedimento. A não se entender assim, às retribuições intercalares devem deduzir-se.
Realizou-se julgamento e foi proferida sentença.

DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO): após terem sido julgadas improcedentes todas as excepções, decidiu-se do fundo da questão do seguinte modo:
Julgar procedente a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento e, nessa medida:

a) Determina-se a reintegração do trabalhador, aqui A. M. R., no seu posto de trabalho, sem prejuízo de categoria e antiguidade;
b) Condena-se a R. “BANCO X, S. A. a pagar ao autor as retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento (13/07/2020) até ao trânsito em julgado da decisão, cujo montante se relega para liquidação de sentença;
c) Aos montantes atrás referidos são deduzidos os referidos no artº 390º, nº 2, do CT;
d) Condena-se a R. a pagar juros de mora sobre as quantias peticionadas, calculados à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento;
e) Julga-se improcedente o remanescente do pedido e dele se absolve a R.
Custas da acção e da reconvenção na proporção do vencimento e decaimento (art. 527º, nºs. 1 e 2 do Código de Processo Civil).

A RÉ RECORREU. CONCLUSÕES:

1. O presente recuso vem interposto da douta sentença de Fls. , que julgou a acção procedente, declarando ilícito o despedimento que foi aplicado ao Autor, ora Recorrido, com as demais consequências.
2. …
3. Ao decidir como decidiu, a douta Sentença violou o disposto nos artigos 328.º, 330.º e 351.º do Código do Trabalho.
4. Nos termos do artigo 98.º do Código do Trabalho, tem o empregador o poder disciplinar sobre o trabalhador ao seu serviço, enquanto vigorar o contrato de trabalho.
5. Tal poder disciplinar configura-se como um poder de gestão, que permite à entidade empregadora assegurar os legítimos interesses cuja prossecução a levou a contratar aqueles trabalhadores.
6. Através do mesmo, pode o empregador defender-se de atuações do trabalhador suscetíveis de o afetar, por serem desconformes com os interesses de serviço para que foi contratado.
7. Desta forma, prevê o legislador no artigo 328.º do Código do Trabalho um catálogo exemplificativo de sanções disciplinares, cuja aplicação e graduação cabe exclusivamente ao empregador, que pode – dentro dos limites legais – exercitar aquele direito, aquando da verificação de uma infração disciplinar.
8. …
9. No que respeita ao critério de decisão e aplicação de sanção disciplinar, a regra é a da proporcionalidade, fixada no artigo 330.º do Código do Trabalho.
10. No exercício do seu poder disciplinar, deve o empregador atender – em especial -, à gravidade da infração e ao grau de culpa do infrator.
11. No entanto, não são estes os únicos critérios atendíveis para apurar a proporcionalidade de uma sanção disciplinar.
12. Aquando da aplicação de sanção disciplinar, tem o empregador que considerar todas as circunstâncias atendíveis, levando em conta todo o quadro em que se desenvolve a relação contratual e as circunstâncias em que ocorreu a conduta que é sancionada.
13. Esta é uma imposição do princípio da igualdade e da coerência disciplinar, por forma a punir diferentemente situações que, sendo aparentemente iguais, são, em si mesmas diferentes, e de modo também a evitar o risco de aplicar sanções desproporcionadas às infrações cometidas, tendo em atenção todo o quadro que envolveu a prática de cada uma delas.
14. Para garantir a observância do princípio da proporcionalidade na aplicação da sanção disciplinar de despedimento sem indemnização e compensação, há que considerar mais do que a gravidade da infração e o grau de culpa do trabalhador.
15. Constitui entendimento pacífico, tanto na doutrina como na jurisprudência, o de que a enumeração dos comportamentos culposos do trabalhador configuradores de justa causa, enunciados na lei, é meramente exemplificativa.
16. Para além dos aí previstos, podem ocorrer muitos outros factos ou situações que justifiquem a rutura do vínculo contratual, podendo também acontecer que da verificação desses mesmos factos ou situações não resulte a inexigibilidade da manutenção do contrato.
17. … .
18. No caso em apreço, a conduta do Autor – violadora dos deveres que sobre si impendem de exercer de forma diligente e conscienciosa as suas funções, seguindo as normas e instruções recebidas, com observância das regras usuais de deontologia da profissão - é censurável, culposa e torna, por si só, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho
19. A violação de deveres contratuais pelo trabalhador será tanto mais grave, consoante o seu impacto na base de confiança do contrato.
20. A confiança é um dos principais elementos condicionantes do bom funcionamento da relação laboral, podendo a sua quebra justificar o direito de resolução da mesma.
21. Conclusão que se retira do artigo 126.º do Código do Trabalho, que impõe que, no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respetivas obrigações, as partes procedam de boa-fé, de forma a não comprometerem essa base de confiança e a não porem em perigo a correta execução futura do contrato.
22. Acresce que, como vem afirmando o Supremo Tribunal de Justiça, a atividade bancária, atenta a sua natureza, pressupõe um especial grau de confiança nos trabalhadores bancários.
23. Pelo que tal circunstância não pode ser indiferente ao Tribunal, quando aprecia o respeito pelo princípio da proporcionalidade e a existência de justa causa de despedimento, no que respeita a uma infração que ocorre no contexto do Setor Bancário.
24. Neste sentido, entre outros, veja-se…..:
25. ….
26. No caso sub judice os factos descritos e dados como provados, integram infracção disciplinar reiterada, grave e culposa que, pela sua gravidade e consequências, tornaram imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
27. Constituindo assim, dada a natureza da relação e o meio em que a mesma se desenvolve, justa causa de despedimento.
28. Olhando à matéria de facto provada nos pontos 3, 4, 5, 6, 7, 8, 20 e 21, verifica-se que o Autor fez um conjunto de operações (seis operações) a favor da sua conta à ordem – o que já por si lhe estava vedado – beneficiando dos créditos naquela sua conta e falsificando (em cinco das seis operações) a assinatura da cliente.
29. Tal conduta constitui, em abstracto, a prática de crime de falsificação de documento, previsto e punido no artigo 256.º, n.º 1, alíneas a), c) e d) e n.º 4 do Código Penal.
30. Pergunta-se pois: atento o sector em que o Autor exercia a sua actividade – sector bancário – a sua conduta, onde se inclui a falsificação de assinaturas de cliente, é de molde a quebrar definitivamente a confiança que o Banco Réu nele depositava?
31. A resposta só pode ser afirmativa.
32. Impor ao Banco Réu que tenha nos seus quadros um trabalhador que falsificou, por cinco vezes, a assinatura de uma cliente, beneficiando das operações que ilicitamente fez sobre as suas contas, é, salvo o devido respeito, absolutamente inaceitável.
33. A conduta do Autor constitui assim, dada a natureza da relação e o meio em que a mesma se desenvolve, manifesta justa causa de despedimento.
34. A aplicação de uma qualquer outra sanção disciplinar, de índole conservatória, seria sim manifestamente desproporcional face à gravidade da conduta do trabalhador que, considerados os interesses em causa, determinou a impossibilidade prática de subsistência da relação laboral por quebra absoluta da confiança que o Banco Réu depositava na idoneidade e lealdade do mesmo – valores essenciais no que respeita às relações que se desenvolvem dentro do Sector Bancário!
35. A sanção de despedimento aplicada ao Autor - após decurso de procedimento disciplinar inteiramente válido - pela prática de infrações disciplinares de profunda gravidade que romperam irremediavelmente a confiança que nele o Banco Réu depositava, é proporcional, lícita e justa.
36. Ao decidir como decidiu, a douta Sentença recorrida violou o disposto nos artigos 328.º, 330.º e 351.º do Código do Trabalho.

Termos em que, concedendo provimento à Apelação e, consequentemente, julgando a acção totalmente improcedente,

CONTRA-ALEGAÇÕES – defende-se a improcedência do recurso.
PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO: emite-se parecer no sentido de provimento do provimento.
RESPOSTAS AO PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO: as partes mantêm o anteriormente sustentado.
O recurso foi apreciado em conferência.

QUESTÕES A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso(1)): verificação da ocorrência de justa causa de despedimento.

I.I. FUNDAMENTAÇÃO

A- FACTOS

Na primeira instância foram julgados provados os seguintes factos

1) O Autor foi admitido ao serviço do Réu em 12/05/2003, detendo à data dos factos a categoria de Gestor de Cliente, com o nº de colaborador e operador ...1, no Balcão do Réu de Carrazedo de Montenegro.
2) Analisada a movimentação da conta nº 0 - ................... de que o Autor é cotitular (conjuntamente com a sua mulher), bem como a utilização dos cartões de crédito associados à mesma.
3) Em 14/02/2018, o Autor processou um movimento no valor de €217,06 (integrante do valor €2.692,73) por débito da conta referente ao NUC 7 – ....66, titulada por L. V., tendo nessa mesma data, processado uma transferência, no valor de €300,00, para fazer face ao movimento em causa, tendo, para o efeito, sido creditada aquela conta, por débito da conta com o NUC 1 – ....72, titulada por A. G..
4) Em 17/08/2018, o Autor processou um movimento de €230,00 (integrante do valor €2.692,73) por débito da conta referente ao NUC 7 – ....66, titulada por L. V., mas, porque em tal data a conta apresentava um saldo nulo, o Autor efetuou transferência do mesmo montante, proveniente da conta com o NUC 1 – ....52.
5) Em 03/12/2018, o Autor processou um movimento no valor de €178,85 (integrante do valor €2.692,73) por débito da conta referente ao NUC 7 – ....66, titulada por L. V., tendo nessa mesma data procedido à mobilização parcial de depósito a prazo no mesmo montante da conta com o NUC 1 – ....52, com a subsequente transferência para a conta referente ao NUC 7-....66.
6) Em 20/12/2018, o Autor processou um movimento no valor de €258,00 (integrante do valor €2.692,73) por débito da conta referente ao NUC 7 – ....66. titulada por L. V.. Porém e dado que este NUC apresentava um saldo nulo, o Autor procedeu à mobilização parcial de um depósito a prazo de €2.000,00 da conta referente ao NUC 1 – ....52, tendo procedido à transferência para a conta referente ao NUC 7 – ....66.
7) Em 03/01/2019, o Autor processou um movimento no valor de €268,00 (integrante do valor €2.692,73) por débito da conta do Cliente com o NUC 7 – ....66, titulada por L. V., tendo nessa mesma data processado uma transferência da conta com o NUC: 1 – ....52, no montante de €298,30 para o primeiro NUC em virtude de este apresentar um saldo nulo.
8) No período compreendido entre 20/06/2018 e 30/01/2020, o Autor processou através de transação específica o montante global de 1.870,00€, correspondente a entregas em numerário para as Contas Cartão n.ºs: ..........00 e ..........01, relativas à utilização dos cartões de crédito X Campeões e X Prémio, dos quais é titular, sendo que os normativos internos impedem o acesso, movimentação ou a realização de operações pelos empregados através dos sistemas informáticos quando estejam em causa contas por si tituladas ou cotituladas.
9) Por deliberação do Comité de Incidências Laborais do BANCO X de 3 de abril de 2020, foi instaurado processo disciplinar com intenção de despedimento e suspensão preventiva da prestação de trabalho, ao trabalhador M. R., a exercer funções de gestor de cliente e caixa/tesoureiro no Balcão …- Carrazeda de Montenegro, ora Autor, nomeando-se o Instrutor do procedimento – cfr. Fls. 1 do procedimento disciplinar.
10) Foi junta aos autos cópia da ficha curricular do arguido, ora Autor – cfr. Fls. 2 a 13 do procedimento disciplinar.
11) Ao Processo Disciplinar encontra-se anexo o Relatório da Auditoria nº 2020-0103 - Cfr. Fls. 55 a 103 do Processo Disciplinar.
12) Em 13/04/2020 foi deduzida contra o arguido, ora Autor, a nota de culpa, a qual lhe foi entregue em 22/04/2020 – cfr. Fls. 14 a 18 do Procedimento Disciplinar.
13) Por mail de 14/04/2020 foi remetida à Comissão de Trabalhadores cópia da nota de culpa, bem como da carta remetida ao arguido – cfr. Fls. 19 do Procedimento Disciplinar.
14) O arguido, ora Autor, apresentou a sua defesa – cfr. Fls. 20 a 43 do Procedimento Disciplinar.
15) No dia 26/05/2020, foram ouvidas por videoconferência as seguintes testemunhas arroladas nos autos: L. V. - Cfr. Fls. 45 a 47 do Processo Disciplinar – e V. T. – Cfr. Fls 48 a 53 do Processo Disciplinar. O arguido, ora Autor, prescindiu da audição da testemunha por si indicada M. M. – Cfr. Fls.54 do Processo Disciplinar.
16) Em 05/06/2020, foi elaborado o Relatório Final do Instrutor – cfr. Fls. 130 e ss do Processo Disciplinar.
17) A Comissão de Trabalhadores, notificada para o efeito, emitiu o seu parecer - cfr. Fls. 155 e ss do Processo Disciplinar.
18) A Comissão Executiva do Conselho de Administração do Réu deliberou aplicar à Autora a sanção disciplinar de despedimento com justa causa, tendo proferido, em reunião de 7 de Julho de 2020, a seguinte deliberação:
“Deliberação da Comissão Executiva do Conselho de Administração
Ata de 7 de julho de 2020
Para conhecimento e devidos efeitos, transmitimos a seguinte deliberação da Comissão Executiva do Conselho de Administração:
Processo Disciplinar
M. R. – 356 – Balcão de Chaves
Analisado o Processo Disciplinar instaurado contra o Colaborador em epígrafe, designadamente o parecer emitido pela Comissão de Trabalhadores, a Comissão Executiva do Conselho de Administração deu o seu acordo aos fundamentos de facto e de direito constantes do relatório final elaborado pelo Instrutor. A Comissão Executiva do Conselho de Administração considerou, assim, integralmente provados todos os factos como tal considerados pelo Instrutor do processo no mencionado relatório, o qual aqui se dá por reproduzido, constituindo, pois, parte integrante da presente deliberação.
Deste modo, atentos os factos apurados, tendo em conta o elevado grau de culpa imputável ao arguido e ponderadas todas as circunstâncias do caso, foi deliberado aplicar ao Colaborador M. R. (nº emp. ...1) a sanção disciplinar de despedimento com justa causa.”
cfr. Fls. 117 do Processo Disciplinar

Dos temas de prova:
19) A comunicação de despedimento foi entregue em mão ao Autor por carta datada de 09/07/2020, que o Autor recebeu em 13/07/2020 - cfr. Fls. 118 a 138 do Processo Disciplinar.
20) Em 12/12/2018, foi processado um movimento no montante de €355,50 (integrante do valor €2.692,73), por débito da conta referente ao NUC 5 – .......91 (Anexo 2.4.5), titulada por M. M. - Cfr. Fls. 72 do Processo Disciplinar. Em 31/01/2020, este Cliente veio a manifestar, por escrito, que, não obstante, assumir a sua assinatura no documento, não reconhece tal movimento com intenção de efetuar o pagamento do cartão do Colaborador visado - Cfr. Fls. 26 e 41 do Processo Disciplinar.
21) Acontece que, com excepção de 20), os documentos de suporte às operações referidas nos artigos antecedentes foram assinados pelo Autor como se dos titulares das contas se tratasse, deste modo falsificando as respetivas assinaturas, o que, aliás, o próprio admitiu em sede de processo disciplinar.

Da Contestação/reconvenção:
22) No dia 31 de janeiro de 2020, o autor foi ouvido em declarações por J. P. e R. S., nas instalações da DAI (Direção de Auditoria Interna), no Porto 4 “sobre um processo de averiguações relacionadas fundamentalmente com o processamento de transações por si efetuadas (…), vide doc. 1 de fls. 53 dos autos principais.
23) No dia 3 de fevereiro de 2020, o autor recebeu uma notificação feita pela Exma. Senhora Diretora da Direção de Recursos Humanos, dando-lhe conta de que se encontrava “dispensado da prestação efetiva de trabalho a partir de 3 de fevereiro de 2020, devendo manter-se nesta situação até nova comunicação do Banco X, todavia, não lhe foi comunicado por escrito a existência de um processo disciplinar e a justificação da sua “dispensa de prestação de trabalho”, vide doc. 2 de fls. 54 dos autos principais.
24) Víctor Cardoso, superior hierárquico do autor, tinha conhecimento dos factos praticados desde 2018 a 2019 e, muito concretamente, teve conhecimento dos factos no mês de fevereiro de 2019 como ele afirma em sede de declarações prestadas no dia 30 de Janeiro de 2020 (cfr. Inquérito DAI junto ao Processo Disciplinar, fls. 56 – pag. 35/36.)
25) O número de funcionários da agência de Carrazedo de Montenegro determinava que, em caso de hora de almoço, de período de férias ou doença, o trabalho do elemento em falta tivesse que ser levado a cabo pelos demais 26) No final do dia, o gerente “picava” (verificava genericamente) os movimentos feitos e rubricava as respetivas folhas para envio para os serviços
27) Consta do registo individual do A. reclassificação profissional, nomeação como gestor de cliente, promoção em 2 anos seguidos do nível 6 para o 7 e deste para o 8; os prémios recebidos (3º Prémio de Responsável de Conta Campanha Seguro/ 2º Prémio de Responsável de Conta - reforma para Todos), entre outros, atribuídos pelo Director da Rede de Particulares e Negócios N6 - Trás-os-Montes (cfr. Ficha curricular de fls. 2 a 13 do Processo Disciplinar).
28) Sobre a vida do autor - o Parecer da Comissão de Trabalhadores conclui: “ (…) 3. Contudo, o melhor arrimo emergente da doutrina e da mais pacífica jurisprudência, ensina que para ser aplicada a última e mais grave sanção disciplinar - o despedimento com justa causa - torna-se necessário que, no caso, o comportamento do trabalhador seja de tal modo grave que, em termos definitivos, não haja possibilidade de manter a relação de trabalho.
29) O Autor é primário, não tem qualquer registo de sanção disciplinar no seu registo individual
30) Por causa do despedimento o autor sofreu, e sofre, vergonha e desilusão.
31) A conduta do A. não importou prejuízo material e monetário para o Banco e para os clientes envolvidos nas várias movimentações de conta.

B) ENQUADRAMENTO JURÍDICO

É posto à consideração do tribunal de recurso a questão da proporcionalidade da aplicação ao trabalhador da medida disciplinar mais gravosa que é o despedimento.
Na decisão recorrida avaliou-se como excessiva a medida de despedimento e, como tal, este foi declarado ilícito.

Na sentença detalha-se como susceptível de ter sido violado o dever de lealdade:

“O dever de lealdade constitui uma manifestação do princípio da boa fé no cumprimento das obrigações (cfr. art. 762º Código Civil), e o seu conteúdo varia com a natureza das funções do trabalhador, sendo mais intenso para os trabalhadores mais qualificados e responsáveis”.

Detalha-se, também, comos susceptível de ter sido lesado o dever de zelo e diligência:

A par do dever de lealdade, os deveres de zelo e diligência [al. c)] há a referir que o exercício da tarefa com zelo depende da diligência colocada pelo trabalhador na realização da sua actividade. O dever de zelo e diligência impõe que o trabalhador execute as suas tarefas com um esforço e vontade e correcta orientação adequadas às suas tarefas adequadas ao cumprimento das suas obrigações”.

Admitiu-se a violação da boa-fé:

“….é evidente que o Autor ao servir-se da sua posição, enquanto trabalhador bancário do Réu, com funções de Gestor de Cliente/caixa/tesoureiro e dos conhecimentos (pessoais) decorrentes do respectivo exercício funcional, desvirtuou o postulado decorrente daquele princípio geral, que lhe impõe que proceda de boa fé, com idoneidade e transparência, no cumprimento das respectivas obrigações.”

Mas, apelidou-se a sanção aplicada de desproporcionado com base no seguinte:

“…Apreciando a matéria de facto assente, mais concretamente pontos 2) a 8) e 20), constata-se que o A. apôs com o seu punho, falsificando, assim, a assinatura da testemunha e cliente L. V., a qual por sinal é sua tia por afinidade (o A. está casado com uma sobrinha do marido da aludida testemunha), tendo processado movimentos no valor de €2.692,73.
Decorre ainda da factualidade provada que no período compreendido entre 20/06/2018 e 30/01/2020, o Autor processou através de transação específica o montante global de €1.870,00, correspondente a entregas em numerário para as Contas Cartão n.ºs: ..........00 e ..........01, relativas à utilização dos cartões de crédito X Campeões e X Prémio, dos quais é titular, sendo que os normativos internos impedem o acesso, movimentação ou a realização de operações pelos empregados através dos sistemas informáticos quando estejam em causa contas por si tituladas ou co-tituladas.
No entanto, de tais condutas não decorreu que o Banco ou os clientes tivessem qualquer prejuízo patrimonial efectivo. …”
….
Da conduta do A. não ocorreu qualquer prejuízo patrimonial efectivo para o Banco e para os clientes, decorrente do facto do A. ter aposto a sua assinatura nos documentos e transacções referidas de 2) a 8) dos factos assentes.
Acresce um pormenor de não somenos importância, qual seja, o facto da falsificação da assinatura pelo A. ter sido aposta sempre em operações relativas a uma única cliente (L. V., tia por afinidade do mesmo) e não em operações com vários clientes.
Não querendo diminuir a gravidade da situação, há que reconhecer que a situação dos autos nada tem a ver com outras situações em que há apropriação significativa de dinheiro ou bens e em que são vários os clientes lesados.
Outro pormenor também importante é o facto de não estarmos a falar de uma situação ocorrida no âmbito de uma pequena ou média empresa, em que seria difícil a manutenção da relação de trabalho, atenta a relação directa e muito pessoal entre a entidade patronal e o trabalhador.
No presente caso estamos a falar de uma entidade patronal que possui centenas de colaboradores, em que situações destas se esbatem muito mais facilmente, com possibilidade de acomodar funcionalmente colaboradores em situações correspondentes à dos presentes autos.
Outro pormenor importante que leva o Tribunal a concluir pela desproporcionalidade da sanção, tem a ver com o facto do A. ter sido admitido ao serviço da R. em 2003, possui um currículo profissional sem qualquer outra mancha profissional, pelo contrário, foi objecto de reclassificação profissional, nomeação como gestor de cliente, promoção em 2 anos seguidos do nível 6 para o 7 e deste para o 8; os prémios recebidos (3º Prémio de Responsável de Conta Campanha Seguro/ 2º Prémio de Responsável de Conta - reforma para Todos), entre outros, atribuídos pelo Diretor da Rede de Particulares e Negócios N6 - Trás-os-Montes.
O Autor é primário, não tem qualquer registo de sanção disciplinar no seu registo individual. …
….”
Em suma, foram chamados à colação como atenuantes da conduta, em particular da falsificação de assinatura, o facto de respeitar a conta de um familiar, a ausência de prejuízo, a dimensão maior da empresa que diluirá o peso da interpessoalidade e a ausência de antecedentes disciplinares.
Vejamos a noção de justa causa

A norma referente à noção de justa causa sujectiva, artigo 351º CT/09, aplicável aos autos, refere:

(Noção de justa causa de despedimento)
1 - Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
2 - Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:
… (2)
3 - Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.

A norma referente à decisão de despedimento por facto imputável ao trabalhador, artigo 357º, CT, na parte que ora releva, refere:

4 - Na decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, nomeadamente as referidas no n.º 3 do artigo 351.º, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade.”

O despedimento com justa causa subjectiva funda-se no incumprimento dos deveres contratuais pelo trabalhador, principais ou acessórios. A norma genérica reguladora, o artigo 126º (deveres gerais das partes), CT/09, na parte que ora releva, refere:

“1 - O empregador e o trabalhador devem proceder de boa fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respectivas obrigações.

A norma exemplificativa dos “deveres do trabalhador”, artigo 128º, CT/09, na parte que ora releva, refere:
1 - Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve:
… c) Realizar o trabalho com zelo e diligência; …
e) Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias;
f) Guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios;”

O trabalhador pode cometer faltas de diferente gravidade. As faltas de pequena monta não alicerçam a aplicação da sanção mais grave.
A lei (351º CT) utiliza um conceito indeterminado de “justa causa” que serve de critério geral, sendo o motivo atendível aferido casuisticamente. Assim, o elenco das causas de incumprimento nem é taxativo, nem é automático. Podem ocorrer outras hipóteses subsumíveis na “justa causa” e podem verificar-se as descritas na lei sem que se subsumam na gravidade do conceito.
A exemplificação legal tem a vantagem de servir como auxiliar de interpretação e aponta hipóteses que teoricamente podem ser graves e que servirão de “farol” para outros casos.
A noção nuclear assenta: (i) num comportamento culposo, por dolo ou mera negligência, violador de deveres, grave por si ou pelas suas consequências (elemento subjectivo); (ii) na impossibilidade de o empregador manter a relação laboral (elemento objectivo); (iii) em decorrência da gravidade da falta cometida (causalidade).
A fórmula geral é exigente, precisamente para sublinhar que só casos extremos justificam o despedimento, em nome do principio constitucional de proibição de despedimentos arbitrários e da segurança no emprego (53º CRP).

Com base no principio da proporcionalidade haverá que ponderar o binómio de interesses antagónicos em causa - 330ºCT (“Critério de decisão e aplicação de decisão disciplinar) 1- A sanção disciplinar deve se proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator….”.
Na avaliação do grau de culpa é utilizado o padrão objectivo que uma pessoa diligente normalmente empregaria no caso concreto (artigo 487º((culpa), nº2. “A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.
Como refere Pedro Romano Martinez (3) “Perante o comportamento culposo do trabalhador impõe-se uma ponderação de interesses; é necessário que, objetivamente, não seja razoável exigir do empregador a subsistência da relação contratual. Em particular, estará em causa a quebra da relação de confiança motivada pelo comportamento culposo”.
Centrando-nos no requisito de “impossibilidade de subsistência da relação de trabalho”, este tem sido identificado com a inexigibilidade e a perda irremediável da confiança na viabilidade futura da relação, inerente à natureza pessoal do contrato de trabalho (Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 4º ed., p. 820).
Opera quando, face às circunstâncias do caso, não é possível ao empregador elaborar uma prognose favorável, há uma “perda psicológica“ da confiança sobre o modo como se pautará no futuro o trabalhador.
Os conceitos de confiança e lealdade interessam-nos particularmente porque nos autos está essencialmente em causa a violação deste valor fiduciário.
O conceito de lealdade é também, ele próprio, um conceito “elástico” de grande amplitude.
O dever geral de lealdade é uma decorrência do principio da boa-fé na execução dos contratos, com campo de aplicação por excelência no domínio das relações duradouras, como as laborais. Identifica-se com a prevenção de comportamentos, por acção ou omissão, suscetíveis de destruírem ou danificaram o interesse da outra parte.
São múltiplas as situações que cabem no conceito, sendo o dever mais acentuados nos chamados cargos de “topo”. O dever de lealdade está fortemente ligado ao valor de confiança nas relações entre as partes. É tradicionalmente associado no domínio laboral a comportamento desonestos, como furtos ou falsificações.

António Monteiro Fernandes (4), a propósito do princípio da confiança refere:

É necessário -quanto a este aspecto do dever de lealdade- que a conduta do trabalhador não seja, em si mesma, susceptível de destruir ou abalar tal confiança, isto é, capaz de criar no espírito do empregador a duvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele.”
Mais refere” …a diminuição da confiança não está dependente da verificação de prejuízos nem- salvo no tocante à medida ou grau- da existência de culpa grave do trabalhador. Com efeito, se é certo que o animus revelado no comportamento em causa determina, ou pode determinar, um menor ou maior abalo às expectativas de segurança do empregador, é também verdade que da simples materialidade desse comportamento, aliado a um grau moderado de culpa, pode, em certos contextos (funções requerendo a “máxima confiança”, como as de caixa de um banco, assistente de administração, diretor-geral ou diretor) decorrer, razoavelmente, uma diminuição dessa expectativa, com possível repercussão na viabilidade futura da relação de trabalho”- negrito nosso.
Assim, quer na doutrina, quer na jurisprudência têm sido reconhecidos como de “ruptura irreversível” casos de quebra da confiança e em que a gravidade de comportamentos, em si mesmo, encerra a violação do dever de lealdade, ainda que o prejuízo patrimonial seja reduzido ou inexistente (Maria do Rosário Palma Ramalho, ob cit., p. 819, e na jurisprudência, entre tantos, ao nível do STJ, os acórdãos de 17-10-2001, 28-10-2020, 6-11-2019, 22-02-2017, dois ac.s de 23-11-2011, R. Pinto Hespanhol e R. Fernandes Cadilhe).

Recorte dos factos provados com relevo na graduação do incumprimento:
3) Em 14/02/2018, o Autor processou um movimento no valor de €217,06 (integrante do valor €2.692,73) por débito da conta referente ao NUC 7 – ....66, titulada por L. V., tendo nessa mesma data, processado uma transferência, no valor de €300,00, para fazer face ao movimento em causa, tendo, para o efeito, sido creditada aquela conta, por débito da conta com o NUC 1 – ....72, titulada por A. G..
4) Em 17/08/2018, o Autor processou um movimento de €230,00 (integrante do valor €2.692,73) por débito da conta referente ao NUC 7 – ....66, titulada por L. V., mas, porque em tal data a conta apresentava um saldo nulo, o Autor efetuou transferência do mesmo montante, proveniente da conta com o NUC 1 – ....52.
5) Em 03/12/2018, o Autor processou um movimento no valor de €178,85 (integrante do valor €2.692,73) por débito da conta referente ao NUC 7 – ....66, titulada por L. V., tendo nessa mesma data procedido à mobilização parcial de depósito a prazo no mesmo montante da conta com o NUC 1 – ....52, com a subsequente transferência para a conta referente ao NUC 7-....66.
6) Em 20/12/2018, o Autor processou um movimento no valor de €258,00 (integrante do valor €2.692,73) por débito da conta referente ao NUC 7 – ....66. titulada por L. V.. Porém e dado que este NUC apresentava um saldo nulo, o Autor procedeu à mobilização parcial de um depósito a prazo de €2.000,00 da conta referente ao NUC 1 – ....52, tendo procedido à transferência para a conta referente ao NUC 7 – ....66.
7) Em 03/01/2019, o Autor processou um movimento no valor de €268,00 (integrante do valor €2.692,73) por débito da conta do Cliente com o NUC 7 – ....66, titulada por L. V., tendo nessa mesma data processado uma transferência da conta com o NUC: 1 – ....52, no montante de €298,30 para o primeiro NUC em virtude de este apresentar um saldo nulo.
8) No período compreendido entre 20/06/2018 e 30/01/2020, o Autor processou através de transação específica o montante global de 1.870,00€, correspondente a entregas em numerário para as Contas Cartão n.ºs: ..........00 e ..........01, relativas à utilização dos cartões de crédito X Campeões e X Prémio, dos quais é titular, sendo que os normativos internos impedem o acesso, movimentação ou a realização de operações pelos empregados através dos sistemas informáticos quando estejam em causa contas por si tituladas ou cotituladas.
20) Em 12/12/2018, foi processado um movimento no montante de €355,50 (integrante do valor €2.692,73), por débito da conta referente ao NUC 5 – .......91 (Anexo 2.4.5), titulada por M. M. - Cfr. Fls. 72 do Processo Disciplinar. Em 31/01/2020, este Cliente veio a manifestar, por escrito, que, não obstante, assumir a sua assinatura no documento, não reconhece tal movimento com intenção de efetuar o pagamento do cartão do Colaborador visado - Cfr. Fls. 26 e 41 do Processo Disciplinar.
21) Acontece que, com excepção de 20), os documentos de suporte às operações referidas nos artigos antecedentes foram assinados pelo Autor como se dos titulares das contas se tratasse, deste modo falsificando as respetivas assinaturas, o que, aliás, o próprio admitiu em sede de processo disciplinar.

Globalmente e na essência, tal como refere a recorrente, o autor procedeu a um conjunto de operações (seis operações) a favor da sua conta à ordem, o que já por si lhe estava vedado pelas regras internas, beneficiando dos créditos naquela sua conta e falsificando (em cinco das seis operações) a assinatura da cliente nos documentos de suporte às operações. Incumpriu claramente as regras de conduta profissional e deontológicas mencionadas no relatório (plasmadas designadamente na lei, AE e nas ordens de serviço interno), violou claramente os deveres de zelo e diligência e, acima de tudo, de lealdade – 128º, 1, c), f), CT (o que alias não é controvertido).
As circunstâncias do caso concreto apontam para a quebra de confiança a um ponto irremediável, independentemente da inexistência de prejuízo, nos termos acima exarados.
Disso é demonstrativos sobretudo: (i) a actividade em que o autor se insere. No sector bancário, a confiança é o valor mais prestimoso, base de sucesso e de prestigio, o que assegura a clientela; (ii) a especificidade das funções do autor, gestor de clientes, lidando com valores alheios, onde é fundamental a garantia da confiança; (iii) o próprio acto praticado, mormente o que se refere a falsificações de assinatura de clientes, independentemente de serem ou não familiares. Repare-se que a assinatura, enquanto aposição de escrito num documento, atesta a sua autoria e a declaração ali exarada. As assinaturas dos clientes são actos essenciais no sector bancário, quer na abertura de contas, quer na realização de operações. São a forma de atestar a fidedignidade de uma operação. O comportamento do autor representa a violação de algo que é vital na actividade bancária. Ademais, não se tratou de um único acto, mas reiterou-se no tempo. Tratando-se de actividade bancária, a relação de confiança situa-se a um patamar ainda mais elevado, onde a imagem junto dos clientes e gestão prudente importa particularmente.
Assim, sendo há justa causa para despedir.

Com interesse, e no campo específico da actividade bancária, veja o ac. citado do STJ de 20-10-2020, em cujo sumário consta:
A conduta de um trabalhador bancário ao não observar as regras e procedimentos internos do empregador, respeitantes à carteirização de clientes, no que respeita à idade destes, bem como ao permitir a subscrição de um produto PPR por um cliente que não tinha idade para o efeito, com o intuito de alcançar os objetivos comerciais, embora não se tendo provado que tenha havido prejuízo para os clientes, é suscetível de abalar a confiança que subjaz à relação laboral, sendo patente a violação dos deveres de obediência e lealdade, previstos no art.º 128.º, n.º 1, alíneas e) e f) do Código do Trabalho, pelo que a sanção disciplinar aplicada de despedimento com justa causa é adequada e proporcional à conduta a culposa do trabalhador, que pela sua gravidade e consequências, tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”

E, ainda, o ac. do STJ de 23-11-2011, em cujo sumário consta:
III - Na actividade bancária, a exigência geral de boa fé na execução dos contratos assume um especial significado e reveste-se por isso de particular acuidade pois a relação juslaboral pressupõe a integridade, lealdade de cooperação e absoluta confiança da/na pessoa contratada.
IV - É de afirmar a justa causa do despedimento, atenta a quebra da relação de confiança, quando está demonstrado que o A., à revelia das regras que conhecia perfeitamente por força do exercício das suas funções, alterou, sucessivamente, os plafonds dos cartões de crédito que lhe estavam afectos, sem a devida autorização hierárquica, com movimentações cruzadas entre duas contas bancárias de que era titular, em inobservância das correspondentes normas procedimentais de controlo instituídas pela R., consubstanciando-se, assim, uma conduta fora da imperativa transparência exigível no comportamento do trabalhador bancário, não sendo de relevar, na concretização do juízo subsumível à noção de justa causa, os montantes dos valores monetários em causa, a reposição dos eventuais prejuízos, ou mesmo a sua inverificação real.”
Ao contrário do decidido em primeira instância, entendemos que há justa causa e que despedimento foi licito.

I.I.I. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em dar provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e absolvendo-se a empregadora dos pedidos - 87º do CPT e 663º do CPC.
Custas a cargo do recorrido.
Notifique.
*

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins


1. Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC.
2. a) Desobediência ilegítima às ordens ;b) Violação de direitos e garantias de trabalhadores da empresa;c) Provocação repetida de conflitos com trabalhadores da empresa;d) Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações …;e) Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa;f) Falsas declarações relativas à justificação de faltas;g) Faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco;h) Falta culposa de observância de regras de segurança e saúde no trabalho;i) Prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, elemento dos corpos sociais ou empregador individual não pertencente a estes, seus delegados ou representantes;j) Sequestro ou em geral crime contra a liberdade das pessoas referidas na alínea anterior; l) Incumprimento ou oposição ao cumprimento de decisão judicial ou administrativa; m) Reduções anormais de produtividade.
3. Direito do Trabalho, Almedina, 9º ed., p. 1006.
4. Direito do Trabalho, Almedina, 19º ed., p. 348-9.