Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3928/18.8T8VCT-B.G2
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: FUNDO DE GARANTIA
ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
RENDIMENTOS ANUAIS ILÍQUIDOS
SUBSÍDIOS DE FÉRIAS E DE NATAL
SUBSÍDIO DE REFEIÇÃO
ABONO DE FAMÍLIA PARA CRIANÇAS E JOVENS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO (da responsabilidade da Relatora - art. 663.º, n.º 7, do CPC)

I. No apuramento do rendimento para efeitos do reconhecimento da obrigação de garantia de alimentos a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (condição de recursos), devem os rendimentos anuais ilíquidos do agregado familiar onde se integra o menor ser divididos pelos doze meses correspondentes ao ano civil.

II. No apuramento do rendimento para efeitos do reconhecimento da obrigação de garantia de alimentos a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (condição de recursos), devem os rendimentos anuais ilíquidos do agregado familiar onde se integra o menor incluir os subsídios de férias e de natal, e o excesso (face ao limite legal) do subsídio de refeição, auferidos.

III. No apuramento do rendimento para efeitos do reconhecimento da obrigação de garantia de alimentos a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (condição de recursos), não devem os rendimentos anuais ilíquidos do agregado familiar onde se integra o menor incluir o abono de família para crianças e jovens, atenta a sua natureza de prestação social destinada a fazer face a encargos familiares (excluída, para este efeito, pelo art. 11.º, 2.ª parte, do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho).
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

ACÓRDÃO

I – RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada
1.1.1. V. M., residente na Rua ..., n.º …, em Ponte de Lima (aqui Recorrente), propôs um incidente de incumprimento de regulação de responsabilidades parentais, contra E. M., detida no Estabelecimento Prisional de ..., sito na Rua …, em ..., pedindo que:

· fosse reconhecido o incumprimento, pela Requerida, das prestações de alimentos devidas a R. C. e a V. C. (filhos comuns, menores, do Requerente e da Requerida), ascendendo as mesmas à data da propositura dos autos a € 300,00, a este montante acrescendo juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde o vencimento de cada prestação de alimentos até integral pagamento;

· fosse a Requerida condenada no pagamento de uma multa (no valor máximo fixado por lei) e numa indemnização a favor dos filhos e do Requerente (em valor a fixar pelo Tribunal), esta última por conta dos danos não patrimoniais sofridos com o não pagamento atempado das pensões de alimentos devidas;

· fosse fixado o montante das prestações de alimentos a pagar pelo Estado (através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores · (1)), em substituição da Requerida, num valor nunca inferior a € 75,00 por mês para cada Menor;

· fosse notificado o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social para providenciar o pagamento imediato das prestações de alimentos a cometer ao Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (através do Centro Regional de Segurança Social de Viana do Castelo).

Alegou para o efeito, em síntese, terem sido definitivamente reguladas, em 5 de Junho de 2020, as responsabilidades parentais relativas a R. C. e a V. C., ficando os mesmos confiados à sua guarda, e ficando a Requerida obrigada a pagar a cada um, a título de alimentos, a quantia mensal de € 75,00.
Mais alegou que a Requerida não efectuou qualquer pagamento destes montantes, por não o querer fazer, colocando em perigo a satisfação das necessidades básicas dos filhos (estudantes, e sem rendimentos próprios).
Por fim, o Requerente alegou estarem reunidas as condições legais para que o FGADM assegurasse o pagamento das prestações de alimentos em falta.

1.1.2. Regularmente processados os autos (com notificação da Requerida para alegar o que tivesse por conveniente - nada tendo dito -, averiguação oficiosa da sua condição económica e patrimonial, bem como dos avós dos Menores, e audição do Requerente), foi proferida sentença, julgando totalmente procedente o incidente de incumprimento, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
V. M. reclama contra E. M. da omissão da prestação de alimentos a favor dos filhos comuns. Interpelada, não se pronunciou. Consideramos verificado o incumprimento. Custas pela Rda.

Informe da existência de imóveis e viaturas pertença da Rda.
(…)»

1.1.3. Sob notificação do Tribunal (para que identificasse as condições que justificariam a pedida intervenção do FGADM), o Requerente veio reiterar o pedido de fixação do montante de € 75,00 mensais, a título de prestação de alimentos devida a cada filho comum com a Requerida, e o cometimento do seu pagamento ao Estado, através do dito Fundo.
Alegou para o efeito, em síntese, que, sendo a Requerida reclusa, não existiria a possibilidade de recurso aos meios coercivos para obter o pagamento das pensões de alimentos em falta (de € 75,00 mensais, por cada filho comum que tem com ele próprio).
Mais alegou ser o seu agregado familiar composto por ele e pelos dois filhos menores em causa, tendo como único rendimento o seu vencimento mensal de € 750,00.
Por fim, o Requerente alegou que, estando actualmente fixado em € 438,81 o indexante de apoio social, a capitação de rendimentos do seu agregado familiar seria de € 375,00, o que lhe permitiria beneficiar da intervenção do FGADM.

1.1.4. Foi realizado Relatório Social para verificação dos requisitos legais de intervenção do FGADM, que concluiu não estarem reunidos no caso concreto, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
4. Metodologia e Fontes
(…)
Especifique:
O requerente apresentou declaração, devidamente assinada, da composição e rendimentos do seu agregado familiar, bem como despesas mensais.
5. Análise da documentação para prova de condição de recursos
(…)
Observações:
Agregado familiar constituído por 3 elementos, sendo que dois são menores. Residem em habitação própria, tipo unifamiliar que foi adquirida com recurso a crédito habitação. Foram considerados rendimentos de trabalho de V. M. decorrente da sua actividade como trabalhador por conta de outrem na Entidade empregadora “P. A. - FÁBRICA DE PORTAS SECCIONADAS, LDA.», relativamente ao ano de 2020 (incluindo subsídio de natal e férias). As despesas correntes deste agregado (prestação do crédito habitação, luz, água, gás e alimentação), perfazem em média o valor mensal de 509,00€.
(…)
Rendimentos do agregado familiar
Rendimentos do trabalho 887,69 euros
Rendimentos a favor das crianças
Prestações familiares 92,33 euros
6. Condição de recursos
Foi verificada a condição de recursos de acordo com o Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, na sua versão atualizada.
Anexa-se a este relatório folha de cálculo onde se encontram discriminados os rendimentos a considerar para apurar o valor do rendimento per capita.
Rendimentos Per Capita = (rendimento mensal global líquido) / Ponderação do agregado familiar = 443, 85 euros
O/A requerente não reúne as condições legalmente previstas para beneficiar da prestação social do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.
(…)»

1.1.5. Notificado o Relatório Social ao Requerente, o mesmo veio impugná-lo, defendendo encontrarem-se preenchidos os pressupostos legais de intervenção do FGADM.
Alegou para o efeito, sempre em síntese, ter sido erradamente calculado o rendimento do seu trabalho, por no mesmo ter sido incluído o subsídio de refeição, que o art. 206.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do Código do Trabalho, não considera retribuição.
Mais alegou que, considerando doze salários mensais de € 750,00, o rendimento per capita do seu agregado familiar seria de € 375,00; e considerando catorze salários mensais de € 750,00 (por forma a incluir o subsídio de férias e de natal), o rendimento per capita seria de € 438,81. Logo, quer num caso, quer noutro, inferior ao indexante de apoio social actualmente em vigor, de € 438,18.

1.1.6. Sob conforme promoção do Ministério Público (que, nomeadamente, ponderou que a «definição de retribuição contida no art. 260.º do Código do Trabalho, invocada pelo V. M., não é referida nos diplomas legais atinentes à intervenção do Fundo»), foi proferida decisão, julgando não verificados os requisitos legais que autorizariam o pagamento das prestações de alimentos devidas aos Menores pelo FGADM, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
A Rda foi condenada a prestar alimentos a favor dos dois filhos menores e, reconhecidamente, não o fez. Verificado o incumprimento e constatada a inviabilidade de efectivação coerciva (à Rda não são conhecidos bens e o rendimento que tem corresponde à centena de euros por actividade exercida no estabelecimento prisional) cabe apreciar a viabilidade da solicitada intervenção supletiva do FGA.
Com interesse para apreciação da pretensão, recorda-se que o valor do IAS é de €438,81, tal como expõe V. M. (port. 27/2020).
O cálculo do rendimento per capita não oferece dissensão. Os dois menores vivem com o pai, contando para o efeito o prescrito no DL 70/2010, o Rte conta como unidade e cada filho como 1/2 da unidade, o que implica que o peso a considerar é de 2.
Ao solicitar, inicialmente, a intervenção do Fundo, o Rte não apresentou justificação além do incumprimento. Interpelado, veio dar conta de vencimento, exclusivamente o salário base, e da composição do agregado. É quanto à questão do rendimento relevante para efeito de eventual intervenção do fundo que se insurgiu o progenitor.
A S.S., efectuadas consultas ao seu sistema de informação e tendo entrevistado V. M., encontrou-lhe vencimento declarado e prestações sociais a favor dos filhos. V. M. indicou o vencimento e ilustrou a alegação com as folhas de vencimento dos três últimos meses de 2020.
O vencimento base não oferece dúvidas. Corresponde a € 750, mensais e a 14 meses por ano, contados os subsídios de férias e de Natal. Totaliza o vencimento declarado: € 10.500, anuais.
O agregado recebe relativamente a prestações sociais para R. C. e V. C. (filhos) € 92,33 mensalmente.
V. M. recebe subsídio de alimentação, no valor unitário de € 6,17, correspondendo a € 129,57 nos meses de Outubro e Novembro (21 dias) e a € 123,40 no mês de Dezembro de 2020 (20 dias).
O rendimento proveniente do salário a considerar é de €875 (750x14/12) cfr ac. RL de 19-12-2019, proc. 8389/13.5TCLRS, in ww.dgsi.pt.
Além do proveniente do trabalho, deve ser considerado o rendimento que já beneficie o agregado em resultado de outras prestações sociais a favor dos filhos [art. 3° n.L a) e f) DL 70/2010 e art. 3° DL 164/99 na redacção da L 64/2012] cfr ac. RC de 12-12-2017, proc. 4009/11.0TBLRA-B, in ww.dgsi.pt.
O R.te recebe subsídio de refeição, no valor de €6,17 e que nos meses ilustrados por aquele corresponderam a 21 e a 20 dias por mês. Atenta a normalidade, será apenas recebido nos dias de trabalho efectivo, com exclusão do mês de férias. Atento o prescrito nos artigos 6° DL 70/2010 e 2° n.3 b) ii CIRS, apenas releva como rendimento o valor além de € 4,77 (€ 1,40). Aceitando dez meses de trabalho efectivo com vinte dias por cada um, temos 200 dias de subsídio de alimentação e € 280, anuais (200 x € 1,40).
€ 875 mais € 92,33 corresponde a € 967,33 de rendimento mensal.
Atenta a regra da capitação (:2) o rendimento relevante é de € 483,665. Considerando também a parcela relevante do subsídio de refeição temos ainda que adicionar ao rendimento o valor de €11,666 (280/12=23,333/2=11,666) atingindo-se o valor de € 495,33 per capita.
Atentos os actuais requisitos exigidos para a solicitada intervenção do FGA, é clara a ausência de uma das condições, "o menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais das prestações. 0 a capitação do rendimento do ... agregado familiar não seja superior" (art. 3° n.l a) e n.2 DL 164/99).
Recordado o valor do IAS (€ 438,81) não pode ser atendida a pretensão.
Decisão
Não atendemos à solicitada intervenção do Fundo de Garantia.
(…)»
*
1.2. Recurso

1.2.1. Fundamentos
Inconformado com esta decisão, o Requerente (V. M.) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que se revogasse a decisão recorrida, sendo substituída por outra, julgando procedente o recurso e concluindo pela procedência do pedido de intervenção do FGADM.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):

1.º - Vem o presente recurso interposto da D. Decisão que decidiu não admitir a intervenção do FGADM.

2.º - O tribunal a quo, ao invés de fazer uma análise global da prova produzida nos autos e explicitar os concretos fundamentos em que aquela se alicerça - nomeadamente em que elementos se alicerça para alcançar o valor dos rendimentos do trabalho do Recorrente - aceita, de forma acrítica e sem mais explicações, os valores dos rendimentos do trabalho do Recorrente indicados no relatório da Segurança Social (887,69 €).

3.º - Compete a ambos os progenitores a obrigação de sustentar os filhos. Esta obrigação abrange tudo aquilo que é indispensável ao adequado desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos menores, tendo, porém, em conta as possibilidades dos obrigados.

4.º - A condição de progenitor/a (no caso mãe não guardiã) implica o dever de ter ou adquirir uma situação económica estável para prover ao sustento dos filhos e a situação de reclusão não o/a dispensa de cumprir a obrigação de alimentos.

5.º - A fixação da prestação nos termos expostos não constitui uma presunção insuportável para a progenitora - até porque a mesma concordou com a fixação da pensão de alimentos no montante global de 150,00€, sendo 75,00€ para cada uma das crianças, em sede de audição técnica especializada - uma vez que esta poderá, querendo, demonstrar a sua incapacidade efectiva, dispondo de meios judiciais que lhe permitem afastar tal obrigação.

6.º - A progenitora nunca pagou a pensão de alimentos. Face a este incumprimento, e porque não lhe é possível lançar mão dos meios coercivos previstos no RGPTC uma vez que a devedora não possuir bens nem rendimentos veio o Recorrente, progenitor, recorrer à prestação substitutiva a pagar pelo FGADM.

7.º - Estatui o artigo 69.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa que “As crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições”. Por sua vez, os n.ºs 1 e 2 do art.º 27.º da Convenção sobre os Direitos da Criança (adoptada pela Assembleia Geral nas Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990), aduzem que: “1. Os Estados Partes reconhecem à criança o direito a um nível de vida suficiente, de forma a permitir o seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social. 2. Cabe primacialmente aos pais e às pessoas que têm a criança a seu cargo a responsabilidade de assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança”, a que acresce o proclamado no Princípio IV da Declaração dos Direitos da Criança (proclamada pela Resolução da Assembleia Geral 1386 (XIV), de 20 de Novembro de 1959), no sentido de que “a criança deve beneficiar da segurança social. Tem direito a crescer e a desenvolver-se com boa saúde; para este fim, deverão proporcionar-se quer à criança quer à sua mãe cuidados especiais, designadamente, tratamento pré e pós-natal. A criança tem direito a uma adequada alimentação, habitação, recreio e cuidados médicos”.

8.º - Dando concretização aos deveres que se divisam ao Estado na proteção da infância, surge a instituição do Fundo de Garantia dos Alimentos devidos a menores (FGADM), justamente com o desiderato de assegurar às crianças a satisfação do direito a alimentos, quando tal satisfação não encontre eco (ou não encontre suficientemente), no âmbito da família.

9.º - Nesta esteira, estatui o artigo 1º, da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro que “Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de outubro, e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efetivo cumprimento da obrigação”.

10.º - O pagamento pelo Fundo de Garantia das prestações de alimentos devidas encontra-se, nos termos do previsto no artigo 3.º do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, dependente da verificação cumulativa de dois requisitos:
a) não satisfação pela pessoa judicialmente obrigada das prestações alimentares devidas a menor, por qualquer das formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro; e
b) o menor não ter rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.

11.º - In casu, resulta dos autos que a progenitor das crianças está judicialmente obrigada ao pagamento da prestação de alimentos e nunca o fez. E, atendendo à situação actual de reclusa em que se encontra a progenitora, não existe a possibilidade de recurso aos meios coercivos de efectivar a prestação alimentícia, previstos nos artigos 48.º do RGPTC e 933.º do CPC, bem como a possibilidade de propositura de acção de alimentos prevista no art.º 2009.º do CC.

12.º - Os rendimentos do trabalho de V. M. decorrente da sua atividade como trabalhador por conta de outrem na entidade empregadora “P. A. – FÁBRICA DE PORTAS SECCIONADAS LDA» são no montante mensal de 750,00 € (cfr. recibos de vencimento que foram juntos aos autos).

13.º - Se considerarmos que o valor mensal de rendimentos do trabalho é de 750,00€, teremos um rendimento per capita de 375,00€ (750,00€ / 2), que é inferior ao valor do IAS em vigor no montante de 438,81€ (art.º 2.º da Portaria n.º 27/2020, de 31/01) e, portanto, o pai das crianças reúne as condições legalmente previstas para que o FGADM assegure o pagamento das prestações de alimentos devidas aos menores R. C. e V. C.

14.º - No cálculo dos rendimentos do trabalho dependente, para efeitos de intervenção do FGADM, inclui-se as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular provenientes de trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado,

15.º - mas não se inclui o subsídio de refeição, por não se considerar retribuição (art.º 260.º, nº 1 alínea a) e nº 2 do CT),

16.º - ou, então, apenas se inclui a parte do subsídio de refeição que exceder o limite legal estabelecido (art.º 2º, n.º 3, alínea b), parte ii. do CIRS) e nunca a totalidade deste subsídio.

17.º - Quando se inclui o subsídio de refeição há que ter em conta que o valor mensal do subsídio de refeição não é sempre igual porquanto depende no número de dias úteis que cada mês tem e dos dias em que o trabalhador presta, efectivamente trabalho e o subsídio de refeição não é pago ao trabalhador no mês de férias, nem com o subsídio de férias ou com o subsídio de Natal.

18.º - Tendo em conta que
i) o art.º 2.º, nº 3, alínea b) ponto ii do CIRS dispõe que “Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente as remunerações acessórias, nelas se compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica, designadamente o subsídio de refeição na parte em que exceder o limite legal estabelecido (…)” (sublinhado nosso);
ii) o limite legal estabelecido para o subsídio de refeição é de 4,77€/dia;
iii) a entidade patronal do Recorrente lhe paga o subsídio de refeição de 6,17€/dia (cfr. recibos de ordenado juntos aos autos);
iv) o valor que excede aquele limite é de 1,40€/dia,
então o valor máximo a englobar nos rendimentos do trabalho, a título de subsídio de refeição, será no montante de 29,40€,

19.º - o que perfaz, para o agregado familiar do Recorrente um rendimento mensal máximo de 779,40€ (que é 750,00€ + 29,40€, cfr. aliás, consta dos recibos de ordenado juntos aos autos, na parte relativa aos descontos para a Segurança Social e IRS) e não 887,69 €.

20.º - Se considerarmos que o valor mensal de rendimentos do trabalho é de 779,40 €, teremos um rendimento per capita de 389,70€ (779,40 € / 2), que é inferior ao valor do IAS em vigor no montante de 438,81 € (art.º 2.º da Portaria n.º 27/2020, de 31/01) e, portanto, o pai das crianças reúne as condições legalmente previstas para que o FGADM assegure o pagamento das prestações de alimentos devidas aos menores R. C. e V. C..

21.º - No cálculo dos rendimentos do agregado familiar, para efeitos de intervenção do FGADM, só se incluem as prestações familiares - vulgo abono de família - que excedam os limites legais estabelecidos (art.º 2º, n.º 3, alínea b), parte i. do CIRS) e nunca a totalidade daqueles.

22.º - Tendo em conta que
i) o art.º 2.º, nº 3, alínea b) ponto i do CIRS dispõe que “Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente as remunerações acessórias, nelas se compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica, designadamente os abonos de família e respectivas prestações complementares, exceto na parte em que não excedam os limites legais estabelecidos (sublinhado nosso);
ii) e as prestações sociais a favor dos menores pagas, mensalmente, pela Segurança Social são no montante de €92,33€, estas não excedem os limites legais estabelecidos;
e, portanto, não podem ser adicionadas aos rendimentos do trabalho auferidos pelo Recorrente que são no referido montante de 779,40 €/mês.

23.º - Mesmo a admitir-se, como faz o M. Juiz a quo, atropelando aquela norma da legislação tributária, que, ao rendimento do trabalho do Reclamante, acresce o valor das prestações sociais pagas, no montante de 92,33 € - e não é assim - então o rendimento mensal do agregado familiar seria de 871,73 € (779,40 € + 92,33€), e não 887,69 €.

24.º - E se considerarmos que o valor mensal global do agregado familiar do Recorrente é 871,73 €, teremos um rendimento per capita de 435,86 € (871,73€ / 2), que é inferior ao valor do IAS em vigor - no montante de 438,81 € (art.º 2.º da Portaria n.º 27/2020, de 31/01) e, portanto, o pai das crianças reúne as condições legalmente previstas para que o FGADM assegure o pagamento das prestações de alimentos devidas aos menores R. C. e V. C..

25.º - A D. Decisão recorrida viola o disposto nos art.ºs 36.º, nºs 3 e 5, 69.º da CRP, nos arts. 45.º, 46.º, 47.º e 48.º do RGPTC, no art. 27º, nº s 1 e 2 da Convenção sobre os Direitos da Criança, nos art.ºs 295.º, 986.º e 607º, 615º, nº 1, als. b) e c), 662.º, nº 5 do CPC, art.ºs 1875.º, 1877.º, 1878.º, 1882.º a 1885.º, 1886.º, 1887.º, 1905.º, 1921.º, 2003.º, e 2004.º, 2009.º, do CC, no art.º 260.º do Cód. Trabalho, no artigo 2º n. º 3, alíena b), pontos i. e ii. do CIRS, na Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro e no Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, na Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro e no art.º 2.º da Portaria n.º 27/2020, de 31 de Janeiro.
*
1.2.2. Contra-alegações
Apenas o Ministério Público contra-alegou, pedindo que se negasse provimento ao recurso e se mantivesse na íntegra a sentença recorrida.
*
II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
*
2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pelo Requerente (V. M.), uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem:

· Questão Única - Encontra-se o Requerente neste momento em condições de beneficiar do cometimento ao Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores das prestações de alimentos devidas aos seus dois Filhos comuns com a Requerida (nomeadamente, por não deverem ser incluídos no seu rendimento laboral os subsídios de férias e de natal, e o subsídio de refeição, que aufere) ?
*
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1. Factos Provados
Com interesse para a apreciação da questão única enunciada, o Tribunal a quo julgou como provados os seguintes factos:

1 - V. M. mora no n.º …, da Rua ..., …, Ponte de Lima.

2 - R. C., nascido a .. de Maio de 2005, e V. C., nascida a .. de Maio de 2014, vivem com V. M..

3 - R. C. e V. C. R. C. são filhos de V. M. e de E. M..

4 - Relativamente aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2020, V. M. declarou o salário base de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros, e zero cêntimos).

5 - No mês de Outubro de 2020, V. M. recebeu ainda € 129,57 (cento e vinte e nove euros, e cinquenta e sete cêntimos) de subsídio de alimentação.

6 - No mês de Novembro de 2020, V. M. recebeu ainda € 129,57 (cento e vinte e nove euros, e cinquenta e sete cêntimos) de subsídio de alimentação.

7 - No mês de Dezembro de 2020, V. M. recebeu ainda € 123,40 (cento e vinte e três euros, e quarenta cêntimos) de subsídio de alimentação.

8 - O dito subsídio de alimentação tem valor unitário de € 6,17 (seis euros, e dezassete cêntimos); e correspondeu a 21 dias em Outubro e em Novembro de 2020, e a 20 dias em Dezembro de 2020.

9 - V. M. recebe mensalmente € 92,33 (noventa e dois euros, e trinta e três cêntimos) de prestações sociais a favor dos dois filhos.

10 - V. M. recebe subsídio de férias e subsídio de Natal.

11 - E. M. foi condenada a prestar mensalmente € 75,00 (setenta e cinco euros, e zero cêntimos) a cada um dos dois filhos; e mantém-se em incumprimento, revelando-se a efectivação coerciva impraticável.
*
3.2. Factos não provados
O Tribunal a quo julgou como não provado o seguinte facto:

a) O único sustento do agregado familiar de V. M. limita-se a € 750,00 (setecentos e cinquenta euros, e zero cêntimos).
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores
4.1.1. Criação - Pressupostos (requisitos) de intervenção

Lê-se no art. 69.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) que as «crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todos as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições».
Logo, é função da sociedade e do Estado, e seu dever, assegurar, não só o direito das crianças à vida e à integridade física (arts. 24.º e 25.º, ambos da CRP) - direitos especiais de personalidade -, como ao respectivo desenvolvimento integral e a uma vida digna, como pessoas em formação que são; e assume aqui particular importância a garantia da sua subsistência, nomeadamente quando seja incumprida a obrigação de alimentos para com elas, comprometendo o princípio da solidariedade familiar (art. 67.º, da CRP).
Com efeito, o direito fundamental ao «mínimo de existência condigna», ou ao «mínimo de sobrevivência», radica no princípio da dignidade da pessoa humana - na sua génese de mínimo vital (estatuto jurídico do património mínimo) - consagrado nos arts. 1.º e 26.º, n.º 3, ambos CRP; decorre da ideia de Estado de Direito Democrático - consagrado nos arts. 2.º e 63.º, ambos da CRP; e tem sido reconhecido na jurisprudência do Tribunal Constitucional (v.g. Ac. do TC n.º 62/2002, ou Ac. do TC n.º 509/2002).
Esta protecção à criança (em particular, no que toca ao direito a alimentos), tem merecido também especial consagração em instrumentos vinculativos de direito internacional, onde se destacam: as Recomendações do Conselho da Europa R(82)2, de 4 de Fevereiro de 1982, relativa à antecipação pelo Estado de prestações de alimentos devidos a menores, e R(89)l, de 18 de Janeiro de 1989, relativa às obrigações do Estado, designadamente em matéria de prestações de alimentos a menores em caso de divórcio dos pais; e a Convenção sobre os Direitos da Criança, adoptada pela ONU em 1989 e assinada em 26 de Janeiro de 1990, em que se atribui especial relevância à consecução da prestação de alimentos a crianças e jovens até aos 18 anos de idade.

Compreende-se, por isso, a edição da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro (aqui considerada com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, e pela Lei n.º 24/2017, de 24 de Maio), em cujo art. 1.º se lê: quando «a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de outubro, e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efetivo cumprimento da obrigação» (n.º 1); e esse pagamento cessará «no dia em que o menor atinja a idade de 18 anos, exceto nos casos e nas circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 1905.º do Código Civil», isto é, manter-se-á desde que o respectivo processo de educação ou formação profissional ainda não esteja concluído, e até que complete 25 anos (n.º 2).
Mais se lê, no art. 6.º, da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, que é «constituído o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, adiante designado por Fundo, cuja inserção orgânica será definida por diploma regulamentar do Governo» (n.º 1), sendo «gerido em conta especial e» assegurando «o pagamento das prestações fixadas nos termos da presente lei» (n.º 2).
Por fim, no art. 7º desta Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, ficou desde logo previsto que o «Governo regulamentará no prazo de 90 dias, mediante decreto-lei, o disposto no presente diploma e tomará as providências orçamentais necessárias à sua execução».
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Viria, assim, a ser publicado o Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio (aqui considerado com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, e pela Lei n.º 64/2012, de 20 de Dezembro), cujo art. 1º esclareceu destinar-se precisamente a regular «a garantia de alimentos devidos a menores prevista na Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro».
Conforme expressamente assumido no preâmbulo deste diploma (com bold apócrifo), apercebeu-se o legislador que «a evolução das condições sócio-económicas, as mudanças de índole cultural e a alteração dos padrões de comportamento têm determinado mutações profundas a nível das estruturas familiares e um enfraquecimento no cumprimento dos deveres inerentes ao poder paternal, nomeadamente no que se refere à prestação de alimentos»; e que «entre os factores que relevam para o não cumprimento da obrigação de alimentos assumem frequência significativa a ausência do devedor e a sua situação sócio-económica, seja por motivo de desemprego ou de situação laboral menos estável, doença ou incapacidade, decorrentes, em muitos casos, da toxicodependência, e o crescimento de situações de maternidade ou paternidade na adolescência que inviabilizam, por vezes, a assunção das respectivas responsabilidades parentais».
Justificar-se-ia, deste modo, que «o Estado crie mecanismos que assegurem, na falta de cumprimento daquela obrigação, a satisfação do direito a alimentos», «pressuposto necessário dos demais e decorrência, ele mesmo, do direito à vida (artigo 24.º)», possibilitando o «acesso a condições de subsistência mínimas, o que, em especial no caso das crianças, não pode deixar de comportar a faculdade de requerer à sociedade e, em última instância, ao próprio Estado as prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna».

Assim, e pelo art. 2.º, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio: foi «constituído, no âmbito do ministério responsável pela área da solidariedade e da segurança social, o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, (…) gerido em conta especial pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I. P. (n.º 1); e foi-lhe cometido que assegurasse «o pagamento das prestações de alimentos atribuídas a menores residentes em território nacional, nos termos dos artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro» (n.º 2).
Esclareceu ainda o art. 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, que o «Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efectivo cumprimento da obrigação quando: a) a pessoa judicialmente obrigada a prestar não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do DL 314/78 de 27 de Outubro; b) O menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre».

Precisa-se que o indexante de apoios sociais (IAS) foi criado pela Lei n.º 53-B/2006, de 29 de Dezembro (alterada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, pelo Decreto-Lei n.º 254-B/2015, de 31 de Dezembro, e pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro), constituindo «o referencial determinante da fixação, cálculo e actualização dos apoios (…) da administração central do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais, qualquer que seja a sua natureza, previstos em actos legislativos ou regulamentares» (art. 2.º, n.º 1); e sendo seu valor «actualizado anualmente com efeitos a partir do dia 1 de Janeiro de cada ano» (art. 4.º, n.º 1).
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Dir-se-á, assim, que são cumulativos requisitos de intervenção do FGADM (isto é, pressupostos de reunião necessária para que o mesmo assegure o pagamento de prestações de alimentos a menores): que tenha sido judicialmente reconhecida a obrigação de alimentos a favor de menor residente em território nacional (ou adulto de idade inferior a 25 anos, que frequente formação académica ou profissional); que a pessoa judicialmente obrigada a prestá-los não os satisfaça pelas formas previstas no art. 189.º da OTM (hoje, no art. 48.º, do RGPTC); e que o menor credor de alimentos não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS), nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, tendo-se em conta a capitação de rendimentos do agregado familiar em que se insira.

Veio, porém, a jurisprudência a dividir-se: entendeu parte dela que o FGADM poderia satisfazer a pensão de alimento que se justificasse atribuir ao menor credor, mesmo que não tivesse sido prévia e judicialmente fixada, por insuficiência económica do obrigado, ou por nada se ter apurado quanto ao seu património e rendimentos (2); e entendeu outra parte dela que o FGADM só poderia satisfazer uma pensão de alimentos que tivesse sido prévia e judicialmente fixada (3).
Seria, por isso, proferido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2009, Uniformizador de Jurisprudência, de 07 de Julho de 2009 (DR, n.º 150/2009, Série I, de 05 de Agosto de 2009), decidindo que: «A obrigação de prestação de alimentos a menor, assegurada pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em substituição do devedor, nos termos previstos nos artigos 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, e 2.º e 4.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, só nasce com a decisão que julgue o incidente de incumprimento do devedor originário e a respectiva exigibilidade só ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, não abrangendo quaisquer prestações anteriores» (4).

Por fim, dir-se-á ainda que a impossibilidade de cobrança coerciva dos alimentos prévia e judicialmente fixados será aquela que resulte da mera frustração do «incidente de descontos» intra-processual, não sendo igual e cumulativamente exigível a prévia frustração do recurso a uma acção executiva, quer em sede de execução especial por alimentos, quer em sede de cobrança de alimentos de estrangeiro, ao abrigo de Convenção Internacional - v. g. da Convenção de Nova Iorque de 20.06.1956 - ou de instrumento normativo comunitário - Regulamento (CE) n.º 4/2009 de 18.12.2008 (5).
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4.1.2. Montante das prestações
Lê-se art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, que as «prestações atribuídas nos termos da presente lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS, independentemente do número de filhos menores»; e reitera-o o art. 3.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, onde se lê que as «prestações a que se refere o n.º 1 são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS».
Resulta dos preceitos citados que «o programa normativo do legislador passou pelo estabelecimento - no exercício da sua livre discricionariedade político-legislativa em sede de opções sobre a afectação de recursos financeiros a políticas sociais - de um tecto» para a «responsabilidade financeira pública, alcançado por referência, não a cada um dos menores/credores de alimentos, mas a cada progenitor/devedor incumpridor»; e este «resultado interpretativo não viola o princípio da igualdade nem qualquer outro preceito ou princípio constitucional» (Ac. do STJ, de 07.04.2011, Lopes do Rego, Processo n.º 9420-06.6TBCSC.L1.S1).
O dito IAS, para o ano de 2020, corresponde a € 438,81 (conforme art. 2.º da Portaria n.º 27/2020, de 31 de Janeiro).
Logo, e em 2020, o tecto máximo para cada devedor (independentemente do número de filhos menores que possua) será de € 438,81.
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Mais se lê, no art. 2.º, n.º 2, da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, que para a determinação do montante da prestação de alimentos, o «tribunal atenderá à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor».
Veio, porém, a jurisprudência a dividir-se: entendeu parte dela que o FGADM poderia satisfazer a pensão de alimentos que se justificasse atribuir ao menor credor, independentemente de ser superior à que fora - prévia e judicialmente - imposta ao respectivo devedor, desde que contida no limite legal próprio (6); e entendeu outra parte dela que o FGADM só poderia satisfazer uma pensão de alimentos que não fosse superior à que fora judicialmente fixada ao devedor originário, não cumprida voluntariamente por ele, nem coercivamente cobrada (7).
Seria, por isso, proferido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 5/2015, Uniformizador de Jurisprudência, de 19 de Março de 2015 (DR, n.º 85/2015, Série I, de 04 de Maio de 2015), decidindo que (com cinco votos de vencido): «Nos termos do disposto no artigo 2.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, e no artigo 3.º n.º 3 do DL n.º 164/99, de 13 de Maio, a prestação a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores não pode ser fixada em montante superior ao da prestação de alimentos a que está vinculado o devedor originário» (8).
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Por fim, lê-se no art. 3.º, n.º 4, da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, que o «montante fixado pelo tribunal perdura enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado»; e reitera-o o art. 9.º, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, onde se lê que o «montante fixado pelo tribunal mantém-se enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado» (n.º 1), ficando a «pessoa que recebe a prestação (…) obrigada a renovar anualmente a prova, perante o tribunal competente, de que se mantêm os pressupostos subjacentes à sua atribuição» (n.º 4).
Precisa-se, porém, que esta nova decisão judicial estará necessariamente limitada à apreciação da questão da «renovação da prova», uma vez que o Tribunal se encontra vinculado relativamente ao quantum da prestação a cargo do FGADM, por força do caso julgado formado sobre a primitiva decisão que a fixou, conforme art. 619.º, do CPC (9).
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4.1.3. Indexante Social - Forma de cálculo
4.1.3.1. Em geral
Recorda-se que se lê: no art. 1.º, n.º 1, da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, que quando «a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de outubro, e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efetivo cumprimento da obrigação»; e reitera-o o art. 3.º, n.º 1, als. a) e b), do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, onde se lê que o «Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efectivo cumprimento da obrigação quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro» e «o menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre».
Mais se lê, no mesmo art. 3.º (do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio), que: se entende «que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS, quando a capitação do rendimento do respectivo agregado familiar não seja superior àquele valor» (n.º 2); e para «efeitos da capitação do rendimento do agregado familiar do menor, considera-se como requerente o representante legal do menor ou a pessoa a cuja guarda este se encontre» (n.º 4).

Esclarece-se, porém, e expressamente, no n.º 3, do art. 3.º, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio (com bold apócrifo), que o «agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação dos rendimentos, referidos no número anterior, são aferidos nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, alterado pela Lei n.º 15/2011, de 3 de maio, e pelos Decretos-Leis n.º 113/2011, de 29 de Novembro, e 133/2012, de 27 de junho».
Lê-se, a propósito, no art. 1º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho (ainda alterado pelo Decreto-Lei n.º 90/2017, de 28 de Julho, pelo Decreto-Lei n.º 120/2018, de 27 de Dezembro, pela Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 84/2019, de 28 de Junho), que o «presente decreto-lei estabelece as regras para a determinação dos rendimentos, composição do agregado familiar e capitação dos rendimentos do agregado familiar para a verificação das condições de recursos a ter em conta no reconhecimento e manutenção do direito às (…) prestações dos subsistemas de protecção familiar e de solidariedade», nomeadamente às «prestações por encargos familiares» (alínea a), do n.º 1, do art. 1.º, citado).
Mais se lê, no art. 2.º do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho (com bold apócrifo), que: a «condição de recursos referida no artigo anterior corresponde ao limite de rendimentos e de valor dos bens de quem pretende obter uma prestação de segurança social ou apoio social, bem como do seu agregado familiar, até ao qual a lei condiciona a possibilidade da sua atribuição» (n.º 1, com bold apócrifo); e na sua verificação «são considerados os rendimentos do requerente e dos elementos que integram o seu agregado familiar, de acordo com a ponderação referida no artigo 5.º» (n.º 3, com bold apócrifo).
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4.1.3.2. Em particular
4.1.3.2.1. Agregado familiar (composição)

Precisando, integrarão o agregado familiar do titular às prestações sociais em causa as «pessoas que com ele vivam em economia comum» - «em comunhão de mesa e habitação e tenham estabelecido entre si uma vivência comum de entreajuda e partilha de recursos» -, nomeadamente o «cônjuge ou pessoa em união de facto há mais de dois anos», «parentes e afins maiores, em linha recta e em linha colateral, até ao 3.º grau», «parentes e afins menores em linha recta e em linha colateral», «adoptantes, tutores e pessoas a quem o requerente esteja confiado por decisão judicial ou administrativa de entidades ou serviços legalmente competentes para o efeito», «adoptados e tutelados pelo requerente ou qualquer dos elementos do agregado familiar e crianças e jovens confiados por decisão judicial ou administrativa de entidades ou serviços legalmente competentes para o efeito ao requerente ou a qualquer dos elementos do agregado familiar» (art. 4.º, n.º 1 e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, com bold apócrifo).
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4.1.3.2.2. Capitação
Definido o agregado familiar relevante, importará atender à capitação de cada um dos seus elementos, já que «a ponderação de cada elemento é efectuada de acordo com» uma «escala de equivalência», em que ao requerente é atribuído o peso 1, a cada indivíduo maior é atribuído o peso, 0,7, e a cada indivíduo menor é atribuído o peso 0,5 (art. 5.º, do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho) (10).
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4.1.3.2.3. Rendimentos (a considerar)
Precisando novamente, e agora quanto à determinação dos rendimentos a considerar, lê-se no art. 3.º, do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, que: para «efeitos da verificação da condição de recursos, consideram-se os seguintes rendimentos do requerente e do seu agregado familiar: a) Rendimentos de trabalho dependente; b) Rendimentos empresariais e profissionais; c) Rendimentos de capitais; d) Rendimentos prediais; e) Pensões; f) Prestações sociais; g) Apoios à habitação com carácter de regularidade» (n.º 1); mas para «efeitos de atribuição e manutenção de cada prestação ou apoio social, o respectivo valor não é contabilizado como rendimento relevante para a verificação da condição de recursos» (n.º 4).
Importa, porém, considerar ainda o disposto no n.º 2, do art. 3.º, do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, onde se esclarece que os «rendimentos referidos no número anterior reportam-se ao ano civil anterior ao da data da apresentação do requerimento, desde que os meios de prova se encontrem disponíveis, e, quando tal se não verifique, reportam-se ao ano imediatamente anterior àquele, sem prejuízo do disposto no número seguinte».
Com efeito, sempre «que as instituições gestoras das prestações e dos apoios sociais disponham de rendimentos actualizados mais recentes, esses rendimentos podem ser tidos em conta para a determinação da condição de recursos» (n.º 3, do mesmo art. 3.º). Logo, pretende-se uma decisão mais conforme com a realidade de facto que então subsista, desde que conhecida com rigor.
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A definição do que sejam os referidos «rendimentos de trabalho dependente» resulta do art. 6.º, do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, onde se lê que serão «os rendimentos anuais ilíquidos como tal considerados nos termos do disposto no Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (Código do IRS) (11), sem prejuízo do disposto no presente decreto-lei».
Ora, lê-se no art. 2.º do Código do IRS (com bold apócrifo) que se consideram «rendimentos do trabalho dependente todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular provenientes de» trabalho «por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado» (al. a)); as ditas remunerações «compreendem, designadamente, ordenados, salários, vencimentos, gratificações, percentagens, comissões, participações, subsídios ou prémios, senhas de presença, emolumentos, participações em multas e outras remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou variáveis, de natureza contratual ou não» (n.º 2); e consideram-se «ainda rendimentos do trabalho dependente» as «remunerações acessórias, nelas se compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica, designadamente» os «abonos de família e respetivas prestações complementares, exceto na parte em que não excedam os limites legais estabelecidos», e o «subsídio de refeição na parte em que exceder o limite legal estabelecido ou em que o exceda em 60 /prct. sempre que o respetivo subsídio seja atribuído através de vales de refeição» (n.º 3, al. b), 1) e 2)) (12).

Assim, e nos «rendimentos de trabalho dependente» a considerar para este efeito, incluem-se o subsídio de férias e o subsídio de natal, abrangendo por isso as catorze prestações auferidas anualmente (resultantes da adição aos doze salários dos ditos dois subsídios), e não se limitando apenas aos doze salários anuais (13).

No que toca ao abono de família para crianças ou jovens (14), é o mesmo calculado em função: da idade da criança ou jovem; e da composição do agregado familiar do rendimento de referência em que a mesma se insere, agrupados em escalões (quatro) indexados ao valor do IAS. Beneficia ainda de uma majoração, nas situações de monoparentalidade (35 % sobre os respetivos valores), e nas famílias mais numerosas (2 ou mais crianças com idade até aos 36 meses) (15).

No que toca ao subsídio de refeição, e de acordo com a normalidade as coisas apenas será recebido nos dias de trabalho efectivo (excluindo-se no mês de férias) (16); e considerado aqui somente na parte em que exceda o limite legal estabelecido, que no ano de 2020 foi de € 4,77 (conforme Portaria n.º 1553-D/2008, de 31 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro, e pelas Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, e Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro).
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Já a definição do que sejam as referidas «prestações sociais» resulta do art. 11.º, do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, onde se lê que consideram-se como tais «todas as prestações, subsídios ou apoios sociais atribuídos de forma continuada, com excepção das prestações por encargos familiares, encargos no domínio da deficiência e encargos no domínio da dependência do subsistema de protecção familiar».
Incluem-se nas prestações por encargos familiares o abono de família para crianças e jovens, o abono de família pré-natal, a bolsa de estudos e o subsídio de funeral (conforme art. 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 176/2003, de 2 de Agosto).
Precisa-se que o «abono de família para crianças e jovens é uma prestação mensal, de concessão continuada, que visa compensar os encargos familiares respeitantes ao sustento e educação das crianças e jovens» (art. 3.º, n.º, 2, do Decreto-Lei n.º 176/2003, de 2 de Agosto).
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4.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.2.1. Concretizando, verifica-se que, tendo R. C. e V. C. nascido, respectivamente, em - de Maio de 2005 e em - de Maio de 2014, têm neste momento 16 e 07 anos de idade; e residem com o Requerente (V. M.), seu pai, em território nacional.
Mais se verifica que, tendo sido previamente fixada uma pensão de alimentos, a cada um deles, de € 75,00 mensais, a cargo da Requerida (E. M.), sua mãe - no âmbito do processo de regulação de responsabilidades parentais que lhes dizia respeito -, a mesma nunca foi paga, incumprimento que foi reconhecido nestes mesmos autos.
Verifica-se ainda que, estando a Requerida (E. M.) detida no Estabelecimento Prisional de Santa Cruz, revelou-se impraticável a cobrança coerciva das pensões de alimentos por ela devidas (v.g. por inexistência ou desconhecimento de rendimentos ou património, quer próprios quer de outros obrigados sucedâneos).

Logo (e tal como o Tribunal a quo correctamente o ajuizou), mostram-se verificados os dois primeiros necessários e cumulativos requisitos de intervenção do FGADM nos autos, isto é: a existência de uma decisão judicial que fixou uma pensão de alimentos a favor dos Menores; e o incumprimento da mesma por parte da Requerida, sem que fosse possível cobrá-la coercivamente.
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4.2.2. Concretizando novamente, verifica-se que o Requerente (V. M.) auferiu em 2020 um salário base de € 750,00, como trabalhador por conta de outrem, catorze vezes por ano (isto é, doze salários, um subsídio de férias e um subsídio de natal).
Logo, e a este título, aufere um rendimento anual global de € 10.500,00 (€ 750,00 x 14 meses); e um valor mensal médio de € 875,00 (€ 10.500,00 : 12 meses).
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Mais se verifica que o Requerente (V. M.) aufere ainda subsídio de refeição, pago em dinheiro, tendo em 2020 um valor unitário de € 6,17; e, por isso, excedendo em € 1,40 o limite legal fixado para o efeito.
Aceitando que trabalhe uma média de 20 dias úteis por mês, 11 meses por ano, auferiu a este título, e para o efeito que aqui nos ocupa, no ano de 2020, um valor global de € 308,00 [(20 dias x 11 meses = 220 dias) 220 dias x € 1,40 = € 308,00]; e um valor mensal médio de € 25,666666 (€ 308,00 : 12).

Ora, somando o valor mensal médio do salário base (de € 875,00) com o excesso do valor mensal médio do subsídio de refeição (de € 25,666666), verifica-se que no ano de 2020 o Requerente (V. M.) auferiu um rendimento laboral mensal médio de € 900,66666.
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Dir-se-á, ainda, que não se considera ser de adicionar a este rendimento laboral mensal médio (salário base, acrescido do excesso - face ao máximo legal - do subsídio de refeição) as prestações sociais mensais pagas a favor dos dois filhos menores do Requerente (V. M.), no valor global de € 92,33.
Com efeito, e atenta a sua natureza, consideram-se as mesmas excluídas deste cálculo pelo art. 11.º, do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, já que destinadas a fazer face a encargos familiares (17); e, ainda que assim não fosse, não ficou certificado nos autos que excedessem o máximo legal a considerar para o efeito.
Compreende-se, por isso, que a Segurança Social, no relatório que aqui apresentou para efeito de intervenção do FDADM, não as tenha considerado.
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Ora, aplicando ao referido rendimento laboral mensal médio de € 900,66666 a capitação de 2,00 aqui devida (1,00 pelo Requerente + 0,5 por cada Menor) obtém-se o valor de € 450,33333 (€ 900,66666 : 2,00), superior ao IAS vigente no ano de 2020, de € 438,81.
Logo (e tal como o Tribunal a quo igualmente ajuizou, embora com cálculos não inteiramente coincidentes com os aqui expostos), não se mostra verificado o terceiro necessário e cumulativo requisitos de intervenção do FGADM nos autos, isto é: (para além da existência de uma decisão judicial que fixou uma pensão de alimentos a favor dos Menores, e do incumprimento da mesma por parte da Requerida, sem que fosse possível cobrá-la coercivamente) não terem os Menores credores de alimentos um rendimento ilíquido inferior ao valor do indexante dos apoios sociais, nem beneficiarem nessa medida de rendimentos do Pai, a cuja guarda se encontram, tendo em conta a capitação de rendimentos do agregado familiar do mesmo, em que se inserem.
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela total improcedência do recurso de apelação interposto, e pela confirmação integral da decisão recorrida.
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V – DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelo Requerente (V. M.) e, em consequência, em

· Confirmar integralmente a decisão recorrida.
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Custas da apelação pelo Recorrente respectivo (art. 527.º, do CPC).
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Guimarães, 16 de Dezembro de 2021.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;

1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;

2.ª Adjunta - Rosália Margarida Rodrigues da Cunha.



1. Doravante, no texto, FGADM.
2. Neste sentido, Ac. da RP, de 06.10.2002, Abílio Costa, Processo n.º 0653974, ou Ac. da RP, de 06.02.2006, Ana Paula Lobo, Processo n.º 0630817.
3. Neste sentido, Ac. da RC, de 10.07.2007, Hélder Roque, Processo n.º 53/06.8TMCBR-B.C1, Ac. da RL, de 16.12.2008, Rui Vouga, Processo n.º 9301/2008-1, Ac. da RP, de 08.09.2009, Cândido Lemos, Processo n.º 887/06.3TBPNF.P1, Ac. da RL, de 17.09.2009, Ondina Carmo Alves, Processo n.º 5659/04.7TBSXL.L1-2, Ac. da RP, de 01.02.2010, Mendes Coelho, Processo n.º 1307/08.4TMPRT.P1, Ac. da RC, de 09.02.2010, Manuela Fialho, Processo n.º 415/05.8TBAGD.C1, Ac. do STJ, de 12.07.2011, Hélder Roque, Processo n.º 4231/09.0TBGMR.G1.S1, Ac. da RL, de 06.12.2011, Tomé Ramião, Processo n.º 3464/08.0TBAMD.L1-6, Ac. do STJ, de 22.05.2013, Gabriel Catarino, Processo n.º 2485/10.8TBGMR.G1.S1, Ac. da RC, de 05.11.2013, Carvalho Martins, Processo n.º 1339/11.5TBTMR.A.C1, ou Ac. da RP, de 15.05.2014, Madeira Pinto, Processo n.º 1860/08.2TBPRD-4.P1.
4. Precisa-se que, embora «não seja vinculativa, a jurisprudência uniformizada do STJ tem a força persuasiva que é inerente ao respeito pela sua qualidade e pelo seu valor intrínseco, devendo, por isso, ser ponderada e, em princípio, respeitada, a não ser que existam novos factos, argumentos, razões ou circunstâncias que, não tendo sido considerados no acórdão uniformizador, possam justificar uma nova e diferente decisão» (Ac. da RG, de 04.10.2011, Purificação Carvalho, Processo n.º 376/09.4 TMBRG.G2); e estes «princípio do interesse na unidade interpretativa e aplicativa do direito e (…) princípio do interesse na estabilidade da jurisprudência recomendam que os tribunais apliquem a jurisprudência uniformizada» ainda que «esta não traduza o entendimento que vinham adotando» (Ac. da RG, de 25.06.2015, Manso Rainho, Processo n.º 3977/05.6TBBCL-A.G1).
5. Neste sentido, Ac. da RL, de 13.10.2011, Esagüy Martins, Processo n.º 148-A/2002.L1-2, Ac. da RC, de 11.12.2012, Luís Cravo, Processo n.º 46/09.3TBNLS-A.C1, Ac. da RL, de 11.04.2013, Magda Geraldes, Processo n.º 2415/11.0TMLSB-A.L1-2, Ac. da RL, de 28.01.2016, Jorge Leal, Processo n.º 6491/14.5T8SNT.L1-2, ou Ac. da RL, de 23.02.2017, Maria Amélia Ameixoeira, Processo n.º 5647-14.5T8SNT-B.L1-8. Em sentido contrário, porém, Ac. da RG, de 07.05.2013, António Beça Pereira, Processo n.º 4360/08.7TBGMR-A.G2, e Ac. do STJ, de 30.04.2015, Tavares de Paiva, Processo n.º 1201/13.7T2AMD-B.L1.S1.
6. Neste sentido, Ac. da RL, de 18.12.2012, Ana Resende, Processo n.º 5270/08.3TBALM-A.L1-7, Ac. da RL, de 11.07.2013, Maria José Mouro, Processo n.º 5147/03.9TBSXL-B.L1-2, Ac. da RC, de 22.10.2013, Fonte Ramos, Processo n.º 2441/10.6TBPBL-A.C1, Ac. da RG, de 14.11.2013, Jorge Teixeira, Processo n.º 699/11.2TBCBT-A.G1, Ac. da RP, de 28.11.2013, Judite Pires, Processo n.º 3255/11.1TBPRD-A.P1, Ac. da RG, de 17.12.2013, Moisés Silva, Processo n.º 987/03.1TBFLG-B.G1, Ac. da RG, de 23.01.2014, Conceição Bucho, Processo n.º 315-C/2000.G1, Ac. da RG, de 30.01.2014, Manuela Fialho, Processo n.º 689/08.2TBCBT-B.G1, Ac. da RC, de 11.02.2014, Catarina Gonçalves, Processo n.º 10033-A/1999.C1, Ac. da RE, de 17.03.2014, Acácio Neves, Processo n.º 36-F/2000.E1, Ac. do STJ, de 29.05.2014, Bettencourt de Faria, Processo n.º 257/06.3TBORQ-B.E1.S1, Ac. da RL, de 09.07.2014, João Ramos de Sousa, Processo n.º 2704/05.2TBVFX-D.L1-1, Ac. da RL, de 29.01.2015, Catarina Manso, Processo n.º 1731/ 10.2TMLSB.L1-8, ou Ac. da RL, de 10.02.2015, Dina Monteiro, Processo n.º 175/13.9TMPDL-B.L1-7. Na doutrina, Remédio Marques, Algumas Notas sobre Alimentos Devidos a Menores, Coimbra Editora, 2.ª edição revista, 2007, págs. 237-239.
7. Neste sentido, Ac. da RL, de 08.11.2012, Aguiar Pereira, Processo n.º 1529/03.4TCLRS-A.L2-6, Ac. da RC, de 18.02.2013, Alberto Ruço, Processo n.º 3819/04.0TBLRA-C.C1, Ac. da RC, de 05.11.2013, Carvalho Martins, Processo n.º 1339/11.5TBTMR.A.C1, Ac. da RL, de 30.01.2014, Tomé Ramião, Processo n.º 130/06.5TBCLD-E.L1-6, Ac. da RP, de 18.02.2014, Márcia Portela, Processo n.º 2247/05.4TBPRD-A.P1, Ac. da RL, de 13.03.2014, Fátima Galante, Processo n.º 848/11.0TBLNH-A.L1-6, Ac. da RL, de 20.03.2014, Maria de Deus Correia, Processo n.º 850/07.7TMLSB-B.L1-6, Ac. do STJ, de 13.11.2014, Ana Paula Boularot, Processo n.º 415/12.1TBVV-A.E1.S1, ou Ac. da RG, de 16.04.2015, Helena Melo, Processo n.º 359/10.1TBVPA-A.G1.
8. Sobre esta questão, e outras que têm sido levantadas sobre a intervenção do FGADM, vide, por todos: Tomé d’ Almeida Ramião, Regime Geral do Processo Tutelar Cível - Anotado e Comentado, Quid Juris, págs. 178 e segs.; e Clara Sottomayor, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, 2016 - 6.ª Edição, Almedina, Abril de 2016, págs. 390 e segs..
9. Neste se sentido, Ac. da RP, de 15.02.2016, Caimoto Jácome, Processo n.º 21/08.5TBPRD-D.P1, e Ac. da RL, de 13.09.2016, Orlando Nascimento, Processo n.º 1002/14.5T8CSC-C.L1-7.
10. Compreende-se, por isso, que se afirme que a «constituição de quem integra o agregado familiar e os rendimentos de cada elemento daquele condicionam o apuramento da capitalização dos rendimentos do agregado familiar em causa, do qual depende a possibilidade de recurso ao FGADM para assegurar prestações de alimentos a menores (v. art. 3º, 4º e 5º do DL nº 70/2010, de 16 de junho)» (Ac. da RG, de 04.10.2017, Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha, Processo n.º 230/16.3T8VPA-B.G1).
11. O Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares foi aprovado pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro.
12. De forma idêntica se dispõe no Código do Trabalho (aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro), no que toca à eventual consideração do subsídio de refeição como parte da remuneração do trabalhador, já que se exige, para o efeito, que exceda os respectivos montantes normais. Com efeito, lê-se no art. 258.º, do Código do Trabalho, que se considera como tal «a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho» (n.º 1), compreendendo «a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie» (n.º 2); e presume-se «constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador» (n.º 3). Mais se lê, no art. 260.º, do Código do Trabalho, que não «se consideram retribuição»: «as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador» (n.º 1, al. a)); e o referido «aplica-se, com as necessárias adaptações, ao abono para falhas e ao subsídio de refeição» (n.º 2). Compreende-se, por isso, que se afirme que o subsídio de refeição não tem natureza de remuneração, mas sim de benefício social, destinado a compensar o trabalhador das despesas acrescidas (já que as normais seriam sempre a seu cargo) com a refeição principal, tomada fora da residência habitual (onde ficaria eventualmente mais barata, por os respectivos custos se diluírem nas despesas gerais da refeição familiar), em dia em que presta serviço efectivo (uma vez que a dita refeição é normalmente intercalada no seu período normal de trabalho). Neste sentido, Ac. da RL, de 01.02.2006, Isabel Tapadinhas, Processo n.º 9563/2005-4, Ac. da RC, de 17.10.2016, Azevedo Mendes, Processo n.º 3336/15.2T8CBR.C1, Ac. da RG, de 01.03.2018, Eduardo Azevedo, Processo n.º 5989/16.5T8VNF.G1, Ac. do STA, de 03.02.2021, José Gomes Correia, Processo n.º 0865/12.3BELRS, ou Ac. da RL, de 14.07.2021, Sérgio Almeida, Processo n.º 196/12.9TTBRR.2.L1-4.
13. Neste sentido, Ac. da RL, de 09.04.2013, Gouveia Barros, Processo n.º 1025/09.6TBBRR-A.L1-7 Ac. da RG, de 17.12.2013, Maria Purificação Carvalho, Processo n.º 2026/11.0TBGMR-A.G1, Ac. da RG, de 06.10.2016, Isabel Silva, Processo n.º 3273/12.2TBBCL.G2 - onde a aqui Relatora foi respectiva 2.ª Adjunta -, Ac. da RG, de 20.10.2016, Pedro Alexandre Damião e Cunha, Processo n.º 1527/15.5T8BCL-A.G1 - onde a aqui Relatora foi respectiva 1.ª Adjunta -, Ac. da RC, de 12.07.2017, Manuel Capelo, Processo n.º 92/14.5TBNLS-A.C1, Ac. da RG, de 1306.2019, José Cravo, Processo n.º 5874/15.8T8VNF-B.G1, e Ac. da RL, de 19.12.2019, Jorge Leal, Processo nº. 8389/13.5TCLRS.
14. O Decreto-Lei n.º 176/2003, de 2 de Agosto, instituiu o abono de família para crianças e jovens e definiu a protecção na eventualidade de encargos familiares no âmbito do subsistema de protecção familiar. Viria depois a ser revisto pelo Decreto-Lei n.º 133/2012, de 27 de Junho (o qual alterou, nomeadamente, o regime jurídico de diversas prestações sociais), que o republicou no seu Anexo II)
15. Arts. 9.º, 11º, 14.º, 14.º-A e 15.º, todos do Decreto-Lei n.º 176/2003, de 2 de Agosto. Consulte-se, com utilidade, o site da Segurança Social (https://www.seg-social.pt/abono-de-familia-para-criancas-e-jovens).
16. Neste sentido, Ac. do STJ, de 27.11.2018, Ribeiro Cardoso, Processo n.º 12766/17.4T8LSB.L1.S1, onde se lê que o «subsídio de refeição tem natureza de benefício social e destina-se a compensar os trabalhadores das despesas com a refeição principal do dia em que prestam serviço efetivo, tomada fora da residência habitual»; e, por isso, sendo «o subsídio de refeição devido, nos termos legais, apenas nos dias de trabalho efetivo, o seu pagamento nas férias, período em que os trabalhadores não prestam trabalho nem estão, em regra, na disponibilidade de o prestar, excede o respetivo montante normal».
17. Neste sentido, Ac. da RE, de 14.07.2021, Mário Coelho, Processo n.º 472/18.7T8PTM-C.E1, onde se lê que o «abono de família é uma prestação que visa compensar os encargos familiares respeitantes ao sustento e educação das crianças e jovens, não tendo natureza salarial»; e, como «tal, não integra o cálculo da verificação da condição de recursos, relevante para determinar o accionamento do FGADM».