Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
256/13.9TBVPA.G1
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: PROCESSO DE INVENTÁRIO
CONTA BANCÁRIA
TITULARIDADE
SEGUNDA PERÍCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – No contrato de depósito bancário, que se configura como mútuo irregular, a entrega do dinheiro ao Banco transfere para este a respectiva propriedade, com a obrigação de restituição ao titular da conta em determinadas condições (art. 1142º do CC).

II – Sendo a abertura da conta a base da formalização do depósito, se a mesma for constituída pluripessoalmente, o regime respectivo considerar-se-á solidário se atribuir a qualquer dos titulares a faculdade de, no seu âmbito, proceder livremente à movimentação de valores.

III – Ora sendo os titulares da conta, já não proprietários do dinheiro depositado, mas meros credores do Banco, é-lhes inteiramente aplicável o enquadramento normativo das obrigações solidárias, regulado nos arts. 512º e ss do CC, nomeadamente o disposto no art. 516º relativamente à participação no crédito dos credores solidários.

IV – Quanto à propriedade dos valores com que nela entraram, a lei optou por uma solução simplificadora para a definição substantiva desse direito de propriedade, olhando à forma ou tipo de movimentação de conta escolhido, determinando que a medida da participação dos diversos titulares no crédito se afere pela relação jurídica que exista entre eles, podendo o benefício caber a um só e, apenas, na dúvida se devendo presumir que comparticipam em partes iguais.

V – Tal presunção pode ser ilidida - nos termos do art. 350º/2 do CC - com demonstração de que o dinheiro utilizado pertence originariamente a um deles ou aos dois em diferente proporção.

VI – Em processo de inventário, é admissível segunda avaliação.

VII – A segunda perícia visa averiguar, através de outro perito ou peritos, os mesmos factos ou determinar o valor dos mesmos bens sobre que incidiu a primeira, tendo em vista a obtenção de uma mais adequada convicção judicial”.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1 RELATÓRIO

nestes autos(1) intentados por Paula, procede-se a inventário por óbito de António, falecido em 21-07-2012, no estado de casado com Maria no regime de comunhão geral de bens, sucedendo-lhe a cônjuge sobreviva e as filhas Paula, Graça e Cristina (falecida após o inventariado, tendo deixado a suceder-lhe o cônjuge Manuel e a filha menor Sandra), bem como a filha Clara (filha apenas do inventariado António e de Odete, esta casada com A. S.).
Foi designada Maria para o exercício de funções de cabeça de casal.
Subsequentemente, a referenciada Maria faleceu, tendo-se nomeado Graça como cabeça de casal.
O inventário congloba exclusivamente a herança aberta por óbito de António, não abrangendo a partilha decorrente do falecimento da primitiva cabeça de casal Maria (apesar de requerida a cumulação, tal não foi admitida, porquanto o Tribunal deixou de ser competente para a tramitação do novo inventário a cumular, com a entrada em vigor da Lei n.º 23/2013 de 5-03).
A nova cabeça de casal apresentou relação de bens, da qual faziam parte os seguintes bens:

A) Bens Imóveis-Freguesia

Verba n.º 1
Prédio urbano, para habitação, composto de r/c com 2 divisões e de 1.º andar com 5, feita de pedra, cal, tijolo, cimento e coberta de telha, sito em …, concelho de Vila Pouca de Aguiar, a confrontar de norte com Eurico, sul Outros, nascente Caminho Público e poente EN2, inscritro na matriz predial urbana da freguesia sob o artigo 1162, não descrito na Conservatória do Registo Predial, conforme respetiva certidão de teor que aqui se junta (doc.1), com o valor patrimonial de 19.620,00€

Verba n.º 2
Prédio rústico, composto por cultura arvense de sequeiro, vinha e pomar, sito no Lugar …, em Vila Meã, a confrontar de norte com A. B., sul Manuel A., nascente Caminho Público e poente Estrada Nacional 2, inscrito na matriz predial rústica da freguesia sob o artigo 1751, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 1012/19941215, conforme respectivas certidões de teor e de registo (docs.2 e 3) com o valor patrimonial de 243,51€
B) Direitos

Verba n.º 3
Direito e Ação à Herança de José, com o NIF: …, com valor atribuído de 100,00€

Verba n.º 4
Doação:
O Inventariado procedeu à doação (2), por conta da sua quota disponível, de uma parcela de terreno destinada a construção urbana, com a área de 750 metros quadrados, a confrontar de norte com A. B., sul e nascente com o proprietário e do poente com Estrada Nacional, objecto de desanexação do prédio rústico identificado na verba n.2, conforme escritura de doação, que aqui se junta (doc.4) cujo valor deverá ser fixado através de competente perícia.
A requerente Paula reclamou da relação de bens apresentada, acusando a falta de relacionação de contas bancárias (3) e de uma dívida (ao lar Nossa Senhora do Extremo, local onde a inventariada mulher esteve internada e onde faleceu, devendo a herança à interessada Sandra o valor de 1/3 do montante inicial da conta com o NIB ..., porquanto quando a inventariada mulher teve que ser internada no lar da Senhora do Extremo a sua pensão não era suficiente para prover às despesas com o lar, medicamentos e cuidados médicos). Requereu o depoimento de parte das co-interessadas a toda a matéria da reclamação e arrolou testemunhas.

A cabeça de casal respondeu à reclamação, pronunciando-se pela sua improcedência:

quanto às contas bancárias identificadas nos arts 1.º a 7.º, não podem ser relacionadas pois não existem; quanto à conta bancária identificada no artigo 8.º da reclamação, a mesma não pertence ao inventariado, sendo que o valor ali depositado pertence actualmente a duas filhas: Graça, aqui cabeça de casal, e à interessada Paula. Pois, pese embora a referida conta estivesse titulada igualmente pela filha da inventariada, Cristina, entretanto falecida, o certo é que os herdeiros desta procederam ao levantamento da parte que lhes pertencia (1/3). Os herdeiros da falecida filha do inventariado procederam ao levantamento de uma terça parte que existia na identificada conta bancária, e que por direito lhes pertencia, cujo uso fizeram como bem entenderam;
quanto ao alegado passivo, a cabeça de casal desconhece qualquer dívida ao lar Nossa Senhora do Extremo, referenciada no artigo 9.º da reclamação, até porque não é indicado qualquer valor, nem tão pouco é junto qualquer documento comprovativo. Além disso, a cabeça de casal desconhece o uso que a interessada Sandra deu ao dinheiro que levantou da referida conta, pelo que ainda que, por mera hipótese académica, o tivesse utilizado para custear despesas com o referido lar, tê-lo-á feito por iniciativa e vontade própria, não podendo exigir à herança os custos que eventualmente tenha suportado. Na verdade, caso a avó da interessada Sandra, mãe da aqui cabeça de casal, tivesse necessidade da ajuda dos filhos para fazer face às suas despesas, deveria a interessada recorrer aos meios legais e processuais ao dispor para o efeito, Pelo que, tendo optado por agir por iniciativa própria, não lhe assiste agora o direito de exigir ou imputar à herança as quantias que eventualmente tenha suportado com a sua avó. Por último, refira-se que nos presentes autos apenas está em discussão a partilha por óbito de António, e não da esposa deste, falecida na pendência dos autos, pois como decorre dos autos não foi aceite a requerida cumulação de inventários, pelo que não são correctas as referências que se fazem ao longo da reclamação à “inventariada” e “inventariados”, Sendo tudo quanto tem a dizer sobre a reclamação de bens apresentada. Requereu a tomada de declarações de parte da cabeça de casal a toda a matéria do presente articulado e arrolou uma testemunha.

Foi admitida a produção da requerida prova e designado dia para esse efeito.

No dia designado para a produção de prova (prestação dos depoimentos de parte requeridos e inquirição das testemunhas indicadas), em acta, aberta a inquirição, foi proferido despacho, em que se conheceu de imediato do mérito do incidente da reclamação da relação de bens, que foi julgado totalmente improcedente (4). Foi designado dia para a conferência de interessados.

Da decisão do incidente da reclamação da relação de bens veio a requerente interpor recurso, tendo a cabeça de casal apresentado contra-alegações, mas por se ter entendido que o mesmo não era processado autonomamente (a decisão recorrida era passível, exclusivamente, de ser impugnada no recurso que viesse a ser interposto da decisão final), não foi admitido.

Na conferência de interessados, quanto à verba nº 4 da relação de bens (bem doado), porque a donatária se tivesse oposto à licitação e os demais interessados tivessem requerido a sua avaliação, tal foi determinado nos termos do art. 1365º do pretérito CPC.
Procedeu-se à avaliação da verba nº 4 por perito indicado pela secção, que concluiu ter a parcela doada o valor de mercado de € 42.000,00.
Notificada do relatório pericial e por discordar com a avaliação, a cabeça de casal, nos termos do art. 589º do pretérito CPC, veio requerer a realização de segunda perícia.
Nada tendo dito os demais interessados, nos termos do art. 487º/1 do CPC actual, foi deferida a segunda avaliação, igualmente a realizar por perito indicado pela secção, que concluiu estar sobrevalorizado a antecedente avaliação, contrapondo de acordo com os cálculos que apresenta, o valor de € 16.150,00.
Notificada do relatório pericial, a requerente do inventário veio requerer esclarecimentos.
Na designada conferência de interessados, o Sr. Juiz a quo, com os fundamentos aí expendidos, indeferiu os requeridos esclarecimentos, tendo determinado que o valor da verba nº 4, objecto da avaliação, para efeito do processo de inventário, correspondia a € 16.150,00. Passando-se de seguida à conferência de interessados, deu o seguinte resultado:

- por acordo, os interessados formaram um único lote com as verbas 1 e 2, que, depois de sujeito a licitação, foi licitado pela interessada requerente pelo valor total de € 10.100,00;
- por acordo, os interessados acordaram em retirar da relação de bens a verba nº 3;
- por acordo, os interessados acordaram em adjudicar a verba nº 4 à Cabeça de Casal, por metade do valor da avaliação, isto é, pelo valor de € 8.075,00.
Proferiu-se despacho que consignou a forma da partilha.
Por haver excesso do bem licitado, foi elaborado o mapa informativo a que alude o art. 1376º do pretérito CPC aqui aplicável.
Houve reclamação do pagamento de tornas por parte da interessada Clara.
Efectivou-se o mapa da partilha.
No final, foi proferida sentença homologatória da partilha constante do aludido mapa.
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Inconformada com essa sentença, apresentou a Requerente recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

Um. Estando a conta titulada por mais que um titular se presume que o direito de cada titular é, pelo menos, idêntico;
Dois. O facto de a entidade bancária apresentar documento a informar que a conta reclamada como pertencente à herança não preclude o direito à parte de provar, por qualquer meio, inclusive testemunhal, que os montantes depositados pertencem à herança.
Três. No caso em pareço alega a recorrente, aliás como já alegava a sua mãe, entretanto falecida, que os montantes depositados nas contas em apreço pertenciam ao seu marido, e que haviam sido constituídas com o objectivo de pagar todas as despesas que o casal pudesse ter depois da reforma.
Quatro. Os titulares das contas bem sabiam que os montantes ali depositados não lhe pertenciam nem pertencem, mas sim pertencem à herança.
Cinco. A douta reclamação foi admitida, agendado dia para produção de prova, motivo pelo qual, além do mais, violou a douta decisão em crise caso julgado.
Seis. A decisão de deferir a segunda avaliação não tem fundamento legal, pois aplica-se ao caso o regime especial dos inventários, então previsto no C.P.Civil.
Sete. Pelo que a mesma deveria ter sido indeferida por falta de fundamento legal.
Oito. Tendo sido deferida deveriam as contra partes interessadas ser admitidas a pedir esclarecimentos e a reclamar da mesma, o que não aconteceu.
Nove. A douta decisão baseou-se exclusivamente na segunda perícia, sem que fosse feito pelo M. Tribunal um juízo criterioso sobre as perícias.
Dez. Sendo certo que o M. Tribunal não está vinculado às conclusões da perícia, teria, pelo menos, de explicitar o motivo do total afastamento da primeira, e do não recurso a juízos de equidade, que legalmente estavam previstos.

Consideram-se violados os art.ºs.1349º 1362º e ss do C.P.Civil, na sua anterior redacção, e 628º e 629º do CPC na sua actual versão.
Nestes termos e nos melhores de direito que Vªs Ex.ªs mais doutamente suprirão, dando provimento ao presente recurso, alterando a decisão recorrida farão a esperada JUSTIÇA.
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A cabeça de casal apresentou contra-alegações, pronunciando-se pelo não provimento do recurso e consequente manutenção da decisão proferida.
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O Exmº Juíz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida a este Tribunal.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex. vi dos arts. 663º/2; 635º/4; 639º/1 a 3; 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Consideradas as conclusões formuladas pela apelante Requerente, esta pretende que seja reapreciada a decisão:

- relativamente ao incidente da reclamação da relação de bens no que concerne às alegadas contas bancárias do inventariado, havendo além do mais violação de caso julgado na medida em que havia sido admitida produção de prova que ficou prejudicada com o conhecimento imediato do mérito do incidente no início da agendada diligência;
- relativamente à avaliação do imóvel, desde logo por ter sido deferida sem fundamento legal a segunda avaliação, depois, tendo sido admitida, deveriam as contra partes interessadas ser admitidas a pedir esclarecimentos e a reclamar da mesma e finalmente, por se ter baseado a decisão exclusivamente e sem qualquer justificação na segunda perícia.
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3 – OS FACTOS

Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede, para os quais se remete.
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

São duas as questões que a recorrente pretende ver reapreciadas:

A – quanto ao incidente da reclamação da relação de bens no que concerne às alegadas contas bancárias do inventariado; e,
B – quanto à avaliação do imóvel.
Vejamos as questões separadamente.

A – Entende aqui a recorrente terem sido excluídas indevidamente as contas bancárias cujos depósitos eram do inventariado e ter havido além do mais violação de caso julgado na medida em que havia sido admitida produção de prova que ficou prejudicada com o conhecimento imediato do mérito do incidente no início da agendada diligência.
Em causa a seguinte a seguinte decisão do Tribunal:

À luz do princípio de adequação formal consignado no art. 547º do Código de Processo Civil e em correlação com o princípio da substanciação processual e o comando normativo que proíbe a prática de actos inúteis, analisando-se o objecto do incidente da reclamação da relação de bens, conclui-se que se afiguram perfectibilizados os pressupostos subjacentes ao conhecimento imediato do mérito da mesma, prejudicando-se assim a produção de prova arrolada pelas partes.
(…)
No que concerne às contas bancárias reclamadas, cura-se de matéria inerentemente vinculada às informações prestadas pelas instituições de crédito e às conexas provas documentais, à luz dos princípios elementares que regem o direito bancário, sendo que, aferindo-se o declarado pelo Banco B e Banco A a fls. 62 e 64, conclui-se que os mencionados elementos de prova se afiguram linearmente idóneos para a apreciação da citada questão, sendo que a prova testemunhal e as declarações de parte arroladas pelos interessados se configuram meridianamente anódinos nesta sede.
Em decorrência do supra expendido, no que se atem às alegadas contas do inventariado no Banco A Geral, as mesmas inexistem nos termos expressamente exarados a fls. 64.

No que tange à conta de depósito á ordem 45424665538 do Banco B, a mesma não era titulada pelo inventariado, em função do explicitado a fls. 62 e 63, sendo que, relativamente à conta de depósitos à ordem 50074163919 a mesma era co-titulada por António, R. C. e Carmo, sendo que a reclamante limitou-se a peticionar o relacionamento da mesma sem especificar o respectivo valor, o que ante a sobredita co-titularidade, inviabiliza de forma insuprível o eventual apuramento de numerário passível de ser titulado pelo inventariado e depositado na sobredita conta.

Destarte, impõe-se o decaimento integral da predita reclamação.”.
Tendo a requerente Paula acusado a falta de relacionação de contas bancárias na reclamação que apresentou à relação de bens que a Cabeça de Casal juntou aos autos, defende agora a identificada requerente/recorrente nas alegações que:

“ (…)
Peticiona a reclamante, e pretendia provar tal facto, que os montantes que se encontram depositados na instituição bancária, destarte estarem depositados em nome da recorrente e de suas irmãs, pertencem ao acervo hereditário por haverem sido depositadas pelos seus pais.

De facto tais depósitos contemplam montantes monetários que resultam da poupança do falecido e que foram por ele depositados com o objectivo específico de com eles os herdeiros pagarem as despesas necessárias com o falecido e sua mulher, nomeadamente despesas com internamento hospitalar, saúde e assistência, e, findo tal necessidade seriam distribuídos pelos herdeiros, na respectiva proporção.
Quanto à conta co titulada pelo falecido também todo o dinheiro ali depositado pertencia ao falecido, somente figurando como co-titulares a filha e o genro para facilitar os pagamentos quando este esteve internado, mas, mesmo que assim se não considerasse teria que se presumir pertencer ao falecido pelo menos 1/3 do montante depositado.
Ora nem neste caso, a existência de uma presunção legal, foi admitida pelo M.º Tribunal, facto com que a recorrente está inconformada, pois considera que a admitir-se este expediente seria fácil a um progenitor deserdar um filho, bastaria colocar as suas contas bancárias em nome dos demais herdeiros.
Tais factos só podem ser provados testemunhalmente, considerando a recorrente que tal prova não invalida ou não é excluída pelos documentos apresentados pela entidade bancária.
A inquirição de testemunhas que tinha sido admitida transitou em julgado.”.

Defendendo a recorrida cabeça de casal que:

A douta decisão recorrida não padece de qualquer vício, não merecendo qualquer reparo, pelo que o presente recurso carece de qualquer fundamento.
Refere a recorrente que os montantes que se encontram depositados pertencem ao acervo hereditário.
Ora, como resulta do teor do douto despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal “ a quo” de fls., no que concerne às contas bancárias reclamadas pela aqui Recorrente, encontram-se junto aos autos as informações bancárias, sendo essa informação bastante para se esclarecer os fundamentos (ou a falta deles!) da reclamação apresentada, e para o Tribunal decidir relativamente a esta matéria,
Sendo que, em função da prova documental, e não impugnada pela Recorrente, a prova testemunhal em nada poderá acrescentar ou contribuir para esclarecer o que quer que seja relativamente a esta matéria, pelo que a inquirição das testemunhas revela-se um ato absolutamente inútil, conforme concluído pelo Meritíssimo Juiz e, em consequência, dispensável.
Contudo, refere a Recorrente que pretendia provar que os montantes que se encontram depositados, pese embora estejam depositados em seu nome e em nome das suas irmãs, pertencem ao acervo hereditário.
Ora, se assim fosse, certamente que a Recorrente teria junto prova documental do que alega e que pudesse contrariar a prova documental junta aos autos, mais concretamente as informações bancárias e referenciadas na douta decisão posta em crise.
(…)
Finalmente, de todo o modo, importa referir que a questão da pertença dos montantes depositados na Instituição bancária, objeto de indeferimento, atenta a sua complexidade, jamais poderiam ser discutidos e esclarecidos sem recurso para os meios comuns.”.
Quid iuris?

Diga-se desde já que não faz qualquer sentido sustentar o trânsito em julgado do despacho que admitiu a inquirição de testemunhas, pois isso pressupõe desde logo que tal despacho seja recorrível. Ora, entende-se que estamos perante um despacho de mero expediente, no sentido em que um despacho de mero expediente é “aquele que se destina a prover ao andamento regular do processo sem interferir no conflito de interesses entre as partes” (nº 4 do art. 156º do CPC) ou, no corrente entendimento jurisprudencial, aquele que, proferido pelo juiz, não decide qualquer questão de forma ou de fundo, e se destina principalmente a regular o andamento do processo. Logo, o despacho de mero expediente tem uma finalidade - prover ao andamento regular do processo - e um pressuposto - sem interferir no conflito de interesses entre as partes. Sendo que, nos termos do nº 1 do art. 630º do CPC, não admitem recurso os despachos de mero expediente.

Acresce que se nos afigura correcta a invocação no despacho em causa, do princípio da adequação formal e do comando normativo que proíbe a prática de actos inúteis para dar sem efeito a diligência de produção de prova designada, dado que se entendia ser possível conhecer imediatamente do mérito do incidente da reclamação da relação de bens.

Mas vejamos então do mérito do incidente que aqui também é questionado, isto é, acusando a reclamante a falta de relacionação de contas bancárias, se as contas bancárias não tituladas pelo inventariado podem integrar a relação de bens e se a conta bancária em que o inventariado é um dos três co-titulares, tendo-se a reclamante limitado a peticionar o relacionamento da mesma sem especificar o respectivo valor, ante a sobredita co-titularidade, ficou inviabilizada de forma insuprível o eventual apuramento de numerário passível de ser titulado pelo inventariado e depositado na sobredita conta.

Quanto a estas duas questões, é o seguinte o entendimento que perfilhamos:

--» contas bancárias não tituladas pelo inventariado
O facto de se ter apurado que as contas bancárias cuja falta de relacionação foi reclamada não são tituladas pelo inventariado, não impede que integrem a relação de bens, se se apurar que os respectivos depósitos foram efectuados com o dinheiro do mesmo. Esta prova pode ser testemunhal ou documental.
Com efeito, da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal podem os interessados reclamar contra ela, acusando a falta de bens que devam ser relacionados, requerendo a exclusão de bens indevidamente relacionados, por não fazerem parte do acervo a dividir, ou arguindo qualquer inexactidão que releve para a partilha – art. 1348º/1 do CPC.
Produzidas as provas apresentadas e realizadas as diligências instrutórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas oficiosamente, segue-se a decisão do juiz – arts. 1344º/2 e 1349º/3 e 4 CPC.

Essa decisão deve:

- resolver definitivamente a questão posta (art. 1336º/1 do CPC);
- resolver provisoriamente essa questão, com base numa apreciação sumária das provas produzidas, com ressalva do direito às acções competentes – art. 1350º/3 do CPC; ou,
- remeter os interessados para os meios comuns, abstendo-se de decidir, quando a complexidade da matéria de facto subjacente à questão a dirimir torne inconveniente a decisão incidental no inventário, por implicar redução das garantias das partes (arts. 1336º/2, 1349º/4 e 1350º/1 do CPC).

Deste enunciado deriva que o critério legal é no sentido de que no processo de inventário devem ser decididas definitivamente todas as questões de facto de que a partilha dependa salvo se essa decisão não se conformar com a discussão sumária comportada pelo processo de inventário e exigir mais ampla discussão no quadro do processo comum – art. 1350º/1 e 3 do CPC.

Dispondo o art. 1350º/1 do CPC que: “quando a complexidade da matéria de facto subjacente às questões suscitadas tornar inconveniente, nos termos do nº 2 do artº 1336º, a decisão incidental das reclamações previstas no artigo anterior, o juiz abstém-se de decidir e remete os interessados para os meios comuns”.
Atendendo à natureza sumária da instrução do inventário, tem todo o cabimento a suspensão da instância quando qualquer dos interessados suscite questões que interfiram e influenciem a partilha do património hereditário e que necessitando de mais larga e aprofundada indagação devam ser precisamente remetidas para os meios comuns.
Mas, em nosso entender, não é ainda o caso, uma vez que há prova requerida - prestação dos depoimentos de parte requeridos e inquirição das testemunhas indicadas - que pode resolver definitivamente a questão posta.

--» conta bancária em que o inventariado é um dos três co-titulares
Não se compreende o raciocínio expendido na decisão do Tribunal a quo, isto é, em que medida é que tendo-se a reclamante limitado a peticionar o relacionamento da mesma sem especificar o respectivo valor, ante a sobredita co-titularidade, ficou inviabilizada de forma insuprível o eventual apuramento de numerário passível de ser titulado pelo inventariado e depositado na sobredita conta.

Com efeito, à data da abertura da sucessão – portanto, à data do óbito do inventariado – a conta de depósitos à ordem 50074163919 do Banco B era co-titulada por António (o inventariado), R. C. e Carmo. Logo, o saldo em dinheiro que se discute encontrava-se submetido ao regime do depósito bancário através de uma conta aberta no Banco B.
No contrato de depósito bancário, que se configura como mútuo irregular, a entrega do dinheiro ao Banco transfere para este a respectiva propriedade, com a obrigação de restituição ao titular da conta em determinadas condições (art. 1142º do CC).
Sendo a abertura da conta a base da formalização do depósito, se a mesma for constituída pluripessoalmente, o regime respectivo considerar-se-á solidário se atribuir a qualquer dos titulares a faculdade de, no seu âmbito, proceder livremente à movimentação de valores.
Ora sendo os titulares da conta, já não proprietários do dinheiro depositado, mas meros credores do Banco, é-lhes inteiramente aplicável o enquadramento normativo das obrigações solidárias, regulado nos arts. 512º e seguintes do CC, nomeadamente o disposto no art. 516º relativamente à participação no crédito dos credores solidários.

Na verdade, embora seja de separar o regime da movimentação da conta (e dos depósitos) do problema da propriedade dos fundos, porquanto a abertura daquela, só por si, não é adequada a alterar a relação anteriormente existente entre os titulares quanto à propriedade dos valores com que nela entraram, a lei optou por uma solução simplificadora para a definição substantiva desse direito de propriedade, olhando à forma ou tipo de movimentação de conta escolhido.

Com efeito emerge daquele preceito – o art. 516º do CC – que a medida da participação dos diversos titulares no crédito se determina pela relação jurídica que exista entre eles, podendo o benefício caber a um só e apenas na dúvida se devendo presumir que comparticipam em partes iguais.
Para uma tal presunção partiu a lei, assim, do princípio de que o depósito foi efectuado com dinheiro dos titulares disponibilizado em partes iguais.
A maneira de ilidir esta presunção - nos termos do art. 350º/2 do CC - seria a demonstração de que o dinheiro utilizado pertenceria originariamente a um deles ou aos dois em diferente proporção.

Assim, em nosso entender, não foi assertiva a exclusão deste saldo da relação de bens, pois, sem prejuízo da prova requerida - prestação dos depoimentos de parte requeridos e inquirição das testemunhas indicadas - que pode resolver definitivamente a questão posta destruindo a supra referida presunção, na dúvida, deve presumir-se que os diversos titulares comparticipam em partes iguais.

Termos em que, quanto às duas questões ora analisadas, previamente à apreciação do incidente de reclamação de bens, como defende a recorrente, impõe-se que tenha lugar a produção da prova indicada.
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B – Questiona aqui a recorrente o deferimento sem fundamento legal da segunda avaliação, e, depois de ter sido admitida, por não ter sido admitido o seu pedido de esclarecimentos e reclamação da mesma e finalmente, por se ter baseado a decisão exclusivamente e sem qualquer justificação na segunda perícia.
Está aqui em causa a avaliação de um bem imóvel doado pelo inventariado à sua filha e genro, Graça e R. C..

Na conferência de interessados, porque a donatária se tivesse oposto à licitação do bem doado e os demais interessados tivessem requerido a sua avaliação, tal foi determinado nos termos do art. 1365º do pretérito CPC (versão do código a que se referem doravante todas as normas do CPC, com ou sem referência).
As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (art. 341º do CC)

O direito à prova exige que às partes seja, em igualdade, facultada a proposição de todos os meios probatórios potencialmente relevantes para o apuramento da realidade dos factos (principais ou instrumentais) da causa. Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio (art. 265º/3 do CPC).
É fundamental encontrar o justo valor dos bens doados pelo autor da herança, com referência ao total apurado para o valor dos bens da herança, pois só assim se pode calcular o valor da quota disponível, averiguar a inoficiosidade das doações, proceder à sua eventual redução e reposição, com respeito pela legítima (art. 2162º do CC), atribuindo a cada interessado aquilo a que efectivamente tiver direito.

Deu-se cumprimento ao disposto no art. 1369º, segundo o qual “a avaliação dos bens que integram cada uma das verbas da relação é efectuada por um único perito, nomeado pelo tribunal, aplicando-se o preceituado na parte geral do Código, com as necessárias adaptações”.
Na parte geral do código prevê-se a possibilidade de, a uma primeira perícia se suceder uma segunda, que terá por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira, e com a finalidade expressa de corrigir a eventual inexactidão dos resultados desta (n° 3 do art. 589°).
Para o efeito, a parte inconformada com a primeira perícia, requererá a segunda perícia, em 10 dias, expondo fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado (nº 1 do art. 589º).
É de admitir, desde a vigência do decreto-lei nº 227/94, de 8 de Setembro, com a revisão do Código de Processo Civil operada em matéria de processo de inventário, para efeitos da avaliação, a realização de uma segunda perícia, nos termos do art. 1369º, contanto que se verifiquem os respectivos pressupostos, previstos no art. 589º (5).
Tal é a preocupação do legislador pelo apuramento da verdade material que estabelece sob o nº 2 do referido art. 589º, a possibilidade do tribunal, a todo o tempo, por sua própria iniciativa, ordenar a realização da segunda perícia.
Se a justa determinação de valores é o grande objectivo da avaliação dos bens, e se este não foi devidamente cumprido, se a primeira avaliação, por exageros ou defeitos, falseia um resultado que se pretende justo, dela resulta prejuízo para a partilha rigorosa, a corrigir em nova avaliação.
A segunda perícia tem necessariamente o âmbito da primeira, tem o mesmo objecto, ou seja, recairá sobre os mesmos factos sobre os quais aquela incidiu e destina-se a corrigir a eventual inexactidão do seu resultado.

Foi o que ocorreu, in casu. Com efeito, notificada do relatório pericial e por discordar com a avaliação, a cabeça de casal, nos termos do art. 589º do CPC, veio requerer a realização de segunda perícia. Ora, tendo a cabeça de casal dado cumprimento aos pressupostos de que depende a admissibilidade da segunda perícia, indicando os fundamentos da sua oposição ao resultado da primeira perícia, nos termos do art. 589º/1, é de admitir a sua realização. E, nada tendo dito os demais interessados, foi o que ocorreu, tendo sido deferida a segunda avaliação, igualmente a realizar por perito indicado pela secção (6). Nada havendo, pois, a censurar na decisão, face ao acolhimento legal e a sua melhor interpretação já supra exposto.

Questiona também a recorrente a não admissão do seu pedido de esclarecimentos e reclamação relativamente à segunda perícia e por se ter a decisão do Tribunal baseado exclusivamente e sem qualquer justificação na segunda perícia.
Ora, como supra referido no relatório, na designada conferência de interessados, o Sr. Juiz a quo, com os fundamentos aí expendidos, indeferiu os esclarecimentos requeridos pela ora recorrente relativamente à segunda perícia, tendo determinado que o valor da verba nº 4, objecto da avaliação, para efeito do processo de inventário, correspondia a € 16.150,00 (o valor da segunda perícia).
Logo, tendo sido indeferidos, com os fundamentos aí expendidos, os esclarecimentos requeridos pela ora recorrente relativamente à segunda perícia, não tem razão a mesma quando refere que as contrapartes interessadas não foram admitidas a pedir esclarecimentos e a reclamar da segunda perícia. Embora possa discordar desses fundamentos, a recorrente não pode é dizer que não foi admitida a pedir esclarecimentos e a reclamar da perícia, porque tal ocorreu.
O mesmo se diga quanto à decisão do Tribunal, que adoptou como valor da verba objecto da avaliação, o apresentado pela segunda perícia. Tal decisão mostra-se justificada e foi tomada de acordo com a livre apreciação da matéria alegada e da livre apreciação e valoração das duas perícias realizadas nos autos, tendo sido determinado o valor do bem doado com respeito pelas normas e princípios processuais em vigor (cfr. art. 591º). Logo, embora a recorrente possa discordar dos critérios adoptados, não pode é dizer que a decisão não se mostra justificada.
Não assiste, pois, aqui, razão à recorrente.

Nesta conformidade, improcedendo o recurso desta decisão interlocutória.
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5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

I – No contrato de depósito bancário, que se configura como mútuo irregular, a entrega do dinheiro ao Banco transfere para este a respectiva propriedade, com a obrigação de restituição ao titular da conta em determinadas condições (art. 1142º do CC).
II – Sendo a abertura da conta a base da formalização do depósito, se a mesma for constituída pluripessoalmente, o regime respectivo considerar-se-á solidário se atribuir a qualquer dos titulares a faculdade de, no seu âmbito, proceder livremente à movimentação de valores.
III – Ora sendo os titulares da conta, já não proprietários do dinheiro depositado, mas meros credores do Banco, é-lhes inteiramente aplicável o enquadramento normativo das obrigações solidárias, regulado nos arts. 512º e ss do CC, nomeadamente o disposto no art. 516º relativamente à participação no crédito dos credores solidários.
IV – Quanto à propriedade dos valores com que nela entraram, a lei optou por uma solução simplificadora para a definição substantiva desse direito de propriedade, olhando à forma ou tipo de movimentação de conta escolhido, determinando que a medida da participação dos diversos titulares no crédito se afere pela relação jurídica que exista entre eles, podendo o benefício caber a um só e, apenas, na dúvida se devendo presumir que comparticipam em partes iguais.
V – Tal presunção pode ser ilidida - nos termos do art. 350º/2 do CC - com demonstração de que o dinheiro utilizado pertence originariamente a um deles ou aos dois em diferente proporção.
VI – Em processo de inventário, é admissível segunda avaliação.
VII – A segunda perícia visa averiguar, através de outro perito ou peritos, os mesmos factos ou determinar o valor dos mesmos bens sobre que incidiu a primeira, tendo em vista a obtenção de uma mais adequada convicção judicial.
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação parcialmente procedente, e, em consequência, revogar a decisão recorrida do incidente da reclamação da relação de bens, devendo a mesma ser substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos com produção de prova.
Custas pela parte vencida a final.
Notifique.
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Guimarães, 10-07-2018

(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Maria Cristina Cerdeira)


1. Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, V.P.Aguiar – Juízo C. Genérica.
2. À sua filha e genro, Graça e R. C..
3. Nos seguintes termos: «Faltam relacionar as contas Bancárias: 1 Conta bancária n.º 544- 02.000055-7, no Banco A, 2 Conta bancária n.º 544- 10.470649-1, no Banco A, 3 Conta bancária n.º 544- 15.002718-0, no Banco A, 4 Conta bancária n.º 544- 15.002819-6, no Banco A, 5 Conta bancária n.º 544- 15.100285-1, no Banco A, 6 Conta bancária n.º 544- 61.000393-8, no Banco A, 7 Conta bancária n.º 50074163919, no Banco B, 8 Conta bancária com o NIB …, no Banco B … 37.000 €. Esta conta foi aberta pelos inventariados e nela colocado o montante necessário para fazer face a despesas que os inventariados pudessem vir a ter com a velhice, nomeadamente para pagamento de lares, tratamentos, medicamentos e outros. Para tanto foi colocada em nome das 3 filhas dos falecidos com o encargo de pagarem tais contas. 9 Falta relacionar a divida ao lar Nossa Senhora do Extremo, local onde a inventariada mulher esteve internada e onde faleceu. 10 Deve a herança à interessada Sandra o valor de 1/3 do montante inicial da conta com o NIB …, porquanto quando a inventariada mulher teve que ser internada no lar da Senhora do Extremo a sua pensão não era suficiente para prover às despesas com o lar, medicamentos e cuidados médicos. A ora cabeça de casal recusou cumprir os termos em que os seus pais abriram e provisionaram a conta referida, recusando utilizar o dinheiro ali depositado para pagar as contas da falecida. Desta forma, e com a morte da sua mãe, irmã da cabeça de casal, a menor pôde levantar a parte que legalmente “pertencia à sua mãe e, com ela, procedeu a todos os pagamentos àquela instituição, impedindo assim que a sua avó fosse expulsa do lar por não pagamento da mensalidade, o que esteve para acontecer. Assim tal dívida e todas as mensalidades foram pagas até se gastar todo a parte da menor com os cuidados da inventariada mulher. É da mais elementar justiça que a dívida seja reconhecida e a parte da menor paga. No final da sua vida a inventariada mulher estava com problemas de demência e alzheimer, carecendo de cuidados constantes e especializados. Nestes termos e nos de direito aplicável deve a presente reclamação ser julgada procedente, alterando-se a relação de bens da forma requerida. Requer seja permitido o depoimento de parte das co-interessadas a toda a matéria da presente reclamação. Requer ainda a notificação das testemunhas arroladas.»
4. Nos seguintes termos: “À luz do princípio de adequação formal consignado no art. 547º, do Código de Processo Civil e em correlação com o princípio da substanciação processual e o comando normativo que proíbe a prática de actos inúteis, analisando-se o objecto do incidente da reclamação da relação de bens, conclui-se que se afiguram perfectibilizados os pressupostos subjacentes ao conhecimento imediato do mérito da mesma, prejudicando-se assim a produção de prova arrolada pelas partes. Sublinhe-se, desde logo, que o processo de inventário destina-se a por termo à comunhão hereditária ou a relacionar os bens que constituem o objecto da sucessão visando a eventual liquidação da herança, em conformidade com o preceituado no art. 1326, nº 1 do pretérito Código de Processo Civil. Em decorrência, nos termos expostos no art. 2132 do C. Civil, se o de cujus não tiver disposto válida e eficazmente, no todo ou em parte, dos bens que integravam o seu património, são chamados à sucessão os herdeiros legítimos, elencados no art. 2133, nº 1 do C. Civil, sendo que o cônjuge não é chamado á herança se à data da morte do autor da mesma se encontrar divorciado ou separado judicialmente de pessoas e bens. Ademais, não constitui objecto da sucessão as relações jurídicas que, em razão da sua natureza ou por força da Lei, devam extinguir-se com a morte do seu titular (art. 2025º do C. Civil). Concomitantemente, incumbe ao cabeça-de-casal nomeado no processo de inventário, relacionar os bens da herança, sendo que os demais interessados podem aduzir reclamação, acusando a falta de bens que devam ser relacionadas, requerendo a exclusão de bens indevidamente relacionados, ou arguir a inexactidão da descrição dos mesmos (art. 1348, nº 1 do C. Civil). Na situação sub judice, sopesando-se o objecto da reclamação de fls. 165 a 169, enuncia-se que a mesma contende, exclusivamente, com alegadas contas bancárias do inventariado e com matéria que se conecta com um eventual passivo da herança. Em correlação com o referenciado, no que tange ao passivo da herança, cura-se de questão a dirimir em sede de conferência de interessados, nos termos dos arts. 1348º, nº 1 e 1353, nº 3, do pretérito Código de Processo Civil, isto é, não integra o objecto do incidente de reclamação de bens, pelo que incumbe aos interessados deliberar sobre a mesma na referida conferência e, após, o tribunal pronunciar-se-á em função da declaração de vontade dos mesmos. No que concerne às contas bancárias reclamadas, cura-se de matéria inerentemente vinculada às informações prestadas pelas instituições de crédito e às conexas provas documentais, à luz dos princípios elementares que regem o direito bancário, sendo que, aferindo-se o declarado pelo Banco B e Banco A a fls. 62 e 64, conclui-se que os mencionados elementos de prova se afiguram linearmente idóneos para a apreciação da citada questão, sendo que a prova testemunhal e as declarações de parte arroladas pelos interessados se configuram meridianamente anódinos nesta sede. Em decorrência do supra expendido, no que se atem às alegadas contas do inventariado no Banco A, as mesmas inexistem nos termos expressamente exarados a fls. 64. No que tange à conta de depósito á ordem 45424665538 do Banco B, a mesma não era titulada pelo inventariado, em função do explicitado a fls. 62 e 63, sendo que, relativamente à conta de depósitos à ordem 50074163919 a mesma era co-titulada por António, R. C. e Carmo, sendo que a reclamante limitou-se a peticionar o relacionamento da mesma sem especificar o respectivo valor, o que ante a sobredita co-titularidade, inviabiliza de forma insuprível o eventual apuramento de numerário passível de ser titulado pelo inventariado e depositado na sobredita conta. Destarte, impõe-se o decaimento integral da predita reclamação. Pelo supra exposto, julga-se o incidente de reclamação da relação de bens totalmente improcedente. Custas imputáveis à reclamante, fixando-se a Taxa de Justiça em 1 UC (art 527º, nºs. 1 e 2 do CPC e art. 7º, nº 4, do RCP). Registe e notifique.
5. Cfr. acórdãos da Relação de Coimbra de 27.10.1998, BMJ 480/553 e da Relação de Guimarães de 15.2.2006, Colectânea de Jurisprudência, T. I, pág. 281.
6. Pese embora, a regra estabelecida no art. 590º, b), por um único perito, dadas as características do processo de inventário, com vários interessados e a inerente dificuldade em obter a indicação de três peritos (art. 569º). Como refere Lopes Cardoso, "a segunda avaliação terá de ser feita por outro perito único, isso sim, pelo que será essa a essencial garantia, pelo que a norma do artº 590º-b) CPCiv. não se nos afigura que, não tendo aplicação qua tale, por não caber nas "necessárias adaptações ", seja de molde a proibir esta nova perícia" (Cfr. Partilhas Judiciais, vol II, 5a ed., 2008, p. 395).