Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1702/20.0T8VCT.G1
Relator: JOAQUIM BOAVIDA
Descritores: DENÚNCIA DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO
NRAU
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 – A norma do artigo 33º, nº 5, al. a), do NRAU não é aplicável aos contratos de arrendamento habitacional sem duração limitada celebrados na vigência do RAU.
2 – Em tais contratos é admissível a denúncia pelo senhorio mediante comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a cinco anos sobre a data em que pretenda a cessação, desde que a denúncia seja confirmada por comunicação com a antecedência máxima de 15 meses e mínima de um ano relativamente à data da sua efetivação e o arrendatário não tenha idade igual ou superior a 65 anos e não seja portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60%.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1):

I – Relatório

1.1. M. R. intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra R. C. e marido, F. M., e J. C., pedindo que os Réus sejam condenados «a realizar as seguintes obras no locado:

a) Na estrutura portante/envolvente exterior do edifício/espaços interiores comuns:
1. Ao nível das cornijas: efectuar uma ligeira reparação da estrutura; uma reparação profunda do revestimento e uma nova execução da pintura;
2. Ao nível da chaminé: reparação profunda do revestimento interior e uma nova pintura, incluindo os chapéus das chaminés;
3. Ao nível das fachadas: reparação profunda do revestimento (reboco e pastilha) de todas as paredes exteriores, incluindo os guarnecimentos existentes no perímetro dos vãos exteriores e pintura da área rebocada;
4. Ao nível das varandas e palas: reparação profunda, a nível de revestimento, às consolas e às paredes/guardas, das varandas existentes no alçado principal e alçado tardoz; a intervenção corresponde a todas as guardas exteriores (metálicas) e deverá contemplar o desmonte, transporte a depósito para recuperação e posterior recolocação depois de recuperadas; efectuar uma nova pintura e impermeabilização das guardas metálicas, do revestimento das consolas e das paredes/guardas, bem como da face superior das consolas das varandas, incluindo o remate com a parede e/ou soleiras dos vãos exteriores;
5. Ao nível de vãos exteriores: reparação ligeira nas caixilharias exteriores em madeira e uma reparação profunda nas caixilharias metálicas, incluindo os portões de entrada no lote; efectuar uma reparação profunda nos estores dos vãos exteriores adstritos à unidade arrendada, incluindo as caixas de estore interiores; efectuar a pintura das caixilharias exteriores (madeira e metálica) e grades de protecção dos vãos exteriores; efectuar uma reparação profunda das grades existentes na protecção dos vãos da cave e das portas de acesso às unidades habitacionais, no tardoz do edifício;
6. Ao nível das escadas: intervenção profunda quer quanto ao seu revestimento, sendo que a intervenção corresponde ao revestimento das escadas exteriores (face superior, face inferior e laterais), bem como às guardas das escadas exteriores, no tardoz do edifício e deverá contemplar as seguintes tarefas: desmonte, transporte a depósito para recuperação e posterior recolocação depois de recuperadas. Terá que se realizar a pintura do revestimento das escadas e das guardas.
7. Muro: necessária intervenção correspondente ao muro de delimitação do lote;
8. Rede de abastecimento de água: fornecimento e instalação de caixa para alojar os contadores de água, no nicho existente.
b) Na unidade habitacional correspondente ao rés do chão direito:
9. Paredes: reparação profunda do revestimento (reboco) e uma nova pintura;
10. Tetos: reparação profunda a nível de revestimento e uma nova pintura;
11. Rede de abastecimento de água: colocação de tubagem (água fria) entre o contador e o interior da unidade do rés do chão direito;
12. Rede de abastecimento de gás: substituição do tubo flexível de gás que se encontra fora da validade;
13. Rede eléctrica: reparação profunda de equipamento;
14. Rede de exaustão ventilação: Reparação profunda da exaustão do fogão (no saco da chaminé sob o fogão);
15. Equipamento sanitário: Substituição dos vedantes da banheira; reparação profunda do autoclismo».

Para fundamentar a sua pretensão, alega que no dia 01.07.1999 celebrou com o pai dos Réus R. C. e J. C., entretanto falecido, um contrato de arrendamento, para habitação, pelo prazo de um ano, tendo por objecto o rés-do-chão direito do prédio urbano sito na Rua …, nº …, mediante o pagamento, pela Autora, de uma renda mensal, inicial, de 40.000$00, a qual, desde a entrada do euro, foi convertida em € 200,00, tendo sido contratualmente convencionado que a renda mensal seria actualizada de acordo com a legislação em vigor.
Mais alega que o locado necessita de obras, já identificadas através de vistorias camarárias, para assegurar o gozo do prédio à inquilina, pelo que os Réus deverão fazer as obras em causa, cuja realização pretende impor através da presente acção.
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Contestaram os Réus, alegando a excepção de ilegitimidade passiva – por o imóvel arrendado integrar a herança aberta por morte dos pais dos Réus R. C. e J. C., já aceite pelos sucessores mas ainda ilíquida e indivisa – e impugnando os factos alegados na p.i..
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1.2. Proferiu-se despacho-saneador, identificou-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
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1.3. Na audiência final, os mandatários das partes requereram a suspensão da instância pelo prazo de 90 dias, que veio a ser deferida, com os seguintes fundamentos:
«Paralelamente ao curso deste processo, estão em curso as formalidades legais previstas para a actualização extraordinária da renda no presente contrato, e ainda, para a denúncia do contrato ao abrigo do disposto do art. 1101 al c) do CC, com a redacção que lhe foi dada pelo art. 2º da Lei nº. 13/2019 de 13 de Agosto.
No âmbito dessas diligências a arrendatária pronunciou-se nos termos legais relativamente ao montante da nova renda e da transição para o NRAU que foi proposta, invocando ainda a possibilidade da denúncia do contrato de arrendamento, prevista no art. 33º nº. 5 al. a) da referida Lei, estando em prazo a resposta do senhorio a essa situação.
Assim sendo, o desfecho do presente caso pode ser encaminhado no sentido da sua resolução através desse processo formal de actualização da renda, paralelo aos presentes autos, que no caso da efectivação da denúncia possível, tornaria inútil a superveniência do presente processo».
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1.4. Em 03.08.2021, sob a referência 3251105, os Réus apresentaram requerimento com o seguinte teor:
«(Nota: todas as disposições legais a seguir citadas são referentes à Lei N.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, pela Lei n.º 79/2014, de 19 de Dezembro, pela Lei n.º 43/2017, de 14 de Junho, pelas Leis 12/2019 e 13/2019, de 12 de Fevereiro e pela Lei 2/2020, de 31 de Março)
Os aqui requerentes dirigiram à Autora a carta registada com aviso de recepção que se junta como documento n.º 1, com vista à actualização da renda e à transição do contrato de arrendamento para o NRAU, nos termos e para efeito do disposto nos artigos 30.º a 36.º. – Cfr. doc. n.º 1.
A Autora não levantou essa carta pelo que os requerentes viram-se na necessidade de fazer a mesma comunicação através de notificação judicial avulsa, que se junta como documento n.º 2 e que foi levada a efeito em 13.04.2021 - Cfr. doc. n.º 2.
A Autora respondeu através da carta datada de 19.05.2021 e recebida pelos requerentes em 24.05.2021, que se junta como documento n.º 3, na qual se opõe à renda, invoca os fundamentos dos artigos 31.º, n.º 1, alínea a) e 35.º, n.ºs 1 e 2, alíneas c), v), e propõe a renda mensal de 225,00€, mais comunicando que o senhorio poderia denunciar o contrato, aceitar ou recusar o valor proposto ou actualizar o valor da renda nos termos dos artigos 35.º, n.º 2 e 37.º - Cfr. doc. n.º 3.
Os requerentes responderam através da carta de 15.06.2021, que se junta como documento n.º 4 na qual comunicaram à Autora:
- que não aceitavam a renda proposta por si;
- que face à aludida circunstância relativa ao rendimento do seu agregado familiar, por si invocada, o valor da renda mensal a fixar será de 294,87 € por aplicação do disposto no artigo 35.º, n.º 2, alínea a) e alínea b), em função do valor patrimonial do rés- do-chão arrendado no montante de 53.076,27 €, correspondente à avaliação realizada nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI, conforme consta da caderneta predial que havia sido enviada antes;
- que denunciavam o contrato conforme o disposto no artigo 33.º, n.º 5, al. a);
- que essa denuncia produzirá efeitos no prazo de seis meses a contar da recepção dessa carta, nos termos do disposto no artigo 33.º, n.º 7;
- que terá de desocupar e entregar o arrendado no mês de Janeiro de 2022;
- que nos termos do disposto no artigo 33.º, n.º 5, alínea a) e n.º 9, no momento da entrega receberá uma indemnização no valor de 17.250,00 €, equivalente a cinco anos de renda calculada no valor resultante da média entre a renda proposta pelos requerentes (350,00 €) e a renda proposta pela Autora (225,00 €), que se cifra em 287,50 € (350,00 + 225,00 = 575,00 : 2 = 287,50);
- que até esse momento da entrega a Autora pagará a renda mensal de 225,00 que propôs, de acordo com o disposto no artigo 33.º n.º 10 - Cfr. doc. n.º 4.
Por conseguinte, como se disse, essa denúncia produzirá efeitos no mês de Dezembro de 2021 e a Autora terá de desocupar e entregar o arrendado aos Réus, no mês de Janeiro de 2022.
A efectivação dessa denúncia certamente e inevitavelmente ocorrerá antes do desfecho da presente acção, considerando a fase em que ainda se encontra e o seu curso normal com eventuais provas periciais, incidentes, contando os períodos de ferias judiciais que, entretanto, ocorrerão e com a eventualidade de um recurso, de modo que se torna manifesto que a Autora não retirará nenhum efeito útil do desfecho deste processo.
Assim sendo, perante essa circunstância da denúncia do contrato de arrendamento e seus efeitos, posterior a instauração da presente acção vem requerer-se a V.ª Ex.ª se digne ordenar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do disposto no artigo do Código Civil».
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Por requerimento com a referência 3360246, a Autora declarou manter interesse no prosseguimento do processo.
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1.5. Foi então proferida a decisão ora recorrida, com o seguinte dispositivo:
«Nestes termos, considera-se assistir razão aos Réus, ocorrendo a inutilidade superveniente da lide, pelo que se declara extinta a instância, nos termos do disposto no art.º 277º, al. e) do CPC».
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1.6. Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação daquela decisão, formulando as seguintes conclusões:

«1- No dia - de Julho de 1999 a Recorrente, celebrou com o pai dos Réus, J. M., um contrato denominado “Contrato de arrendamento urbano”.
2- Esse contrato foi celebrado pelo prazo de um ano e destinava-se a habitação própria e permanente da recorrente.
3- Como contrapartida do gozo e fruição do espaço arrendado, foi estipulada uma renda mensal, inicial, de 40.000$00 a qual, desde a entrada do euro, foi convertida em € 200,00, a qual seria actualizada de acordo com a legislação em vigor.
4- Conforme consta dos autos, na pendência da acção, os Réus, na qualidade de senhorios, dirigiram à Ré, comunicação por carta registada com AR, comunicando-lhe a intenção de proceder ao aumento do valor da renda para € 350,00 mensais, e proceder à transição do contrato de arrendamento para o NRAU, como contrato com prazo certo, pelo período de 5 anos.
5- A referida missiva foi devolvida por objecto não reclamado.
6- Em face da devolução da carta, os Réus notificaram a Autora, através de notificação judicial avulsa.
7- A Autora respondeu à comunicação que foi dirigida pelos Réus, por carta datada de 19/05/2021 (registada com AR), onde invocou que o RABC do seu agregado familiar era inferior a 5 retribuições mínimas garantidas anuais, juntando para o efeito certidão emitida pelo serviço de Finanças de Viana do Castelo. Atendendo a essa circunstância, opôs-se ao valor da renda proposto, apresentando a contraproposta de € 225,00. Declarou ainda que em caso de recusa do valor da renda por si proposto, os Réus poderiam denunciar o contrato de arrendamento ou actualizar o valor da renda nos termos do art.º 35º, nº 2 e 37º ambos do NRAU.
8- Na sequência da resposta da Autora (arrendatária), os Réus remeteram nova missiva, datada de 15/06/2021 (registada com AR), mediante a qual declararam não aceitar o valor da renda proposto; e comunicaram a denúncia do contrato de arrendamento, ao abrigo do disposto no art.º 33º, nº 5, al. a), a qual produzirá efeitos no prazo de 6 meses, interpelando a Autora para desocupar e entregar o arrendado no prazo de 6 meses, interpelando a Autora para desocupar e entregar o arrendado no prazo de 30 dias, ou seja, no mês de Janeiro de 2022, contra o recebimento da indemnização de € 17.250,00, mantendo-se o dever de pagamento da renda de € 225,00 até à entrega do arrendado.
9- O tribunal a quo apreciou a questão de saber se na sequência do procedimento destinado à transição do contrato de arrendamento “sub judice” para o NRAU operou a denúncia do contrato comunicada pelos aqui Réus, pondo termo à relação locatícia em apreço nos autos, o que constituirá fundamento para a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, e decidiu que o mesmo cumpriu todos os requisitos substantivos e formais previstos na lei,
10- tendo considerado o contrato denunciado com efeitos imediatos no dia 25 de Dezembro de 2021 e,
11- perante essa circunstância, os pedidos formulados pela Autora perderam a sua utilidade, ocorrendo a inutilidade superveniente da lide e declarando-se extinta a instância, nos termos do disposto no art.º 277º, al. e) do CPC.
12- No dia 27/04/2021, através da apresentação de notificação judicial avulsa, os Réus (senhorios) dirigiram à Autora (inquilina) carta registada com aviso de recepção com vista à actualização da renda e à transição do contrato de arrendamento para o NRAU, nos termos e para efeito do disposto nos artigos 30.º a 36.º da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, pela Lei nº 79/2014, de 19 de Dezembro, pela Lei n.º 43/2017, de 14 de Junho, pelas Leis 12/2019 e 13/2019, de 12 de Fevereiro e pela Lei 2/2020, de 31 de Março.
13- A Autora, assustada e convencida que estava na iminência de ter que começar a pagar uma renda de € 350,00, respondeu aos réus não aceitando a renda proposta e apresentando a contraproposta de €225,00. A Autora não assumiu qualquer posição relativa à transição do contrato de arrendamento para o NRAU.
14- Em resposta à missiva da recorrente os réus assumiram que a sua real pretensão era a denúncia do contrato.
15- Ora, tendo o contrato de arrendamento, para habitação, sido celebrado no dia 01 de Julho de 1999 – conclui-se que, nessa data, vigorava o RAU - Regime de Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90 de 15 de Outubro.
16- O procedimento de actualização da renda utilizado pelos réus, previsto nos artigos 30.º a 36.º da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, com as subsequentes alterações, só se aplica aos contratos de arrendamento habitacionais celebrados antes da vigência do RAU e aos contratos não habitacionais celebrados na vigência do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de Setembro, pelo que não poderia ser utilizado in casu.
17- Deste modo, a resposta enviada pela Autora aos Réus não pode consubstanciar uma verdadeira declaração negocial não só porque o regime legal invocado não pode ser aplicado- o que a Autora não tinha obrigação de saber- como pelo facto de a recorrente não ter consciência de se estar a desproteger na sua condição de arrendatária, jamais podendo assim aquela corresponder à sua vontade real, o que resulta na sua anulação.
18- Deste modo, o procedimento extraordinário de actualização de renda e transposição para o NRAU despoletado pelos réus é ineficaz para realizar os seus fins legais, sendo ineficaz a denúncia operada do contrato de arrendamento, bem como a atualização da renda.
19- A sentença viola assim o disposto no art.º 12º/2 do CC porquanto, “Ao estabelecer a lei nova que é aplicável aos contratos firmados ao tempo da lei antiga, tal não significa que a apreciação dos factos ocorridos na vigência da lei antiga seja feita à luz da nova lei, porquanto, se os factos ocorreram no domínio da lei antiga, produzindo os seus efeitos, é-lhes aplicável a lei que então vigorava. O que está conforme ao n° 2 do artigo 12° do Código Civil: ainda que seja atribuída eficácia retroactiva à nova lei, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular” (Ac. T.R.Évora de 18-11-2009, proc. Nº758/03.5TBLLE.E1)
20- Assim, consideram-se ineficazes as comunicações efetuadas pelos réus (senhorios) à Autora (arrendatária), não tendo operado a transição do contrato de arrendamento para o NRAU e mantendo-se a relação de arrendamento anteriormente existente, sendo a ocupação da inquilina/recorrente legitima.
21- Sem prescindir, mesmo que tal regime fosse aplicável, o contrato em causa só seria transferido para o NRAU, com prazo certo de 5 anos, se ambas as partes acordassem nesse sentido, ou seja, não tendo a Recorrente dado o seu acordo e tendo invocado e comprovado que o RABC do seu agregado familiar é inferior a cinco RMNA, o contrato de arrendamento em apreço manter-se-ia sob o regime vinculístico anterior, com prazo indeterminado, sem prejuízo da actualização de renda (cfr. artigo 35º, n.º 1, do NRAU).
22- Dito de outro modo, também aqui à arrendatária e ora Recorrente a lei conferia meios para salvaguardar a sua permanência no arrendado e para manter a natureza vinculística do mesmo, impedindo a posterior denúncia do contrato de arrendamento em apreço.
23- Com efeito, a aplicação do regime legal dos artigos 30º e seguintes do NRAU que prevê a troca de comunicações entre a arrendatária e o senhorio em vista da transição para o novo regime permitirá definir se o contrato se continua reger pelo regime anterior (em caso de ausência de acordo entre o inquilino e o senhorio) ou se transita para o NRAU (em caso de acordo de ambos).
24- Nesse sentido, compreende-se a imposição de diversos ónus ao arrendatário que seja confrontado com a intenção do senhorio de submeter o contrato ao NRAU e de actualizar a renda comunicada nos termos do artigo 30º.
25- Desde logo, um ónus de resposta à intenção do senhorio de submeter o contrato ao NRAU, já que falta de resposta do arrendatário vale como aceitação da renda, bem como do tipo e da duração do contrato propostos pelo senhorio (artigo 31º, n.º 6).
26- Mas também um ónus de alegação de circunstâncias que podem condicionar ou, no limite, impedir a transição do contrato para o NRAU sem o acordo do arrendatário (artigo 31º, n.º 4).
27- E, ainda, um ónus de comprovação de tais circunstâncias no prazo concedido para a resposta (artigo 32º) (Ac. TRP de 4658/18.6T8VNG.P1).
28- Com efeito, para além da falta de acordo entre as partes, todos estes ónus foram cumpridos pela recorrente que, não só respondeu à missiva dos Réus, como alegou e comprovou que o RABC do seu agregado familiar é inferior a cinco RMNA, impedindo dessa forma a transição do contrato para o NRAU nos termos do nº 1, do art.º 35º do NRAU.
29- Para além disso, no dia 09/12/2021, a recorrente enviou nova missiva aos réus dando-lhes conta da ilegalidade e ineficácia quer da denúncia do contrato de arrendamento, quer da actualização/aumento do valor da renda – Cfr. Doc. nº 1 que se junta.
Termos em que deve revogar-se a douta sentença recorrida de acordo com o exposto, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA».
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Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
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1.7. Questão a decidir

Tendo presente que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635º, nºs 2 a 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, a única questão a decidir consiste em saber se ocorreu motivo para extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
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II – Fundamentação

2.1. Fundamentos de facto

Na decisão recorrida consideraram-se demonstrados os seguintes factos:
2.1.1. Os Réus, na qualidade de senhorios, dirigiram à Autora, comunicação por carta registada com AR, comunicando-lhe a intenção de proceder ao aumento do valor da renda para € 350,00 mensais, e proceder à transição do contrato de arrendamento para o NRAU, como contrato com prazo certo, pelo período de 5 anos, nos termos que constam do documento junto como doc. nº 1.
2.1.2. A referida missiva foi devolvida por objecto não reclamado.
2.1.3. Em face da devolução da carta, os Réus notificaram a Autora, através de notificação judicial avulsa.
2.1.4. A Autora respondeu à comunicação que foi dirigida pelos Réus, por carta datada de 19/05/2021 (registada com AR), comunicando opor-se ao valor da renda proposto, apresentando a contraproposta de € 225,00. Mais, invocou ter um RABC do agregado familiar inferior a 5 retribuições mínimas garantidas anuais, juntando para o efeito certidão emitida pelo serviço de Finanças de Viana do Castelo. Finalmente, declarou que em caso de recusa do valor da renda por si proposto, poderiam denunciar o contrato de arrendamento ou actualizar o valor da renda nos termos do art.º 35º, nº 2 e 37º ambos do NRAU.
2.1.5. Na sequência da resposta da Autora (arrendatária), os Réus remeteram nova missiva, datada de 15/06/2021 (registada com AR), mediante a qual declararam não aceitar o valor da renda proposto; e comunicaram a denúncia do contrato de arrendamento, ao abrigo do disposto no art.º 33º, nº 5, al. a), a qual produzirá efeitos no prazo de 6 meses, interpelando a Autora para desocupar e entregar o arrendado no prazo de 30 dias, ou seja, no mês de Janeiro de 2022, contra o recebimento da indemnização de € 17.500,00, mantendo-se o dever de pagamento da renda de € 225,00 até à entrega do arrendado.
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2.2. Do objecto do recurso

O acto decisório relativamente ao qual foi interposto recurso é um despacho que declara extinta a instância com fundamento na inutilidade superveniente da lide.
O artigo 277º do CPC enumera as causas de extinção da instância. Nos termos da sua alínea e), a instância extingue-se por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.
Tornando-se a instância inútil, seja por facto comunicado pelas partes ou constatado pelo tribunal, é declarada extinta ao abrigo do disposto no artigo 277º, al. e), do CPC. Neste caso, a instância extingue-se por causa extraordinária, não tendo o juiz mais do que declarar extinta a instância, sem necessidade de absolver ou condenar qualquer das partes, a não ser no encargo no pagamento das custas (2). A decisão do juiz é puramente declarativa dessa extinção, emergente de facto ocorrido depois da propositura da acção. Essa decisão, que em rigor é um despacho e não uma sentença (v. art. 152º, nº 2, do CPC) (3), produz apenas eficácia de caso julgado formal (4), diferentemente do que sucede com a desistência do pedido, a confissão e a transacção, pois, se judicialmente homologadas, passam a possuir a força e eficácia de caso julgado quanto ao conteúdo do acordado, confessado ou desistido, tal como uma decisão judicial sobre o mérito da causa.
A instância torna-se inútil quando, por qualquer causa processual ou extraprocessual, o efeito jurídico pretendido através do meio concretamente utilizado foi já alcançado, isto é, quando a actividade processual subsequente redunde em puro desperdício para as partes processuais envolvidas. Em geral, a inutilidade superveniente da lide decorre dos casos em que o efeito pretendido já foi alcançado por via diversa, ou seja, fora do esquema da providência requerida.
No fundo, se o interesse da parte activa, na pendência do meio processual de que lançou mão, foi alcançado por outro meio, verifica-se a inutilidade superveniente da lide. Essa causa de extinção da instância é declarada sem apreciação do mérito da causa.

Nos presentes autos a instância foi expressamente declarada extinta com fundamento na inutilidade superveniente da lide por se ter considerado que a denúncia do contrato exercida extrajudicialmente pelos Réus é eficaz, «operou a cessação do contrato de arrendamento e com ela o dever por parte da inquilina de desocupar o arrendado e proceder à sua entrega, no prazo de 30 dias, nos termos previstos no art.º 33º, nº 7 do NRAU, ou seja, até 24 de Janeiro de 2022».
No entender do Tribunal recorrido, «em face da cessação do contrato de arrendamento, os pedidos formulados pela Autora, perderam qualquer da sua utilidade, pois com o fim da relação locatícia, deixaram de subsistir quaisquer dos deveres previstos no respectivo contrato, designadamente o dever do senhorio assegurar o gozo pleno do locado».

A Recorrente sustenta que o contrato de arrendamento não cessou por dois motivos, sendo o segundo deles apresentado subsidiariamente:

a) Por o procedimento de actualização da renda utilizado pelos Réus, previsto nos artigos 30º a 36º do NRAU, aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, com as subsequentes alterações, não poder ser utilizado relativamente ao contrato de arrendamento dos autos, celebrado em 01.07.1999, por só se aplicar aos contratos de arrendamento habitacionais celebrados antes da vigência do RAU e aos contratos não habitacionais celebrados na vigência do Decreto-Lei nº 257/95, de 30 de Setembro; daí a ineficácia, para produzir a denúncia do contrato de arrendamento, do procedimento extraordinário de actualização de renda e transposição para o NRAU despoletado pelos Réus;
b) Mesmo que tal regime fosse aplicável, o contrato em causa só seria transferido para o NRAU, com prazo certo de 5 anos, se ambas as partes acordassem nesse sentido; como a Recorrente não deu o seu acordo e invocou e comprovou que o RABC do seu agregado familiar é inferior a cinco RMNA, o contrato de arrendamento em apreço manter-se-ia sob o regime vinculístico anterior, com prazo indeterminado, sem prejuízo da actualização de renda (cfr. artigo 35º, nº 1, do NRAU).

A questão a apreciar consiste em saber se se verificou a cessação do contrato de arrendamento, por denúncia operada pelos Réus. Caso se conclua que o contrato de arrendamento já findou, isso significa que a lide se tornou superveniente inútil, o que constitui causa típica de extinção da instância, pois já não existe qualquer obrigação por parte dos Réus de realizar obras enquanto senhorios, uma vez que em virtude da cessação da relação locatícia deixaram de ter a apontada qualidade e a Autora a de arrendatária.

O que está em causa é o facto de os Réus em 13.04.2021 terem notificado a Autora com vista à actualização da renda para € 350,00 e à transição do contrato de arrendamento para o NRAU, com prazo certo, pelo período de 5 anos, de a arrendatária ter respondido por carta de 19.05.2021 (recebida em 24.05.2021) opondo-se à renda, propondo em alternativa a renda mensal de € 225,00 e invocando que o rendimento anual bruto corrigido (RABC) do seu agregado familiar é inferior a 5 retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA), o que comprovou através de documento emitido pelo serviço de finanças competente.
Na sequência da posição tomada pela arrendatária, os senhorios responderam por carta de 15.06.2021, na qual declararam não aceitar a renda proposta pela locatária, indicaram que face à circunstância que esta invocou quanto ao rendimento do seu agregado familiar, o valor da renda mensal a fixar é de € 294,87, e denunciaram o contrato conforme o disposto no artigo 33º, nº 5, al. a), do NRAU, para produzir efeitos no prazo de seis meses a contar da recepção dessa carta.

A norma invocada pelos Réus para proceder à denúncia do contrato de arrendamento é a do artigo 33º, nº 5, al. a), do NRAU (aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro), que tem por epígrafe “oposição pelo arrendatário e denúncia pelo senhorio”, onde na parte relevante se dispõe:

«1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 35º e 36º, caso o arrendatário se oponha ao valor da renda, ao tipo ou à duração do contrato propostos pelo senhorio, propondo outros, o senhorio, no prazo de 30 dias contados da recepção da resposta daquele, deve comunicar ao arrendatário se aceita ou não a proposta.
(…)
5 - Se o senhorio não aceitar o valor de renda proposto pelo arrendatário, pode, na comunicação a que se refere o nº 1:
a) Denunciar o contrato de arrendamento, pagando ao arrendatário uma indemnização equivalente a cinco anos de renda resultante do valor médio das propostas formuladas pelo senhorio e pelo arrendatário;
b) Actualizar a renda de acordo com os critérios previstos nas alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 35º, considerando-se o contrato celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos a contar da referida comunicação.
(…)
7 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a denúncia prevista na alínea a) do nº 5 produz efeitos no prazo de seis meses a contar da recepção da correspondente comunicação, devendo então o arrendatário desocupar o locado e entregá-lo ao senhorio no prazo de 30 dias. (…)».
De harmonia com esta disposição, propondo o arrendatário uma renda de valor diferente do indicado pelo senhorio, este, se não aceitar o valor de renda proposto pelo arrendatário, pode denunciar o contrato de arrendamento, pagando uma indemnização.
Foi esse procedimento que os Réus adoptaram: denunciaram o contrato de arrendamento.
Mas será que os Réus dispunham do direito de denunciar o contrato de arrendamento nos termos em que o fizeram?
Desde logo, fazemos notar que o contrato de arrendamento dos autos foi celebrado em 01.07.1999 e teve o seu início nessa data.
Aquando da sua celebração estava em vigor o Regime de Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90 de 15 de Outubro, cujo artigo 98º previa a possibilidade de as partes estipularem no texto escrito do contrato um prazo para a duração efectiva do arrendamento urbano para habitação, desde que esse prazo não fosse inferior a cinco anos. Todavia, no contrato dos autos estipulou-se o prazo de um ano, prorrogável por iguais e sucessivos períodos de tempo, pelo que estamos perante um contrato de duração indeterminada e não de duração limitada.
Por isso, o contrato de arrendamento em análise deve ser qualificado como um contrato sem duração limitada, também denominado de contrato vinculístico.

Para determinar o regime jurídico aplicável há que recorrer às normas de direito transitório incluídas no NRAU, aprovado pela Lei nº 6/2006 de 27/02, e ao artigo 59º do mesmo diploma, sob a epígrafe “aplicação no tempo”, onde se dispõe:

1 - O NRAU aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias.
(…)
3 - As normas supletivas contidas no NRAU só se aplicam aos contratos celebrados antes da entrada em vigor da presente lei quando não sejam em sentido oposto ao de norma supletiva vigente aquando da celebração, caso em que é essa a norma aplicável».
A disciplina resultante das normas de direito transitório e de aplicação no tempo (arts. 59º do NRAU e 12º, nº 2, do Código Civil) é complexa e não deixa de ser algo tortuosa para quem tem de interpretar e aplicar as suas regras aos casos concretos, como a situação dos autos bem evidencia, sobretudo por das aludidas normas transitórias resultarem restrições aos direitos do senhorio fazer extinguir o contrato, nomeadamente ao seu direito de livre denúncia.
Como bem salienta Maria Olinda Garcia (5), «a concreta identificação das normas do regime transitório aplicáveis a um contrato celebrado antes da entrada em vigor da Lei n.º 6/2006, depende da finalidade do contrato, ou seja, tratar-se de arrendamento para habitação ou para fim não habitacional, e de saber se a data da sua celebração ocorreu na pretérita vigência de determinados diplomas. Assim, tratando-se de arrendamentos para habitação, importa saber se a sua celebração ocorreu antes ou depois da entrada em vigor do DL n.º 321-B/90, que aprovou o denominado RAU (Regime do Arrendamento Urbano) e tratando-se de arrendamentos para fins não habitacionais importa saber se a celebração do contrato ocorreu antes ou depois da entrada em vigor do DL n.º 257/95. A razão desta diferenciação normativa prende-se com a existência ou a ausência da possibilidade de celebrar contratos com duração limitada, ou seja, contratos que o senhorio pudesse livremente extinguir caso não desejasse a sua renovação. Assim, até à entrada em vigor do supra referido RAU (15 de novembro de 1990), os arrendamentos para habitação eram disciplinados pelo denominado regime geral do arrendamento urbano previsto no Código Civil, também designado doutrinalmente por regime vinculístico, já que os poderes do senhorio para denunciar esses contratos eram extremamente reduzidos. Os contratos renovavam-se automaticamente enquanto o arrendatário desejasse a sua manutenção. Com a entrada em vigor do RAU, passou a existir uma plena alternativa de regime, a dos arrendamentos de duração limitada, pelo prazo de 5 anos, que qualquer das partes podia livremente extinguir caso não desejasse a sua renovação. A partir daí (e até à entrada em vigor da Lei n.º 6/2006), o regime vinculístico passou a ser uma escolha (muito pouco frequente) das partes e não uma imposição legal como anteriormente sucedia.
É com base nestes marcos legislativos que o vigente regime transitório estabelece diferenciações normativas (nos seus artigos 26.º e 28.º) entre contratos celebrados ao abrigo do regime vinculístico em diferentes momentos históricos, ou seja, tendo em conta o fito de tal regime ter sido uma opção das partes (quando já dispunham de alternativa) ou uma imposição legal».

No caso em apreciação, tendo o contrato de arrendamento habitacional dos autos sido celebrado em 01.07.1999, na vigência do Regime de Arrendamento Urbano (RAU), verifica-se que o disposto nos artigos 30º a 36º do NRAU, designadamente o procedimento de actualização da renda e de transição para o NRAU, com a inerente possibilidade de denúncia do contrato no circunstancialismo referido no artigo 33º, nº 5, al. a), do NRAU, só se aplica aos contratos de arrendamento habitacionais celebrados antes da vigência do RAU (1990).
Repare-se que todas as normas que serviram de base à denúncia do contrato de arrendamento dos autos se encontram inseridas no Capítulo II do NRAU, o qual respeita, como da sua epígrafe logo resulta, aos «contratos habitacionais celebrados antes da vigência do RAU e contratos não habitacionais celebrados antes do Decreto-Lei nº 257/95 de 30 de Setembro».
Mas o artigo 27º do NRAU dissipa qualquer dúvida: «As normas do presente capítulo aplicam-se aos contratos de arrendamento para habitação celebrados antes da entrada em vigor do RAU, aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, bem como aos contratos para fins não habitacionais celebrados antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 257/95, de 30 de Setembro».
Portanto, os Réus denunciaram o contrato de arrendamento com base numa norma que lhe é inaplicável. O disposto no artigo 33º, nº 5, al. a), do NRAU não é aplicável ao contrato de arrendamento dos autos, atenta a data em que o mesmo foi celebrado.

A norma de direito transitório aplicável ao contrato dos autos é a do artigo 26º do NRAU, cujos nºs 1, 4 e 5 têm o seguinte teor:

«1 - Os contratos para fins habitacionais celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, bem como os contratos para fins não habitacionais celebrados na vigência do Decreto-Lei nº 257/95, de 30 de Setembro, passam a estar submetidos ao NRAU, com as especificidades dos números seguintes. (…)
4 - Os contratos sem duração limitada regem-se pelas regras aplicáveis aos contratos de duração indeterminada, com as seguintes especificidades:

a) Continua a aplicar-se o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 107º do RAU;
b) Para efeitos das indemnizações previstas no nº 1 do artigo 1102º e na alínea a) do nº 6 e no nº 9 do artigo 1103º do Código Civil, a renda é calculada de acordo com os critérios previstos nas alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 35º da presente lei;
c) O disposto na alínea c) do artigo 1101º do Código Civil não se aplica se o arrendatário tiver idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60%.
5 - Em relação aos arrendamentos para habitação, cessa o disposto na alínea a) do número anterior após transmissão por morte para filho ou enteado ocorrida depois da entrada em vigor da presente lei».
Pronunciando-se sobre esta norma, refere Luís Menezes Leitão (6): «Mais importante, é, porém, a excepção relativa aos arrendamentos celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo D.L. 321-B/90, de 15 de Outubro, e aos contratos não habitacionais celebrados depois do D.L. 257/95, de 30 de Setembro, aos quais se continua a aplicar um regime especial no que respeita à transmissão por morte, duração, renovação e denúncia (art. 26º NRAU). Temos aqui uma norma de direito transitório material, que mantém um regime próximo do que anteriormente vigorava em sede do RAU, relativamente ao regime de cessação destes arrendamentos, e isto quer se trate de contratos de duração limitada (art. 26º, nº 3 NRAU; cfr. arts. 98º e ss. do RAU), quer de contratos de duração ilimitada, em que continua a ser restringida a denúncia pelo senhorio (art. 26º, nº 4, NRAU; cfr. arts. 69º e ss. do RAU). Em relação a estes, não se prevê qualquer actualização das rendas (cfr. arts. 30º e ss. do NRAU), o que pode revelar-se discriminatório, sempre que as partes tenham celebrado um contrato de duração ilimitada, o que era perfeitamente possível em face do RAU».
Portanto, no âmbito do contrato de arrendamento em causa nos autos, que continua a seguir o regime vinculístico anterior (arts. 68º, nº 2, e 69º, nº 1, do RAU e artigo 1101, al. c), do Código Civil), não era admissível a denúncia pelos Réus, baseada na não aceitação da renda proposta pela Autora (7).
Em decorrência directa – a contrario – do disposto no artigo 26º, nº 4, al. c), os Réus podiam denunciar o contrato de arrendamento, sem invocar motivo justificativo, apenas com base no disposto na alínea c) do artigo 1101º do Código Civil, onde se prevê a possibilidade de o senhorio denunciar o contrato de duração indeterminada «mediante comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a cinco anos sobre a data em que pretenda a cessação», devendo essa denúncia «ser confirmada, sob pena de ineficácia, por comunicação com a antecedência máxima de 15 meses e mínima de um ano relativamente à data da sua efetivação» (art. 1104º do Código Civil) (8).
Todavia, os Réus não denunciaram o contrato de arrendamento nos termos do artigo 1101º, al. c), do Código Civil – e muito menos procederam à confirmação da denúncia no condicionalismo previsto no artigo 1104º do mesmo diploma -, mas sim, inapropriadamente, no âmbito de procedimento de actualização da renda e de transição para o NRAU.
Nessa conformidade, a comunicação à Autora através da carta de 15.06.2021 não operou a cessação do contrato de arrendamento.
Mantendo-se o contrato em vigor, não se verifica a inutilidade superveniente da lide, pelo que não se podia ter declarado extinta a instância.

A mero título subsidiário, quod abundat non nocet, sempre se dirá que, mesmo que o regime previsto nos artigos 30º a 36º do NRAU fosse aplicável ao contrato de arrendamento em causa nos autos, só se operaria a transição para o NRAU se senhorios e arrendatária acordassem nesse sentido. Isto porque a Autora invocou e comprovou que o RABC do seu agregado familiar é inferior a cinco RMNA, pelo que a situação sempre estaria a coberto do disposto no artigo 35º, nº 1, do NRAU. Com efeito, nesta disposição prevê-se: «Caso o arrendatário invoque e comprove que o RABC do seu agregado familiar é inferior a cinco RMNA, o contrato só fica submetido ao NRAU mediante acordo entre as partes ou, na falta deste, no prazo de 10 anos a contar da recepção, pelo senhorio, da resposta do arrendatário nos termos da alínea a) do nº 4 do artigo 31º».
Donde, «a denúncia pelo senhorio mediante indemnização não é, porém, aplicável caso o arrendatário invoque e comprove que o RABC do seu agregado familiar é inferior a cinco RMNA. (…) Nesse caso, o contrato só fica submetido ao NRAU mediante acordo entre as partes ou, na falta deste, no prazo de oito anos [dez anos, em virtude da versão entretanto introduzida pela Lei nº 13/2019, de 12/2] a contar da recepção pelo senhorio da resposta pelo arrendatário (art. 35º, nº 1, do NRAU)» (9). A circunstância de a arrendatária invocar e comprovar que o RABC do seu agregado familiar é inferior a 5 RMNA condicionava ao acordo das partes – o qual manifestamente não foi alcançado - a submissão do contrato em causa ao NRAU ou, na falta de acordo, diferia tal submissão por dez anos, condicionando a actualização da renda em função de percentagens do RABC (artigo 35º, nºs 1 e 2). No termo desse período de dez anos, o senhorio poderia promover a transição do contrato para o NRAU, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 30º e seguintes.
Portanto, mesmo que este regime fosse o aplicável, como defenderam os Réus quando requereram que fosse declara extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, a denúncia comunicada pela carta de 15.06.2021 também não operava a cessação do contrato de arrendamento em virtude do rendimento anual bruto corrigido (RABC) do agregado familiar da Autora ser inferior a 5 retribuições mínimas nacionais anuais.

Termos em que procede a apelação.
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2.3. Sumário

1 – A norma do artigo 33º, nº 5, al. a), do NRAU não é aplicável aos contratos de arrendamento habitacional sem duração limitada celebrados na vigência do RAU.
2 – Em tais contratos é admissível a denúncia pelo senhorio mediante comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a cinco anos sobre a data em que pretenda a cessação, desde que a denúncia seja confirmada por comunicação com a antecedência máxima de 15 meses e mínima de um ano relativamente à data da sua efetivação e o arrendatário não tenha idade igual ou superior a 65 anos e não seja portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60%.
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III – DECISÃO

Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que ordene o ulterior prosseguimento dos autos.
Custas pelos Recorridos.
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Guimarães, 09.06.2022
(Acórdão assinado digitalmente)

Joaquim Boavida
Paulo Reis
Maria Luísa Duarte Ramos



1. Utilizar-se-á a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
2. J. Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. II, Almedina, pág. 61.
3. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, Almedina, pág. 323.
4. Ac. do STJ de 20.10.1999, proc. 808/99, relator Ferreira de Almeida, acessível em www.dgsi.pt, tal como todos os demais arestos que se mencionarem neste acórdão.
5. Arrendamento Urbano Anotado - Regime Substantivo e Processual, Coimbra Editora, 2012, p. 123-125.
6. Arrendamento Urbano, 8ª edição, Almedina, pág. 175.
7. Mesmo no regime actualmente em vigor em matéria de arrendamentos de duração indeterminada, na denominada denúncia livre, por iniciativa do locador, prevista na alínea c) do artigo 1101º do Código Civil, é exigido um prazo de pré-aviso de 5 anos e o artigo 1104º do mesmo diploma impõe ao locador a obrigação de confirmar a denúncia com a antecedência máxima de 15 meses e mínima de um ano relativamente ao final daquele período de 5 anos.
8. A norma do artigo 26º, nº 4, al. c), do NRAU exige que o arrendatário não tenha idade igual ou superior a 65 anos e não seja portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60%.
9. Luís Menezes Leitão, ob. cit., pág. 188.