Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4190/18.8TVNF.G1
Relator: ANTÓNIO TEIXEIRA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
ADMOESTAÇÃO
REQUISITOS LEGAIS
ATENUAÇÃO ESPECIAL COIMA
ARTºS 51º

Nº 2
13º
Nº 2
16º
Nº 3 E 18º
Nº 3 DO RGCO E 72º DO CP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/25/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I – Pese embora a inserção sistemática no Capítulo III, do RGCO - “Da aplicação da coima pelas autoridades administrativas”, é de entender que a referência a “entidade competente” usada na redacção do Artº 51º leva a que a admoestação prevista nesse preceito legal possa ser aplicada quer na fase administrativa, quer na fase judicial, ou seja, na fase de recurso judicial da decisão administrativa.

II – São claros os requisitos impostos para a aplicação de uma admoestação: - Reduzida gravidade da infracção; e - Reduzida culpa do agente.

III – O RGCO não prevê especificamente a atenuação especial da coima, muito embora a ela se refira em várias disposições legais, v.g., nos Artºs. 9º, nº 2, 13º, nº 2, 16º, nº 3 e 18º, nº 3.
Consequentemente, a questão da atenuação especial da coima tem de ser tratada em consonância com o disposto no Artº 72º do Código Penal, ex vi Artº 32º do RGCO.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

1. O arguido L. J., chefe de equipa de telecomunicações, domiciliado na Rua do …, Vila Nova de Gaia, não se conformando com a decisão do “Instituto Português do Desporto e Juventude, IP” pela qual foi condenado no pagamento da coima de € 1.650,00, pela prática dolosa de uma contraordenação prevista na alínea d), do nº 1, do Artº 39º, da Lei nº 39/2013, de 30 de Julho, alterada pela Lei nº 52/2013, de 25 de Julho, interpôs o mesmo recurso de impugnação judicial, ao abrigo do disposto no Artº 59º do Dec.-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro (que doravante designaremos por RGCO), nos termos que constam de fls. 93/102.
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2. Por despacho de 21/06/2018, exarado a fls. 119, foi admitido o recurso em causa e designada data para a audiência de julgamento, a qual veio a realizar-se no dia 11/09/2018, como resulta da respectiva acta, que consta de fls. 153/156.
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3. E, nesse âmbito, em 19/09/2018 foi proferida sentença, depositada no mesmo dia, da qual consta o seguinte dispositivo (transcrição (1)):

“Pelo exposto decide este Tribunal julgar improcedente a impugnação apresentada pela Recorrente, mantendo-se, em consequência, a decisão do Instituto Português do Desporto e Juventude, IP, que condenou o recorrente L. J. no pagamento da coima de € 1.650,00, pela prática da contraordenação prevista na alínea d), do nº 1, do art. 39º, da Lei nº 39/2013, de 30 de Julho, alterada e republicada pela Lei nº 52/2013, de 25 de Julho, que estabelece o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos.

Mais se condena a recorrente no pagamento das custas judiciais, fixando a taxa de justiça inicial em 2 UCs - artigos 94º, nº 3 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro e 8º, nº 4 do RPC, com referência à tabela III, a este anexa.

O destino da coima aplicada será afectado nos termos do disposto no art. 44º do citado diploma legal.

Registe, notifique e comunique, em conformidade com o disposto no artigo 70º, nº 4, do Decreto-lei nº 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações subsequentes.”.
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4. Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido interpor o presente recurso, cuja motivação é rematada pelas seguintes conclusões e petitório (transcrição):


Mostra-se incontrovertido que “Após o final do espectáculo desportivo constatou-se descontentamento por parte dos adeptos do X, que havia perdido o jogo, ouvindo-se algumas injúrias dirigidas aos atletas da equipa da casa, tais como “chulos”, “filhos da puta”, “vendidos”.

Contudo o Tribunal “a quo” conclusivamente referencia que “ora, o descrito comportamento do recorrente, nas verificadas circunstâncias espácio-temporais configurou uma acção idónea e incentivadora de violência…”

Salvo melhor opinião, considera o aqui Recorrente que a sentença sub judice padece de nulidade, por manifesta contradição entre os fundamentos e a fundamentação, nos termos do artigo 410º, nº 2, al. c), do C.P.P. que aqui expressamente se invoca, porquanto já anteriormente às alegadas palavras proferidas pelo aqui Recorrente havia comportamento violento e agressivo, por parte dos espectadores.

Acresce que, s.m.o., é ostensiva a falta de fundamentação da sentença sub judice, não só pela insuficiência da matéria de facto provada, mas também pela ausência de fundamentação quanto ao princípio da livre apreciação da prova, o que inquina de nulidade, nos termos previstos no artigo 379º e 374º, nº 2, do C.P.P., sendo que não se consegue alcançar o iter cognoscitivo no que se reporta a juízos conclusivos, tais como: “As testemunhas D. G. e C. G. prestaram depoimentos nitidamente comprometidos com a versão apresentada pelo recorrente…”. “Não olvidando que as testemunhas arroladas pelo recorrente prestaram depoimentos contraditórios…” “…são susceptíveis de gerar ou potenciar atos de violência que, no caso, não tomaram outras proporções em face da intervenção das forças policiais presentes no local”.

Discorrida a sentença sub judice não se logra perceber a concretização do exame crítico das provas, imprescindível ao cumprimento de dever de fundamentação.

Considera ainda o Recorrente ocorrer violação do princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127º do C.P.P., porquanto, na sentença “sub judice” aquilo a que se assiste é ao superlativar o auto de notícia em detrimento de toda a demais prova produzida, designadamente das regras de senso comum e normal experiência.

Ora a expressão, alegadamente, proferida e que foi dada como provada foi “filho da puta” e não filhos da puta!!! O que é, de facto, compatível com as declarações prestadas pelo arguido, aqui Recorrente, mas considerada não provada “Filho da puta? É para mim?”

Sendo certo que tal facto foi considerado não provado, uma vez mais sem qualquer fundamentação!!

Acresce que também se afigura incompreensível a preterição do depoimento da testemunha F. A., delegado ao jogo, por parte da equipa visitada, que declarou “…nos momentos temporais que presenciou, nunca aquele preferiu qualquer insulto dirigido aos espectadores”.
10º
Salvo melhor opinião, sempre se imporia, em última ratio, a valoração do princípio do in dubio pro reo, porquanto as provas produzidas, abalaram o valor probatório do Auto de fls., elaborado, exclusivamente, com base na percepção do autuante, aliás, única testemunha ouvida quanto ao respectivo teor.
11º
Com efeito e mesmo no que concerne ao nexo de causalidade entre o alegado comportamento do aqui Recorrente e a potencial consequência da sua conduta, fica a necessária dúvida.
12º
Tão pouco o Tribunal “a quo” logrou fundamentação quanto às potenciais proporções e/ou agravamento de eventuais actos de violência, conforme supra-referido, sendo que a inexistência de qualquer procedimento disciplinar, é inequívoco quanto à não verificação de qualquer comportamento por parte da equipa de arbitragem de relevo disciplinar, o que, e não obstante autonomia dos regimes, de acordo com as regras de experiencia não é crível nem credível que tal conduta, a ser como se pretende imputar ao arguido não tivesse sido objecto de procedimento e disciplinar sequente a relato da equipa de arbitragem que consabidamente é a última a abandonar área de competição.

Sem prescindir

13º
Foi dado como provado que:

a) O Recorrente não possui antecedentes criminais, nem registo de anterior prática de infracção disciplinar e/ou contra-ordenacional.
b) O Recorrente dedica-se à prática desportiva sem qualquer vínculo profissional, auferindo cerca de € 400,00 em prémios de jogo.
c) Exerce a actividade profissional de chefe de equipa de telecomunicações, auferindo o equivalente ao salário mínimo nacional.
14º
Pelo que, sempre seria de aplicar uma sanção de admoestação prevista no artº. 51 do D.L.nº.433/82 de 27 de Outubro, configurando nulidade por falta de fundamentação, nos termos previstos no artigo 379º, nº 1, al. a) do C.P.P., a opção sem mais, pela não substituição da coima aplicada, porquanto, in casu, a aplicação de tal sanção, não colocaria em causa as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, e não feriria inapelavelmente o sentimento jurídico da comunidade, sendo a pena de admoestação suficiente e adequada para que o arguido interiorize e se consciencialize da necessidade de não mais se dirigir aos espectadores, seja em que circunstância seja.

Sem prescindir
15º
A haver qualquer condenação, o que se admite por mera hipótese de raciocínio, e uma vez que não se alcança sequer o iter percorrido para a medida concreta da pena, ou seja, a aplicação da coima de € 1.650.00 e não qualquer outra, sempre a sanção deveria ser especialmente atenuada, desde logo pelo que resulta do seu registo criminal e ausência de qualquer registo contra-ordenacional e bem assim o facto de o Recorrente ser um agente que se dedica à prática desportiva ser carácter de exclusividade, sem qualquer vinculo profissional,
16º
Considerando que as exigências acrescidas, constantes da sentença “sub judice” não merecerão ser acolhidas in casu, porquanto não estamos face “aos fortes” do futebol, cujo mediatismo, poderia, aí sim, ferir a sensibilidade da comunidade.
17º
Pelo exposto considera o aqui Recorrente, terem sido violadas as normas constantes 410º, nº 2, al. c), 374º, nº 2, 379º, 127º do C.P.P. e artigo 39º, nº 1, al. d) da Lei nº 39/2013, de 30 de Julho, alterada e republicada pela Lei nº 52/2013, de 25 de Julho.

NESTES TERMOS,
Deve o presente Recurso ter provimento e, em consequência ser integralmente revogada a Sentença Recorrida, com o que se fará
JUSTIÇA!”.
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5. Na 1ª instância o Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência, concluindo da seguinte forma a sua peça processual (transcrição):

“1. Na douta sentença que se encontra ora em crise, o Tribunal a quo enumerou os factos provados e não provados, assim como motivou a sua convicção, expondo os motivos de facto que fundamentam a sua decisão e que levaram à prova de todos os pontos da matéria de facto dada como provada.
2. Na construção da sua motivação o Tribunal a quo não deixou de indicar as concretas provas de que se socorreu para considerar os factos como provados, assim como não deixou de esclarecer que as provas que serviram para formar a sua convicção, foram objectivas, coerentes e credíveis, descrevendo os concretos trechos em que se fundou a sua convicção.
3. O Tribunal a quo explicou, de forma lógica e objectivável, o percurso que traçou para dar tais factos como provados, não se verificando qualquer vício/nulidade por falta de fundamentação.
4. O Tribunal a quo foi perfeitamente claro, tendo explicado, de forma lógica, coerente e objectivável, o percurso que traçou para dar como provada a matéria de factos, pelo que não se verifica qualquer nulidade por contradição entre os fundamentos e fundamentação.
5. O Tribunal a quo demostrou as razões subjacentes ao afastamento da sanção de admoestação, pelo que não se verifica qualquer falta de fundamentação, os termos previstos no art. 379º, nº 1, al. a), do CPP.
6. Inexistindo quaisquer factores que diminuam de forma acentuada a ilicitude da conduta, assim como as exigências de prevenção geral, que no caso se fazem sentir elevadas, não se mostra possível estabelecer um juízo de prognose compatível com a aplicação da sanção de admoestação ou atenuação especial da coima aplicada pela autoridade administrativa.
7. Não foram violadas quaisquer disposições legais, não merecendo qualquer reparo a sentença recorrida.”.
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6. Neste Tribunal da Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, pronunciando também, pela improcedência do recurso, sufragando as considerações expendidas na reposta do Ministério Púbico junto da 1ª instância.
6.1. Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, do C.P.Penal, veio o arguido apresentar a resposta que consta de fls. 216/218, na qual, em síntese, reitera o invocado em sede de alegações.
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7. Efectuado exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

1. É hoje pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal (2).

No caso vertente, da leitura e análise das conclusões apresentadas pelo recorrente, são as seguintes as questões que importa dirimir:

- Nulidade da sentença recorrida, por manifesta contradição entre os fundamentos e a fundamentação, nos termos do Artº 410º, nº 2, al. c), do C.P.Penal;
- Nulidade da sentença recorrida, nos termos previstos nos Artºs. 379º e 374º, nº 2, do C.P.Penal, por insuficiência da matéria de facto provada, e por ausência de fundamentação quanto ao princípio da livre apreciação da prova;
- Violação do princípio in dubio pro reo;
- Aplicabilidade de uma sanção de admoestação, prevista no Artº 51º, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, configurando nulidade por falta de fundamentação, nos termos previstos no art. 379.º, n.º 1, al. a), do C.P.Penal, a opção sem mais, pela não substituição da coima aplicada; e
- Atenuação especial da sanção.
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2. Para uma melhor compreensão das questões colocadas e uma visão exacta do que está em causa, vejamos, antes de mais, quais os factos que o Tribunal a quo deu como provados e não provados, e bem assim a fundamentação acerca de tal factualidade.

2.1. O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição):

1.º - No dia 18 de Janeiro de 2015, no campo de futebol da Associação Desportiva do X, realizou-se um jogo de futebol sénior da 2.ª Divisão nacional, entre as equipas Associação Desportiva do X e Futebol Clube de Y;
2.º - Após o final do espectáculo desportivo constatou-se descontentamento por parte dos adeptos do X, que havia perdido o jogo, ouvindo-se algumas injúrias dirigidas aos atletas da equipa da casa, tais como, chulos, filhos da puta, vendidos;
3.º - O arguido, enquanto se deslocava para o balneário, dirigiu determinados impropérios para a bancada, junto ao limite do terreno de jogo, dizendo, entre o mais filho da puta;
4.º - E ato contínuo, sendo certo que os impropérios se avolumavam em direcção ao recorrente e colegas de equipa, estes aproximaram-se da bancada, mas sem ultrapassarem o muro delimitador do terreno de jogo;
5.º - O arguido era guarda-redes da equipa Associação Desportiva do X, portador da camisola com o n.º .., de cor verde;
6.º - Após tal comentário gerou-se grande exaltação entre os espectadores, tendo alguns jogadores se dirigido ao arguido para o acalmar;
7.º - Existiu ainda necessidade de intervenção da força policial presente no local para repor a tranquilidade dos adeptos;
8.º - Cerca de dois dias depois, o recorrente e colegas de equipa voltaram ao local, para a realização de treinos e jogos até ao final da época sem qualquer incidente.
9.º - Um outro jogador, de identidade não concretamente identificada, envolveu-se também em conflito verbal com os espectadores, tendo inclusivamente sido instaurado processo de contraordenação, o qual corre termos sob o nº de processo 223/DJA/2016-157/CO;
10.º - O arguido sabia de antemão que se tratava de um espectáculo desportivo com algum fervor, uma vez que o resultado do jogo era decisivo para a equipa adversária subir de divisão;
11.º - Assim, ao arguido exigia-se uma atitude séria e de auto-responsabilidade, de uma conduta socialmente adequada ao respeito pelo outro e em última instância a não praticar ilícitos contra-ordenacionais, desde logo para a sua segurança e para a de todos quanto nesses espaços se encontravam, o que manifestamente não fez;
12.º - O arguido actuou com conhecimento da sua condição de agente desportivo, bem sabendo que a sua conduta era ilícita e, ainda assim, não obviou às consequências da mesma, conformando-se com a situação de ao proferir o referido insulto, dirigido para os espectadores, potenciava um clima de animosidade e hostilidade, gerador de violência, o que é contrário aos princípios éticos inerentes à prática desportiva;
13.º - O campo de futebol e a bancada são separados única e exclusivamente por um muro com altura aproximada de 1,20 m;
14.º - O recorrente não possui antecedentes criminais, nem registo da anterior prática de infracção disciplinar e/ou contra-ordenacional;
15.º - O recorrente dedica-se à prática desportiva sem qualquer vínculo profissional, auferindo cerca de € 400,00 em prémios de jogo;
16.º - Exerce a actividade profissional de chefe de equipa de telecomunicações, auferindo o equivalente ao salário mínimo nacional;
17.º - Possui o 12º ano de escolaridade;
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2.2. Considerou não provados os seguintes factos (transcrição):

“1 - Que nas circunstâncias espácio-temporais referidas nos pontos 1) e 2) da matéria assente, um dos adeptos presentes tivesse dito directamente ao recorrente: “Filho da Puta! Abriste o capoeiro!”;
2 - Que nas circunstâncias espácio-temporais referidas no ponto 3) da matéria assente, o recorrente apenas tivesse dito: “Filho da puta? É para mim?”;
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2.3. E motivou a essa decisão de facto nos seguintes moldes (transcrição):

“O Tribunal formou a sua convicção na análise crítica e conjugada do teor dos elementos documentais juntos aos autos, com as regras da experiência comum e os depoimentos prestados em audiência de julgamento, e como doravante se passa a explicitar.

Primeiramente cabe salientar que é consabido que o auto de notícia faz fé em processo de contraordenação, até prova em contrário, quanto aos factos presenciados pela entidade autuante. A fé em juízo dos autos de notícia reconduz-se a um especial valor probatório que não acarreta qualquer presunção de culpabilidade. Esse valor probatório não envolve qualquer manipulação arbitrária do princípio “in dubio pro reo”, nem põe em crise o direito de defesa do arguido, pois que sempre fica aberta a possibilidade de se produzir qualquer outra prova que se repute necessária. O especial valor probatório dos autos de notícia, reconduzindo-se, ao cabo e ao resto, a simples prova de interim, não põe, assim, em crise o direito de defesa do réu.

In casu, quer as declarações prestadas pelo recorrente, quer também as testemunhas por aquele arroladas não lograram infirmar o conteúdo e substância do teor do auto de notícia junto a fls. 02 a 05 dos autos, não tendo os respectivos depoimentos invalidado o conteúdo daquele e os factos directamente presenciados pelo agente autuante no local.

Com efeito, o recorrente, em sede de declarações, começou por confirmar ter participado no referido jogo de futebol, como guarda-redes da equipa da casa. Jogo esse gerador de forte tensão entre os espectadores presentes, uma vez que era determinante para a eventual subida de divisão de uma das equipas participantes. Nessa sequência e após o término do jogo, refere ter sido insultado por diversos espectadores do clube da casa, tal como ocorreu com outros colegas de equipa. E, perante os impropérios provindos da bancada, garante que apenas questionou os presentes se os mesmos eram para si dirigidos, momento no qual se gerou uma certa exaltação e um diálogo de conteúdo indeterminado, que rapidamente cessou com a intervenção dos colegas de equipa que o acalmaram. Com isto, atestou nunca ter proferido qualquer insulto ou travado dialogo com uma pessoa em concreto. Por último, menciona que o seu comportamento não mereceu qualquer censura por parte da equipa de arbitragem ou do clube que representava.

Por sua vez, o agente autuante N. C., através de um depoimento sério, convincente e suficientemente descritivo da materialidade fáctica que percepcionou no local, asseverou que no final do dito jogo de futebol ocorreram insultos mútuos entre jogadores e adeptos do clube da casa, momento no qual o recorrente - facilmente destacável dos restantes em face da diferente cor do equipamento que usava - proferiu diversos insultos, mormente dizendo filho da puta, direccionados aos espectadores presentes, o que motivou uma forte agitação provinda da bancada e originou a necessidade de intervenção das forças policiais a fim de repor a paz pública. Mais salientou a necessidade de intervenção dos colegas do arguido na tentativa de o acalmar face ao estado de exaltação que no momento patenteava. Referenciando, ainda, que os intervenientes geradores da exaltação ocorrida foram presencialmente identificados no local pelo comandante da força policial presente.

A testemunha F. A., delegado ao jogo por parte da equipa visitada, reconheceu o ambiente problemático vivenciado no final do citado jogo, que envolveu troca de insultos entre adeptos e jogadores da equipa da casa, tendo estes reagido às provocações de que foram alvo. E, quando directamente questionado sobre a concreta actuação do recorrente, referiu que, nos momentos temporais que presenciou, nunca aquele proferiu qualquer insulto dirigido aos espectadores.

As testemunhas D. G. e C. G., prestaram depoimentos nitidamente comprometidos com a versão apresentada pelo recorrente, procurando através das respectivas declarações desculpabilizar as condutas daquele, em contraponto com o comportamento evidenciado pelos adeptos. Todavia, ambos reconhecerem que no final do citado jogo os ânimos estavam bastante exaltados, gerando uma confusão entre jogadores da equipa da casa e respectivos adeptos.

Mais se valorou de modo determinativo e conjugado o teor dos elementos documentais juntos aos autos, como sejam:

- auto de notícia de fls. 03 a 05;
- informação complementar de fls. 11;
- CRC de fls. 114.

Sendo ainda certo que não foi feita prova bastante que afaste a genuinidade dos documentos supra referidos, pelo que relativamente aos documentos não autênticos, o seu teor pode ser valorado livremente pelo Tribunal, conjugando os mesmos com a demais prova produzida e as regras de experiência. Afigurando-se-nos tais elementos decisivos para a apreciação da prática do ilícito em referência.

Isto posto, perante o âmbito da prova produzida em audiência de julgamento, importa realçar o juízo de prognose positivo que proveio ao Tribunal através da análise dos referidos elementos documentais e da prova testemunhal, cuja conjugação se mostrou suficiente para a comprovação em juízo da realidade verificada. Não olvidando que as testemunhas arroladas pelo recorrente prestaram depoimentos contraditórios, em pontos essenciais, com as próprias declarações daquele e evidenciaram um nítido comprometimento e um propósito de desculpabilizar a sua actuação. Na verdade, a ter por certa a versão apresentada em juízo pelas citadas testemunhas (a qual não tem correspondência com o relato do recorrente que admitiu ter proferido o referido insulto como interrogação), seriam certamente imperceptíveis as razões que motivaram o estado de agitação e exaltação patenteado pelos adeptos no final do jogo, entre o mais, direccionado contra o próprio recorrente.

A ser assim, afigura-se-nos seguro credibilizar, em substância, a versão apresentada pelo agente autuante, tanto mais que os restantes depoimentos não foram capazes de infirmar o relato apresentado, corroborante do teor do auto de notícia, nem mesmo suscitar qualquer dúvida insanável sobre a verdade material tida como assente.

Os elementos considerados provados e relativos aos elementos intelectual e volitivo do dolo concernente da conduta do recorrente foram considerados assentes a partir do conjunto de circunstâncias de facto dadas como provadas supra, já que o dolo é uma realidade que não é apreensível directamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum.
Por último, a situação económica do recorrente proveio do teor das suas declarações que, nesta parte, se revelaram credíveis.
Os factos não provados resultaram da insuficiência de prova a seu respeito ou de prova de circunstancialismo diverso, nos termos constantes da fundamentação que antecede.”.
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3. Posto isto, passemos, então, à análise das concretas questões suscitadas pelo arguido recorrente.
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3.1. Da nulidade da sentença recorrida, por manifesta contradição entre os fundamentos e a fundamentação, nos termos do Artº 410º, nº 2, al. b) (3), do C.P.Penal

De acordo com as conclusões do recorrente, insurge-se este contra a decisão recorrida, sustentando que a mesma padece de nulidade por manifesta contradição entre os fundamentos e a fundamentação, nos termos do Artº 410º, nº 2, al. b), do C.P.Penal.

Pois – diz – por um lado, o Tribunal considerou como provado que “Após o final do espectáculo desportivo constatou-se descontentamento por parte dos adeptos do X, que havia perdido o jogo, ouvindo-se algumas injúrias dirigidas aos atletas da equipa da casa, tais como “chulos”, “filhos da puta”, “vendidos”, e por outro lado, conclusivamente referencia que “ora, o descrito comportamento do recorrente, nas verificadas circunstâncias espácio-temporais configurou uma acção idónea e incentivadora de violência…”.

Vejamos, pois.

Sob a epígrafe “Fundamentos do recurso”, prescreve o Artº 410º, do C.P.Penal:
“(...)
2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
(...)”.

Como logo flui do transcrito preceito legal, neste âmbito dos vícios da decisão, não está em causa a possibilidade de se discutir a bondade do que se considerou provado ou não provado, a maior ou menor abundância de prova para sustentar um facto.
Com efeito, os vícios a que alude o Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal, pressupõem uma outra evidência na justa medida em que correspondem a deficiências na construção e estruturação da decisão e ou dos seus fundamentos, maxime na sua perspectiva interna (4).

Num apelo generalizado à doutrina e à jurisprudência é entendimento comum de que existe contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão quando se emitem duas proposições contraditórias, que não podem ser simultaneamente verdadeiras ou falsas.

Constituindo, ainda, pressuposto da prevalência do vício, como expressamente se estatui no normativo em causa, que o mesmo se apresente como insanável, irredutível, que não possa ser ultrapassado com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com o auxílio das regras da experiência.

Destarte, existirá contradição insanável da fundamentação, quando, de acordo com o raciocínio lógico, seja de concluir que essa fundamentação justifica uma decisão precisamente oposta ou quando, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se possa concluir que a decisão não fica esclarecida de forma suficiente, dada a colisão entre os invocados fundamentos.

No caso sub-judice, aponta o recorrente alguma contradição válida nos termos da decisão impugnada, seja com referência à fundamentação fáctico-jurídica ou entre esta e a decisão?

A resposta apenas pode ser negativa.

Efectivamente, e salvo o devido respeito, o arguido apenas traz à colação parte da factualidade que, digamos assim, lhe interessa esgrimir tendo em vista “construir” e sustentar o vício que invoca, olvidando toda a demais factualidade que a propósito pertinentemente se provou, à qual o tribunal a quo se ateve para concluir nos moldes em que conclui, ou seja, que “o descrito comportamento do recorrente, nas verificadas circunstâncias espácio temporais, configurou uma acção idónea e incentivadora de violência”.

Olvidando, também, a parte restante da argumentação do Mmº Juiz a quo, quando fundamentou essa sua conclusão, ao dizer que “os insultos por aquele proferidos e dirigidos aos espectadores no final de um jogo reconhecidamente “tenso”, são susceptíveis de gerar ou potenciar actos de violência que, no caso, não tomaram outras proporções em face da intervenção das forças policiais presentes no local. Note-se que, não obstante se admitir que o arguido possa ter agido num estado emocional e de exaltação, reagindo aos insultos provindos da bancada, o certo é que ao mesmo, enquanto interveniente no espectáculo desportivo, era exigível a assunção de comportamentos adequados e de um maior esforço e responsabilização na contenção de atos potencialmente geradores de violência.

A ser assim, ao arguido exigia-se uma atitude de neutralidade e auto-responsabilidade, e uma conduta socialmente adequada, por forma a garantir a segurança de todos os intervenientes e espectadores presentes no local. São, portanto, reconhecidamente acrescidas as exigências de quem, como o recorrente na qualidade de jogador, deve procurar evitar actos de provocação e que possam potenciar ou incitar à violência.”.

Perante o exposto, conclui-se que o Tribunal a quo explicou de forma coerente, lógica e objectivável o percurso que traçou para dar tais factos como provados e extrair a conclusão que extraiu, inexistindo a invocada contradição na fundamentação.

Apenas se indiciando que, eventual juízo de contradição subjacente ao normativo invocado mais não representaria, se bem se interpreta, do que a expressão do dissídio na leitura e interpretação da prova produzida efectuada pelo tribunal a quo.

Porém, como já se expressou, divergência não traduz, de per se, contradição segundo os pressupostos decorrentes da norma que previne tal vício da decisão.

Improcede, pois, a invocação do referido vício.
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3.2. Da nulidade da sentença recorrida, nos termos previstos nos Artºs. 379º e 374º, nº 2, do C.P.Penal, por insuficiência da matéria de facto provada, e por ausência de fundamentação quanto ao princípio da livre apreciação da prova

Neste segmento das suas conclusões sustenta o recorrente ser ostensiva a falta de fundamentação da sentença sub judice, não só pela insuficiência da matéria de facto provada, mas também pela ausência de fundamentação quanto ao princípio da livre apreciação da prova, o que a inquina de nulidade, nos termos previstos no artigo 379º e 374º, nº 2, do C.P.P., sendo que não se consegue alcançar o iter cognoscitivo no que se reporta a juízos conclusivos, tais como “As testemunhas D. G. e C. G. prestaram depoimentos nitidamente comprometidos com a versão apresentada pelo recorrente…”, “Não olvidando que as testemunhas arroladas pelo recorrente prestaram depoimentos contraditórios…”, “…são susceptíveis de gerar ou potenciar actos de violência que, no caso, não tomaram outras proporções em face da intervenção das forças policiais presentes no local”, não se logrando também perceber a concretização do exame crítico das provas, imprescindível ao cumprimento de dever de fundamentação. Que ocorre violação do princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127º do C.P.P., porquanto, na sentença “sub judice” aquilo a que se assiste é ao superlativar o auto de notícia em detrimento de toda a demais prova produzida, designadamente das regras de senso comum e normal experiência. Que a expressão, alegadamente, proferida e que foi dada como provada foi “filho da puta” e não filhos da puta!!! O que é, de facto, compatível com as declarações prestadas pelo arguido, aqui Recorrente, mas considerada não provada “Filho da puta? É para mim?”, o que foi feito sem qualquer fundamentação. E que tampouco o Tribunal a quo logrou fundamentação quanto às potenciais proporções e/ou agravamento de eventuais actos de violência, sendo que a inexistência de qualquer procedimento disciplinar, é inequívoco quanto à não verificação de qualquer comportamento por parte da equipa de arbitragem de relevo disciplinar, o que, e não obstante autonomia dos regimes, de acordo com as regras de experiencia não é crível nem credível que tal conduta, a ser como se pretende imputar ao arguido não tivesse sido objecto de procedimento e disciplinar sequente a relato da equipa de arbitragem que consabidamente é a última a abandonar área de competição.

Vejamos, pois.

Ao densificar a obrigatoriedade de fundamentação das decisões, que resulta do Artº 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, consagrou o legislador no Artº 374º, nº 2, do C.P.Penal, que a sentença deve conter "uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.".

Cominando, em obediência ao referido princípio, com a nulidade a ausência de fundamentação – cfr. Artº 379º, nº 1, al. a) do C.P.Penal.

A exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão deve ser completa mas tem que ser concisa, contendo e enunciação das provas que serviram para fundar a convicção alcançada pelo tribunal – o que não exige, relativamente à prova por declarações, a realização de assentadas tendo por objecto os depoimentos produzidos em audiência – bem como a análise crítica de tais provas.

Ora, esta análise crítica consiste na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizada na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram. Ou seja, o tribunal deve explicar os motivos que o levaram a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, e ainda na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efectuada.
Porém, e como vem sendo entendido pela jurisprudência, a lei não vai ao ponto de exigir uma fastidiosa e exaustiva fundamentação.

O que a lei determina é que não se pode abdicar de uma enunciação, ainda que sucinta mas suficiente, para persuadir os destinatários e garantir a transparência da decisão que o Estado de Direito Democrático exige.

Na verdade, exige-se hoje que a fundamentação do tribunal seja de molde a convencer quem, a posteriori, com base nela, tente reconstituir mentalmente o iter decisório do juiz. Ou seja, e dito de outro modo, é necessário que o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência comum, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção dos factos dados como provados e não provados.

Porém, há que sublinhar que o juiz do julgamento tem, por virtude da oralidade e da imediação, uma percepção própria do material probatório que o tribunal de recurso não tem.

Na verdade, não se pode olvidar que o juiz de julgamento tem contacto directo e imediato quer com o arguidos, quer com os ofendidos, quer com os assistentes, quer com as testemunhas e peritos, assistindo aos respectivos interrogatórios pelos diversos sujeitos processuais, e neles intervindo quando considerar necessário para a descoberta da verdade material, recolhendo uma série de impressões que não ficam registadas na acta, numa fase que não se repete.

Pelo contrário, a fase do recurso é uma fase dominada pelos princípios da escrita e da “gravação”, o que torna difícil avaliar com correcção da credibilidade de um depoimento em contraponto com outro diverso.

Entre dois depoimentos opostos, por qual optar?

Essa é, em princípio, uma decisão pessoal do juiz de julgamento, possibilitada pelos aludidos princípios da oralidade e da imediação, sendo certo que, como sublinha José Manuel Damião da Cunha, in “A estrutura dos recursos na proposta de Revisão do CPP - Algumas Considerações”, - Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 8º, fasc. 2, Abril/Junho 1998, pág. 259, tais princípios implicam que deva ser dada prevalência às decisões da primeira instância, tendo os tribunais de recurso a tarefa de sindicar e controlar a razoabilidade da sua opção, o bom uso ou não do princípio da livre convicção e apreciação da prova, com base precisamente na motivação constante da sentença.

Ora, no caso vertente, entendemos que o tribunal a quo deu cabal cumprimento a tais exigências.

Na verdade, na sentença recorrida o Tribunal enumerou os factos provados e não provados e motivou a sua convicção, expondo os motivos de facto, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção.

Pois, como bem sublinha o Ministério Púbico na sua resposta ao recurso, o tribunal a quo explicou que não foi feita prova bastante que afastasse a genuinidade dos documentos juntos aos autos, os quais conjugou com a demais prova produzida e as regras de experiência.

Ademais, e contrariamente ao que aduz o recorrente, o Mmº Juiz explicou cabalmente as razões pelas quais considerou os depoimentos das testemunhas por ele arroladas (D. G. e C. G.) nitidamente comprometidos, bastando atentar no seguinte trecho da fundamentação, que por si só responde às dúvidas do recorrente:

“Não olvidando que as testemunhas arroladas pelo recorrente prestaram depoimentos contraditórios, em pontos essenciais, com as próprias declarações daquele e evidenciaram um nítido comprometimento e um propósito de desculpabilizar a sua actuação. Na verdade, a ter por certa a versão apresentada em juízo pelas citadas testemunhas (a qual não tem correspondência com o relato do recorrente que admitiu ter proferido o referido insulto como interrogação), seriam certamente imperceptíveis as razões que motivaram o estado de agitação e exaltação patenteado pelos adeptos no final do jogo, entre o mais, direccionado contra o próprio recorrente.”.

Ora, como se disse anteriormente, a atribuição de credibilidade a um determinado meio de prova pelo julgador baseada numa opção assente na imediação e na oralidade, só poderá ser criticada pelo tribunal de recurso se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível em face das regras da experiência comum.

E isso, manifestamente, não sucede no caso dos autos.

Evidenciando a motivação da decisão sobe a matéria de facto uma descrição e análise aprofundada das declarações e dos depoimentos que foram acolhidos, bem como da prova documental produzida, tendo o tribunal explicado de forma clara, lógica e objectiva o seu raciocínio, justificando cabalmente as razões pelas quais considerou determinados depoimentos em detrimento de outros, fundamentando o princípio da livre apreciação da prova, ínsito no Artº 127º do C.P.Penal.
E não se diga que o tribunal a quo preteriu o depoimento da testemunha F. A., delegado ao jogo, por parte da equipa visitada. Pois, como resulta da respectiva fundamentação, esse depoimento foi devidamente valorado nos exactos termos em que foi prestado, tendo-se considerado que “A testemunha F. A., delegado ao jogo por parte da equipa visitada, reconheceu o ambiente problemático vivenciado no final do citado jogo, que envolveu troca de insultos entre adeptos e jogadores da equipa da casa, tendo estes reagido às provocações de que foram alvo. E, quando directamente questionado sobre a concreta actuação do recorrente, referiu que, nos momentos temporais que presenciou, nunca aquele proferiu qualquer insulto dirigido aos espectadores.” (sublinhado nosso).

Sendo também totalmente inconsistente a conclusão 12ª do seu recurso, quando o arguido afirma que “a inexistência de qualquer procedimento disciplinar, é inequívoco quanto à não verificação de qualquer comportamento por parte da equipa de arbitragem de relevo disciplinar, o que, e não obstante autonomia dos regimes, de acordo com as regras de experiência não é crível nem credível que tal conduta, a ser como se pretende imputar ao arguido não tivesse sido objecto de procedimento e disciplinar sequente a relato da equipa de arbitragem que consabidamente é a última a abandonar área de competição.”: quer porque se desconhece se, efectivamente, existiu, ou não o dito procedimento disciplinar, nada evidenciando os autos a esse propósito; quer porque se trata de realidades distintas: uma coisa é a responsabilidade disciplinar; outra, bem diferente, é responsabilidade contra-ordenacional.

Seja como for, isto é, mesmo que a asserção do recorrente corresponda à realidade, tal não teria a virtualidade de, minimamente, infirmar ou colocar em causa a decisão do tribunal acerca da matéria de facto, ou seja, tal não significa que os factos não se passaram nos exactos termos que o tribunal deu como provados, não se vislumbrando, também, que ocorra insuficiência da matéria de facto provada.

Não havendo dúvidas de que o recorrente percebeu perfeitamente a decisão sobre a matéria de facto e os motivos pelos quais o tribunal a quo a tomou, só que, como é seu direito, não concorda com a decisão tomada.

Mas daí a assacar à decisão recorrida o vício que invocou tal constitui, na nossa perspectiva, uma crítica totalmente imerecida.

Tanto basta para se concluir, como se conclui, pela improcedência da invocada nulidade, não se vislumbrando que tenha sido violada qualquer das normas legais a propósito invocadas pelo recorrente.
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3.3. Da violação do princípio in dubio pro reo

Mas, como se viu, sustenta também o recorrente que, ao decidir como decidiu, violou o tribunal a quo o princípio in dubio pro reo.

Salvo o devido respeito, nenhuma razão lhe assiste.

O princípio in dubio pro reo (5) funda-se constitucionalmente no princípio da presunção de inocência até ao trânsito em julgado da sentença (Artº 32º, nº 2, da CRP), impondo ao tribunal que, em situações de dúvida quanto à ocorrência de determinado(s) facto(s) daí deva retirar a consequência jurídica que mais beneficie o arguido.

Porém, como se afigura evidente, o princípio in dubio pro reo não se traduz em dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos, como sucede no caso sub-judice com o arguido recorrente. É, antes, uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.

O que não significa, obviamente, que tendo havido versões diferentes ou até contraditórias sobre determinados factos, o arguido deva ser absolvido em homenagem a tal princípio.

Na verdade, a violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma manifesta e evidente, que o tribunal, numa situação de dúvida, decidiu contra o arguido.

Ora, no caso sub-judice, não se vislumbra na sentença recorrida, quer na matéria de facto dada como provada, quer na respectiva fundamentação, que, ao fazer esta opção fáctica, o tribunal a quo tenha tido qualquer hesitação quanto à valoração da prova, tal como não fixou qualquer facto que pudesse colocar em causa a autoria de tais factos.

Nenhuma violação ocorre, pois, de tais princípios, maxime da norma constante do Artº 32º da Constituição da República Portuguesa.

Nestas circunstâncias, soçobra também o recurso nesta parte.
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3.4. Da aplicabilidade de uma sanção de admoestação, nos termos do disposto no Artº 51º, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, e da (pretensa) nulidade por falta de fundamentação, nos termos previstos no art. 379.º, n.º 1, al. a), do C.P.Penal, a opção sem mais, pela não substituição da coima aplicada

Nesta vertente argumenta o arguido que, tendo sido dado como provado que o mesmo não possui antecedentes criminais, nem registo de anterior prática de infracção disciplinar e/ou contra-ordenacional, que o recorrente dedica-se à prática desportiva sem qualquer vínculo profissional, auferindo cerca de € 400,00 em prémios de jogo, e que exerce a actividade profissional de chefe de equipa de telecomunicações, auferindo o equivalente ao salário mínimo nacional, sempre seria de aplicar uma sanção de admoestação prevista no Artº 51 do RGCO, configurando nulidade por falta de fundamentação, nos termos previstos no Artº 379º, nº 1, al. a) do C.P.Penal, a opção sem mais, pela não substituição da coima aplicada, sendo certo que, in casu, a aplicação de tal sanção não colocaria em causa as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, e não feriria inapelavelmente o sentimento jurídico da comunidade, sendo a pena de admoestação suficiente e adequada para que o arguido interiorize e se consciencialize da necessidade de não mais se dirigir aos espectadores, seja em que circunstância seja.

Vejamos.

Sob a epígrafe “Admoestação”, dispõe o Artº 51º do RGCO:

“1 - Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.
2 - A admoestação é proferida por escrito, não podendo o facto voltar a ser apreciado como contra-ordenação.”.

Tem sido entendido que, pese embora a inserção sistemática do preceito em causa no Capítulo III, do RGCO - “Da aplicação da coima pelas autoridades administrativas”, é de entender que a referência a “entidade competente”, usada na redacção do referido normativo, leva a que a admoestação possa ser aplicada, quer na fase administrativa, quer na fase judicial, ou seja, na fase de recurso judicial da decisão administrativa.

Como se alcança da simples leitura do transcrito preceito legal, são claros os requisitos impostos para a aplicação de uma admoestação:

- Reduzida gravidade da infracção; e
- Reduzida culpa do agente.

Como referem Simas Santos e Lopes de Sousa (in Contraordenações – Anotações ao Regime Geral, 2ª edição, Vislis Editores, págs. 316 e ss), “Nos termos deste artigo, nos casos de reduzida gravidade da contraordenação, a autoridade administrativa pode proferir uma admoestação em vez da coima e sanções acessórias abstractamente aplicáveis às contra-ordenações, se a culpa do agente o justificar. Esta possibilidade de proferir admoestação está, assim, reservada para as contra-ordenações de reduzido grau de ilicitude, pelo que será de afastar aquelas a que são potencialmente aplicáveis sanções acessórias...Por outro lado, se houver uma qualificação legal de contra-ordenações em função da sua gravidade, deverão considerar-se de reduzida gravidade nos casos em que a lei as qualifique como leves ou simples...Em coerência com esta opção legislativa, a possibilidade de ser proferida admoestação deverá ser afastada nos casos em que o agente retirou um benefício económico da prática da contraordenação.”.

No caso vertente, estarão verificados os aludidos dos pressupostos, que permitam aplicar ao arguido a medida em causa, de admoestação?

A resposta é claramente negativa.

Na verdade, não decorre minimamente da factualidade dada como provada que, por um lado, seja de reduzida gravidade a infracção cometida pelo arguido, e, por outro lado, que este tenha agido com culpa reduzida.

Com efeito, como resultou assente da discussão da causa, naquele dia 18 de Janeiro de 2015, no final do mencionado jogo de futebol, o recorrente, guarda-redes da equipa da casa, perante o descontentamento evidenciado por parte de determinados adeptos, enquanto se deslocava para o balneário, dirigiu determinados impropérios para a bancada, junto ao limite do terreno de jogo, dizendo, entre o mais “filho da puta”.

Ora, como bem sustenta o Ministério Público, “ao ora recorrente, como agente desportivo na qualidade de jogador, exigia-se uma atitude de neutralidade, auto-responsabilidade e uma conduta socialmente adequada, por forma a garantir a segurança de todos os intervenientes e espectadores presentes no local.

Nos presentes autos, resultou como provado que o recorrente sabia de antemão que se tratava de um espectáculo desportivo com algum fervor, uma vez que o resultado do jogo era decisivo para a equipa adversária subir de divisão e actuou com conhecimento da sua condição de agente desportivo, bem sabendo que a sua conduta era ilícita e, ainda assim, não obviou às consequências da mesma, conformando-se com a situação descrita, potenciadora de um clima de animosidade e hostilidade, geradora de violência, o que é contrário aos princípios éticos inerentes à prática desportiva.

Assim, sendo acrescidas ao ora recorrente, enquanto jogador, as exigências de procurar evitar actos de provocação e que possam potenciar ou incitar à violência, a ilicitude da sua conduta mostra-se elevada (…).

Por outro lado, são extremamente elevadas e prementes as exigências de prevenção geral que no presente caso se fazem sentir, sendo abundantes as notícias que praticamente todos os dias nos chegam pelos mais variados canais noticiosos acerca desta temática (6), o que levou até o actual governo a criar, através do Decreto Regulamentar nº 10/2018, de 3 de Outubro, a designada “Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto”, entidade essa que, como se refere no respectivo preâmbulo, visa assegurar, em articulação com as forças de segurança e com a Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial, a fiscalização e prevenção do cumprimento do regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos, previsto na Lei nº 39/2009, de 30 de Julho, na sua redacção actual, assumindo as atribuições que até agora eram cometidas ao Instituto Português do Desporto e Juventude, I. P..

Bem andou, pois, o tribunal a quo em afastar a aplicação da medida em causa, preconizada pelo arguido.

E não se invoque nova nulidade por falta de fundamentação, nos termos previstos no Artº 379º, nº 1, al. a) do C.P.P., como o faz o recorrente quando aduz que o tribunal a quo optou, sem mais, pela não substituição da coima aplicada pela medida de admoestação.

Pois, salvo o devido respeito, bastaria ler a parte final da sentença recorrida para constatar que a opção em causa está ali devidamente justificada:

“De outro modo, importará salientar, que por razões de prevenção geral que o caso merece - que se afiguram elevadas, atenta a natureza da infracção cometida e a qualidade do interveniente - não é possível efectuar um juízo de prognose compatível com a dispensa de pena ou a sua substituição por uma mera admoestação.”.

Soçobra, pois, o recurso do arguido, nesta parte, não se verificando a arguida nulidade.
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3.5. Da atenuação especial da sanção

Neste segmento do seu recuso preconiza o arguido que, a haver qualquer condenação, e uma vez que não se alcança sequer o iter percorrido para a medida concreta da pena, ou seja, a aplicação da coima de € 1.650.00, e não qualquer outra, sempre a sanção deveria ser especialmente atenuada, desde logo pelo que resulta do seu registo criminal e ausência de qualquer registo contra-ordenacional, e bem assim pelo facto de o Recorrente ser um agente que se dedica à prática desportiva ser carácter de exclusividade, sem qualquer vinculo profissional.

Que dizer desta pretensão do arguido?

Há que referir, desde logo, que o RGCO não prevê especificamente a atenuação especial da coima, muito embora a ele se refira em várias disposições legais, v.g., nos Artºs. 9º, nº 2, 13º, nº 2, 16º, nº 3 e 18º, nº 3.

Por outro lado, a Lei nº 39/2013, de 30 de Julho, que estabelece o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança, também não prevê expressamente a atenuação especial das coimas aplicáveis às sanções ali estabelecidas.

Assim sendo, a questão da atenuação especial da coima tem de ser tratada em consonância com o disposto no Artº 72º do Código Penal, ex vi Artº 32º do RGCO (7).

Ora, de acordo com o Artº 72º, nº 1, do Código Penal, o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.

Elencando o nº 2 do aludido precito legal algumas das circunstâncias que podem ser consideradas para o efeito, a saber:

a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;
b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;
c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;
d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.

Como assinala o Prof. Figueiredo Dias (8), a ideia que subjaz ao princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências da prevenção.

Sublinhando o mesmo Autor que a atenuação especial resultante da acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção corresponde a uma válvula de segurança do sistema que só pode ter lugar em casos extraordinários ou excepcionais em que a imagem global do facto resultante da actuação da(s) atenuante(s) se apresenta com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.

E que para a generalidade dos casos, ou seja, para os casos “normais”, lá estão as molduras penais normais com os seus limites máximo e mínimo próprios.

Ora, transpondo para o caso vertente as normas e princípios jurídicos supra sumariamente enunciando, temos de concluir não se mostrarem minimamente verificados os aludidos requisitos.

Na verdade, o que releva para a aplicação deste instituto são, como se viu, as circunstâncias que demonstrem uma acentuada diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena, e não propriamente as previstas no Artº 18º, nº 1, do RGCO e/ou do Artº 41º da Lei nº 52/2013, de 25 de Julho.

Com efeito, as circunstâncias trazidas à colação pelo arguido, ou seja, o facto de ser primário e de se dedicar à prática desportiva sem carácter de exclusividade, sem qualquer vínculo profissional, são factores a ponderar na determinação da medida concreta da coima, podendo também relevar para tal efeito.

Porém, a determinação da medida concreta da coima pressupõe uma operação prévia, a da determinação da moldura legal abstracta aplicável e aqui se inclui a própria atenuação especial da punição quando a ela houver lugar.

Ora, repete-se, para a aplicação da atenuação especial da pena o que releva são as circunstâncias que demonstrem uma acentuada diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena.

E, no caso vertente, não se vislumbra, com suporte nos factos provados, uma “imagem global especialmente atenuada do facto” que nos permita aplicar a pretendida atenuação especial da pena, sendo certo que, como também já se explanou anteriormente, são muito acentuadas as necessidades de prevenção geral que se fazem sentir relativamente a este tipo de infracções.

Assim sendo, deverá afastar-se esta pretensão do arguido, tal como sucedeu na sentença recorrida, na qual o tribunal a quo explicou suficientemente o iter percorrido para a determinação concreta da pena, tendo apelado expressamente aos critérios que sobre a matéria se contêm no Artº 18º do RGCO, como suficientemente explicou as razões que o levaram a afastar a atenuação especial da coima, nos termos pretendidos pelo recorrente, apenas nos restando remeter para essa fundamentação, que se subscreve:

“No mais, atendendo aos critérios legais fixados no art. 18.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, em respeito à determinação da coima, à comprovada actuação dolosa do recorrente, à gravidade da infracção e, sobretudo, ao grau de culpa destilado no evento perpetrado, temos por certo que inexistem quaisquer factores que diminuam de forma acentuada a ilicitude da conduta ou a necessidade de coima e que levem o Tribunal a optar por atenuar especialmente a coima aplicada pela autoridade administrativa.”.

Uma nota final para dizer que, se há algo que pode ser assacado à decisão administrativa que aplicou a coima concreta no montante de € 1.650,00, é que a mesma primou pela benevolência, já que foi fixada praticamente no seu limite mínimo. Pois que, como facilmente se extai da conjugação dos Artºs. 39º, nº 1, al. d), e 40º, nºs. 3 e 7, da Lei nº 39/2013, de 30 de Julho, a infracção cometida pelo arguido recorrente é abstractamente punida com coima de € 1.500,00 a € 20.000,00.

Pelo que, sem necessidade de outras considerações, soçobra, também, esta questão recursória.
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Assim, sem necessidade de outras considerações, por despiciendas, nenhuma censura nos merece a sentença recorrida, que se confirma, improcedendo in totum o presente recurso.

III. DISPOSITIVO

Por tudo o exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido L. J., confirmando-se, consequentemente, a sentença recorrida.

Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça (Artºs. 513º e 514º do C.P.Penal, 94º, nº 3, do RGCC, 1º, 2º, 3º, 8º, nº 9, do Reg. Custas Processuais, e Tabela III anexa ao mesmo).

(Acórdão elaborado pelo relator, e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos - Artº 94º, nº 2, do C.P.Penal)
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Guimarães, 25 de Fevereiro de 2019

(António Teixeira)
(Nazaré Saraiva)

1. Todas as transcrições a seguir efectuadas estão em conformidade com o texto original, ressalvando-se a correcção de erros ou lapsos de escrita manifestos, da formatação do texto e da ortografia utilizada, da responsabilidade do relator.
2. Cfr., neste sentido, Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, 3ª Edição, pág. 347, e o Acórdão de fixação de jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação obrigatória que ainda hoje mantém actualidade.
3. Haverá aqui manifesto lapso do recorrente quando faz alusão à alínea c), que diz respeito ao “erro notório na apreciação da prova”, sendo certo que “a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão” está prevista no alínea b), do nº 1, do Atº 410º, do C.P.Penal.
4. Como impressivamente refere o Exmo. Sr. Cons. Pereira Madeira, in “Código de Processo Penal Comentado”, Almedina, 2016, 2ª Edição Revista, págs. 1272/1273, porque aqui se trata (na detecção dos vícios do Artº 410º, do C.P.Penal), essencialmente, de uma tarefa de direito, os tribunais superiores procedem oficiosamente a essa indagação de vícios na matéria de facto, provada e não provada, atendo-se imperativamente, apenas e só, ao teor do texto da decisão recorrida e, se necessário, também às regras da experiência comum, nunca a outro tipo de provas.
5. Como refere Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português”, Universidade Católica Editora, Volume I, 2ª Edição, 2017, págs. 96/97, “A presunção de inocência é identificada por muitos autores com o princípio in dubio pro reo, no sentido de que um non liquiet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido. Este princípio denomina-se também «benefício de dúvida» e significa que o arguido tem o direito de ser absolvido, a ser declarado inocente (direito à inocência), se não for feita prova plena da sua culpabilidade (...). A dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado todo o esforço para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado já que a condenação significaria a admissão da responsabilidade sem prova, fruto do azar do arguido que por qualquer razão se viu suspeito da prática de um crime, em que o tribunal tenha logrado provar a sua culpabilidade (...). Em rigor, o princípio in dubio pro reo é simplesmente um princípio lógico de prova. Se o tribunal não lograr a prova dos factos que constituem o objecto do processo deve considerar a acusação não provada e como consequência lógica não aplicar qualquer sanção ao arguido porque falta o necessário pressuposto, ou seja, que a acusação é fundada (...).
6. Da violência, do racismo, da xenofobia e da intolerância nos espectáculos desportivos
7. Cfr., neste sentido, entre outros, o Acórdão da Relação do Porto, de 17/09/2014, proferido no âmbito do Proc. nº 656/13.4TBPNF.P2, in www.dgsi.pt
8.In “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, 3ª Reimpressão, págs. 302/307.