Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3470/14.6TBLRA-A.G1
Relator: PAULO REIS
Descritores: AÇÃO DE ALTERAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
REENVIO PREJUDICIAL
AUDIÇÃO DA CRIANÇA
JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
REGIME DE CONVÍVIOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/30/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE (RECURSO PRINCIPAL DA REQUERIDA)
APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE (RECURSO PRINCIPAL DO REQUERENTE)
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A competência do TJUE para decidir a título prejudicial implica, necessariamente, a verificação de dois requisitos essenciais: que, em processo pendente perante um órgão jurisdicional de um Estado-Membro se suscite uma questão respeitante à interpretação dos Tratados ou à aferição da validade e interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União; que o órgão jurisdicional nacional entenda que tal questão é necessária ao julgamento da causa.
II - Não se verificam os pressupostos para o recurso ao mecanismo do reenvio prejudicial se a fundamentação da decisão assentou de forma direta na análise e ponderação de normas legislativas internas do Estado Português, sendo que a apelante apenas suscita, de forma expressa, a questão da interpretação ou validade das normas dos arts. 4.º, n.º 1, al. c), e 5.º do RGPTC, as quais configuram disposições de direito interno.
III - A avaliação das condições em que se processa a audição da criança em processo tutelar cível de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais deve ser sempre feita casuisticamente, em função da idade e maturidade da criança, bem como do seu estado psicológico e da situação concreta vivenciada pela criança e pelos progenitores, no âmbito das competências que a lei atribui ao juiz e dentro dos parâmetros previstos no artigo 5.º do RGPTC.
IV - O artigo 5.º do RGPTC, ao reafirmar, no seu n.º 1, o direito da criança a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse impõe ao julgador a valoração efetiva das declarações prestadas pela criança, ainda que atendendo, em conjunto, a todos os fatores relevantes que são determinantes na prossecução do seu superior interesse, não esquecendo a ponderação crítica da opinião revelada pela criança em função da sua idade, da maturidade revelada, bem como da relevância dos motivos ou das razões apresentadas pela criança na exposição das preferências ou opiniões manifestadas.
V - Cabe ao julgador refletir e valorar criticamente a vontade expressamente transmitida pela criança através da respetiva audição, tendo como limite e critério orientador a prossecução de outros direitos ou princípios essenciais, entre os quais o do superior interesse da criança, o qual pode não coincidir integralmente com a opinião manifestada.
VI - Não podem ser definidos critérios rígidos para definir com quem a criança deverá residir habitualmente, antes se decidindo em cada caso, conforme for adequado, correto e melhor corresponder às suas necessidades, sempre de harmonia com o seu superior interesse, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente, a capacidade revelada pelos progenitores para prover à satisfação das necessidades básicas de subsistência, proteção, aprovação, ensino, estimulação e afeto, consistentes e apropriados ao interesse da criança, bem como a disponibilidade revelada por cada um dos progenitores para promover relações habituais do filho com o outro.
VII - O recurso à providência tutelar cível de alteração do regime do exercício das responsabilidades parentais pressupõe o incumprimento por ambos os pais do acordo ou decisão final atinente ao regime da regulação do exercício das responsabilidades parentais ou a ocorrência de circunstâncias de facto supervenientes que justifiquem essa alteração.
VIII - Resultando dos factos dados como provados que a progenitora não só tem revelado incapacidade para prover à satisfação das necessidades básicas de subsistência, proteção, aprovação, ensino, e estimulação consistentes e apropriados ao interesse da sua filha, incumprindo com as medidas de promoção e proteção aplicadas em benefício da criança no correspondente processo, as quais oportunamente subscreveu, verifica-se uma relevante alteração superveniente das circunstâncias, com reflexo na segurança, saúde, educação, bem-estar, equilíbrio emocional e desenvolvimento integral da criança, justificativa da fixação da residência habitual da criança junto do pai.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

N. M. instaurou providência tutelar cível contra P. C., por apenso ao processo de Regulação das Responsabilidades Parentais, n.º 3470/14.6TBLRA do Juízo de Competência Genérica de Vila Pouca de Aguiar, visando a alteração do regime da regulação das responsabilidades parentais anteriormente acordado e estabelecido relativamente à filha menor de ambos, C. C., nascida a ..-09-2011.
Pede a alteração do regime relativo à regulação das responsabilidades parentais no sentido de a criança ficar entregue ao pai, exercendo este total e unicamente as responsabilidades parentais da criança, ficando a mãe com visitas, nos termos que o pai tinha à data do pedido de alteração, assim como o regime de férias e dias festivos.
Alega, no essencial, que a filha está em situação de perigo junto da mãe, e que esta não lhe consegue atribuir estabilidade, organização, controlo, o que motivou a intervenção da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ), a qual deliberou remeter o processo aos Serviços do Ministério Publico de Vila Pouca de Aguiar, por incumprimento reiterado do acordo de promoção e proteção oportunamente homologado em sede de CPCJ, necessitando de intervenção e apoio familiar estruturantes, que o requerente alega poder facultar à criança.
A requerida foi citada para alegar, nos termos do artigo 42.º, n.º 3, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro (RGPTC), e veio apresentar alegações, defendendo a improcedência da pretensão deduzida.
Foi realizada conferência de pais, após o que teve lugar audição técnica especializada junto da competente equipa da Segurança Social, pelo período de dois meses.
Designada data para continuação da conferência de pais, não foi possível obter o acordo dos progenitores quanto à alteração suscitada.
Foram solicitados relatórios/informações sociais no sentido de determinar as condições de cada um dos progenitores e respetivos agregados familiares, entretanto juntos aos autos.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, na qual compareceram e foram ouvidos requerente e requerida, tendo ainda sido inquiridas testemunhas que foram arroladas. Na mesma sessão foi ouvida em declarações a criança, C. C., a qual se foi acompanhada nessa diligência pelo técnico nomeado para o efeito, o psicólogo, Dr. V. M..

Encerrada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, a qual se transcreve na parte dispositiva:
«(…)
Pelo supra exposto, julga-se a vertente ação de alteração do exercício das responsabilidades parentais totalmente procedente e, consequentemente, decide-se:
A) Atribuir aos progenitores N. M. e P. C. o exercício das responsabilidades parentais referentes às questões de particular importância para a vida da criança C. C.;
B) Atribuir ao progenitor N. M. a guarda/residência da criança C. C., bem como o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente da mesma;
C) Fixa-se o seguinte regime de convívio da progenitora P. C. com referência à sua filha C. C.:
1) A mãe poderá contactar com a criança via telefone, telemóvel ou skype, ou qualquer outro meio de comunicação à distância com imagem;
2) A mãe poderá ter a filha consigo todos os fins-de-semana, a partir das 21 horas de sexta-feira e até às 18 horas de domingo;
3) O local de entrega da C. C. à mãe ocorrerá em casa da mesma.
4) A C. C. passará com a mãe metade das respetivas férias escolares: Natal, Páscoa e Verão.
D) A progenitora P. C. contribuirá com a quantia mensal de 100,00€ (cem euros) a título de prestação de alimentos referente à sua filha C. C., que será atualizada, anualmente, em função dos índices dos preços ao consumidor, a publicar pelo INE, sendo que a quantia deverá ser depositada em instituição bancária a indicar pelo progenitor, ou enviada por cheque ou vale postal, até ao dia 10 de cada mês.
Custas imputadas à Requerida, sem prejuízo do apoio judiciário, fixando-se o valor da acção em 30.000,01€ (art.º 11.º do Regulamento das Custas Processuais e art.º 312.º/1 do Código de Processo Civil).
*
Registe e notifique».

A requerida/progenitora veio, então, interpor recurso da sentença proferida, pugnando no sentido de ser revogada e substituída por outra que julgue o pedido de alteração improcedente.

Terminou as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«I) A decisão em crise proferida pelo Tribunal de 1ª Instância padece do vício de nulidade por contradição da fundamentação com a decisão (art. 615º, nº1, al. c), do Cód. Proc. Civil),
II) Igualmente padece de vício de erro de julgamento, porquanto a mesma não ajuizou correctamente o caso vertente – não fazendo a devida avaliação da matéria de facto – uma vez que não avaliou correctamente todos os meios probatórios produzidos nos autos, bem como, ainda, não fez a adequada interpretação e aplicação dos preceitos legais aplicáveis ao caso sub judice;
III) Face à natureza dos presentes autos - Jurisdição Voluntária - o âmbito do presente recurso, não se apresenta limitado à fundamentação e às conclusões da Recorrente, pelo que, ao Tribunal ad quem cabe a obrigação de suprir as deficiências existentes na decisão em crise que violam o superior interesse da menor C. C.;
IV) Da análise da fundamentação da sentença recorrida constata-se que a mesma padece do vício de nulidade por se encontrar em manifesta contradição com a decisão, atento o preceituado no art. 615º, nº 1, al. c), do CPC, uma vez que os fundamentos invocados pelo Meritíssimo Juiz do tribunal a quo deveria, necessariamente, ter conduzido não ao resultado expresso na decisão (fixação da residência da C. C. com o progenitor), mas sim a um resultado oposto (manutenção da residência da C. C. com a progenitora), pois as premissas de facto e de direito que o Tribunal de 1ª Instância teve por apuradas, obrigatoriamente levariam a essa mesma decisão;
V) O Tribunal a quo, ao longo dos cerca de 2 (dois) anos que os autos se arrastaram até prolação da decisão em crise, teve o completo e exaustivo conhecimento da conduta do Requerente que desde o primeiro momento secundarizou a filha C. C., colocando os seus próprios interesses e caprichos pessoais em primeiro plano, tudo fazendo para a desenraizar a filha C. C. do seu "mundo", das rotinas e das relações de amizade que mantinha, tão só, com o único e exclusivo propósito de afastar a menor da progenitora mãe e restantes familiares maternos, os quais, ao longo de todo esse tempo, com elevados prejuízos pessoais e financeiros, tudo fizeram para compensar a menor C. C. do desgaste a que tem vindo a ser sujeita devido ao refinado egoísmo do seu progenitor;
VI) Dado que a decisão se apresenta em contradição com a respectiva fundamentação, a sentença em crise apresenta-se nula, nos termos do art. 615º, nº 1, al. c), do CPC, devendo, desde já, tal nulidade ser conhecida;
VII) O Tribunal a quo, não efectuou, convenientemente, o exame crítico das provas, assim violando o estatuído no art. 607º, nº 3, do Cód. Proc. Civil;
VIII) Na fundamentação relativa aos factos provados, não foram incluídas as expressas declarações prestadas pela Menor C. C. em sede de audiência de julgamento, (registo áudio da audiência de julgamento de 15-04-2021, com início 10.03:18` e fim 10.38:44`) na qual a menor C. C. expressamente declara ao Meritíssimo Juiz que:
“(…) gosta muito da mãe, gosta muito de viver com a mãe e que quer muito manter-se em Vila Pouca de Aguiar, pois aí estão todos os seus amigos (…)”,fazendo referência também aos seus gatos, aos quais está muito ligada.
IX) Para além disso, tem uma relação de afetividade com a irmã A. C., que importa preservar.
X) Como consta, ainda, do registo integral das declarações prestadas pela menor C. C., a instância do Meritíssimo Juiz, a mesma Menor, de modo calmo, sem qualquer tipo de constrangimentos ou reserva, em momento algum exprimiu de forma espontânea a sua expressa e convicta vontade de querer viver com o progenitor pai na cidade de Leiria;
XI) A menor C. C. foi negativamente pressionada pelo Requerente/progenitor, que deliberadamente condicionou a vontade da mesma aquando da sua avaliação pela mesma Perita.
XII) Tendo-se presente quer as declarações da menor C. C. no dia 15-04-2021 perante o Meritíssimo Juiz, quer o que consta do relatório pericial, ressalta claro que a criança revelou encontrar-se sujeita uma pressão psicológica efectuada em resultado do seu progenitor não aceitar a sua pretensão de se manter em Vila Pouca de Aguiar onde, de resto, estabeleceu laços de convívio na sua comunidade escolar e familiar;
XIII) Da apreciação de todos os sobreditos depoimentos resulta que o Tribunal a quo deveria ter considerado a desajustada vivência que a menor C. C. foi sujeita, em razão das exclusivas e interesseiras decisões do Requerente, o qual em momento algum ponderou no superior interesse da sua filha, expondo a C. C. a um elevado desgaste, o qual condiciona o seu normal crescimento físico e intelectual, pois vive permanente triste, retraída e angustiada, com o intuito de não contrariar os adultos e, muito em particularmente, o seu progenitor que a pressiona de forma sistemática e reiterada, o que é corroborado pelo Relatório de Psiquiatria de 06.05.2020, segundo o qual “(…) contribuirá para um aumento da instabilidade psicomotora nos dias seguintes ao regresso da casa do pai(…)”.
XIV) Desses mesmos sobreditos depoimentos tornou-se possível avaliar do quanto a especial relação afectiva que a menor C. C. nutre pela progenitora mãe, bem como pelos seus avós maternos.
XV) Os sobreditos depoimentos provam todos os sacrifícios e privações (pessoais e financeiros) que a Progenitora Mãe e seus familiares mais próximos têm vindo a fazer ao longo destes 6 (seis) anos no sentido de amenizar e compensar a menor C. C. do desgaste e das carências afectivas a que veio a ser sujeita em resultado do egoísmo do Requerente/progenitor que em momento algum colocou os interesses da sua filha C. C. à frente do seus próprios, apenas com o intuito de afastar a Menor da sua progenitora Mãe e dos seus familiares paternos;
XVI) Os sacrifícios e privações que os sobreditos familiares têm vindo a fazer, a não haver alteração da decisão recorrida, o que não se admite nem se consente, terão que, penosa e injustamente, e nesse mesmo sentido, continuar a fazer tais sacrifícios e privações, para assegurar a convivência que a menor C. C., junto dos seus, necessita e reclama, conforme exaustivamente ficou provado;
XVII) Os concretos factos em apreço nos autos, que foram, de modo claro e abundante, relatados pelas sobreditas testemunhas, e pela própria menor C. C., com o devido respeito, não foram valorados pelo Tribunal a quo;
XVIII) Tem-se que a decisão em crise não atende, como devia, quer à manifesta, intensa e clara vontade da menor C. C. em manter-se na sua comunidade, em Vila Pouca de Aguiar, quer ao próprio padecimento da mesma, por seu turno, resultante quer da não satisfação da sua legítima vontade, quer, ainda, das constantes pressões psicológicas que tem vindo a ser vítima por parte do seu progenitor.
XIX) Mal andou o Tribunal a quo quando decide, do modo que o faz, sem ter valorado, como se impunha, a expressa, legítima e soberana vontade da Menor C. C., razão pela qual deverá ser alterada a matéria de facto dado como provada, devendo passar a constar que a mesma Menor, nas suas declarações prestadas na audiência de julgamento de 15-04-2021, a instância do Meritíssimo Juiz, sem qualquer tipo de constrangimento ou reserva, exprime de forma calma e espontânea a sua expressa e convicta vontade de querer viver com a progenitora mãe em Vila Pouca de Aguiar;
XX) O Tribunal ad quem, face ao notório erro de julgamento, deverá reapreciar a prova testemunhal e, ainda, a prova documental, junta aos autos, nomeadamente o relatório pericial de psiquiatria complementar junto aos autos de 06.05.2020, pelo que levará o Venerando Tribunal ad quem, a decidir-se, em conformidade, e nesse sentido, julgando-se que o superior interesse da menor C. C. ficará devidamente acautelado e, consequentemente, e no prosseguimento da sua própria e legítima vontade, ordenando-se que a Menor permaneça em Vila Pouca de Aguiar, local onde viveu nos últimos anos, e no qual tem sedimentados todos os seus laços familiares e de amizade, assim, ficando entregue à guarda e cuidados da sua progenitora mãe.
XXI) O Requerente/progenitor, conforme consta dos autos, lamentavelmente nunca fez ou fará qualquer sacrifício a favor e no sentido de ir ao encontro do superior interesse da sua filha menor, de 9 anos.
XXII) Nos dias de hoje reclama-se por uma cultura própria da Criança enquanto sujeito de direitos, em detrimento de uma arcaica cultura de “posse” dos Progenitores.
XXIII) Como é consabido, o princípio da audição da Criança traduz-se na concretização do direito à palavra e à expressão da sua própria vontade, como seja e neste particular, trata-se do seu direito à participação activa nos processos que lhe digam respeito, sendo este o caminho necessário para afirmar a Criança enquanto sujeito de direitos.
XXIV) A este propósito atente-se nos existentes e vários normativos, nomeadamente, art. 12º da Convenção Sobre os Direitos da Criança, das Nações Unidas de 1989, art. 3º da Convenção Europeia Sobre o Exercício dos Direitos das Crianças, art. 41º do Regulamento CE 2201/03, bem como a nossa Jurisprudência dominante e abundante, nomeadamente: Acórdão de 19-06-2012 (P.1516/06.0TMPRT-2.P1) – Rel. Vieira e Cunha e, ainda, Acórdão da Relação de Lisboa de 17-11-2011 - Relatora Senhora Juiz Desembargadora Carla Mendes:
" I - O direito de audição traduz uma das manifestações do interesse superior da criança, factor primordial na definição do seu estatuto.
II - Nas acções de alteração de regulação do poder paternal, cujas questões e decisões, afectam substancialmente a vida da criança/menor, este deve ser ouvido.
III - Devem ser tomadas em consideração pelo Tribunal as opiniões da criança/menor, atenta a sua idade e maturidade, nas questões que afectam substancialmente a sua vida".;
XXV) Atente-se que a "tomada de opiniões da Menor", referida abundantemente na nossa Doutrina e Jurisprudência, nunca deverá ser tida como uma mera questão formal mas, ao invés, tal tomada de opiniões deverá constituir um acto essencialmente material, ou seja, o acto de ouvir a criança, levado a cabo pelo Tribunal deve constituir uma verdadeira materialidade e não um acto meramente formal, muito em particular nas questões que afectam substancialmente a sua vida, sob pena de ter que se considerar esse acto como não praticado.
XXVI) O critério orientador na regulação das responsabilidades parentais deve ser o superior interesse do menor (artigos 1905º, nºs 1 e 2, do Código Civi l e art. 40º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível , art. 3º da Convenção sobre os Direitos das Crianças e art. 1º, da Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos da Criança).
XXVII) Sendo este um conceito aberto, indeterminado, que carece de concretização, deve ter-se em consideração a disponibilidade afectiva demonstrada pelos progenitores, ou terceira pessoa, a (in)capacidade dos progenitores em promoverem o harmonioso desenvolvimento do menor e de se adaptar às suas necessidades.
XXVIII) Os nossos Tribunais têm entendido que o factor relevante para determinar o superior interesse do menor é constituído pela regra da figura primária de referência, quer isto dizer, que a criança deve ser confiada à pessoa que cuida dela no dia-a-dia. A criança, através desta interação desenvolve, com as pessoas que lhe prestam cuidados diários, modelos internos de vinculação, porquanto, são as relações de afecto que garantem a segurança, que fortalecem os vínculos e promovem o desenvolvimento saudável.
XXIX) A nossa jurisprudência dominante tem vindo a orientar-se no respeito do princípio do superior interesse da criança, veja-se, a título de exemplo: Acórdão da Relação do Por to de 26-01-2017 - Relator Senhor Juiz Desembargador Madeira Pinto, in www.dgsi.pt, Acórdão da Relação do Porto de 27-09-2017 - Relator Senhor Juiz Desembargador Emídio Pires Rodrigues, in www.dgsi.pt:
i. I - No exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio o Tribunal deverá decidir sempre de harmonia com o interesse do menor.
ii. II - Se numa situação de incumprimento do regime de visitas o menor, de 11 anos de idade, afirma de forma expressa e inequívoca a sua vontade de não ter contactos com o progenitor não guardião, esses contactos não lhe devem ser impostos pelo Tribunal, forçando-o a um convívio não desejado.
iii. III - O direito de convívio com o pai não se deve sobrepor à preservação da saúde mental e da integridade emocional do menor.".
XXX) Da análise à decisão em crise, e ao decidir-se como se decidiu, constata-se que a mesma violou o princípio do superior interesse da menor C. C., pois que tal decisão não teve em conta a expressa vontade da Criança, nem fez a correcta ponderação e avaliação de todas as vivências negativas a que a mesma foi sujeita ao longo destes 6 anos, em resultado, como sobredito, da postura absolutamente egoísta e intransigente do Requerente.
XXXI) A decisão em crise deverá ser revogada e substituída por outra que tenha em devida conta o superior interesse da menor C. C., decidindo-se, em conformidade, pela sua manutenção em Vila Pouca de Aguiar, ficando entregue à guarda e cuidados da sua progenitora mãe.
XXXII) É entendimento pacifico, decorrente da lei, dos regulamentos da União Europeia e das convenções internacionais vinculantes do Estado Português, que nos casos em que haja necessidade de regular o exercício de responsabilidades parentais se impõe a audição prévia da criança – nesse apontado sentido, Cfr. art. 4º, nº 1, al. c), art. 5º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (na redação da Lei no 145/2015, de 8 de Setembro), art. 24º nº 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (aprovada em protocolo anexo ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, tal como resul tou do Tratado de Lisboa, e com idêntica forca vinculante no espaço da União), ainda, art. 12º nº 2, da Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas e art. 3º da Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos das Crianças.
XXXIII) Da conjugação dos sobrecitados preceitos, ressalta claro que aos Tribunais impõem-se ouvir a criança, de resto e concretamente, "sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse" - art. 5º RGPTC.
XXXIV) Atente-se o Regulamento (CE) 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro, também conhecido por Regulamento Bruxelas II-bis, hoje em vigor, relativo à competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e de responsabilidade parental, quando alude nos considerandos e no corpo de normas a que a criança deva ser ouvida no processo cujo reconhecimento se almeja, excepto se for considerada inadequada uma audição, tendo em conta a sua idade ou grau de maturidade [Cfr. art. 41º nºs 1 e 2, al. c), do Regulamento Bruxelas II-bis].
XXXV) Ainda a este propósito, atente-se a vasta Jurisprudência se tem pronunciado, também quanto à necessidade de audição dos menores nos processos relativos às responsabilidades parentais, estabelecendo que tal audição se consagra como a forma mais lídima de auscultar o “superior interesse da criança” (Cfr., a título exemplificativo, Acórdão do STJ 26-01-2016, relatado pela Senhora Conselheira Maria dos Prazeres Beleza, in http: / /www.dgsi.pt:
“I –A audição da criança num processo que lhe diz respeito –no caso, de promoção e protecção – não pode ser encarada apenas como um meio de prova, tratando-se antes de um direito da criança a que o seu ponto de vista seja considerado no processo de formação da decisão que a afecta.
II - O exercício do direito de audição, enquanto meio privilegiado de prossecução superior interesse da criança, está, naturalmente, dependente da maturidade desta.
III –A lei portuguesa actual, seguindo os diversos instrumentos internacionais, alterou a forma de determinar a obrigatoriedade dessa audição, tendo passado a prever –onde antes se estabelecia que era obrigatória a audição de criança com mais de 12 anos “ou com idade inferior quando a sua capacidade para compreender o sentido da intervenção o aconselhe “ – que a criança deve ser ouvida quando tiver “capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo bem conta a sua idade e maturidade” (Ari. 4.º, al. c), do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.” 141/2015, de 08-09).
IV – A ponderação acerca da maturidade da criança lerá de se revelar na decisão, só estando dispensada a justificação para a sua eventual não audição quando for notório que a sua baixa idade não a permite ou aconselha.
V – A falta de audição da criança afecta a validade das decisões finais dos correspondentes processos por corresponder a um princípio geral com relevância substantiva, não sendo adequado aplicar-lhe o regime das nulidades processuais.”;
XXXVI) Importa reter, ainda, o consagrado na Convenção sobre os Direitos das Crianças de 1989 (ratificada pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90, in DR. nº 211/90, 1ª Série, 1º suplemento, de 12 de Setembro de 1990), em particular, os seus artigos 3º, 9º e 12º, bem como o Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos das Crianças (ratificada pela Resolução da Assembleia da República nº //2014, in DR , 1ª Série, nº 18, de 27 de Janeiro de 2014), em particular, os seus artigos 1º e 3º;
XXXVII) A este propósito refere Ana Teresa Leal, Procuradora República in http:/ /www. cej.mi.pt/cej/recursos/e books /familia/Tutela-Cível Supeior Interesse Criança TomoI.pdf ” "O direito da criança a ser ouvida e a exprimi r a sua opinião encontra-se consagrado nos Arts. 12° e 13° da Convenção Sobre os Direi tos da Criança. Portugal, como país subscritor, está obrigado ao cumprimento das directrizes ali estabelecidas. A criança tem direito a ser ouvida e a sua opinião deve ser t ida em consideração nos processos que lhe digam respeito e a afectem. Este é um direito que não pode ser visto só por si mas que deve ser t ido em conta na interpretação de todos os outros direitos.";
XXXVIII) Da sindicância à douta decisão recorrida, atento toda a prova produzida nos autos, constata-se que a mesma ao decidir, como decidiu, fixar a residência da menor C. C. com o Requerente/progenitor, viola a Convenção sobre os Direitos das Crianças, nomeadamente os seus artigos 3º, 12º e 27º, bem como a Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos das Crianças (artigos 1º e 3º), porquanto tal decisão:
- Não teve em devida conta o interesse superior da menor C. C.;
- Não teve em consideração a opinião expressamente manifestada pela menor C. C. em sede de julgamento (15-04-2021);
- Prejudicou de forma clamorosa e consciente o nível de vida da menor C. C.;
XXXIX) Não obstante tal expresso reconhecimento, o Tribunal a quo, contrariamente à expressa e fundamentada vontade da C. C. em se manter em Vila Pouca de Aguiar, decidiu fixar a sua residência na cidade de Leiria;
XL) O Tribunal a quo, tendo em conta a factualidade por si vertida na decisão em crise, expressamente refere:
“Sopesando-se o exposto, afere-se que os factos descritos em 15) a 24) consubstanciam um acervo superveniente atinente à vivência da C. C. que configura a criação de um quadro assaz debilitante e enviesante do desenvolvimento integral da mesma e do seu bem-estar, reconduzindo-se a um inadimplemento crasso e reiterado dos poderes-deveres parentais da progenitora, inferindo-se que a mesma se configura desguarnecida das exigíveis competências parentais. Concomitantemente, enuncia-se que a C. C. possui uma relação de proximidade e afetividade com o progenitor, que se afigura provido das condições imprescindíveis para o exercício da parentalidade.
Destarte, à luz do superior interesse da C. C., existem fundamentos ultrarelevantes para modificar a guarda/residência da mesma, postulando-se a atribuição da criança ao pai, incumbindo aos progenitores o exercício das responsabilidades parentais referentes às questões de particular importância para a vida da mesma;”
XLI) O Tribunal a quo nunca poderia ter decidido nos termos em que o fez, sob pena de se encontrar a "premiar" a conduta do progenitor infractor, e com isso, desde logo, a continuar a "penalizar" a própria Menor, além de fazer agravar a "tormenta" dos seus familiares maternos no que respeita aos elementos psicológicos, afectivos e financeiros, pois que, a Requerida, progenitora mãe conjuntamente com os demais familiares, ao longo destes infindáveis 6 (seis) anos tudo têm feito no sentido de mitigar o notório sofrimento da C. C.;
XLII) Ao Tribunal a quo, tendo em conta toda a prova produzida, impunha-se uma ponderada e cimentada decisão quanto à escolha da progenitora com quem a menor deveria residir, pois que, ao invés, impunha-se não valorar apenas vertentes puramente emocionais, ou meros estados de espírito, devendo antes ponderar, conjugadamente, todas as vertentes atinentes ao sempre desejável e necessário desenvolvimento integral da pessoa da menor C. C.;
XLIII) A decisão em crise deverá ser revogada e substituída por outra que tenha em devida conta o superior interesse da menor C. C., decidindo-se pela sua manutenção de vida em Vila Pouca de Aguiar, assim ficando a mesma entregue à guarda e cuidados da sua progenitora mãe;
XLIV) Face à questão em apreço, a decisão ora em crise deveria ter em conta, e assim respeitar, quer os normativos nacionais (Código Civil, Regime Tutelar Processo Tutelar Cível, Constituição da República Portuguesa), quer as convenções internacionais (Convenção sobre os Direitos das Crianças e a Convenção Europeia Sobre o Exercício dos Direitos das Crianças), quer ainda, e nomeadamente, as normas comunitárias (Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e o Regulamento UE 2201/2003);
XLV) Uma das questões objecto do presente Recurso radica na valoração da expressa opinião e vontade manifestadas pela própria menor C. C., a qual se encontra em registo áudio no sistema citius da audiência de julgamento de 15-04-2021;
XLVI) Se é certo que o Tribunal a quo ouviu a Menor em sede de declarações, não é menos certo que tais declarações não foram consideradas na matéria dos factos provados, nem tão pouco, conforme decorre da douta sentença, as mesmas foram tidos em conta na decisão ora recorrida;
XLVII) No presente recurso impõe-se suscitar o incidente de reenvio prejudicial, ao abrigo do disposto no artº 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, no qual tendo em conta o preceituado nas normas dos arts. 4º, nº 1, al c), e 5º do RGPTC pretende questionar-se o Tribunal de Justiça da União Europeia sobre a concreta questão, a saber:
- Qual o valor a ser atribuído às declarações da Menor, em sede de processo de regulação das responsabilidades parentais, no âmbito da decisão a ser proferida pelo Tribunal;
XLVIII) A questão aqui referida poderá suscitar dúvidas por ausência de Jurisprudência comunitária consolidada, pelo que, neste particular, e nos termos do disposto no artigo 267º do TFUE, desde já deverá suscitar-se, por via do reenvio prejudicial, tal expediente interpretativo ao Tribunal de Justiça da União Europeia;
XLIX) Considerando todo o supra exposto, a decisão em crise, encontra-se a violar, nomeadamente, o estatuído no art. 1905º, nº 1 e 2, do Código Civil, artigo 4º, 5º e 40º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, o art. 69º da Constituição da República Portuguesa, os artigos 3º, 12º e 27º, da Convenção sobre os Direitos das Crianças de 1989, os artigos 1º e 3º, da Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos das Crianças, o art. 41º, nº 2, al. c), do Regulamento (CE) nº 2201/2003, o art. 24º nº 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, pelo que, e em face de tal violação, deverá Tribunal ad quem, revogar a douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que passe a ter em devida conta, e respeite, o superior interesse da menor C. C..

TERMOS EM QUE E NOS MAIS DE DIREITO DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, E, POR VIA DELE, SER REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA, SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE MANTENHA A MENOR C. C. JUNTO DA MÃE EM VILA POUCA DE AGUIAR, FICANDO A MESMA ENTREGUE À SUA GUARDA E CUIDADOS, FIXANDO-SE, EM CONFORMIDADE, O REGIME DE VISITAS AO PROGENITOR, FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA
JUSTIÇA».

Também o requerente/progenitor se apresentou a recorrer, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«O Tribunal a quo
a) Não assegurou o superior interesse da criança quando decidiu que a progenitora poderá ter a filha consigo todos os fins-de-semana e nem quando decidiu que o local de entrega ocorrerá na casa da progenitora,
b) Com tal decisão o Tribunal impôs as obrigações apenas do lado do progenitor,
c) A menor está impedida de passar tempo de qualidade com o seu pai, não podendo com o mesmo passear, ir a um museu ou a uma festa,
d) É obrigada a fazer mensalmente mais de dois mil quilómetros,
e) E impõe sobre o progenitor todas as despesas dessa deslocação que se preveem ser cerca de 680,00€ mensais,
f) Sendo que a mãe apenas terá a responsabilidade de pagar 100,00€ por mês a título de prestação de alimentos, responsabilidade que o Pai deve igualar,
g) Face ao valor mensal que ambos auferem é clara a falta de igualdade na responsabilidade de ambos os progenitores, sendo o Pai o mais sacrificado a esse nível,
h) A douta Sentença decidiu entregar a menor ao Pai por considerar, e corretamente, que seria ele a figura que melhor desempenharia as funções de Pai/mãe assegurando que assim a menor terá direito a alimentação, vestuário, salubridade e saúde, e ainda foi penalizado com a falta de tempo de qualidade com a sua filha e com um sacrifício financeiro que se nos afigura evidente que não conseguirá cumprir.
i) A responsabilidade da menor deve ser igualmente de ambos os progenitores, pelo que o tempo de qualidade deve ser igual, ou seja deve ser atribuído fins-de-semana alternados e as despesas nessas deslocações devem ser repartidas igualmente, quer encontrando-se a meio caminho quer um a levar e outro a ir buscar,
j) Além da desigualdade de ambos os progenitores sempre se dirá que a menor com este regime ficaria exausta com as deslocações semanais, impondo-lhe um sacrifício de cerca de 2.000,00 Km por mês, não lhe permitindo o descanso normal de uma criança pequena,
k) Será do superior interesse da criança um regime igualitário entre ambos os progenitores no que respeita ao tempo de qualidade com a menor, devendo ser repartido em férias mas já não obrigando a menor a ir todos os fins-de semana à mãe em prejuízo do tempo de qualidade com o Pai.
j) Não podemos manter a penalização na menor pois a mesma já muito sofreu e está na altura de ter uma oportunidade de vida saudável, tranquila e feliz,
l) Apenso a esta alteração da regulação das responsabilidades parentais encontra-se um processo de promoção e proteção em que se evidencia as faltas graves de cuidados de saúde, de alimentação, de vestuário e de bem estar que a progenitora não assegura, razão pela qual o douto tribunal a quo decidiu no sentido da menor ser entregue ao Pai,
j) Não podemos manter a penalização na menor pois a mesma já muito sofreu e está na altura de ter uma oportunidade de vida saudável, tranquila e feliz,
K) Face ao supra exposto requer-se a alteração da decisão nos seus pontos C- 2 e C-3 devendo ser atribuído o direito a ficar com a menor C. C. a ambos os progenitores em fins-de-semana alternados entre Pai e mãe e devendo as despesas destas deslocações ser repartidas entre ambos, quer vindo a mãe entregar e o Pai levar quer encontrando-se a meio caminho para entrega da menor.
Termos em que se requer a V. Exas., a REVOGAÇÃO da Sentença recorrida nos termos requeridos,
Com todas as consequências daí resultantes, por ser de: LEI, DIREITO E JUSTIÇA».
Ambos os recorridos apresentaram contra-alegações.
Também o Ministério Público apresentou contra-alegações relativamente a ambos os recursos, com as seguintes conclusões:
«A sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada, quer de facto quer de direito, e não é possuidora de qualquer vício que inquine a sua validade quer formal quer substancial.
A sentença recorrida pautou-se única e exclusivamente pelo superior interesse da menor e de forma acertada.
Termos em que, nos melhores de Direito, e sempre com o mui douto suprimento desse Venerando Tribunal ad quem, deverá aos recursos sob resposta ser negado provimento mantendo-se na íntegra a decisão recorrida, fazendo-se desta forma a já acostumada Justiça».
O Tribunal a quo proferiu o despacho previsto nos artigos 617.º, n.º 1, e 641.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), entendendo não padecer a sentença de qualquer nulidade.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações dos recorrentes, e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC -, o objeto das apelações circunscreve-se às seguintes questões:

A) Recurso apresentado pela requerida P. C.:
i) Nulidade da sentença recorrida;
ii) Se deve ser admitido o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), ao abrigo do disposto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), no sentido de esclarecer: «Qual o valor a ser atribuído às declarações da Menor, em sede de processo de regulação das responsabilidades parentais, no âmbito da decisão a ser proferida pelo Tribunal», tendo em conta o preceituado nas normas dos arts. 4.º, n.º 1, al. c), e 5.º do RGPT (conclusões XLVII e XLVIII das alegações);
iii) Aferir se o erro de julgamento invocado pela apelante a propósito das questões decididas na sentença recorrida incide sobre matéria de facto e se estão verificados os pressupostos que permitem a admissibilidade do recurso respeitante à decisão da matéria de facto;
iv) Saber se estão verificados os pressupostos para a alteração do regime do exercício das responsabilidades parentais referente à criança C. C.; se a fixação da residência habitual da criança junto do progenitor/pai defende adequadamente o interesse da criança.

B) Recurso apresentado pelo requerente N. M.:
Reapreciação da decisão recorrida, na parte em que fixou o regime de convívios da progenitora com a sua filha C. C., enunciado nos pontos C) - 2 e C) -3, do dispositivo da sentença recorrida; se tal segmento da decisão, ao decidir que a progenitora poderá ter a filha consigo todos os fins-de-semana e que o local de entrega ocorrerá na casa da progenitora, defende adequadamente o superior interesse da criança.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra, relevando ainda os seguintes factos considerados provados na decisão recorrida:
1. Em 26 de setembro de 2011, nasceu C. C., filha de N. M. e de P. C..
2. No âmbito dos autos principais, por sentença proferida em 11.1.2016, transitada em julgado, homologou-se o acordo atinente ao exercício das responsabilidades parentais com referência à C. C., consignando-se:
“1.º
(Exercício das Responsabilidades Parentais e Residência da criança)
1.1 – A menor ficará entregue à mãe com quem residirá, a qual exercerá as responsabilidades parentais relativas aos actos da vida diária e corrente da menor, outro tanto se passando com o pai durante o tempo que a filha consigo conviva.
1.2 - As responsabilidades parentais referentes às questões de particular importância para a vida da criança referente à educação, saúde e condições de vida serão exercidas em comum, por ambos os progenitores, sem prejuízo de, nos casos de manifesta urgência, competirem ao progenitor com quem a criança de momento se encontrarem. (artigo 1906.º, n.º 1 do Código Civil).
2.º
(Direito de convívio regular/organização dos tempos da criança)
2.1 - Uma vez que a criança tem problemas de saúde (cardíacos e oftalmológicos) a progenitora compromete-se a informar o pai de todas as ocorrências de saúde que a mesma tenha, que não possam ser consideradas de normalidade para uma criança da sua idade (gripes bronquiolites, otites e semelhantes), e bem assim do seu percurso escolar em tudo o que extravase a normalidade, nesta parte se comprometendo a informar, designadamente, problemas comportamentais que a criança apresente, dificuldades de aprendizagem que evidencie e actividades extracurriculares que frequente.
2. 2 - As comunicações referidas no ponto anterior serão feitas via email.
2. 3 - Ambos consignam expressamente que o pai tem o direito de se dirigir à escola que a mesma frequente, em horário próprio para o efeito e se inteirar do percurso académico da sua filha.
2.4 - Para o efeito, pela forma referida no ponto anterior, a progenitora comunicar-lhe-á a escola que a mesma frequente e bem assim o horário de atendimento aos pais e encarregados de educação.
2.5 - O pai poderá contactar com a criança via telefone ou skype, ou qualquer outro meio de comunicação à distância com imagem, às segundas, quartas, sextas e Domingos entre as 20:00 e as 21.00 horas, outro tanto se passando com a mãe durante os períodos que infra se descriminará quando a criança permanece com o pai.
2.6 - Uma vez que a criança tem quatro anos, caso esta recuse o telefone, tem o progenitor na companhia de quem se encontre a obrigação de fornecer informações sobre o seu estado actual e motivo pelos quais a própria não contacta com o outro.
2.7 - O pai poderá ter a filha consigo um fim-de-semana em cada mês, a partir das 21:30 horas de quinta-feira e até às 21:30 horas de terça-feira.
2.8 - Tal fim-de-semana ocorrerá sempre no terceiro fim-de-semana de cada mês, devendo qualquer alteração, por impossibilidade absoluta de se concretizar, ser comunicada com pelo menos 15 dias de antecedência pela forma antes mencionada.
Ressalvam-se obviamente os casos de manifesta urgência e aquelas ocorrências que apenas venham a suceder menos de 15 dias antes do fim-de-semana em causa.
Tal caso aconteça, o dito fim-de-semana de contacto paterno-filial transfere-se para o fim-de-semana imediatamente seguinte, mas não implica qualquer alteração no mês subsequente.
2.9 - A partir do momento em que a criança passe a frequentar a escolaridade obrigatória, o dito fim-de-semana ocorrerá entre as 21.30 horas de sexta-feira e as 21:30 horas de Domingo. O local de recolha e entrega ocorrerá em casa da mãe.
2.10 – Os dias do pai, da mãe e dias de aniversário dos progenitores, independentemente do progenitor com quem a criança de momento se encontrar serão passados com aquele a que respeitar a efeméride.
2.11 - O dia de aniversário da menor será passado sensivelmente na proporção de metade com cada um dos progenitores, de modo a que consuma uma das refeições principais do dia com cada um deles.
2.12 - A criança passará com o pai metade das respectivas férias escolares: Natal, Páscoa e Verão.
2.13 - Este ano a primeira metade das férias da Páscoa será passada com o pai e a segunda com a mãe e a primeira metade das férias do Natal será passada com o pai e a segunda com a mãe, alternando-se nos anos seguintes.
2.14 - Nas férias do Verão, que serão passadas na proporção de 15 dias com cada progenitor o primeiro período será passado com o pai e assim sucessivamente com a mãe.
2.15 - Por forma a poder concretizar os períodos acabados de mencionar, no início de cada ano lectivo a progenitora enviará ao pai, também via email, cópia do calendário escolar do estabelecimento frequentado pela criança de maneira a que este possa organizar a sua vida com a devida antecedência.
2.16 - No corrente ano, que já se iniciou, o referido calendário escolar será enviado ao pai, via email, no prazo de 15 dias a contar da presente data. 2.17 - Nos períodos acabados de mencionar (férias escolares) o local de recolha e entrega da criança será sempre em casa da progenitora, onde o pai a irá buscar e levar entre as 21.30 do primeiro dia e as 21.30 horas do último dia.
(Alimentos e forma de os prestar)
3.1 – O pai pagará a título de alimentos à menor a quantia mensal de € 120,00 (cento e vinte euros) a liquidar entre o dia 01 e o dia 08 do mês a que respeitar através de depósito ou conta bancária para o NIB que consta de fls. 54 dos autos. (………………….6).
3.2 - O montante da pensão alimentar será anualmente actualizada no mês de Janeiro no montante de € 5,00, sendo a primeira dessas actualizações devida apenas em Janeiro de 2017.”
3. Desde a data indicada em 2), a C. C. vive com a irmã uterina A. C. e com a mãe numa habitação social cedida pelo Município ... tipo T2 sita na Travessa …, Lote …, Vila Pouca de Aguiar.
4. Em 17.10.2016, foi instaurado processo de promoção e proteção na C.P.C.J. de Vila Pouca de Aguiar com referência à C. C..
5. Em novembro de 2016, foi diagnosticado à C. C. Síndrome Nefrótico agudo, Shunte–E- D e quadro de hiperatividade e dislalia.
6. No ano letivo 2017/2018, a C. C. frequentou consultas de acompanhamento psicológico no estabelecimento “Capacitar – Espaço Terapêutico”, sendo que, em 28.3.2018, a respetiva psicóloga elaborou relatório de avaliação psicológica consignando, designadamente, que “a C. C. mostrou-se uma menina carinhosa e afável. Ao longo de todo o processo terapêutico apresentou um comportamento marcado por dificuldades de manutenção da atenção, pobre controlo inibitório e elevada agitação psicomotora (…) Apresentou-se cm consulta muitas vezes com aspeto descuidado e algumas vezes sujo – mãos e roupas sujas, peças de roupa vestidas ao contrário, ausência de casado e guarda-chuva no inverno, tendo por vezes chegado à sessão com frio ou molhada – e com marcas na cara a corpo (…) Por vezes, a menina queixou-se que tinha fome, dizendo não ter lanche (…) Em momento lúdico na sessão, a menina evidenciou elevada expressão de agressividade, especialmente em brincadeiras de faz-de-conta sobre a interação pais-filhos, teatralizando situações de violência verbal e física entre o pai e a mãe e a mãe e pais-filhos (…) as dificuldades atuais apresentadas pela C. C. (…) enquadram-se no quadro clínico de perturbação de hiperatividade e défice de atenção (…)”
7. Em 2.7.2018, a Professora Titular da Turma da C. C. elaborou informação, enunciando, nomeadamente, que “(..) precisa de apoio constante para a realização das atividades (…) Quando contrariada chega a agredir-se a si própria (…) A nível de higiene notou-se um pouco desleixo, bem como na organização dos materiais que precisava para a realização das atividades. Esqueceu-se frequentemente deles em casa. (…)”
8. Em 18.1.2019, foi subscrito acordo de promoção e proteção com referência à C. C. na C.P.C.J. de Vila Pouca de Aguiar, com aplicação da medida de promoção e proteção de apoio junto da mãe.
9. Em 20.3.2019, o MP intentou o processo de promoção e proteção autuado sob o apenso B, peticionando a aplicação de medidas de promoção e proteção à C. C. e à irmã A. C..
10. Em 30.9.2019, em sede do processo indicado em 9), proferiu-se sentença que consignou:
“ homologa-se o acordo concernente à aplicação às crianças A. C. e C. C. da medida de Apoio Junto da mãe, pelo período de 6 meses, determinando-se que a progenitora:
- Se submeta a acompanhamento psicológico no Centro de Saúde de ...;
- Cumpra as visitas e os contactos por parte de cada um dos progenitores das menores;
- Se submeta a consulta para eventual despistagem de perturbação do foro psicológico, nomeadamente depressão;
- Cumpra todas as indicações dadas pela Técnica da Segurança Social e permita sem qualquer excepção as visitas domiciliárias.”
11. Em 12.12.2020, no âmbito do sobredito apenso B), a técnica da Segurança Social – ATT elaborou relatório social referente à C. C., enunciando, nomeadamente, que a progenitora “não cumpriu com o que foi determinado no que se refere ao apoio psicológico (…)” e que “De acordo com as informações remetidas pelo professor da menor a aluna tem fraco rendimento escolar. A nível comportamental é uma aluna que demonstra alguma revolta e agitada (…) Ao nível habitacional e durante a visita domiciliária podemos confirmar que a habitação se encontrava desorganizada e pouco higienizada (…)”.
12. Em 12.5.2020, o Centro de Saúde de ... informou que a progenitora compareceu na consulta de Psicologia agendada para o dia 27.2.2019 e faltou à agendada para o dia 27.3.2019.
13. Por despacho proferido em 4.8.2020, declarou-se a prorrogação das medidas descritas em 10).
14. A C. C. tem sido acompanhada na especialidade de pedopsiquiatria no C.H.T.M.A.D. desde 6.6.2018, tendo sido diagnosticada com Perturbação de Hiperatividade com Défice de Atenção, sendo que o pedopsiquiatra da mesma prescreveu a toma diária de Ritalina LA 30 mg
15. No ano letivo 2019/2020, a C. C. frequentou o 3.º ano de escolaridade, apresentando muitas dificuldades de aprendizagem, sendo que, a partir do dia 25 de abril de 2020 e pelos menos até 18 de maio de 2020, não assistiu às aulas nem efetuou os trabalhos de casa.
16. Na sequência do indicado em 13), entre os meses de abril e maio de 2020, o professor titular de turma telefonou diversas vezes para o número de telemóvel da progenitora, sendo que a mesma não atendeu os telefonemas.
17. No ano letivo 2020/2021, a C. C. frequentou o 4.º ano de escolaridade, sendo uma aluna distraída, desorganizada, desinteressada, que raramente faz os trabalhos de casa e que obteve classificação insuficiente às disciplinas de português, matemática e estudo do meio.
18. No ano letivo 2020/2021, a C. C. tem beneficiado de sessões de psicologia do Gabinete de Psicologia e Orientação em Contexto Escolar com uma periodicidade quinzenal, sendo que, depois do horário escolar, usufrui de apoio ao estudo no Centro de Estudos “Perguntacertiva”.
19. Desde o início de janeiro de 2021, a C. C. não tem tomado a medicação mencionada em 14), por decisão da progenitora.
20. No final de fevereiro de 2021, uma técnica do Gabinete de Ação Social do Município ... visitou a habitação da progenitora referida em 3), verificando que:
- por toda a habitação havia lixo misturado com roupa no chão, restos de bolachas, comida de cão e de gato;
- no quarto da C. C. e da irmã A. C., o chão estava repleto de roupas;
- na sala, o lixo acumulava-se por todo o espaço, inclusive numa pequena mesa de canto havia uma tigela de sopa velha e um prato de massa ressequida;
- a bancada da cozinha estava atolada de louça suja e lixo espalhado por todo o lado, pratos com restos de comida de gato ou cão e outros restos de refeições anteriores;
- na despensa, existia um acumular de tralha, havendo no cimo da mesma um balde de esfregona, o qual tinha dentro uma panela de restos de comida.
21. A progenitora, normalmente, de manhã sai de casa para trabalhar antes das filhas irem para a escola, sendo que a C. C. e a A. C. vão para a mesma acompanhadas da prima M. O..
22. Na segunda quinzena de janeiro, na sequência do encerramento do ensino presencial, a progenitora levou a C. C. e a A. C., atualmente com 11 anos de idade, para a casa da tia paterna da mesma, D. A. M., sendo que apenas as ia buscar ao fim-de-semana.
23. A progenitora conduz a transporta as duas filhas numa carrinha de marca Citroen, modelo Berlingo, matrícula FV, que tem apenas dois lugares.
24. A progenitora é vista com uma pessoa com alguma fragilidade emocional, inconstante e que não aceita observações relativamente ao seu papel parental.
25. A progenitora começou a trabalhar na Associação Humanitária dos Bombeiros de … desde 1.9.2020, auferindo o salário mensal ilíquido de 665,00€.
26. A progenitora tem as seguintes despesas mensais:
- renda da casa: 4,36€;
- água, luz e gás: 69,00€;
- alimentação e higiene pessoal: 150,00€;
- comunicação: 54,00€:
- transportes: 20,00€;
- educação: 50,00€.
27. O progenitor reside sozinho num apartamento de tipologia 2, sito na Rua …, em Leiria, adquirido pelo próprio com recurso a empréstimo bancário.
28. O apartamento mencionado em 26) apresenta condições de habitabilidade e de espaço, assim como um adequado investimento na sua higiene e conforto.
29. O progenitor confeciona as suas refeições e realiza as demais tarefas doméstica, sendo que, quando necessário, tem o apoio da sua própria mãe, que também vive na cidade de Leiria.
30. O progenitor exercer funções como técnico de ar condicionado, ventilação e aquecimento na empresa X – Central de distribuição térmica de Portugal, S.A., onde trabalha há 25 anos, em regime de horário flexível, entre as 9h – 13h e as 14.30h – 18.30h, de 2ª feira a 6ª feira, auferindo uma remuneração-base de 1 087,33€, a que acrescem 100€ de Prémios, Bónus e outras Prestações de Caráter Mensal, nos meses em que trabalha aos sábados.
31. O progenitor tem as seguintes despesas mensais:
- crédito habitação, acrescido de seguros = 500€;
- água, luz e gás = 20€;
- pacote telecomunicações = 64€;
- alimentação/supermercado = 120€.
32. O progenitor vem buscar a C. C. a Vila Pouca de Aguiar uma vez por mês.
33. O progenitor declarou pretender matricular a C. C. na escola da área de residência, que fica próximo da sua casa e da casa de seus pais e inscrevê-la na natação.
34. Os avós paternos da C. C. estão reformados e declaram-se disponíveis para ajudar o progenitor a cuidar diariamente da mesma.
35. A C. C. tem uma relação de afetividade com a mãe e gosta de estar na casa da mesma.
36. A C. C. tem uma relação de afetividade com a irmã A. C., que a ajuda, designadamente, com os trabalhos de casa escolares.
37. A C. C. gosta de estar na casa do pai e de conviver com os avôs paternos.
38. A C. C. tem uma relação de proximidade e afetividade com o pai.
39. A C. C. tem uma relação de afetividade com os avós paternos.
40. A progenitora não apoia a C. C. com referência aos trabalhos de casa escolares e não lhe faz perguntas relativamente ao dia-a-dia escolar da mesma.
41. O progenitor, nomeadamente, quando está com a C. C., mostra-se interessado no dia-a-dia escolar da mesma.
42. O diálogo entre os progenitores da C. C. continua a não existir.
1.2. O Tribunal a quo pronunciou-se sobre os factos não provados, nos seguintes termos:
«Inexistem com relevância para a discussão da causa».

2. Apreciação sobre o objeto do recurso apresentado pela requerida P. C..
2.1. Nulidade da sentença recorrida.
A recorrente começa por invocar a nulidade da sentença recorrida, imputando-lhe o vício previsto no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC - cf. conclusão I) das alegações.
Alega para o efeito, no essencial, que a decisão em crise padece do vício de nulidade por contradição da fundamentação com a decisão, sustentando que os fundamentos invocados pelo Meritíssimo Juiz do tribunal a quo deveria, necessariamente, ter conduzido não ao resultado expresso na decisão (fixação da residência da C. C. com o progenitor), mas sim a um resultado oposto (manutenção da residência da C. C. com a progenitora), pois as premissas de facto e de direito que o Tribunal de 1ª Instância teve por apuradas, obrigatoriamente levariam a essa mesma decisão.
Neste domínio, o artigo 615.º, n.º 1, do CPC, na parte que aqui interessa, dispõe que é nula a sentença quando:
(…)
c) [o]s fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
(…)».

Relativamente à nulidade prevista na 2.ª parte da citada al. c), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC - ocorrência de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível -, deve entender-se que a decisão judicial é obscura «quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes» (1).
Em qualquer caso, no regime atual, a obscuridade ou ambiguidade da sentença limita-se à parte decisória e só releva quando gera ininteligibilidade, isto é, quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236-1 CC e 238-1 CC, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar (2).
Por seu turno, a nulidade prevista na 1.ª parte da alínea c) do n.º 1 do citado artigo 615.º do CPC - oposição entre os fundamentos e a decisão -, consubstancia um vício da estrutura da decisão, o qual se manifesta na «desarmonia lógica entre a motivação fáctico-jurídica e a decisão resultante de os fundamentos inculcarem um determinado sentido decisório e ser proferido outro de sentido oposto ou, pelo menos, diverso» (3).
Neste âmbito, deve entender-se que a referida nulidade ocorre «quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final. Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente» (4).
Também eventuais vícios da decisão sobre a matéria de facto não configuram, sem mais, a invocada causa de nulidade, considerando que «a invocação de vários dos vícios que a esta dizem respeito é feita nos termos do art. 640 e porque a consequência desses vícios não é necessariamente a anulação do ato (cf. os n.ºs 2 e 3 do art. 662)» (5).
No caso, revela-se evidente que não ocorre qualquer ininteligibilidade, decorrente de ambiguidade ou obscuridade da parte decisória da sentença, mostrando-se a mesma perfeitamente compreensível e clara, mesmo sem necessidade de recurso à respetiva fundamentação para proceder à delimitação dos termos enunciados no respetivo dispositivo.
Por outro lado, apesar de invocar a nulidade decorrente do aludido vício, a requerida/apelante não esclarece qual a concreta incompatibilidade ou oposição que entende existir entre o raciocínio expresso na fundamentação vertida na sentença recorrida, de facto e/ou de direito, e a consequência jurídica retirada na correspondente parte decisória, nem tal incompatibilidade decorre da análise da decisão impugnada.
Com efeito, analisando de forma atenta do teor integral da sentença recorrida, facilmente se constata que não existe qualquer incompatibilidade entre os fundamentos de facto ou de direito nela enunciados e o respetivo segmento decisório.
Assim, da fundamentação da sentença recorrida constam todos os elementos de facto e de direito que permitem evidenciar os fundamentos em que se alicerça, sendo os mesmos claramente compatíveis entre si e consentâneos com a consequência jurídica que ficou consignada na parte decisória da sentença. Mais se observa que a globalidade da matéria de facto assente foi devidamente ponderada, de forma conjunta e integrada, na correspondente subsunção jurídica da sentença, verificando-se que a interpretação que foi expressa na respetiva fundamentação é totalmente coerente com os efeitos jurídicos que o Tribunal a quo enunciou na parte decisória da sentença, tendo por base o entendimento que considerou decorrer dos preceitos legais aplicáveis, assim não ocorrendo a nulidade em apreciação.
Desta forma, cumpre constatar que os concretos vícios invocados pela apelante não permitem configurar qualquer nulidade da sentença, antes traduzindo a respetiva discordância quanto ao mérito da decisão proferida pela 1.ª instância, tal como decorre das alegações apresentadas.
Em conclusão não enferma a sentença recorrida da nulidade arguida pela recorrente.
Nesta conformidade, a arguição de nulidade é totalmente destituída de fundamento, o que leva necessariamente à sua improcedência.
Pelo exposto, julga-se improcedente a invocada nulidade da decisão.

2.2. Nas conclusões XLVII e XLVIII das alegações vem a apelante suscitar o incidente de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), ao abrigo do disposto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), no sentido de esclarecer: «Qual o valor a ser atribuído às declarações da Menor, em sede de processo de regulação das responsabilidades parentais, no âmbito da decisão a ser proferida pelo Tribunal», tendo em conta o preceituado nas normas dos arts. 4.º, n.º 1, al. c), e 5.º do RGPT.

Estabelece o referenciado artigo 267.º do TFUE, no que aqui releva:

«Artigo 267.º
(ex-artigo 234.º TCE)
O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:
a) Sobre a interpretação dos Tratados;
b) Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.
(…)».
Tal como resulta de forma expressa do citado preceito, o TJUE tem competência para decidir, a título prejudicial sobre a interpretação dos Tratados e relativamente à validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.
Deste modo, a competência do TJUE para decidir a título prejudicial implica, necessariamente, a verificação de dois requisitos essenciais: que, em processo pendente perante um órgão jurisdicional de um Estado-Membro se suscite uma questão respeitante à interpretação dos Tratados ou à aferição da validade e interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União; que o órgão jurisdicional nacional entenda que tal questão é necessária ao julgamento da causa.
Explicando a razão de ser do sistema instituído relativamente à interpretação do Direito Comunitário e da apreciação da validade dos atos das instituições comunitárias, refere João Mota de Campos (6): «o objectivo visado é não só evitar divergências na interpretação ou apreciação de validade das normas comunitárias mas, também, não sobrecarregar o TJCE com uma massa considerável de casos menores - como certamente aconteceria se todos os tribunais, qualquer que fosse o seu nível hierárquico, fossem obrigados a submeter-lhe, a título prejudicial, questões dessa natureza suscitada perante eles».
Com efeito, tal como esclarece ainda o citado Autor, «o facto de o direito comunitário poder ser invocado num litígio pendente nos tribunais nacionais não tem por efeito conferir ao Tribunal das Comunidades Europeias a competência para dele conhecer. Bem diversamente: como tivemos ocasião de expor, o Tribunal de Justiça dispõe, apenas, de uma competência de atribuição, enquanto os tribunais nacionais constituem as jurisdições de direito comum habilitadas a aplicar o direito comunitário aos casos concretos que lhe são submetidos.
E, como noutra oportunidade tivemos também ensejo de sublinhar, o Tribunal Comunitário, que não é hierarquicamente superior aos Tribunais nacionais, em caso algum funciona como tribunal de recurso das decisões por ele proferidas» (7).
Por outro lado, importa ainda sublinhar que, mesmo no âmbito do reenvio obrigatório, ou seja, naqueles casos em que a decisão do tribunal nacional não é passível de recurso (o que não sucede no caso em apreciação), «vem sendo consensualmente entendido que perante uma norma de direito comunitário cuja interpretação não suscite nenhuma dúvida razoável, por respeitar a um caso em que, embora outras interpretações sejam possíveis, qualquer jurista ainda que pouco informado sempre optaria pela solução do juiz nacional, haverá lugar à dispensa da obrigação de reenvio» (8).
Assim, é jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que «as jurisdições nacionais gozam de um amplo poder de apreciação sobre se uma decisão sobre um ponto de Direito Comunitário lhes é necessária para os habilitar a julgar o litígio. Esse poder de apreciação é extensivo à determinação da fase ou momento processual em que há lugar ao reenvio ao Tribunal de Justiça da questão prejudicial» (9).
Do exposto resulta claro que «é ao juiz do processo que cabe decidir se na apreciação do caso em litígio se coloca alguma questão de interpretação ou de apreciação de validade de norma comunitária aplicável que justifique o pedido de intervenção do T.J.U.E., caso em que então formulará ele próprio as questões que entenda necessitarem de ser esclarecidas pelo referido Tribunal.
As quais formulará e enviará no momento em que considerar mais oportuno – de acordo com critérios de economia e utilidade processual.
(…)
Por outro lado, o Tribunal de Justiça da União Europeia não tem competência, face ao disposto no citado artigo 267º do T.F.U.E., para se pronunciar sobre a compatibilidade de uma disposição nacional com o Direito Comunitário, nem para interpretar disposições legislativas nacionais» (10).
Efetivamente, como refere João Mota de Campos (11): «se o tribunal nacional considerar que o litígio subjudice não deve ser decidido de acordo com as normas comunitárias mas tão-somente na conformidade das disposições do direito interno, parece evidente que não pode ser-lhe imposta a obrigação de solicitar a interpretação ou apreciação da validade de uma norma comunitária desprovida de interesse para o julgamento da causa - e isto ainda que alguma das partes tenha indevidamente invocado e suscitado a questão da sua interpretação ou validade.
É que, num caso assim configurado, a questão da interpretação ou da apreciação de validade é totalmente desprovida de pertinência (…)».
Em síntese, a propósito do regime jurídico do mecanismo do reenvio prejudicial, que vem suscitado pela apelante em sede de alegações de recurso, podemos assentar nas seguintes conclusões, tal como enunciadas no Ac. TRL de 18-06-2019, antes citado:
«Resulta de tudo quanto antecede que no âmbito do reenvio prejudicial não se colocam questões:
- relativas à interpretação ou apreciação das normas legislativas ou regulamentares de direito interno;
- relacionadas com a compatibilidade destas normas ou regulamentos com o direito comunitário;
- respeitantes à validade ou interpretação das decisões dos tribunais nacionais».
E, porque assim, resulta evidente a falta de fundamento da pretensão de reenvio prejudicial para o TJUE no caso em análise, porquanto se verifica que a fundamentação que foi expressa na sentença recorrida reporta-se de forma direta à análise e ponderação de normas legislativas internas do Estado Português.
Aliás, mesmo a apelante apenas suscita, de forma expressa, a questão da interpretação ou validade das normas dos arts. 4.º, n.º 1, al. c), e 5.º do RGPTC, as quais configuram disposições de direito interno.
Não há, pois, lugar ao reenvio prejudicial para o TJUE, ao abrigo do artigo 267.º do TFUE.
Daí que improcedam integralmente, nesta parte, as conclusões da apelação, indeferindo-se o pedido de reenvio prejudicial.

2.3. A apelante P. C. parece manifestar a sua discordância relativamente à matéria de facto vertida na decisão recorrida, reportando-se genericamente a um alegado erro de julgamento.
Sustenta, no essencial, que o Tribunal a quo decidiu, do modo que o fez, sem ter valorado a expressa, legítima e soberana vontade da menor C. C.. Conclui que o Tribunal a quo não efetuou, convenientemente, o exame crítico das provas pelo que deverá ser reapreciada a prova testemunhal e documental junta aos autos.
Tal como resulta da análise conjugada do disposto nos artigos 639.º e 640.º do CPC, os recursos para a Relação tanto podem envolver matéria de direito como de facto, sendo este último o meio adequado e específico legalmente imposto ao recorrente que pretenda manifestar divergências quanto a concretas questões de facto decididas em sede de sentença final pelo Tribunal de 1.ª instância que realizou o julgamento, o que implica o ónus de suscitar a revisão da correspondente decisão.

Enunciando os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o artigo 640.º do CPC o seguinte:

«1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º».

Relativamente ao alcance do regime decorrente do preceito legal acabado de citar, refere Abrantes Geraldes (12), que «a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar, com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto».

Assim, «a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:

a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam algum dos elementos referidos» (13).

No caso em apreciação observa-se que a apelante não indica expressamente, no corpo das alegações e/ou nas correspondentes conclusões, quais os concretos pontos da matéria de facto vertida na sentença recorrida que considera incorretamente julgados.
Também não indica qual a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre a matéria de facto relevante para a apreciação da causa, não especificando de forma expressa, ou compreensível, eventuais modificações que preconize introduzir à decisão de facto constante da sentença recorrida ou factos que pretenda ver excluídos da factualidade provada.
Mais se verifica que a apelante tece considerações sobre a apreciação e valoração da prova que foi feita pelo Tribunal a quo, alegando para o efeito que o Tribunal a quo decidiu, do modo que o fez, sem ter valorado a expressa, legítima e soberana vontade da menor C. C., a qual, em momento algum exprimiu de forma espontânea a sua expressa e convicta vontade de querer viver com o progenitor pai na cidade de Leiria, mais sustentando que o Tribunal a quo deveria ter considerado a desajustada vivência que a menor C. C. foi sujeita em razão das decisões do requerente, alegadamente exclusivas e interesseiras, expondo a C. C. a um elevado desgaste, o qual condiciona o seu normal crescimento físico e intelectual, pois vive permanente triste, retraída e angustiada, com o intuito de não contrariar os adultos e, muito em particularmente, o seu progenitor que a pressiona de forma sistemática e reiterada, o que é corroborado pelo Relatório de Psiquiatria de 06.05.2020, segundo o qual “(…) contribuirá para um aumento da instabilidade psicomotora nos dias seguintes ao regresso da casa do pai(…)”.
Porém, na linha dos pressupostos supra enunciados, e tal como resulta do sumário do Ac. STJ de 19-05-2015 (14), «[a] impugnação da decisão de facto, feita perante a Relação, não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação».
Assim, tal como se sintetiza no Ac. do TRG, de 10-07-2018 (15), a propósito do ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, «[a] delimitação tem de ser concreta e específica e o recorrente têm de indicar, com clareza e precisão, os meios de prova em fundamenta a sua impugnação, bem como as concretas razões de censura. Tal tem de ser especificado quanto a cada concreto facto. Não pode ser efetuado em termos latos, genéricos e em bloco, relativamente a todos os factos impugnados».
Resulta do exposto que a delimitação do âmbito probatório do recurso impõe ainda, sob pena de rejeição, que a indicação dos concretos meio probatórios que servem de base à impugnação seja efetuada em relação ao facto ou factos concretamente impugnados, não bastando a alusão a determinados meios de prova quando reportados genericamente e em conjunto, sem correspondência a eventuais modificações que o recorrente preconize introduzir à decisão de facto constante da sentença recorrida.
Ora, não se mostrando, no caso, expressamente indicados os concretos pontos de facto que a recorrente considera incorretamente julgados nem resultando evidenciada qual a decisão que deve ser proferida sobre eventuais pontos da matéria de facto, dúvidas não subsistem de que também o âmbito probatório do recurso atinente à impugnação da decisão da matéria de facto não pode considerar-se suficientemente delimitado.
Por conseguinte, resta concluir que a apelante não observou os ónus previstos no artigo 640.º, n.º 1, als. a), b) e c), do CPC, o que configura fundamento de rejeição do recurso relativo à matéria de facto.
Nestes termos, decide-se rejeitar o recurso na parte em que enuncia alguns argumentos que parecem pressupor a reapreciação da matéria de facto contida na sentença recorrida.
Ainda assim, cumpre aferir se há razões para censurar a sentença recorrida, tendo por base as referências reiteradamente feitas pela apelante a propósito da alegada desconsideração da expressa, legítima e soberana vontade da criança, e da necessidade de audição dos menores nos processos relativos às responsabilidades parentais (tal como decorre das conclusões das alegações, supra enunciadas), com referências expressas e implícitas a derrogações aos normativos nacionais, a convenções internacionais e a normas comunitárias, designadamente o estatuído no artigo 1905.º, n.º 1 e 2, do CC, artigo 4.º, 5.º e 40.º, do RGPTC, artigo 69.º da Constituição da República Portuguesa, aos artigos 3.º, 12.º e 27.º, da Convenção sobre os Direitos das Crianças de 1989, os artigos 1.º e 3.º, da Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos das Crianças, ao artigo 41.º, n.º 2, al. c), do Regulamento (CE) nº 2201/2003, e artigo 24.º, n.º 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Em primeiro lugar, os autos revelam de forma indiscutível que a criança, C. C., foi ouvida em declarações pelo Mmo. Juiz a quo na sessão da audiência de julgamento realizada a 15-04-2021, resultando ainda documentado nos autos que a criança foi efetivamente assistida, na diligência, por técnico especialmente habilitado para o efeito, no caso, pelo psicólogo Dr. V. M., mostrando-se, assim, observada a disposição legal contida no artigo 5.º, n.º 7, al. a), do RGPTC, segundo o qual, e no que aqui releva, a tomada de declarações à criança «é realizada em ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas, devendo a criança ser assistida no decurso do ato processual por um técnico especialmente habilitado para o seu acompanhamento, previamente designado para o efeito».
Mais se constata, através da audição a que procedemos do registo integral da gravação que reproduz a diligência em causa, que a referida diligência foi sempre acompanhada de prestação de informação clara sobre o significado e alcance da mesma, respeitando a específica condição da criança e garantindo a não sujeição da C. C. a espaço ou ambiente intimidatório, hostil ou inadequado à sua idade, maturidade e características pessoais.
Acresce salientar que a audição da criança foi conduzida pelo Mmo. Juiz a quo com total serenidade e interesse no apuramento da verdade, sendo evidente a preocupação do Tribunal a quo com a preservação da tranquilidade e do bem-estar da criança, interrompendo a diligência quando necessário e procurando sempre garantir a sinceridade das respostas, se necessário mediante a formulação de questões adicionais ou pedidos de esclarecimento.
Como tal, nesta parte, temos por não verificada qualquer irregularidade ou a omissão de formalidade que a lei prescreva no âmbito das regras a observar na audição da criança, tendo sido efetivamente observado o princípio da audição e participação da criança como um dos princípios ou direitos que deverá ser concretizado em qualquer providência tutelar cível que vise a determinação do seu superior interesse.
Sustenta, ainda assim, a apelante, em sede de alegações, que as declarações da criança não foram consideradas na matéria dos factos provados, nem tão pouco as mesmas foram tidos em conta na decisão ora recorrida (cf. conclusão XLVI das alegações).
Tal como enuncia o Ac. TRP de 27-09-2018 (16): «o direito de audição da criança resulta também de regulamentos da UE e de convenções internacionais vinculantes do Estado Português para as situações que haja que regular o exercício das responsabilidades parentais, como emerge do art.º 24º, nº 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (aprovada em protocolo anexo ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, tal como resultou do Tratado de Lisboa, e com idêntica força vinculante no espaço da União), do art.º 12º nº 2, da Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas e ainda do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro, também conhecido por Regulamento Bruxelas II-bis, relativo à competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e de responsabilidade parental, quando alude nos considerandos e no corpo de normas a que a criança deva ser ouvida no processo cujo reconhecimento se almeja, exceto se for considerada inadequada uma audição, tendo em conta a sua idade ou grau de maturidade (cf. respetivo art.º 41º, nºs 1 e 2, al. c))».
Porém, em termos gerais, o artigo 4.º, n.º 1, al. c) do RGPTC consagra expressamente o princípio da audição e participação da criança como um dos princípios que deverá ser observado em qualquer providência tutelar cível, aí se prevendo que a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse. Para o efeito, estabelece ainda o n.º 2 do citado preceito, o juiz afere, casuisticamente e por despacho, a capacidade de compreensão dos assuntos em discussão pela criança, podendo para o efeito recorrer ao apoio da assessoria técnica.
Concretizando o princípio antes enunciado, o artigo 5.º do RGPTC, com a epígrafe «Audição da criança», estabelece as regras e os termos em que tal audição e participação devem ser concretizadas, reafirmando, no seu n.º 1, o direito da criança a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse.
Trata-se de disposições que acolhem no direito nacional as imposições de direito internacional, designadamente, o art.º 12.º da Convenção Sobre os Direitos da Criança e nas alíneas b) e c) do art.º 3 da Convenção Europeia Sobre o Exercício dos Direitos das Crianças, que impõem que no direito interno a criança seja oficiosamente consultada e exprima a sua opinião, devendo ser informada sobre as possíveis consequências de se agir em conformidade com a sua opinião, bem como sobre as possíveis consequências de qualquer decisão, o mesmo sucedendo com outras disposições a que o Estado Português está vinculado, nomeadamente com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças, donde sobressai o direito de participação e de informação do menor nos processos administrativos e judiciais. Com efeito, de acordo com o art.º 12.º/1 desta Convenção, a criança com capacidade de discernimento tem o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre questões que lhe respeitem, devendo ser tomadas em consideração as suas opiniões, de acordo com a sua idade e maturidade.
No mesmo sentido apontam as Directrizes do Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre a justiça adaptada às crianças, consagrando no ponto III-A) “Participação”:”1. Deve ser respeitado o direito de todas as crianças a serem informadas sobre os seus direitos, disporem de meios adequados de acesso à justiça e serem consultadas e ouvidas nos processos que lhes digam respeito ou que as afetem. Tal inclui dar o devido valor aos pontos de vista da criança, tendo em atenção a sua maturidade e eventuais dificuldades de comunicação, a fim de que a sua participação seja relevante.
2. As crianças devem ser consideradas e tratadas como plenas titulares de direitos e ter a possibilidade de exercer todos os seus direitos de uma forma que tenha em conta a sua capacidade para formar pontos de vida próprios, bem como as circunstâncias do caso”.
(…)
Também a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, em vigor desde dezembro de 2009, e com força vinculativa, configurando o direito primário da União Europeia assegura, no seu art.º 24.º, n.ºs 1 e 2, que “As crianças têm direito à proteção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar. Podem exprimir livremente a sua opinião, que será tomada em consideração nos assuntos que lhe digam respeito, em função da sua idade e maturidade. Todos os atos relativos às crianças, quer praticados por entidades públicas, quer por instituições privadas, terão primacialmente em conta o superior interesse da criança” (17).
Daí que, no que concerne especificamente à regulação do exercício das responsabilidades parentais, o artigo 35.º, n.º 3, do RGPTC estabeleça a obrigatoriedade da audição da criança com idade superior a 12 anos ou com idade inferior, com capacidade para compreender os assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, nos termos previstos na alínea c) do artigo 4.º e no artigo 5.º, salvo se a defesa do seu superior interesse o desaconselhar.
Neste enquadramento, resulta manifesto que na generalidade das situações a prossecução do interesse da criança passa necessariamente por considerar a opinião da criança ou do jovem de acordo com a maturidade que evidencia (18).
Estamos, como se viu, perante o reconhecimento de um direito da criança, e não de um dever, em consonância com as Directrizes do Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre a justiça adaptada às crianças, adotadas pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa da Europa em 17 de novembro de 2010. Porém, não se exige que a decisão a tomar respeite integralmente essa opinião, mas que seja considerada na ponderação dos interesses em causa e que respeite o seu superior interesse (19).
Como bem refere Alcina Costa Ribeiro (20), «[o] direito de participação não se esgota no momento em que a criança exprime livremente a sua opinião. É, ainda necessário que aquela seja valorada pelo adulto, em função da sua idade e maturidade.
A consideração pela opinião da criança significa, antes de mais, que não basta permitir-lhe que exprima a sua opinião mas, mais do que isso, é necessário levá-la a sério.
(…)
Considerar a opinião da criança não significa fazer-lhe a vontade ou transferir para si a responsabilidade da decisão. Esta responsabilidade é do adulto, que, antes de a tomar, considera, valora, tem em conta, a opinião da própria criança de acordo com a sua idade e maturidade.
(…) o peso que lhe é dado varia de acordo com vários factores, dos quais se destacam, o desenvolvimento das capacidades naturais da criança, manifestado na idade e na maturidade e grau de compreensão da criança».
Tal como elucida o Acórdão TRP de 27-09-2018, antes citado, «[i]mpõe-se-nos deixar claro que que quem decide a regulação do exercício das responsabilidade parentais é o tribunal; não é a criança. Mal tutelado estaria o seu superior interesse se fosse ela a decidir, sem mais, sobre a sua vida futura (…).
Não quer com isto afirmar-se que não tem interesse a sua audição. Pelo contrário, tem e tem muito. Mas é desde logo, enquanto ato de audição, um meio de prova sujeito à livre apreciação do tribunal, a conjugar criticamente com outros, sujeito a uma avaliação probatória casuística, ponderando as circunstâncias de cada caso, em que pesa, além do mais, a idade e o grau de maturidade e discernimento da criança, as condições de vida dos pais e a relação que mantém com cada um deles».
Deste modo, e tal como refere o Acórdão TRL de 10-11-2020 (21) «[d]a conjugação destes preceitos resulta que ouvir a criança implica permitir que a mesma possa expor os seus pontos de vista acerca do conflito parental e das medidas que podem vir a ser adotadas pelo Tribunal com vista à proteção dos seus direitos enquanto criança, e que lhe digam diretamente respeito.
Por outro lado, tomar em consideração a opinião da criança significa incluir a sua voz no processo de tomada de decisão judicial, ou seja, ponderar os seus pontos de vista, do mesmo modo que o Tribunal pondera as posições manifestadas pelos pais, enquanto partes do processo.
Como bem aponta o parecer da Ordem dos Advogados nº 29/PP/2018-G, “quando o legislador refere que a opinião expressa deve ser «tomada em consideração» revela uma preocupação pela importância e seriedade com que a voz da criança deve ser encarada em todas as questões que lhe digam respeito. O julgador terá, sob pena de reduzir este direito a uma mera formalidade, de refletir sobre a vontade e opinião expressamente transmitidas pela criança e valorá-la.”
Mas aí se esgota o relevo da opinião da criança: esta constitui um elemento a considerar pelo Tribunal, mas não um critério decisório, o qual não pode ser outro senão o do superior interesse da criança. Por isso aquela não se sobrepõe a este, embora possam conduzir à mesma conclusão».
Revertendo ao caso em apreciação, julgamos que as circunstâncias de facto que foram enunciadas pelo Tribunal a quo no âmbito dos pontos 35., a 40., dos factos provados mostram-se suficientemente consubstanciadas, além do mais, nas declarações prestadas pela criança, correspondendo efetivamente, e no essencial, ao que a C. C. expressou perante o Tribunal a quo, conforme resulta da audição do registo integral da correspondente gravação.
Acresce que o Tribunal a quo valorou efetivamente as declarações prestadas pela criança, ainda que atendendo em conjunto a todos os fatores relevantes que são determinantes na prossecução do seu superior interesse, não esquecendo a ponderação crítica da opinião revelada pela criança em função da sua idade, da maturidade revelada, bem como da relevância dos motivos ou das razões apresentadas pela criança na exposição das preferências manifestadas.

É o que resulta, de forma rigorosa, precisa e ponderada da motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida, na qual o Mmo. Juiz a quo procede à completa enunciação dos fundamentos que determinaram a formação da convicção daquele Tribunal para dar como provada a globalidade da matéria de facto assente, sendo que na parte atinente à valoração das declarações prestadas pela criança, o Tribunal a quo consignou expressamente o seguinte:
«(…)

No que concerne à criança C. C., defluiu linearmente das suas declarações que:

i) tem uma relação de afetividade com a mãe e gosta de estar na casa da mesma, assinalando-se, porém que, quando foi interpelada para justificar a vontade de continuar a viver em Vila Pouca de Aguiar, remeteu para os gatos, amigos, i.e., não indicou a progenitora como fator nuclear da vinculação à sua atual residência;
ii) tem uma relação de afetividade com a irmã A. C., que a ajuda, designadamente, com os trabalhos de casa escolares;
iii) gosta de estar na casa do pai e de conviver com os avôs paternos;
iv) tem uma relação de proximidade e afetividade com o pai, o que foi confirmado nos plúrimos relatórios sociais vertidos no vertente apenso e no apenso B);
v) tem uma relação de afetividade com os avós paternos;
vi) admitiu que a mãe não a apoia com referência aos trabalhos de casa escolares e não lhe faz perguntas relativamente ao dia-a-dia escolar da mesma, o que se prefigura especialmente sugestiva da conduta da progenitora;
vii) reconheceu que o progenitor mostra-se interessado no dia-a-dia escolar da mesma, em convergência substantiva com o consignado nos relatórios sociais».
Efetivamente, é ao julgador que cabe refletir e valorar criticamente a vontade expressamente transmitida pela criança através da respetiva audição, tendo como limite e critério orientador a prossecução de outros direitos ou princípios essenciais, entre os quais o do superior interesse da criança.
Daí que o Mmo. Juiz a quo tenha ponderado - e bem - de forma crítica e em conjunto, todos os demais elementos probatórios juntos aos autos ou produzidos no processo, entre os quais as declarações dos progenitores N. M. e P. C., da criança C. C., da técnica da segurança social I. F. e das testemunhas E. U., D. R., A. M. e B. M., em concatenação com a valoração do assento de nascimento, dos relatórios sociais ínsitos no vertente apenso e no apenso, nos relatório de pedopsiquiatria e de avaliação psicológica, nas informações escolares e na informação do centro de saúde de VPA, à luz das regras probatórias tipificadas e do princípio da livre apreciação, em sede de um iter objetivamente cognoscitivo e dialeticamente valorativo.
Feita a reapreciação crítica de todos os elementos de prova produzidos e juntos aos autos, nos quais se incluem todos os depoimentos produzidos em sede de audiência final e todos os relatórios e as informações juntas no processo em referência - incluindo no apenso de promoção e proteção que contempla a situação da C. C. -, julgamos que os mesmos permitem formular uma convicção idêntica à do Tribunal a quo no que concerne à matéria de facto que considerou assente.
Neste domínio, confirma-se que os autos revelam efetivamente e de forma incontornável as seguintes circunstâncias objetivas que emergem, designadamente, dos relatórios sociais elaborados no vertente apenso e no apeno B), conforme enunciou o Tribunal a quo na motivação da sentença recorrida:
«(…)
Os relatórios sociais elaborados no vertente apenso e no apenso B) afiguram-se objetivamente consistentes e plausivelmente circunstanciados, sendo que não foram impugnados pelas partes, atestando com lastro fundamentante, designadamente, que:
i) No ano letivo 2019/2020, a C. C. frequentou o 3.º ano de escolaridade, apresentando muitas dificuldades de aprendizagem, sendo que, a partir do dia 25 de abril de 2020 e pelos menos até 18 de maio de 2020, não assistiu às aulas nem efetuou os trabalhos de casa.
ii) Na sequência do indicado em 13), entre os meses de abril e maio de 2020, o professor titular de turma telefonou diversas vezes para o número de telemóvel da progenitora, sendo que a mesma não atendeu os telefonemas.
iii) No ano letivo 2020/2021, a C. C. frequentou o 4.º ano de escolaridade, sendo uma aluna distraída, desorganizada, desinteressada, que raramente faz os trabalhos de casa e que obteve classificação insuficiente às disciplinas de português, matemática e estudo do meio.
iv) No ano letivo 2020/2021, a C. C. tem beneficiado de sessões de psicologia do Gabinete de Psicologia e Orientação em Contexto Escolar com uma periodicidade quinzenal, sendo que, depois do horário escolar, usufrui de apoio ao estudo no Centro de Estudos “Perguntacertiva”.
v) Desde o início de janeiro de 2021, a C. C. não tem tomado a medicação mencionada em 14), por decisão da progenitora (o que foi reconhecido pela mesma),
vi) No final de fevereiro de 2021, uma técnica do Gabinete de Ação Social do Município ... visitou a habitação da progenitora referida em 3), verificando que:
- por toda a habitação havia lixo misturado com roupa no chão, restos de bolachas, comida de cão e de gato;
- no quarto da C. C. e da irmã A. C., o chão estava repleto de roupas;
- na sala, o lixo acumulava-se por todo o espaço, inclusive numa pequena mesa de canto havia uma tigela de sopa velha e um prato de massa ressequida;
- a bancada da cozinha estava atolada de louça suja e lixo espalhado por todo o lado, pratos com restos de comida de gato ou cão e outros restos de refeições anteriores;
- na despensa, existia um acumular de tralha, havendo no cimo da mesma um balde de esfregona, o qual tinha dentro uma panela de restos de comida.
vii) A progenitora, normalmente, de manhã sai de casa para trabalhar antes das filhas irem para a escola, sendo que a C. C. e a A. C. vão para a mesma acompanhadas da prima M. O..
viii) Na segunda quinzena de janeiro, na sequência do encerramento do ensino presencial, a progenitora levou a C. C. e a A. C., atualmente com 11 anos de idade, para a casa da tia paterna da mesma, D. A. M., sendo que apenas as ia buscar ao fim-de-semana.
ix) A progenitora conduz a transporta as duas filhas numa carrinha de marca Citroen, modelo Berlingo, matrícula FV, que tem apenas dois lugares.
x) A progenitora é vista com uma pessoa com alguma fragilidade emocional, inconstante e que não aceita observações relativamente ao seu papel parental.
xi) O diálogo entre os progenitores da C. C. continua a não existir.
Confirma-se, ainda, que a matéria vertida nos pontos 3 a 8, 11, 12, 14 a 42, todos da matéria de facto provada, resulta suficientemente corroborada nos relatórios sociais ínsitos no vertente apenso e no apenso, nos relatórios de pedopsiquiatria e de avaliação psicológica, sendo que não foram produzidas contraprovas.
Por outro lado, entendemos que a análise da globalidade dos meios de prova, entre os quais figura a informação clínica atinente ao acompanhamento pedopsiquiátrico, datada de 06-05-2020, referenciada nas conclusões das alegações da apelante, não determinam as conclusões que a recorrente pretende extrair a propósito de uma hipotética pressão sistemática e reiterada do progenitor/pai à C. C., antes denotando uma abordagem descontextualizada e muito redutora a propósito da globalidade dos meios de prova considerados, os quais, ao invés, apontam inequivocamente no sentido de que o progenitor/pai reúne as necessárias condições e competências parentais para assumir os cuidados à menor.
Assim, tal como decorre, além do mais, do parecer enunciado na parte final do relatório social elaborado pelo Núcleo de Infância e Juventude do ISS, de 25-11-2020, «o progenitor revela deter informação e sensibilidade para responder a algumas das necessidades/características da filha, nomeadamente no que respeita às questões de saúde, assim como no que se refere ao domínio e acompanhamento/supervisão escolar, e à procura em proporcionar vivências alargadas no que respeita a atividades lúdico/ (…) e de convívio social.
O progenitor reconhece a importância da presença da progenitora e irmã na vida da criança, mostrando-se disponível para promover a manutenção desses contactos e presença, quer através de informação sobre as questões de particular importância, quer fomentando os contactos pelos meios atualmente disponíveis, presencialmente ou através dos meios informáticos».
Acresce que a referência que vem sublinhada pela recorrente na conclusão XIII) das alegações (segundo o qual “(…) contribuirá para um aumento da instabilidade psicomotora nos dias seguintes ao regresso da casa do pai(…)”), tiveram na sua base informações transmitidas pela mãe e não a perceção direta do autor da referida informação clínica (datada de 06-05-2020) sobre tal questão, tal como consta de forma expressa da referida informação: «(…)Atualmente, e de acordo com as informações da mãe, existirá pouca convivência entre a C. C. e o pai, passando a criança grande parte do tempo com a avó paterna, descrita como permissiva. Segundo a mãe, esta circunstância contribuirá para um aumento da instabilidade psicomotora nos dias seguintes ao regresso de casa do pai (…)». Ademais, a própria progenitora parece admitir que a filha mantém uma relação de proximidade e afetividade com o seu progenitor e restante família alargada paterna, tendo a menor sentido saudades de poder estar presencialmente com estes, conforme decorre do parecer enunciado na parte final do relatório social elaborado pelo Núcleo de Infância e Juventude do ISS, de 07-09-2020.
Assim, contrariamente ao que parece pretender fazer crer a recorrente, resulta inquestionável que a ponderação da globalidade dos meios de prova produzidos e juntos nos autos permite formular uma convicção idêntica à do Tribunal a quo no que concerne ao juízo de verosimilhança suficiente para sustentar uma adequada confirmação das questões de facto enunciadas no âmbito da matéria de facto provada.
Por outro lado, mostram-se manifestamente infundadas e inconcludentes as alegações da recorrente sobre a invocada desconsideração da expressa, legítima e soberana vontade da criança, e quanto à necessidade de audição dos menores nos processos relativos às responsabilidades parentais, porquanto se verifica que o Tribunal a quo considerou e valorou o resultado da audição da criança de forma rigorosa, acertada e absolutamente adequada, observando, assim, todas as disposições normativas invocadas e aplicáveis, quer as decorrentes de regulamentos da UE e de convenções internacionais vinculantes do Estado Português, quer as disposições da lei fundamental e do direito interno do Estado Português enunciadas pela recorrente nas correspondentes alegações da apelação.
Improcedem, assim, nesta parte, as conclusões apresentadas pela apelante, mantendo-se, em conformidade, a decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre os factos vertidos em 1.1. supra.

2.4. Reapreciação da decisão de mérito

Está em causa, na presente apelação, a sentença proferida em 06-05-2021 na providência tutelar cível intentada pelo requerente N. M. contra a ora apelante P. C. - por apenso ao processo de Regulação das Responsabilidades Parentais, n.º 3470/14.6TBLRA do Juízo de Competência Genérica de Vila Pouca de Aguiar -, visando a alteração do regime da regulação das responsabilidades parentais anteriormente acordado (em 11-01-2016) e estabelecido relativamente à filha menor de ambos, C. C., nascida a ..-09-2011.
Na providência agora em análise o requerente pediu a alteração do regime da regulação das responsabilidades parentais no sentido de a residência habitual da criança ser fixada junto do pai, exercendo este total e unicamente as responsabilidades parentais da criança, ficando a mãe com visitas, nos termos que o pai tinha à data do pedido de alteração, assim como o regime de férias e dias festivos.
Alega, no essencial, que a filha está em situação de perigo junto da mãe; que esta não lhe consegue dar a necessária estabilidade, organização e controlo, o que já motivou a intervenção da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ), a qual deliberou remeter o processo aos Serviços do Ministério Publico de Vila Pouca de Aguiar, por incumprimento reiterado do acordo de promoção e proteção oportunamente homologado, necessitando de intervenção e apoio familiar estruturantes, que o requerente alega poder facultar à criança.
Considerando os factos dados como provados, a 1.ª instância decidiu alterar o regime da regulação das responsabilidades parentais anteriormente em vigor, definindo o seguinte regime da regulação das responsabilidades parentais relativamente à criança C. C.:
A) Atribuir aos progenitores N. M. e P. C. o exercício das responsabilidades parentais referentes às questões de particular importância para a vida da criança C. C.;
B) Atribuir ao progenitor N. M. a guarda/residência da criança C. C., bem como o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente da mesma;
C) Fixa-se o seguinte regime de convívio da progenitora P. C. com referência à sua filha C. C.:
1) A mãe poderá contactar com a criança via telefone, telemóvel ou skype, ou qualquer outro meio de comunicação à distância com imagem;
2) A mãe poderá ter a filha consigo todos os fins-de-semana, a partir das 21 horas de sexta-feira e até às 18 horas de domingo;
3) O local de entrega da C. C. à mãe ocorrerá em casa da mesma.
4) A C. C. passará com a mãe metade das respetivas férias escolares: Natal, Páscoa e Verão.
D) A progenitora P. C. contribuirá com a quantia mensal de 100,00€ (cem euros) a título de prestação de alimentos referente à sua filha C. C., que será atualizada, anualmente, em função dos índices dos preços ao consumidor, a publicar pelo INE, sendo que a quantia deverá ser depositada em instituição bancária a indicar pelo progenitor, ou enviada por cheque ou vale postal, até ao dia 10 de cada mês.
Como se viu, a recorrente P. C. pretende a revogação desta decisão e a sua substituição por outra que, alega, tenha em devida conta o superior interesse da menor C. C., pugnando pela manutenção da regulação das responsabilidades parentais nos moldes anteriores, assim permanecendo a criança entregue à guarda e cuidados da sua progenitora.
O âmbito do pedido de alteração do regime do exercício das responsabilidades parentais, tal como decorre do disposto no artigo 42.º, n.º 1, do RGPTC, pressupõe o incumprimento por ambos os pais do acordo ou decisão final atinente ao regime da regulação do exercício das responsabilidades parentais ou a ocorrência de circunstâncias de facto supervenientes que justifiquem essa alteração.
Efetivamente, tratando-se de decisões proferidas em processos de jurisdição voluntária - cf. artigos 3.º, al. d), 12.º, 42.º, 45.º, e 65.º do RGPTC - podem as mesmas ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração, entendendo-se como supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso (artigo 988.º, n.º 1, do CPC).
Daqui não resulta, porém, a incondicional alterabilidade das decisões tomadas neste tipo de processos pois, tal como se explicita no Ac. STJ de 13-09-2016 (22), «o caso julgado forma-se no processo chamado de jurisdição voluntária nos mesmos termos em que se forma nos demais processos (ditos de jurisdição contenciosa) e com a mesma força e eficácia. Apenas sucede é que as resoluções tomadas no âmbito do incidente em apreço, como as decisões proferidas nos demais processos de jurisdição voluntária, apesar de cobertas pelo caso julgado, não possuem o dom da “irrevogabilidade”, pois podem ser modificadas com fundamento num diferente quadro factual superveniente que justifique a alteração (como se admite no normativo contido no art. 988º do CPC).
(…)
E, por outro lado, para além de o princípio da alterabilidade das resoluções tomadas em processos de jurisdição voluntária não ter carácter absoluto, devendo, pois, ser aplicado com especial prudência, as «circunstâncias supervenientes», a que o preceito citado alude, justificativas da modificação daquela anterior decisão, hão-de reconduzir-se aos factos em si mesmos, a realidades sobrevindas, com reflexo na alteração substancial da «causa de pedir» – no conceito previsto no art. 581º do CPC (…)».
Considerando a matéria de facto provada, a 1.ª instância concluiu, no essencial, que os factos descritos em 15 a 24 consubstanciam um acervo superveniente atinente à vivência da C. C. que configura a criação de um quadro assaz debilitante e enviesante do desenvolvimento integral da mesma e do seu bem-estar, reconduzindo-se a um inadimplemento crasso e reiterado dos poderes-deveres parentais da progenitora, inferindo-se que a mesma se configura desguarnecida das exigíveis competências parentais.
Concomitantemente, e tal como resulta ainda da fundamentação da sentença recorrida, a C. C. possui uma relação de proximidade e afetividade com o progenitor, que se afigura provido das condições imprescindíveis para o exercício da parentalidade, concluindo então:
«Destarte, à luz do superior interesse da C. C., existem fundamentos ultra-relevantes para modificar a guarda/residência da mesma, postulando-se a atribuição da criança ao pai, incumbindo aos progenitores o exercício das responsabilidades parentais referentes às questões de particular importância para a vida da mesma».
Em face do quadro fáctico apurado nos autos impõe-se a nossa total concordância relativamente ao enquadramento efetuado pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, sendo inequívoco que os factos apurados permitem consubstanciar uma relevante alteração superveniente das circunstâncias, com reflexo na segurança, saúde, educação, bem-estar, equilíbrio emocional e desenvolvimento integral da criança.
Note-se, aliás, que o regime da regulação das responsabilidades parentais inicialmente acordado pelos progenitores, com atribuição da residência habitual da criança junto da mãe, foi homologado em 11-01-2016 (ponto 2 dos factos provados), sendo que, em 17-10-2016, foi instaurado processo de promoção e proteção na CPCJ de Vila Pouca de Aguiar com referência à C. C. (ponto 4 da matéria de facto assente) e, em 18-01-2019, foi subscrito naquela CPCJ acordo de promoção e proteção com referência à C. C., com aplicação da medida de promoção e proteção de apoio junto da mãe (ponto 8 dos factos provados).
Ora, apesar da medida de promoção e proteção aplicada em benefício da criança, em sede de CPCJ, o que se verifica é que tal medida não evitou que o Ministério Público viesse a intentar judicialmente o processo de promoção e proteção autuado sob o apenso B), peticionando, então, a aplicação de medidas de promoção e proteção à C. C. e à irmã A. C. em 20-03-2019 (ponto 9 da matéria de facto assente) que também vive no mesmo agregado da progenitora.

Mais se verifica que, em 30-09-2019, no âmbito do processo de promoção e proteção em referência, proferiu-se sentença que consignou:

«homologa-se o acordo concernente à aplicação às crianças A. C. e C. C. da medida de Apoio Junto da mãe, pelo período de 6 meses, determinando-se que a progenitora:
- Se submeta a acompanhamento psicológico no Centro de Saúde de ...;
- Cumpra as visitas e os contactos por parte de cada um dos progenitores das menores;
- Se submeta a consulta para eventual despistagem de perturbação do foro psicológico, nomeadamente depressão;
- Cumpra todas as indicações dadas pela Técnica da Segurança Social e permita sem qualquer excepção as visitas domiciliárias» (cf. o ponto 10 da matéria de facto provada).
Como se sabe, a intervenção para promoção dos direitos e proteção da criança/jovem em perigo tem lugar, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 1, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP) (23) - Lei n.º 147/99, de 01.09 -, quando os pais, o representante legal, ou quem tenha a guarda de facto de criança ou jovem, ponha em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou ainda quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo, devendo o Tribunal intervir de forma a afastar o perigo mediante a aplicação de uma medida de promoção e proteção - cf. artigo 34.º da LPCJP - de entre as que se encontram taxativamente elencadas no artigo 35.º, do citado diploma legal, a qual tem de ser adequada e idónea para remover o perigo.
O fundamento da intervenção judicial é a proteção da/o criança/jovem, pelo que a medida a aplicar terá sempre em vista o superior interesse da criança, tal como reconhecido nos artigos 67.º, 69.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), e no artigo 4.º, alínea a), da citada LPCJP.
Por outro lado, os pais não têm apenas o direito, constitucionalmente consagrado, a educar e a manter os filhos. Estão igualmente adstritos a esse dever, também reconhecido pela Lei Fundamental - cf. o artigo 36.º, n.º 5, da CRP.
É certo que as situações de perigo que legitimam a intervenção judicial, e que são enumeradas, a título exemplificativo, no artigo 3.º, n.º 2, da citada LPCJP, tanto podem resultar de culpa dos pais, representante legal ou daquele que tiver a sua guarda de facto, como de ação ou omissão de terceiros ou de simples incapacidade ou ineficácia destes.
Porém, resulta indiscutível da análise da factualidade apurada sob os pontos 6, 7, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 19, 20, 21, 22, 23, 24 e 40 que a criança, C. C., foi sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos ou omissões que não podem deixar de ser imputáveis à sua progenitora e que são suscetíveis de fazer perigar gravemente a sua segurança, saúde, desenvolvimento e equilíbrio emocional, o que, de resto, terá levado a que, por despacho proferido em 4-08-2020, no processo de promoção e proteção em apenso, se tenha decidido prorrogar as medidas de promoção e proteção descritas em 10 (cf. o ponto 13 dos factos assentes).
Por outro lado, o que também se verifica pela análise dos factos dados como provados na sentença recorrida é que a progenitora não só tem revelado incapacidade para prover à satisfação das necessidades básicas de subsistência, proteção, aprovação, ensino, e estimulação consistentes e apropriados ao interesse da sua filha como tem incumprido com as medidas de promoção e proteção aplicadas em benefício da criança, as quais oportunamente subscreveu.
Assim é que, em 12-12-2020, no âmbito do processo de promoção e proteção autuado como apenso B), a técnica da Segurança Social - ATT elaborou relatório social referente à C. C., enunciando, nomeadamente, que a progenitora “não cumpriu com o que foi determinado no que se refere ao apoio psicológico (…)” e que “De acordo com as informações remetidas pelo professor da menor a aluna tem fraco rendimento escolar. A nível comportamental é uma aluna que demonstra alguma revolta e agitada (…) Ao nível habitacional e durante a visita domiciliária podemos confirmar que a habitação se encontrava desorganizada e pouco higienizada (…)” (cf. o ponto 11 dos factos provados).
Por outro lado, em 12-05-2020, o Centro de Saúde de ... informou que a progenitora compareceu na consulta de Psicologia agendada para o dia 27-2-2019 e faltou à agendada para o dia 27-3-2019 (ponto 12 da matéria de facto provada); no ano letivo 2019/2020, a C. C. frequentou o 3.º ano de escolaridade, apresentando muitas dificuldades de aprendizagem, sendo que, a partir do dia 25 de abril de 2020 e pelo menos até 18 de maio de 2020, não assistiu às aulas nem efetuou os trabalhos de casa (ponto 15); na sequência do indicado em 13), entre os meses de abril e maio de 2020, o professor titular de turma telefonou diversas vezes para o número de telemóvel da progenitora, sendo que a mesma não atendeu os telefonemas (ponto 16); no ano letivo 2020/2021, a C. C. frequentou o 4.º ano de escolaridade, sendo uma aluna distraída, desorganizada, desinteressada, que raramente faz os trabalhos de casa e que obteve classificação insuficiente às disciplinas de português, matemática e estudo do meio (ponto 17); desde o início de janeiro de 2021, a C. C. não tem tomado a medicação mencionada em 14), por decisão da progenitora (ponto 19); na segunda quinzena de janeiro, na sequência do encerramento do ensino presencial, a progenitora levou a C. C. e a A. C., atualmente com 11 anos de idade, para a casa da tia paterna da mesma, D. A. M., sendo que apenas as ia buscar ao fim-de-semana (ponto 22); a progenitora conduz a transporta as duas filhas numa carrinha de marca Citroen, modelo Berlingo, matrícula FV, que tem apenas dois lugares (ponto 23); a progenitora é vista com uma pessoa com alguma fragilidade emocional, inconstante e que não aceita observações relativamente ao seu papel parental (ponto 24); a progenitora não apoia a C. C. com referência aos trabalhos de casa escolares e não lhe faz perguntas relativamente ao dia-a-dia escolar da mesma (ponto 40).

Acresce constatar que, no final de fevereiro de 2021, uma técnica do Gabinete de Ação Social do Município ... visitou a habitação da progenitora referida em 3), verificando que:

- por toda a habitação havia lixo misturado com roupa no chão, restos de bolachas, comida de cão e de gato;
- no quarto da C. C. e da irmã A. C., o chão estava repleto de roupas;
- na sala, o lixo acumulava-se por todo o espaço, inclusive numa pequena mesa de canto havia uma tigela de sopa velha e um prato de massa ressequida;
- a bancada da cozinha estava atolada de louça suja e lixo espalhado por todo o lado, pratos com restos de comida de gato ou cão e outros restos de refeições anteriores;
- na despensa, existia um acumular de tralha, havendo no cimo da mesma um balde de esfregona, o qual tinha dentro uma panela de restos de comida (ponto 20 da matéria de facto provada).

Por outro lado, relevam ainda os factos que nos dão conta que o progenitor, nomeadamente, quando está com a C. C., mostra-se interessado no dia-a-dia escolar da mesma (ponto 41); o progenitor vem buscar a C. C. a Vila Pouca de Aguiar uma vez por mês (ponto 32); declarou pretender matricular a C. C. na escola da área de residência, que fica próximo da sua casa e da casa de seus pais e inscrevê-la na natação (ponto 33); os avós paternos da C. C. estão reformados e declaram-se disponíveis para ajudar o progenitor a cuidar diariamente da mesma (ponto 34); o progenitor reside sozinho num apartamento de tipologia 2, sito na Rua …, nº …, em Leiria, adquirido pelo próprio com recurso a empréstimo bancário (ponto 27); o apartamento apresenta condições de habitabilidade e de espaço, assim como um adequado investimento na sua higiene e conforto (ponto 28); o progenitor confeciona as suas refeições e realiza as demais tarefas doméstica, sendo que, quando necessário, tem o apoio da sua própria mãe, que também vive na cidade de Leiria (ponto 29); o progenitor exercer funções como técnico de ar condicionado, ventilação e aquecimento na empresa X – Central de distribuição térmica de Portugal, S.A., onde trabalha há 25 anos, em regime de horário flexível, entre as 9h – 13h e as 14.30h – 18.30h, de 2ª feira a 6ª feira, auferindo uma remuneração-base de 1 087,33€, a que acrescem 100€ de Prémios, Bónus e outras Prestações de Caráter Mensal, nos meses em que trabalha aos sábados (ponto 30).
Assim sendo, ponderando a descrita factualidade provada nos autos, dúvidas não subsistem de que a sentença recorrida defende adequadamente o interesse da criança ao fixar a residência habitual da criança junto do pai, pois este revela ter as condições necessárias para receber e integrar a filha C. C. no respetivo agregado, denotando disponibilidade, interesse e condições para assegurar acompanhamento adequado à prossecução das necessidades básicas de subsistência, proteção, aprovação, estimulação, ensino, e afeto consistentes e apropriados ao interesse da criança.
Efetivamente, tal como decorre do disposto no artigo 1906.º, n.º 7, do CC, o Tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.
Neste contexto, resulta indiscutível a referência ao superior interesse da criança enquanto critério fundamental que deve presidir às decisões atinentes à regulação do exercício das responsabilidades parentais, tal como também prevê o artigo 40.º, n.º 1, do RGPTC.
Trata-se do verdadeiro princípio orientador e instrumento fundamental para uma adequada proteção dos direitos da criança.
A propósito do critério fundamental do interesse da criança importa sublinhar que “o legislador não terá definido este conceito (que é, por isso indeterminado) precisamente para permitir que a norma se pudesse adaptar à variabilidade e imprevisibilidade das situações da vida, máxime da situação de cada família ou mais exactamente de cada criança”, ainda que se possa adiantar que tal interesse não andará longe do “estabelecimento das ideais ou das possíveis condições sociais, materiais e psicológicas da vida de um filho, geradas pela participação responsável, motivada e coordenada de ambos os progenitores, acção essa que garanta a inserção daquele num optimizante e gratificante núcleo de vida, claramente propiciador do seu desenvolvimento emocional, físico e cívico e da obtenção da sua «cidadania social»” (24).
Resta dizer que a circunstância de a C. C. ter uma relação de afetividade com a mãe e gostar de estar na casa da mesma (ponto 35) e de a C. C. ter uma relação de afetividade com a irmã A. C., que a ajuda, designadamente, com os trabalhos de casa escolares (36), não pode ser impeditiva da alteração decidida na sentença recorrida, porquanto, como se viu, o quadro vivencial da criança na casa da mãe é gerador de perigo reiterado para o seu desenvolvimento integral, fator que julgamos absolutamente decisivo e preponderante na definição e prossecução do superior interesse da criança no caso em apreciação.
Por outro lado, os autos também revelam que a criança gosta de estar na casa do pai e de conviver com os avôs paternos (ponto 37), tem uma relação de proximidade e afetividade com o pai (ponto 38) e tem uma relação de afetividade com os avós paternos (ponto 39), reconhecendo o progenitor a importância da presença da progenitora e irmã na vida da criança e mostrando-se disponível para promover a manutenção desses contactos e presença, quer através de informação sobre as questões de particular importância, quer fomentando os contactos pelos meios atualmente disponíveis, presencialmente ou através dos meios informáticos, circunstâncias que permitem antever a consolidação de um quadro de referências de vinculação efetiva da C. C. com ambos os progenitores, para que estes, como devem, participem no seu desenvolvimento e acompanhem o seu crescimento de uma forma espontânea e responsável.
Tudo ponderado, resta concluir que a alteração decidida na sentença recorrida quanto à fixação da residência habitual da criança junto do requerente/pai, com o exercício por este das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente da criança, mostra-se de harmonia com o superior interesse da criança e ponderou de forma adequada todos os elementos disponíveis no processo, não merecendo qualquer censura.
Pelo exposto, cumpre julgar improcedente a apelação apresentada pela requerida/progenitora e, em consequência, confirmar integralmente a sentença recorrida, nessa parte.

2.5. Na apelação apresentada pelo requerente/progenitor vem impugnada a sentença recorrida, na parte em que em que fixou o regime de convívios da progenitora com a sua filha C. C., enunciado nos pontos C) - 2 e C) -3, do dispositivo da sentença recorrida.
Defende o recorrente, no essencial, que deve ser alterada a decisão recorrida nessa parte, ficando a C. C. com cada um dos progenitores em fins de semana alternados e devendo as despesas destas deslocações ser repartidas entre ambos, quer vindo a mãe entregar e o pai levar quer encontrando-se a meio caminho para entrega da menor.
Para o efeito alega, em síntese, que será do superior interesse da criança um regime igualitário entre ambos os progenitores, no que respeita ao tempo de qualidade com a menor, devendo ser repartido em férias mas já não obrigando a menor a ir todos os fins-de-semana à mãe em prejuízo do tempo de qualidade com o pai.
Sustenta que, além da desigualdade que gera entre os progenitores, a criança, com este regime, ficaria exausta com as deslocações semanais, impondo-lhe um sacrifício de cerca de 2.000,00 Kms por mês, não lhe permitindo o descanso normal de uma criança pequena. Conclui, ainda, que o regime fixado faz recair sobre o progenitor todas as despesas dessa deslocação que se preveem ser cerca de 680,00€ mensais, sendo que a mãe apenas terá a responsabilidade de pagar €100,00 por mês a título de prestação de alimentos, responsabilidade que o pai deve igualar, face ao valor mensal que ambos auferem, sendo o pai o mais sacrificado a esse nível.
Efetivamente, a decisão recorrida fixou um regime de convívios entre a progenitora e a C. C. todos os fins-de-semana, bem como metade das férias da Páscoa, de Natal e de verão (nos termos do ponto C - 2 do dispositivo da sentença recorrida), o qual entendeu corresponder ao superior interesse da criança, determinando, ainda, que o local de entrega da C. C. à mãe ocorrerá em casa da mesma (ponto C -3, do dispositivo da sentença recorrida).
Na resposta às alegações apresentadas pelo recorrente, sustenta o Ministério Público, no essencial, que, considerando a distância e o corte da vivência diária necessariamente operada pela decisão sob recurso, o regime fixado revela-se o mais adequado, pelo menos num período transitório, para não provocar na menor um choque na alteração da sua rotina e na vivência afetiva. Ainda que admita que o Tribunal a quo colocou a execução do regime de visitas exclusivamente a cargo do recorrente/pai, defende o Ministério Público que outra solução levaria, por ora, a colocar em crise o direito da criança a manter o vínculo afetivo com ambos os progenitores de forma equitativa, considerando o défice de competências parentais da requerida. Conclui que o ónus imposto pelo Tribunal a quo exclusivamente sobre o pai revela-se, por ora, a única forma de salvaguardar as referências parentais da menor e de lhe assegurar o equilíbrio necessário para um desenvolvimento harmonioso dentro das circunstâncias vivenciais.
Vejamos como decidir.
No caso vertente foi adotado o regime regra que emerge do disposto no artigo 1906.º, n.º 1, do CC, estipulando-se o exercício em comum, por ambos os progenitores, das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da criança - cf. alínea A) do dispositivo da sentença recorrida - o que não vem posto em causa nos recursos apresentados.
A este propósito, referem Helena Bolieiro e Paulo Guerra (25), «note-se que no exercício conjunto das responsabilidades parentais não existem visitas stricto sensu (sendo até contraproducente tal chamar-lhe no acordo, sob pena de desvirtuação da própria filosofia deste regime conjunto), gozando ambos os pais do direito de livremente se relacionarem com o filho.
Contudo, como só um deles tem a guarda física (com quem o filho reside habitualmente, nas palavras da Lei n.º 61/2008), convém marcar algum tempo de convívio com o outro (com quem o filho está temporariamente e que também pode decidir as questões da vida corrente do filho, desde que não contrarie as orientações educativas mais relevantes do progenitor com quem a criança reside habitualmente)».
Ora, recorrendo novamente ao conceito indeterminado do interesse da criança, enquanto critério fundamental a utilizar na determinação da residência da criança e dos convívios com o progenitor com quem a criança não reside habitualmente, não podemos deixar de destacar que a própria lei enuncia alguns elementos que permitem concretizar tal conceito a propósito de tais matérias, decorrendo dos mesmos que o legislador pretendeu efetivamente garantir a manutenção de relações pessoais de grande proximidade e contactos diretos da criança com ambos os progenitores.
São eles o preceituado no artigo 1905.º, n.º 5, do CC, ao estabelecer que, «o tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro» e, por outro lado, o n.º 7 do citado preceito legal, ao estipular que «o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles».
Idêntico reconhecimento surge, aliás, consagrado no artigo 24.º, n.º 3, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, ao prever que «todas as crianças têm o direito de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos os progenitores, excepto se isso for contrário aos seus interesses».
Também o artigo 36.º, n.º 6, da CRP, prevê que «os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial», norma que deve ser interpretada no sentido de que os pais devem poder tê-los junto de si, quer em termos de guarda, «quer em termos de exercício de um amplo e regenerador direito de convívio» (26).
Daí que «só excecionalmente, ponderando o superior interesse da criança e considerando o interesse na manutenção do vínculo afetivo com o visitante, pode o tribunal, pelo período de tempo que se revele estritamente necessário, ordenar a suspensão do regime de visitas» (artigo 40.º, n.º 3, do RGPTC).
Neste enquadramento, resulta indiscutível que, na generalidade das situações, a prossecução do interesse da criança passa necessariamente por considerar que esta necessita igualmente do pai e da mãe, não podendo nenhum deles desempenhar eficazmente a função que ao outro cabe.
Assim, «nunca será de mais sublinhar que a criança necessita igualmente do pai e da mãe e que, por natureza, nenhum deles pode preencher a função que ao outro cabe. A consciência desse facto, por ambos os pais, é essencial para que o relacionamento do filho com o progenitor que não detém a guarda física se processe naturalmente, sem conflitos ou tensões». E, «manter uma relação de grande proximidade, impõe contactos regulares e frequentes do progenitor com o filho, de poder partilhar consigo o seu espaço, passar com ele fins de semana, datas festivas, aniversários, períodos de férias, podendo ainda conviver com o filho durante alguns dias úteis da semana, tudo dependendo das circunstâncias, nomeadamente do relacionamento dos pais, idade da criança, a localização da sua residência e a disponibilidade do progenitor» (27).
No caso, e não obstante a relevante distância que separa as residências dos progenitores da C. C. (28), a qual certamente inviabilizará o convívio presencial da progenitora com a filha durante alguns dias úteis da semana mas não os contactos com a criança via telefone, telemóvel ou skype, ou qualquer outro meio de comunicação à distância com imagem (tal como previstos no ponto C-1 do regime fixado), julgamos que a previsão da repartição do período de tempo da criança nos fins de semana, por definição um período de qualidade e, por certo, capaz de assegurar o interesse da C. C. em manter e reforçar os laços afetivos e de vinculação segura com ambos os progenitores, mostra-se absolutamente essencial à prossecução do superior interesse da criança.
Ponderando, porém, as circunstâncias invocadas pelo Ministério Público como justificativas da definição do regime de convívios entre a progenitora e a C. C. que contemple todos os fins-de-semana (sem contemplar qualquer fim de semana com o pai, tal como fixado na sentença recorrida), designadamente a necessidade de atenuar o impacto na criança da inevitável alteração das suas rotinas e vivências atuais face à alteração da residência habitual que foi determinada, julgamos que as mesmas não são impeditivas da definição de um regime mais equitativo de partilha efetiva do tempo de qualidade da criança com ambos os progenitores.
Assim, entendemos que a referenciada necessidade pode ser adequadamente acautelada mediante a definição de um regime transitório, tal como aliás parece sugerir o Ministério Público nas contra-alegações apresentadas.
Por conseguinte, cumpre alterar, nesta parte, a sentença recorrida, no sentido de ser alterado o teor do ponto C-2 do dispositivo da sentença recorrida, prevendo expressamente a partilha de tempo da criança com ambos os progenitores também nos fins de semana, de forma alternada, no sentido proposto pelo recorrente/progenitor, ainda que com previsão de um regime transitório inicial, com a duração de 6 meses, durante o qual o pai poderá ter a filha consigo num fim de semana em cada mês, coincidente com o terceiro fim de semana de cada mês, cabendo os restantes à mãe durante tal período, a partir das 21 horas de sexta-feira e até às 18 horas de domingo e devendo qualquer alteração, por impossibilidade absoluta de se concretizar, ser comunicada pelo menos 15 dias de antecedência. Logo que decorrido o período inicial de 6 meses de implementação efetiva do regime agora fixado, a C. C. passará com a mãe fins de semana alternados, a partir das 21 horas de sexta-feira e até às 18 horas de domingo.
Atenta a alteração agora determinada, no sentido da partilha de tempo da criança com ambos os progenitores também nos fins de semana, de forma alternada, temos como razoável e adequado e regime fixado pelo Tribunal a quo sob o ponto C - 3 do dispositivo da sentença recorrida.
Efetivamente - e como bem sublinha o Ministério Público nas contra-alegações apresentadas sobre tal matéria - a definição do local de entrega da C. C. à mãe em casa desta, com o inerente ónus imposto ao progenitor pelo Tribunal a quo na execução de tal regime, revela-se, por ora, a única forma de garantir a concretização efetiva de tal esquema de convívios e, com isso, de salvaguardar as referências parentais da C. C., assegurando-lhe o equilíbrio necessário para um desenvolvimento harmonioso, considerando as circunstâncias vivenciais que foram determinantes na alteração da residência habitual desta criança.
Pelo exposto, cumpre julgar parcialmente procedente a apelação apresentada pelo requerente/progenitor e totalmente improcedente a apelação da recorrente/progenitora.
Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo. Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.
No caso em apreciação, como a apelação apresentada pela requerida/progenitora foi julgada improcedente, as custas desta apelação são integralmente da responsabilidade da recorrente, atento o seu decaimento, sendo as da apelação apresentada pelo requerente/progenitor da responsabilidade do apelante/recorrente e da recorrida/apelada, na proporção de metade, tudo sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.

Síntese conclusiva:
I - A competência do TJUE para decidir a título prejudicial implica, necessariamente, a verificação de dois requisitos essenciais: que, em processo pendente perante um órgão jurisdicional de um Estado-Membro se suscite uma questão respeitante à interpretação dos Tratados ou à aferição da validade e interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União; que o órgão jurisdicional nacional entenda que tal questão é necessária ao julgamento da causa.
II - Não se verificam os pressupostos para o recurso ao mecanismo do reenvio prejudicial se a fundamentação da decisão assentou de forma direta na análise e ponderação de normas legislativas internas do Estado Português, sendo que a apelante apenas suscita, de forma expressa, a questão da interpretação ou validade das normas dos arts. 4.º, n.º 1, al. c), e 5.º do RGPTC, as quais configuram disposições de direito interno.
III - A avaliação das condições em que se processa a audição da criança em processo tutelar cível de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais deve ser sempre feita casuisticamente, em função da idade e maturidade da criança, bem como do seu estado psicológico e da situação concreta vivenciada pela criança e pelos progenitores, no âmbito das competências que a lei atribui ao juiz e dentro dos parâmetros previstos no artigo 5.º do RGPTC.
IV - O artigo 5.º do RGPTC, ao reafirmar, no seu n.º 1, o direito da criança a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse impõe ao julgador a valoração efetiva das declarações prestadas pela criança, ainda que atendendo, em conjunto, a todos os fatores relevantes que são determinantes na prossecução do seu superior interesse, não esquecendo a ponderação crítica da opinião revelada pela criança em função da sua idade, da maturidade revelada, bem como da relevância dos motivos ou das razões apresentadas pela criança na exposição das preferências ou opiniões manifestadas.
V - Cabe ao julgador refletir e valorar criticamente a vontade expressamente transmitida pela criança através da respetiva audição, tendo como limite e critério orientador a prossecução de outros direitos ou princípios essenciais, entre os quais o do superior interesse da criança, o qual pode não coincidir integralmente com a opinião manifestada.
VI - Não podem ser definidos critérios rígidos para definir com quem a criança deverá residir habitualmente, antes se decidindo em cada caso, conforme for adequado, correto e melhor corresponder às suas necessidades, sempre de harmonia com o seu superior interesse, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente, a capacidade revelada pelos progenitores para prover à satisfação das necessidades básicas de subsistência, proteção, aprovação, ensino, estimulação e afeto, consistentes e apropriados ao interesse da criança, bem como a disponibilidade revelada por cada um dos progenitores para promover relações habituais do filho com o outro.
VII - O recurso à providência tutelar cível de alteração do regime do exercício das responsabilidades parentais pressupõe o incumprimento por ambos os pais do acordo ou decisão final atinente ao regime da regulação do exercício das responsabilidades parentais ou a ocorrência de circunstâncias de facto supervenientes que justifiquem essa alteração.
VIII - Resultando dos factos dados como provados que a progenitora não só tem revelado incapacidade para prover à satisfação das necessidades básicas de subsistência, proteção, aprovação, ensino, e estimulação consistentes e apropriados ao interesse da sua filha, incumprindo com as medidas de promoção e proteção aplicadas em benefício da criança no correspondente processo, as quais oportunamente subscreveu, verifica-se uma relevante alteração superveniente das circunstâncias, com reflexo na segurança, saúde, educação, bem-estar, equilíbrio emocional e desenvolvimento integral da criança, justificativa da fixação da residência habitual da criança junto do pai.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente a apelação apresentada pela requerida/progenitora e parcialmente procedente a apelação apresentada pelo requerente/progenitor, em consequência do que se determina a alteração do ponto C-2 do dispositivo da sentença recorrida, o qual passará a ter o seguinte teor:
A) (…);
B) (…);
C) Fixa-se o seguinte regime de convívio da progenitora P. C. com referência à sua filha C. C.:
1. (…);
2. a) Inicialmente, nos primeiros 6 (seis) meses de implementação efetiva do presente regime, a mãe poderá ter a filha consigo todos os fins-de-semana, a partir das 21 horas de sexta-feira e até às 18 horas de domingo, com exceção de um fim de semana em cada mês, coincidente com o terceiro fim de semana de cada mês, no qual a criança permanecerá com o pai;
b) Logo que decorrido o período inicial de 6 meses de implementação efetiva do regime agora fixado, a C. C. ficará com a mãe em fins de semana alternados, a partir das 21 horas de sexta-feira e até às 18 horas de domingo.
3. (…);
4. (…).
Confirmando-se, no mais, a sentença recorrida.
As custas da apelação apresentada pela requerida/progenitora são integralmente da responsabilidade da recorrente, atento o seu decaimento, sendo as da apelação apresentada pelo requerente/progenitor da responsabilidade do apelante/recorrente e da recorrida/apelada, na proporção de metade, tudo sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.
Guimarães, 30 de setembro de 2021
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (relator)
Joaquim Espinheira Baltar (1.º adjunto)
Luísa Duarte Ramos (2.º adjunto)



1. Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p. 738.
2. Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 2.º Volume, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, p. 735.
3. Cf. o Ac. do STJ de 02-06-2016 (relatora: Fernanda Isabel Pereira), proferido na revista n.º 781/11.6TBMTJ.L1.S1 - 7.ª Secção - disponível em www.dgsi.pt.
4. Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa - Obra citada - pgs. 737-738.
5. Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre – Obra citada - p. 734.
6. Cf. Direito Comunitário, II Vol., - O Ordenamento Jurídico Comunitário, 5.ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian – Lisboa – p. 439.
7. Cf. João Mota de Campos - Obra citada - p. 435.
8. Cf., o Ac. TRL de 18-06-2019 (Relator: José Capacete), p. 30690/15.3T8LSB.L1-7, disponível em www.dgsi.pt.
9. Cf. João Mota de Campos - Obra citada - p. 454.
10. Cf., o Ac. TRP de 07-05-2018 (Relator: Augusto de Carvalho), p. 440/16.3T8FLG.P1, disponível em www.dgsi.pt.
11. Obra citada - p. 465.
12. Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, p. 126.
13. Cf. Abrantes Geraldes - Obra citada - p. 128 - nota 5.
14. Relatora Maria dos Prazeres Beleza, p. 405/09.1TMCBR.C1.S1 - 7.ª Secção - disponível em www.dgsi.pt.
15. Relatora: Eugénia Cunha, p. 5245/16.9T8GMR-C.G1 disponível em www.dgsi.pt citando, a propósito, diversa doutrina e jurisprudência que julgamos elucidativa.
16. Relator Filipe Caroço, p. 1654/14.6TMPRT-B.P1, disponível em www.dgsi.pt.
17. Cf. Tomé d´Almeida Ramião, Regime Geral do Processo Tutelar Cível Anotado e Comentado, Lisboa, QUID JURIS? – Sociedade editora Ld.ª, 3.ª edição, 2018, pgs. 30-32.
18. Cf., por todos, o Ac. TRP de 24-01-2018 (relatora: Fátima Andrade), p. 67/13.1TMPRT-F.P1, disponível em www.dgsi.pt.
19. Cf. Tomé d´Almeida Ramião - Obra citada - pg. 30.
20. Cf. Alcina Costa Ribeiro, O Direito de participação e audição da Criança no Ordenamento Jurídico Português, DataVenia, ano 3, n.º 4, pg. 112, disponível em https://www. https://www.datavenia.pt/ficheiros/edicao04/datavenia04_099-144.pdf.
21. Relator Diogo Ravara, p. 3162/17.4T8CSC.L1-7 disponível em www.dgsi.pt.
22. Relator: Alexandre Reis, proferido na revista n.º 671/12.5TBBCL.G1.S1 - 1.ª Secção; disponível em www.dgsi.pt.
23. Lei que que tem por objeto a promoção dos direitos e a proteção das crianças e dos jovens em perigo de forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral – cf. o artigo 1.º da LPCJP.
24. Cf. Helena Bolieiro e Paulo Guerra, A Criança e a Família - Uma Questão de Direito (s) – Coimbra Editora – 2009, pgs. 156 e 157.
25. Obra citada, p. 190.
26. Neste sentido, cf. Helena Bolieiro e Paulo Guerra - Obra citada - pgs. 190-191.
27. Cf. Tomé d´Almeida Ramião - Obra citada - pgs. 137-138.
28. Posto que a progenitora reside em Vila Pouca de Aguiar (ponto 3 dos factos provados) e o progenitor reside em Leiria (ponto 27).