Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3588/20.6T8VCT-A.G1
Relator: JORGE SANTOS
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
MEDIDA CAUTELAR E PROVISÓRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
– A aplicação das medidas de promoção e proteção enunciadas no artigo 35.º da LPCJP visa afastar o perigo para a segurança, saúde, formação educação ou desenvolvimento da criança, gerado pelos pais, pelo representante legal ou por quem tenha a sua guarda de facto.

– A aplicação de qualquer medida de promoção e protecção encontra-se sujeita aos princípios orientadores constantes do art.º 4.º da LPCJP, devendo-se em primeiro lugar atentar na defesa do superior interesse da criança.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

  No âmbito do Processo de Promoção e Protecção relativos aos menores AA, BB e CC, nascidos, respectivamente, a .../.../2015, .../.../2017 e .../.../2018, filhos de DD e de EE, foi proferida em 2.03.2023, decisão provisória e cautelar nos seguintes termos:

- “Pelo exposto, nos termos do disposto nos arts. 62º, 92º, nºs 1 e 2, 35º, nº 1, al. f) e 37º da LPCJP, determino:
1. A substituição da medida de apoio junto dos progenitores, pela de integração com carácter provisório das crianças AA, BB e CC, pelo período de 03 meses, em CAT ..., em ....”

Inconformados com esta decisão dela vieram recorrer os progenitores dos menores formulando as seguintes conclusões:

1. O tribunal decidiu aplicar aos menores, a medida provisória de promoção e proteção de acolhimento residencial, pelo período de três meses, retirando-as de junto dos pais.

2. O presente recurso deve subir imediatamente, em separado e com efeito suspensivo, porquanto a aplicação imediata da medida de acolhimento residencial implica uma alteração substancial na vida quotidiana destes três menores, que residem com os pais, aqui recorrentes.

3. Com efeito, desde 2/03/2021 que foi aplicada pelo período de 3 meses a medida de apoio junto dos pais, e por sua vez no dia 15/2021 a medida foi alterada para apoio junto de outro familiar e com apoio económico na pessoa da tia materna FF pelo período de 6 meses, medida essa que foi prorrogada por 6 meses em 10/01/2022 e por mais 6 meses em 14/07/2022.

4. Em 1/10/22 voltou a ser aplicada pelo período de 3 meses a medida de apoio junto dos pais com obrigações para estes e com acompanhamento próximo dos primos maternos.

5. Todavia, e com base no relatório elaborado pela técnica gestora a 6/02/2023, considerou o Tribunal a quo resultar, pelos factos enunciados, os progenitores não asseguram as condições necessárias a preservar a integridade física e psíquica das crianças, e que foi pressuposto da aplicação da medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, e que tal intervenção exige de momento, a aplicação de medida provisória relativamente ao destino destas crianças.

6. Pelo que, em face do exposto no citado relatório, determinou o tribunal a quo a substituição da medida de apoio junto dos progenitores, pela de integração com carácter provisório das crianças GG, BB e CC, pelo período de 3 meses, em CAT ..., em ....

7. Não se descura que este tribunal decida com base em indícios, com vista à proteção de menores em risco. Todavia, não se pode concluir que os menores estejam numa situação de perigo que justifique o seu acolhimento residencial, até porque o Tribunal a quo deveria privilegiar outras medidas, nomeadamente o apoio junto de outro familiar ou a confiança a pessoa idónea.

8. Ao contrário do referido no relatório técnico, existe retaguarda familiar para o acolhimento das crianças, já que tia paterna FF revela-se disponível para acolher as crianças e já o fez no passado e os padrinhos do AA, HH e II disponibilizaram-se para o acolhimento do afilhado, e sempre demonstraram que se organizariam para o acolhimento da criança, pelo que poderia ser determinada a confiança do menor ao casal HH e II, seus padrinhos, nos termos do previsto no n.º 1 da alínea c) do artigo 35º da LPCJP.

9. Além disso os primos maternos e padrinhos da CC também se mostraram disponíveis para o acolhimento da menina, pelo que poderia ser determinada a medida de apoio junto de outro familiar, previsto na alínea b) do n.º 1do artigo 35º da LPCJP.

10. Afastar de forma abrupta os três menores dos pais e dos familiares, por si só, já causou mais danos psico-emocionais a estas crianças do que qualquer indício de perigo, até porque poderia ter sido aplicada uma medida de acompanhado junto dos referidos familiares.

11. A intervenção deverá pautar-se pelos princípios orientadores enunciados no artº 4º, referenciando-se, desde logo, na al. a), o interesse superior da criança, sendo que na aplicação de uma medida de promoção e proteção deve também observar-se o princípio da proporcionalidade, contemplado no art. 4º, al.e), da LPCJP.

12. Conforme resulta do artigo 35º da citada disposição legal, a medida de acolhimento residencial aplicada é uma das últimas medidas a aplicar, ou seja, só se deve aplicar esta medida quando não for possível aplicar outra medida.

13. Deste modo, a medida que se mostra mais adequada e proporcional face às circunstâncias do caso é a medida de confiança a pessoa idónea e apoio junto de outo familiar, medida esta que poderá ser vigiada pela CPCJ e pela Segurança Social de modo a garantir o seu cumprimento.

14. Ainda sobre a adequação e proporcionalidade da medida a aplicar e os objectivos que a LPCJP visa assegurar, esta lei não pretende afastar as crianças e jovens dos pais, não pretende quebrar os laços familiares, pretende sim assegurá-los e para salvaguardar estes laços, a medida de promoção e proteção a aplicar será o apoio junto de outros familiares ou acolhimento familiar, vigiada e regularmente avaliada.

15. Pelo exposto, ao decidir em contrário, a decisão viola o disposto nos 4º e alíneas a) e) e h) do artigo 34º e artigo 35º n.º 1 al. b) e c) da LPCJP

16. Assim, no superior interesse das crianças, deverão os menores ser confiados a tia paterna FF, o menor AA, aos padrinhos HH e II, e a menor CC aos primos maternos e padrinhos, com o devido acompanhamento psicopedagógico e social e ainda ajuda económica, caso seja necessária, nos termos do artigo 40 e 43ºº da LPCJP.

17. Devendo assim, a medida aplicada ser substituída pela medida de promoção e proteção de apoio junto de outro familiar e de confiança a pessoa idónea, nos termos do artigo 35º alínea b) e c) da LPCJP.
Termos em que e nos demais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso, e por via dele, a medida aplicada ser substituída pela medida de Promoção e Proteção, prevista no artigo 35º, alínea b) e c) da LPCJP, só assim se fazendo a necessária e desejada JUSTIÇA!
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Houve consta-alegações pelo Ministério Publico, nas quais de pugna pela improcedência da apelação e confirmação da decisão recorrida.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II – OBJRCTO DO RECURSO

A – Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente, bem como das que forem do conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando notar que, em todo o caso, o tribunal não está vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, atenta a liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.

B – Deste modo, considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos Recorrentes, cumpre apreciar:
- Se existe fundamento legal para revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que decida aplicar a medida de promoção e proteção de apoio junto de outro familiar e de confiança a pessoa idónea, nos termos do artigo 35º alínea b) e c) da LPCJP.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Factos julgados provados na decisão recorrida:

- No dia 01 de Fevereiro de 2023, a criança CC encontrava- se em casa por alegadamente estar doente, tendo sido conduzida ao SU de INEM por a progenitora ter empolado os sintomas.

- A habitação apresentava-se, no interior, desorganizada em todos os compartimentos, com acumulação de roupas e calçado no chão, em baixo das camas, em baixo da mesa da cozinha, lixo e embalagens vazias pelo chão, com várias paredes pintadas/rabiscadas pelas crianças, havia alimentos e medicação que deveria estar acondicionada no frigorifico fora deste. O exterior apresentava-se igualmente desorganizado, com roupas amontadas no anexo onde se encontra a máquina de lavar, brinquedos partidos e calçado espalhados. Para além de existir quer dentro de casa, quer no exterior, lixo proveniente de obras e materiais destinado à mesma, de fácil acesso às crianças.

- A CC encontrava-se na cama no quarto dos progenitores a assistir televisão (desenhos animados).

- A progenitora justifica o estado da habitação com o facto de em dezembro último ter partido um pé, e por isso, estar impossibilitada de realizar as tarefas e ninguém a ajudar (a progenitora encontrava-se a usar uma canadiana para apoio do pé, mas conseguia movimentar-se). Prestou informação quanto à situação de doença da filha semelhante à prestada à equipa do CAFAP, ou seja, diagnóstico de autismo ou asma crónica, empolando os sintomas ou atribuindo outros que a criança nem sequer possui.

- No dia 02/02/2023 foi realizada nova visita ao domicílio, no início da tarde. Encontravam-se em casa os progenitores, uma cunhada e a CC (ainda doente segundo a mãe). A progenitora informou que o marido e a cunhada estavam a ajudar a reorganizar casa e limpar.

- A CC encontrava-se sentada na cama dos progenitores a assistir televisão, mal agasalhada e ao toque apresentava-se gelada (vestia uma camisola interior e tinha as pernas cobertas com a roupa da cama). Pediu- se aos progenitores para a agasalharem melhor, face às correntes de ar existente com as portas abertas devido às limpezas.

- A progenitora disse que a criança não necessitava de mais roupa por estar na cama. O progenitor não valorizou a situação.

- Apenas a cunhada, por sua iniciativa, vestiu mais uma camisola à CC e confirmou que a mesma se encontrava gelada.

- A acrescer a estes novos factos, denota-se que há uma procura regular dos serviços de saúde, o que continua a suscitar preocupação junto dos serviços (ELl e Hospital) por se considerar que nem sempre o relato da progenitora sobre os episódios de doença dos fìlhos é consistente, apresentando muitas vezes junto dos técnicos e/ou pessoas da comunidade relatos de diagnósticos e problemas de saúde desproporcionados à realidade e não validados pelas equipas de saúde.

- A progenitora mantém uma descrição minuciosa e empolada de todas as ocorrências de saúde das crianças, sendo preocupante, sobretudo, a possibilidade de exacerbação de sintomas, o que pode dificultar a apreciação das ocorrências de saúde. Para além de verificar incongruências no discurso da progenitora quanto à situação de saúde/clinica dos filhos, refere com alguma frequência que as crianças necessitam de cirurgias, todavia tais indicações médicas não se têm confirmado com os serviços de saúde.

- São disso exemplo:
a. lnternamento do BB, ocorrido em final de maio de 2022, no qual a criança teve uma "adenite mesentérica" (...)"normalmente estas situações não carecem de internamento uma vez que o médico recomenda remédios analgésicos e anti-inflamatórios, como paracetamol o ibuprofeno, para controlar os sintomas, até que o organismo elimine o vírus, no entanto, dada a atitude apelativa da mãe em internar o filho, a equipa considerou ser o mais adequado".

b. Cirurgia aos ouvidos quanto à CC: segundo a mãe refere, a criança tinha cirurgia marcada aos ouvidos e estaria programada para 20 de janeiro de 2023; o progenitor confirmou que nessa data se deslocou com a progenitora a criança ao hospital e lhe foi informado que a cirurgia terá sido desmarcada; a progenitora refere que a criança tem perda auditiva num dos ouvidos; todavia, de acordo com informação clínica constante no processo eletrónico, a criança foi observada por otorrinolaringologia no dia 13 de Outubro de 2022, efetuou exames auditivos no dia 18 de outubro de 2022 que revelaram audição normal, tendo a mãe sido informada do resultado.
- Também nunca esteve inscrita para realização de cirurgia do foro ORL.

- Para além dos episódios descritos, existem outros que têm preocupado os serviços (diagnósticos de asperger/autismo; descrição de episódios de doença/urgência graves, cuja avaliação médico revelam doenças normais da infância; problemas de saúde da própria mãe não comprovados, etc.).

- As crianças estiveram sem frequentar a Terapia Fala alguns meses. Quando retomaram, no passado mês de Janeiro, a clínica nova onde tais sessões decorrem já identificou também preocupação com o discurso da mãe e já existiram sessões em que as crianças e a mãe se apresentavam aparentemente limpas mas com odor nauseabundo.

- A progenitora continua a não ter acompanhamento psicológico nem psiquiátrico.

- O progenitor delega na progenitora o acompanhamento destas crianças e apresenta resistência à mudança que deve fazer no seio da família.

- A família alargada não constitui retaguarda segura para acolher e cuidar destas crianças por os familiares apontados não reunir em condições habitacionais, nem disponibilidade pessoal/profissional para o efeito e também por haver risco de ingerência destes pais, tudo de acordo com o relatório de 6/2.
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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Do mérito da decisão recorrida

Alegam os Recorrentes que a decisão recorrida viola o disposto nos 4º e alíneas a) e) e h) do artigo 34º e artigo 35º n.º 1 al. b) e c) da LPCJP.
Em sustentação dessa alegação, afirmam os Recorrentes que existe retaguarda familiar para o acolhimento das crianças, já que tia paterna FF revela-se disponível para acolher as crianças e já o fez no passado e os padrinhos do AA, HH e II disponibilizaram-se para o acolhimento do afilhado, e sempre demonstraram que se organizariam para o acolhimento da criança, pelo que poderia ser determinada a confiança do menor ao casal HH e II, seus padrinhos, nos termos do previsto no n.º 1 da alínea c) do artigo 35º da LPCJP; que além disso os primos maternos e padrinhos da CC também se mostraram disponíveis para o acolhimento da menina, pelo que poderia ser determinada a medida de apoio junto de outro familiar, previsto na alínea b) do n.º 1do artigo 35º da LPCJP; que a intervenção deverá pautar-se pelos princípios orientadores enunciados no artº 4º, referenciando-se, desde logo, na al. a), o interesse superior da criança, sendo que na aplicação de uma medida de promoção e proteção deve também observar-se o princípio da proporcionalidade, contemplado no art. 4º, al. e), da LPCJP; e que deste modo, a medida que se mostra mais adequada e proporcional face às circunstâncias do caso é a medida de confiança a pessoa idónea e apoio junto de outo familiar.

Antes de apreciarmos esta argumentação do recurso, cumpre, previamente, referir que das conclusões do mesmo ressuma, essencialmente, discordância dos Recorrentes quanto ao julgamento efectuado sobre a factualidade considerada como provada (com as decorrentes implicações ao nível da qualificação jurídica), a qual, no entanto, não se encontra aqui impugnada em conformidade com o disposto no art. 640º do CPC.
Com efeito, o tribunal a quo considerou provado que a família alargada não constitui retaguarda segura para acolher e cuidar destas crianças por os familiares apontados não reunir em condições habitacionais, nem disponibilidade pessoal/profissional para o efeito e também por haver risco de ingerência destes pais, em conformidade com o teor do relatório social de 6.02.2023.  Do teor desse relatório resulta estarmos perante ausência de retaguarda familiar alargada com efectivas condições para o acolhimento das crianças, a saber;
- a tia paterna JJ, que já acolheu anteriormente as crianças pelo menos em dois momentos, revela-se disponível, todavia não parece reunir condições suficientes para assegurar o efetivo acompanhamento das crianças; FF tem três filhos a cargo; possui a exploração de um café o qual funciona com horário alargado; beneficia do apoio da avó paterna das crianças para acompanhamento dos seus filhos e dependerá da mesma para acompanhamento das três crianças em apreço; a avó paterna possui dificuldades de saúde na atualidade, que limitam a sua capacidade para tal;
- os padrinhos do AA, HH e II, que já se disponibilizaram para o acolhimento do afilhado, na atualidade possuem dificuldades do ponto de vista pessoal/profissional e habitacional para o acolhimento imediato da criança, o que não significa que a médio curto/prazo não se procure organizar para tal;
- os primos maternos, KK e LL, no âmbito do presente Processo mostravam-se disponíveis para o acolhimento da CC (afilhada da filha do casal); sabe-se que estiveram na casa das crianças e alertaram os pais para as condições habitacionais insuficientes (há mais de um mês); todavia, LL foi operada recentemente e, assumiu, dificuldades para assegurar o acompanhamento da criança.
Neste conspecto, discordam os Recorrentes desta factualidade provada, alegando, em sede do presente recurso, que existe retaguarda familiar para o acolhimento das crianças, já que tia paterna FF revela-se disponível para acolher as crianças e já o fez no passado e os padrinhos do AA, HH e II disponibilizaram-se para o acolhimento do afilhado, e sempre demonstraram que se organizariam para o acolhimento da criança, e que, além disso, os primos maternos e padrinhos da CC também se mostraram disponíveis para o acolhimento da menina.
Porém, os Recorrentes ao questionarem esta factualidade julgada provada, não cumpriram os requisitos de ordem formal que permitam a este Tribunal apreciar a impugnação que faz da matéria de facto, nomeadamente não indicam os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; não especificam na motivação dos meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, impõem uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; não apreciam criticamente os meios de prova, nem expressam na motivação a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto questionadas; tudo conforme resulta do disposto no artº. 640º, nºs. 1 e 2, do Código Processo Civil (C.P.C.).
Deste modo, todas as considerações do recurso sobre o alegado desacerto do tribunal relativamente ao julgamento sobre a matéria de facto constante da decisão recorrida não têm a virtualidade de produzir aqui qualquer efeito quanto à almejada revogação da decisão.
Assim sendo, mantendo-se inalterada a decisão recorrida relativamente à factualidade que dela consta, apreciaremos de seguida a adequada subsunção jurídica, tendo como pressuposto os factos considerados indiciados pelo tribunal a quo.
Vejamos então se a decisão recorrida viola aquelas normas jurídicas.
Previamente, cumpre tecer alguns considerandos jurídicos.
Nos termos do disposto no art.º 1.º da - Lei n.º 147/99 de 1 de Setembro e suas alterações, esta “tem por objecto a promoção dos direitos e protecção das crianças e dos jovens em perigo de forma a garantir o seu bem estar e o seu desenvolvimento integral”.
A intervenção para a promoção dos direitos e para protecção da criança deve ocorrer sempre que “ os pais, (…) puserem em perigo a sua [da criança ou do jovem] segurança, saúde, formação educação ou desenvolvimento” (cfr. artigo 3.º da LPCJP).

De acordo com o n.º 2 do artigo 3.º da LPCJP considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações:

a)-Está abandonada ou vive entregue a si própria;
b)-Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;
c)-Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;
d)-Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais;
e)-É obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento;
f)-Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;
g)-Assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação.
h)-Tem nacionalidade estrangeira e está acolhida em instituição pública, cooperativa, social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, sem autorização de residência em território nacional.

Porém, a intervenção com vista a proteger a criança da referida situação de perigo está sujeita a vários princípios orientadores elencados no art.º 4.º da LPCJP.
Desde logo, em primeiro lugar desse elenco surge-nos “o interesse superior da criança”, como critério básico e fulcral a nortear qualquer decisão relativamente as crianças ou jovens. A intervenção deve, pois, “atender prioritariamente, aos interesses e direitos da criança, nomeadamente à continuidade de relações de afecto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade de interesses presentes no caso concreto.” (art.º 4.º alínea a) da LPCJP).
No mesmo sentido, a Convenção sobre os Direitos da Criança (Nova Iorque, 26-01-1990, ratificada pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90) enuncia que: “Todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.” (cfr. art.º 3.º n.º1.)
Estabelece também a alínea e) do citado art.º 4.º que é igualmente critério orientador da intervenção a proporcionalidade, ou seja, “ a intervenção deve ser necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança se encontra, no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade.
O critério orientador da responsabilidade parental pressupõe que “ a intervenção deve ser efectuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança” (alínea f).
Deve ser ainda respeitado o primado da continuidade das relações psicológicas profundas, ou seja, a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afectivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante (alínea g).
Outro princípio orientador da intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança, é o da prevalência da família, o que quer dizer que “na promoção dos direitos e na protecção da criança deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adopção”.
Este princípio está em linha com o que superiormente dispõe a Constituição da República Portuguesa (CRP) nos artigos 36.º, 67.º e 68.º quanto à protecção da Família e dos valores da paternidade e da maternidade.
Conforme define o art.º 36.º n.º 5 da CRP “os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos”. Embora não se esqueça que “ a adopção é regulada e protegida nos termos da lei”.
Porém, de acordo com o art.º 68.º da CRP “a maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes” por isso “ os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos.”
Assim, a intervenção ao nível da promoção e protecção de que vimos falando deve apontar para o equilíbrio entre todos estes princípios aplicados no contexto único da criança, de onde possa ser encontrada a medida adequada à mesma, de forma a cumprir o supra mencionado objectivo de garantir o seu bem estar e o seu desenvolvimento integral.
Nesta senda, se é certo que o critério prioritário é a defesa do superior interesse da criança, também é verdade, que de acordo com o apontado enquadramento constitucional vigente, a valorização do papel da maternidade e da paternidade conduz-nos à conclusão de que tal defesa passa também pela protecção e apoio das mães e dos pais biológicos, no sentido de exercerem a sua “insubstituível” acção em relação aos filhos.
Por outro lado, há que ter presente que a crianças têm direito “à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições” – cfr. n.º 1 do art. 69.º da CRP -, cabendo ao Estado assegurar especial proteção às crianças órfãs, em estado de abandono ou que se encontrem, por qualquer forma, privadas de um ambiente familiar normal (cfr. artigo 69.º, n.º 2, da CRP).
Assim, a intervenção do Estado tem de observar e ponderar os todos os referidos critérios e princípios.

Por sua vez, o artigo 35º da referida Lei 147/99, prevê o elenco taxativo das medidas de promoção e protecção.

São elas:
a) Apoio junto dos pais;
b) Apoio junto de outro familiar;
c) Confiança a pessoa idónea;
d) Apoio para a autonomia de vida;
e) Acolhimento familiar;
f) Acolhimento residencial;
g) Confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção.
Nos termos do art. Artigo 37.º, nº 1, do mesmo diploma, a título cautelar, o tribunal pode aplicar as medidas previstas nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 35.º, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 92.º, ou enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente.
As medidas aplicadas nos termos dos números anteriores têm a duração máxima de seis meses e devem ser revistas no prazo máximo de três meses (cfr. nº3).
Podemos assim concluir que a aplicação das medidas de promoção e proteção enunciadas no artigo 35.º da LPCJP visa afastar o perigo para a segurança, saúde, formação educação ou desenvolvimento da criança, gerado pelos pais, pelo representante legal ou por quem tenha a sua guarda de facto.
Por sua vez, a aplicação de qualquer medida de promoção e protecção encontra-se sujeita aos princípios orientadores constantes do art.º 4.º da LPCJP, dos quais, em primeiro lugar, se encontra a defesa prioritária do superior interesse da criança.
No caso vertente, impõe-se indagar se o tribunal a quo ao ter aplicado aos menores, a título cautelar e provisório, a medida de acolhimento residencial, respeitou tais princípios e normas legais.
Em primeiro lugar, resulta do apontado regime legal sobre aplicação de medidas de promoção e protecção que as medidas cautelares podem ser decretadas pelo tribunal sempre que se esteja perante uma situação de perigo para a criança ou jovem e enquanto se procede ao diagnóstico dessa situação.
Neste conspecto, os Recorrentes reconhecem a existência de situação de perigo para as crianças, que justifica a aplicação ou continuação de aplicação de medida de promoção e protecção. No entanto, discordam da concreta medida aplicada pelo tribunal.
Neste ponto, como bem refere o Ministério Público nas suas contra-alegações, na ausência de outras alternativas e perante as dificuldades verificadas e sinalizados por cada um dos familiares e pessoas mais próximas dos recorrentes, a medida de colocação acolhimento residencial apresenta-se como a melhor opção para a protecção e promoção dos direitos destas crianças.
Na verdade, estamos perante uma situação já com histórico processual relativamente longo.
Com efeito, os presentes autos foram instaurados com vista a acautelar a situação das crianças AA, BB e CC gravemente negligenciadas pelos seus pais, a quem, no entanto, foi aplicada, pelo período de 3 meses, a medida de apoio junto dos pais no dia 2/3/2021.
No dia 13/5/2021, a medida foi alterada para apoio junto de outro familiar e com apoio económico na pessoa da tia materna JJ por 6 meses. Medida que foi prorrogada por 6 meses em 10/1/2022. E por mais seis meses em 14/7/2022.
Em 1/10/2022, voltou a ser aplicada pelo período de 3 meses, a medida de apoio junto dos pais com obrigações para estes e com acompanhamento próximo dos primos maternos.
E porque se mantinham algumas dificuldades da Equipa CAFAP no estabelecimento de uma rotina de sessões de intervenção junto da família, na sequência do sugerido pelo EMAT, a medida veio a ser prorrogada em 25/1/2023, por mais seis meses.
Apesar desta medida ter sido revista e prorrogada, a verdade é que, devido às fragilidades apontadas a este agregado, a técnica gestora resolveu efectuar um controlo apertado, realizando visitas domiciliárias com regularidade.
Desse acompanhamento mais “apertado” aos progenitores e menores e da factualidade apurada, a qual, de resto, é resultante dos relatórios e informações apresentados nos autos, nomeadamente, do último, é de concluir ser manifesta a disfuncionalidade dos Recorrentes e a falta de vontade e compromisso em aderir à intervenção, acatando as orientações dadas, quer pela técnica da EMAT, quer pelo CAFAP, comprometendo seriamente o futuro destas crianças.
Pelo exposto, dívidas não restam que se mantém a necessidade de intervenção judicial, por se manter a situação de risco para as crianças. E essa situação mantém-se, apesar de volvidos cerca de dois anos sobre o início da intervenção ao nível da promoção e protecção. Donde se conclui que a medida anteriormente aplicada e executada não estava a surtir o efeito pretendido.
Da factualidade apurada resulta que as crianças estão a ser negligenciadas na sua educação, saúde e higiene, apresentando atrasos de desenvolvimento por falta de estímulo e de supervisão adequada; a progenitora recusa o acompanhamento psicológico e psiquiátrico e apresenta um discurso que nos faz suspeitar que a mesma padeça da síndrome de Munchausen por procuração.
Por seu lado, o progenitor delega na progenitora o acompanhamento destas crianças e apresenta resistência à mudança que deve fazer no seio da família. A família alargada não constitui retaguarda segura para acolher e cuidar destas crianças por os familiares apontados não reunir em condições habitacionais, nem disponibilidade pessoal/profissional para o efeito.
Perante este quadro fáctico/processual, concordamos aqui com as considerações da decisão recorrida, quando nela se afirma que “os progenitores não asseguram as condições necessárias a preservar a integridade física e psíquica das crianças, e que foi pressuposto da aplicação da medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais.
E tal intervenção exige, no momento, a aplicação de medida provisória relativamente ao destino destas crianças.
Por outro lado, importa aqui continuar a pugnar pela reabilitação da família e o regresso das crianças ao seu seio.
Todavia, para que isso suceda, tal como salienta o Ministério público nas suas contra-alegações, a família tem que fazer um esforço para alterar o seu padrão de vida, reorganizando-se, quer com a inserção da recorrente no mercado de trabalho e retoma do acompanhamento psiquiátrico, com o cumprimento escrupuloso da prescrição terapêutica, quer com a finalização das obras na habitação e organização diária do espaço que não poderá conter nem lixo, nem roupas amontoadas, mantendo-se limpa e asseada, seguindo as orientações dadas pelo CAFAP.
Enquanto não se concretizar a criação de condições necessárias para proporcionar aos seus filhos o ambiente equilibrado e sadio de que estes precisam para crescerem e se desenvolverem de forma adequada, impõe-se ao Tribunal aplicar a medida de promoção e protecção adequada e proporcional no sentido de promover o superior interesse das crianças.
Podemos, pois, concluir, como fez o tribunal a quo, que os menores se encontram numa situação de perigo, à luz do disposto no art. 3º, nº1 e 2, als. b) e f) da LPP (Lei de Promoção e Protecção), que importa remover.
Assim sendo, perante a apontada situação de perigo sobre os menores, urge aplicar medida cautelar e provisória adequada a remover essa situação e proteger os menores.
Deste modo, entendemos ser de aplicar aos menores uma medida cautelar, de promoção e protecção, nos termos do art. 37º, nº 1, da LPP.
Em sede de escolha da medida, o tribunal a quo considerou que a que se lhe afigurada adequada, feito um juízo de prognose de adequação, proporcionalidade e exigibilidade de forma a afastar o perigo e promover o bem estar dos menores, é a medida de acolhimento residencial.
Concordamos inteiramente com o assim ajuizado.
Com efeito, constatando-se que os progenitores se mostram incapazes de prestar aos menores os cuidados básicos essenciais e adequados ao seu desenvolvimento, e que inexiste alternativa na família alargada ou pessoa idónea para temporariamente prestar esses cuidados àqueles, conjugando tudo isso com os princípios orientadores da intervenção ao nível da promoção e protecção, previstos no citado art. 4º da LPP, entendemos ser adequada aplicação em benefício dos menores AA, BB e CC, da medida provisória de acolhimento residencial, pelo período de três meses, nos termos do disposto nos art.ºs 35.º, n.º 1, al. f) e 37.º ambos da LPCJP.
Por todo o exposto, somos a concluir pela total improcedência da apelação e confirmação da decisão recorrida.
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Sumário:

– A aplicação das medidas de promoção e proteção enunciadas no artigo 35.º da LPCJP visa afastar o perigo para a segurança, saúde, formação educação ou desenvolvimento da criança, gerado pelos pais, pelo representante legal ou por quem tenha a sua guarda de facto.

– A aplicação de qualquer medida de promoção e protecção encontra-se sujeita aos princípios orientadores constantes do art.º 4.º da LPCJP, devendo-se em primeiro lugar atentar na defesa do superior interesse da criança.

– A título cautelar, o tribunal pode aplicar as medidas previstas no referido art. 35, nº 1, als. a) a f), designadamente enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente, conforme dispõe o art. 37º da citada Lei.

DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes desta relação em julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Guimarães, 27.04.2023

Relator: Jorge Santos
Adjuntos: Margarida Gomes
Conceição Bucho