Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
113/18.2YRGMR.G1
Relator: JORGE BISPO
Descritores: SENTENÇA ESTRANGEIRA
PROCESSO DE RECONHECIMENTO
ÂMBITO E FINALIDADES
ARTº 16º
Nº 2
DA LEI Nº 158/2015 DE 17 DE SETEMBRO E ARTº 77º
Nº 2
DO CP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/02/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: RECONHECIDA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) A Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro, transpondo a Decisão-Quadro 2008/909/JAI, de 27 de novembro, do Conselho, veio substituir o regime de revisão e confirmação de sentença penal estrangeira, previsto e regulado nos arts. 234º a 240º do Código de Processo Penal, estabelecendo um procedimento específico mais simples e célere, que se insere no âmbito da cooperação internacional em matéria penal, visando concretamente o reconhecimento da sentença penal estrangeira e a execução, em Portugal, da condenação.

II) Não cabe ao Estado de execução exercer qualquer censura sobre o teor e os fundamentos da decisão a reconhecer, seja no âmbito da matéria de facto, seja na aplicação do direito, que se encontram definitivamente julgadas, nem tal juízo de censura se compreende no âmbito e finalidades do processo de reconhecimento de sentença estrangeira e de execução da condenação em Portugal, mas tão só, tratando-se de uma pena que ofenda princípios fundamentais da Constituição, expurgá-la na parte correspondente.

III) Nos termos impostos pelo art. 16º, n.º 2, da Lei n.º 158/2015, impõe-se proceder à adaptação da duração da condenação numa pena única de 30 anos de prisão, aplicada pela autoridade judiciária do Estado de emissão, reduzindo-a para 25 anos de prisão, na medida em que de acordo com o disposto no art. 77º, n.º 2, do Código Penal português, em caso de concurso de crimes, a pena de prisão aplicável não pode ultrapassar essa medida.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

1. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação, ao abrigo da Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro, vem requerer o reconhecimento e a execução em Portugal, a fim de ser cumprida neste país, da sentença em matéria penal de 17-06-2015, n.º 43/2015, proferida no Cours d'assises de la Haute Garonne, Toulouse, França, transitada em julgado a 29-06-2015, relativamente ao cidadão português H. S., nascido a …, natural da freguesia de …, concelho de Barcelos, titular do bilhete de identidade n.º (…), com última residência conhecida em Portugal na Travessa da (…), Comarca de Braga, e atualmente preso no Centro Penitenciário de Valence, Toulouse, França.

Para tanto, alega e requer o seguinte (transcrição [1]):

«1. Pela sentença de 17/06/2015, n.º 43/2015, proferida no Cours d'assises de la Haute Garonne, Toulouse, França, passada em julgado a 29/06/2015, o requerido foi condenado na pena de 30 anos de prisão, a que corresponde uma pena de 10957 dias de prisão, por haver praticado um crime de violação, seguido de um crime de homicídio, crimes esses previstos e punidos pelos arts. 222º, n.ºs 23, 44, 45, 47 e 48, 221º, n.ºs 1, 2, 8, 9 e 11, ambos do Código Penal Francês, e em face dos seguintes factos:

No dia 05/02/2012, H. S. levou para um contentor de obras M. K. que ele tinha conhecido na véspera e com a qual tinha passado a noite anterior em várias discotecas da cidade de S. Gaudens, ou desta Região.

Nesse lugar, o H. S. agrediu corporalmente aquela M. e sujeitou-a a violências sexuais com penetração vaginal, anal e oral, de seguida, o H. S. estrangulou mortalmente M. K., após o que escondeu o seu corpo no exterior do contentor debaixo de umas pranchas.
2. Estas penas constam da certidão e da sentença juntas e foram transmitidas a este tribunal para reconhecimento e execução em conformidade com o disposto na Decisão-Quadro 2008/909/JAI de 27 de novembro de 2008, transposta para o direito interno pela Lei n.º 158/2015, de 17 de novembro.
3. A certidão foi emitida de acordo com o formulário cujo modelo constitui o anexo I deste diploma, encontrando-se devidamente preenchida, estando assegurada a sua tradução (art. 19º, n.º 2, da Lei n.º 158/2015).
4. Os crimes por que o requerido foi condenado e acima indicados - homicídio e violação - estão incluídos pela autoridade de emissão no n.º 1 do artigo 3º da Lei n.º 158/2015, mostrando-se desnecessária, por conseguinte, a verificação da dupla incriminação dos factos - parte 2, alínea H) da certidão.
5. O requerido encontra-se em cumprimento de pena no Estado de emissão, em França, tem nacionalidade portuguesa e tinha residência e tem família, em Portugal, na travessa da (…), comarca de Braga, verificando-se, assim, que a execução da condenação em Portugal contribuirá para atingir o objetivo de facilitar a sua reinserção social, pelo que se mostram reunidos os pressupostos necessários à transmissão da sentença, nos termos dos artigos 4º, n.ºs 1 e 2, da Decisão-Quadro 2008/909/JAI e 8º, n.º 1, al. a), da Lei 158/2015, sendo Portugal o Estado de execução.
6. A transmissão da sentença a este tribunal para seu reconhecimento foi efetuada com base em pedido do condenado que endereçou, a 27-03-2018, ao Procurador da República Francesa de Valence, tendo em vista o disposto nos artigos 4º, n.º 5, da Decisão-Quadro e 9º, n.º 5, da Lei n.º 158/2015.
7. Este tribunal é o territorialmente competente para reconhecer a sentença condenatória, de acordo com o disposto no artigo 13º, n.º 1, da Lei n.º 158/2015, com base na certidão emitida pela autoridade de emissão, devendo ser tomadas as medidas necessárias ao seu reconhecimento (artigo 16º, n.º 1, do mesmo diploma).
8. Não se mostrando presente qualquer dos motivos de recusa do reconhecimento da sentença e da execução da condenação previstos no artigo 17º da Lei n.º 158/2015, nem de adiamento do reconhecimento, nos termos do artigo 19º do mesmo diploma, deve a sentença ser reconhecida (artigos 8º, n.º 1, e 9º da Decisão-Quadro 2002/909/JAI).
9. O requerido H. S. na sequência do reconhecimento da sentença condenatória transmitida pela Justiça Francesa, terá, então, que cumprir a pena de 10957 dias de prisão, estando em pleno cumprimento da mesma em França, tendo a 03/04/2018 cumprido já 2246 dias, achando-se, desta forma, previsto o fim da mesma para o dia 04/11/2036, encontrando-se respeitado o estabelecido no art.º 17, n.º 1, al. h) da Lei 158/2015 citada.
10. Todavia, a pena de 30 anos de prisão aplicada pela Justiça francesa não se mostra compatível com a lei interna portuguesa, importando proceder à sua adaptação nos termos previstos no n.º 3 do art.º 16 da dita Lei 158/2015 e art.º e 8º, n.ºs 3 e 4, da Decisão-Quadro 2008/909/JAI, ou seja, reduzindo-se tal pena para 25 anos de prisão, pois que só o crime de homicídio qualificado praticado pelo citado H. S. em França é punido em Portugal com a pena máxima de 25 anos de prisão - "Artigo 41º do Código Penal - Duração e contagem dos prazos da pena de prisão 1 - (…) 2 - O limite máximo da pena de prisão é de vinte e cinco anos nos casos previstos na lei"; Artigo 132º do Código Penal - Homicídio qualificado 1 - Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de doze a vinte e cinco anos".

Pelo exposto, requer que, D. e A.:

a) Seja designado defensor ao requerido e se proceda à sua notificação para se pronunciar sobre o pedido - por aplicação analógica do artigo 99º, n.º 5, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, na falta de disposição da Lei n.º 158/2015;
b) Seja proferida decisão de reconhecimento da sentença em conformidade com o disposto nos artigos 16º, n.º 1, e 20º, n.º 1, da Lei n.º 158/2015, a fim de ser executada em Portugal a parte ainda em falta da pena aplicada ao arguido pela Justiça francesa;
c) Seja adaptada a pena aplicada pelo Estado de emissão de acordo com a lei interna portuguesa, em face do disposto no n.º 3 do art.º 16 daquela Lei 158/2015 e art. 8º, n.ºs 3 e 4, da Decisão-Quadro 2008/909/JAI;
d) Que a autoridade judicial francesa, oportunamente, seja informada da decisão de reconhecimento, nos termos do art.º 21, al. c) daquela Lei, procedendo-se, de igual forma, junto do GNI, e
e) Que seja ordenada, a sua transmissão, a seu tempo, ao Juízo Local Criminal de Barcelos, da comarca de Braga, para execução, por ser esse o tribunal competente para o efeito, de acordo com o disposto no artigo 13.º, n.º 2 da Lei n.º 158/2015.»

Foram juntos documentos comprovativos do alegado.

2. Dado cumprimento ao disposto no art. 99º, n.º 5, da Lei n.º 144/99 (na falta de disposição na Lei n.º 158/2015), a Exma. defensora nomeada ao requerido apresentou alegações, a manifestar a concordância e adesão do mesmo ao peticionado pelo Ministério Público no requerimento inicial, devendo, assim, ser confirmada a decisão, para que produzida todos os seus efeitos legais em Portugal.
3. Colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
4. Cumpre apreciar e decidir, sendo este Tribunal territorialmente competente para o efeito, por ser o Tribunal da Relação da área da última residência em Portugal do condenado, sita no concelho de Barcelos (cf. art. 13º, n.º 1, da Lei n.º 158/2015).

Não se verificam nulidades, exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Dos diversos documentos constantes dos autos, designadamente a certidão, a decisão de condenação, o pedido do condenado e os atestados de residência com que vem instruído o requerimento inicial e cuja autenticidade não oferece quaisquer dúvidas, decorre demonstrado o seguinte:

a) - Por sentença de 17-06-2015, n.º 43/2015, proferida no Cours d´assises de la Haute Garonne, Toulouse, França, transitada em julgado a 29-06-2015, foi o requerido, H. S., condenado na pena de 30 anos de prisão, a que correspondem 10957 dias de prisão, pela prática de um crime de violação e de um crime de homicídio, previstos e punidos, respetivamente, pelos arts. 222-23, 222-44, 222-45, 222-47, 222-48, 221-1, 221-2, 221-8, 221-9 e 221-11, do Código Penal Francês, com base nos seguintes factos:

"No dia 05 de fevereiro de 2012, H. S. levou para um contentor de obras M. K. que ele tinha conhecido na véspera e com a qual tinha passado a noite anterior em várias discotecas da cidade de St. Gaudens ou da Região.

Nesse lugar, H. S. agrediu corporalmente aquela M. e sujeitou-a a violências sexuais com penetração vaginal, anal e oral, de seguida, o H. S. estrangulou mortalmente M. K., após o que escondeu o seu corpo no exterior do contentor debaixo de umas pranchas."

b) - A referida sentença, acompanhada da certidão cujo modelo consta do anexo I à Lei n.º 158/2015, foi transmitida a este tribunal pela Procuradoria do Procurador da República junto do Tribunal da Relação de Toulouse, França, para reconhecimento e execução em conformidade com o disposto na Decisão-Quadro 2008/909/JAI de 27 de novembro de 2008, transposta para o direito interno pela Lei n.º 158/2015, de 17 de novembro.
c) - A referida certidão foi emitida de acordo com o formulário cujo modelo constitui o anexo I deste diploma, encontrando-se devidamente preenchida, estando também assegurada a sua tradução.
d) - O requerido encontra-se em cumprimento da referida pena no Estado de emissão (França), tendo a 03-04-2018 cumprido já 2246 dias de prisão, achando-se previsto o fim da mesma para o dia 04-11-2036.
e) - Tem nacionalidade portuguesa e tinha residência em Portugal, na Travessa da (…), Comarca de Braga, concelho onde também reside a sua família (mãe e irmã), na Rua do (…), Barcelos, tendo a autoridade de emissão considerado que a execução da condenação em Portugal contribuirá para atingir o objetivo de facilitar a reinserção social do condenado.
f) - O requerido esteve presente no julgamento que conduziu à decisão.
g) - A transmissão da sentença a este tribunal para seu reconhecimento foi efetuada com base em pedido que o condenado endereçou, a 27-03-2018, ao Procurador da República Francesa de Valence, visando ser transferido para uma prisão perto da sua família (mãe e irmãs).

2. A pretensão formulada nos presentes autos baseia-se na Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro, que aprovou o regime jurídico da transmissão e execução de sentenças em matéria penal que imponham penas de prisão ou outras medidas privativas da liberdade, para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia, bem como o regime jurídico da transmissão e execução de sentenças e de decisões relativas à liberdade condicional para efeitos da fiscalização das medidas de vigilância e das sanções alternativas.

O pedido formulado é o de reconhecimento e da execução, em Portugal, da sentença em matéria penal que impôs ao requerido uma pena de prisão, proferida pela autoridade competente de outro Estado membro da união europeia (França), com o objetivo de facilitar a reinserção social do condenado - cf. art. 1º, n.º 1, 2ª parte, da Lei n.º 158/2015.

Este diploma, transpondo a Decisão-Quadro 2008/909/JAI, de 27 de novembro, do Conselho, veio substituir o regime de revisão e confirmação de sentença penal estrangeira, previsto e regulado nos arts. 234º a 240º do Código de Processo Penal, estabelecendo para estes casos um procedimento específico mais simples e célere, que se insere no âmbito da cooperação internacional em matéria penal, visando concretamente o reconhecimento da sentença penal estrangeira e a execução, em Portugal, da condenação.

Efetivamente, de acordo com o disposto no art. 229º do referido código, os efeitos das sentenças penais estrangeira são regulados pelos tratados e convenções internacionais e, na sua falta ou insuficiência, pelo disposto em lei especial e ainda pelas disposições do seu Livro V (Relações com autoridades estrangeiras e entidades judiciárias internacionais).

2.1 - Vejamos, então, o regime que, na parte relevante para o caso em apreço, decorre da citada Lei n.º 158/2015.

Dispõe o seu art. 16º, n.º 1, que "Recebida a sentença, devidamente transmitida pela autoridade competente do Estado de emissão, a autoridade judiciária deve tomar imediatamente as medidas necessárias ao seu reconhecimento, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte", acrescentando o n.º 2 que "Quando a certidão não se encontre traduzida para o português, a decisão pode ser adiada até que a tradução, solicitada nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo seguinte, seja enviada à autoridade judiciária."

Por seu turno, o art. 17º, com a epígrafe "Causas de recusa de reconhecimento e de execução", estabelece que:

"1 - A autoridade competente recusa o reconhecimento e a execução da sentença quando:

a) A certidão a que se refere o artigo 8.º for incompleta ou não corresponder manifestamente à sentença e não tiver sido completada ou corrigida dentro de um prazo razoável, entre 30 a 60 dias, a fixar pela autoridade portuguesa competente para o reconhecimento;
b) Não estiverem preenchidos os critérios definidos no n.º 1 do artigo 8.º;
c) A execução da sentença for contrária ao princípio ne bis in idem; d) Num caso do n.º 2 do artigo 3.º, a sentença disser respeito a factos que não constituam uma infração, nos termos da lei portuguesa;
e) A pena a executar tiver prescrito, nos termos da lei portuguesa;
f) Existir uma imunidade que, segundo a lei portuguesa, impeça a execução da condenação;
g) A condenação tiver sido proferida contra pessoa inimputável em razão da idade, nos termos da lei portuguesa, em relação aos factos pelos quais foi proferida a sentença;
h) No momento em que a sentença tiver sido recebida, estiverem por cumprir menos de seis meses de pena;
i) De acordo com a certidão, a pessoa em causa não esteve presente no julgamento, a menos que a certidão ateste que a pessoa, em conformidade com outros requisitos processuais definidos na lei do Estado de emissão:
i) Foi atempada e pessoalmente notificada da data e do local previstos para o julgamento que conduziu à decisão, ou recebeu efetivamente por outros meios uma informação oficial da data e do local previstos para o julgamento, de uma forma que deixou inequivocamente estabelecido que tinha conhecimento do julgamento previsto e que foi atempadamente informada de que podia ser proferida uma decisão mesmo não estando presente no julgamento;
ii) Tendo conhecimento do julgamento previsto, conferiu mandato a um defensor por si designado ou beneficiou da nomeação de um defensor pelo Estado, para sua defesa, e foi efetivamente representada por esse defensor; ou
iii) Depois de ter sido notificada da decisão e expressamente informada do direito a novo julgamento ou a recurso que permita a reapreciação do mérito da causa, incluindo a apresentação de novas provas, que pode conduzir a uma decisão distinta da inicial, declarou expressamente que não contestava a decisão ou não requereu novo julgamento ou recurso dentro do prazo aplicável;
j) Antes de ser tomada qualquer decisão sobre o reconhecimento e execução da sentença, Portugal apresentar um pedido nos termos do n.º 4 do artigo 25.º, e o Estado de emissão não der o seu consentimento, nos termos da alínea g) do n.º 2 do mesmo artigo, à instauração de um processo, à execução de uma condenação ou à privação de liberdade da pessoa em causa devido a uma infração praticada antes da sua transferência mas diferente daquela por que foi transferida;
k) A condenação imposta implicar uma medida do foro médico ou psiquiátrico ou outra medida de segurança privativa de liberdade que, não obstante o disposto no n.º 4 do artigo anterior, não possa ser executada em Portugal, em conformidade com o seu sistema jurídico ou de saúde;
l) A sentença disser respeito a infrações penais que, segundo a lei interna, se considere terem sido praticadas na totalidade ou em grande parte ou no essencial no território nacional, ou em local considerado como tal.
(…)."

O art. 3º, n.º 1, dispõe que são reconhecidas e executadas, sem controlo da dupla incriminação do facto, as sentenças que respeitem às infrações nele elencadas, desde que, de acordo com a lei do Estado de emissão, sejam puníveis como pena privativa da liberdade de duração máxima não inferior a três anos, sendo que, de acordo com o n.º 2 do mesmo preceito, no caso de infrações não referidas no número anterior, o reconhecimento da sentença e a execução da pena de prisão ficam sujeitos à condição de a mesma se referir a factos que também constituam uma infração punível pela lei interna, independentemente dos seus elementos constitutivos ou da sua qualificação na legislação do Estado de emissão.

2.2 - No caso vertente, em face da matéria supra elencada, conclui-se estarem verificados todos os pressupostos de que depende o reconhecimento da sentença estrangeira em questão e a execução, em território português, da pena aplicada ao requerido, conforme é solicitado.

Com efeito, desde logo a sentença foi transmitida a Portugal para esses efeitos, pela autoridade competente do Estado de emissão (França), acompanhada da certidão cujo modelo consta do anexo I à Lei n.º 158/2015, a qual se mostra devidamente preenchida e traduzida para a língua portuguesa, correspondendo à sentença (cf. arts. 8º, n.º 1, 16º, n.ºs 1 e 2, 17º, n.º 1, als. a) e b), e 19º, n.ºs 1 e 2, desse diploma).

Os crimes pelos quais o requerido foi condenado no Estado de emissão (homicídio voluntário e violação) fazem parte do elenco do n.º 1 do art. 3º, estando previstos, respetivamente, nas suas als. n) e bb), pelo que se mostra desnecessária a verificação da dupla incriminação do facto, sendo certo que a mesma sempre se verificaria (cf. art. 17º, n.º 1, al. d), da citada lei), por se tratarem de crimes igualmente puníveis na ordem jurídica portuguesa.

Acresce que também não se verifica qualquer outra das causas de recusa de reconhecimento e de execução previstas nas restantes alíneas do n.º 1 desse artigo, nem qualquer dos motivos de adiamento dos mesmos nos termos do seu art. 19º.

Refira-se, especificamente, que não há notícia de que a execução contrarie o princípio ne bis in idem, que nos termos da lei portuguesa a pena não se mostra prescrita, que não existe uma imunidade que impeça a execução da condenação, que o condenado é imputável em razão da idade (pois nasceu a 02-06-1981, tendo 30 anos à data dos factos) e que estão por cumprir mais de seis meses da pena, dado que, encontrando-se esta já a ser cumprida no Estado de emissão, o seu fim apenas está previsto para o dia 04-11-2036 [cf. als. c), e), f), g) e h)].

Acresce que o requerido esteve presente no julgamento e foi assistido por defensor [cf. al. i)], e nenhuma das infrações em causa foi praticada em território nacional ou em local considerado como tal [cf. al. l)].

Refira-se ainda que o mesmo tem nacionalidade portuguesa e tinha residência em Portugal, onde também reside a sua família, no concelho de Barcelos, comarca de Braga, tendo a autoridade de emissão considerado que a execução da condenação neste país contribuirá para atingir o objetivo de facilitar a reinserção social do condenado.

Por último, a transmissão da sentença para o seu reconhecimento e execução da condenação em Portugal foi efetuado com base no pedido que o próprio condenado dirigiu, em 27-03-2018, ao Procurador da República Francesa de Valence, visando ser transferido para uma prisão perto da sua família (mãe e irmãs).
Nestes termos, cumpre proceder ao reconhecimento da sentença e à execução da condenação em Portugal.
Todavia, importa ter presente que a duração da pena fixada pelo tribunal do Estado de emissão em 30 anos excede o limite máximo de 25 anos previsto no Código Penal português, pelo que não se mostra compatível com a lei interna portuguesa.

Preceitua o art. 16º, n.º 2, da Lei n.º 158/2015 que "Caso a duração da condenação seja incompatível com a lei interna, a autoridade judiciária competente para o reconhecimento da sentença só pode adaptá-la se essa condenar exceder a pena máxima prevista para infrações semelhantes, não podendo a condenação adaptada ser inferior à pena máxima prevista na lei interna para infrações semelhantes".

Visa-se, assim, acautelar a observância dos princípios fundamentais do nosso direito penal consagrados na Constituição da República Portuguesa (arts. 29º e 30º) e, por isso, com carácter imperativo.

Não cabe, porém, ao Estado de execução exercer qualquer censura sobre o teor e os fundamentos da decisão a reconhecer, seja no âmbito da matéria de facto, seja na aplicação do direito, que se encontram definitivamente julgadas, nem tal juízo de censura se compreende no âmbito e finalidades do processo de reconhecimento de sentença estrangeira e de execução da condenação em Portugal, mas tão só, tratando-se de uma pena que ofenda princípios fundamentais da Constituição, expurgá-la na parte correspondente.

Assim, desde que verificadas as condições gerais estabelecidas na Lei n.º 158/2015, bem como as condições especiais de admissibilidade, nada obstará ao reconhecimento da sentença penal estrangeira e à execução da condenação em Portugal.

À semelhança do nosso Código Penal, também o código francês considera haver concurso de infrações quando uma infração é cometida por uma pessoa antes de esta ter sido definitivamente condenada por uma outra infração (art. 132-1).

Porém, diferentemente do que sucede no sistema jurídico-penal português, em que, nessas situações, o agente é condenado numa única pena, determinada em função da consideração, em conjunto, dos factos e da sua personalidade, dentro de uma moldura que tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos (tratando-se de pena de prisão), e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (art. 78º, n.ºs 1 e 2), de acordo com o art. 132-3 do Código Penal francês, quando, por ocasião do mesmo procedimento, a pessoa contra a qual se dirige a ação penal é declarada culpada de várias infrações em concurso, como é o caso vertente, cada uma das penas poderá ser imposta. Contudo, quando se incorra em várias penas da mesma natureza, como também sucede na situação em apreço, só uma pena dessa natureza pode ser imposta, dentro do limite do máximo legal mais elevado. A pena imposta é considerada comum às infrações em concurso dentro do limite do máximo legal aplicável a cada uma delas.

Sendo assim, nos termos impostos pelo art. 16º, n.º 2, da Lei n.º 158/2015, impõe-se proceder à adaptação da duração da condenação aplicada pela autoridade judiciária do Estado de emissão, ou seja, reduzindo a pena para 25 anos de prisão, na medida em que de acordo com o disposto no art. 77º, n.º 2, do Código Penal, em caso de concurso de crimes, a pena de prisão aplicável não pode ultrapassar essa medida.

III. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em reconhecer a sentença de 17-06-2015, n.º 43/2015, proferida no Cours d´assises de la Haute Garonne, Toulouse, França, e em executar a condenação do requerido, H. S., adaptando, porém, a duração da pena fixada em 30 (trinta) anos de prisão pela autoridade judiciária do Estado de emissão, reduzindo-a para 25 (vinte e cinco) anos de prisão, a fim de o condenado cumprir em Portugal a parte remanescente da mesma.

Sem tributação em custas, sem prejuízo do pagamento de honorários à Exma. defensora nomeada ao requerido.

Após trânsito:

- Informe-se a autoridade competente do Estado de emissão da decisão definitiva de reconhecimento da sentença e de execução da condenação, da decisão de adaptação da condenação e da data da decisão, nos termos previstos no art. 21º, als. c) e e), da Lei n.º 158/2015.
- Informe-se igualmente o GNI, conforme solicitado pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto.
- Proceda-se à transmissão para execução da condenação, ao Juízo Local Criminal de Barcelos, da Comarca de Braga, por ser esse o tribunal competente, de acordo com o disposto no art. 13º, n.º 2, da referida Lei.
*
*
(Texto elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP)
*

*
Guimarães, 02 de julho de 2018

(Jorge Bispo)
(Pedro Miguel Cunha Lopes)


[1] - A transcrição respeita o respetivo original, salvo correção de manifestos lapsos de escrita, a formatação e a ortografia utilizada, que são da responsabilidade do relator.