Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2925/21.0T8BCL.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
MOMENTO DO CONHECIMENTO
ESGOTAMENTO DO PODER JURISDICIONAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
O art.º 613º do CPC, relativo à extinção do poder jurisdicional, deve ser interpretado no sentido de que apenas se esgota com a prolação da sentença o poder jurisdicional relativo ao mérito da causa, sobre as questões aí concretamente decididas.
Nada se referindo quanto à má-fé, esgota-se quanto a tal matéria o poder jurisdicional.
Diferente é o caso de em sede de sentença a questão ser abordada, “abrindo-se “aí o incidente, relegando-se a sua apreciação para momento posterior, dando às partes a possibilidade de se pronunciarem, em comprimento do artigo 3º do CPC. Entender em tal caso que ocorre o esgotamento do poder jurisdicional, constitui além do mais um paradoxo, já que assumidamente o juiz sobrestou na apreciação da questão incidental, para cumprimento contraditório, relegando-a para momento posterior.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

AA, intentou a presente ação emergente de contrato individual de trabalho, contra “R..., Lda”, pedindo a condenação da ré a pagar a quantia de €4.356,40 a título de:
Parcial de salário em falta: €1.250,00; Subsídio de deslocação: €300,00; Horas de trabalho suplementar: € 2.182,40; proporcionais relativos ao ano da cessação: €624,00, quantias acrescidas de juros de mora.
Para tal alega que celebrou com a ré contrato de trabalho, entretanto cessado, sem que esta tenha pago a totalidade das remunerações.
Citada a ré, e depois de realizada audiência de partes, veio esta contestar, pronunciando-se pela improcedência do pedido alegando, desde logo, que não celebrou com o autor qualquer contrato de trabalho, pedindo a condenação do autor como litigante de má-fé.

Foi proferida decisão nos seguintes termos:

“Nestes termos e com tais fundamentos, julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno a ré a pagar ao autor a quantia de 1.658, 67 € (mil seiscentos e cinquenta e oito euros e sessenta e sete cêntimos), quantia acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento, absolvendo a ré do demais pedido.
Mais julgo improcedente o pedido de condenação do autor como litigante de má-fé.
Custas por autor e ré, na proporção do respetivo decaimento.
Registe e notifique devendo a ré ser notificada para se pronunciar, em 10 dias, quanto à possibilidade de ser condenada como litigante de má-fé.”

- Tal notificação tem como fundamento, constante da sentença o seguinte:
Já a conduta da ré, essa sim, poderá integrar o conceito de litigância de má-fé, uma vez que a mesma veio alegar que não tinha celebrado qualquer contrato com o autor, quando ficou assente precisamente o contrário”, e tendo em vista o comprimento do artigo 3º do CPC.
- Em requerimento de 13.12.2022 a ré veio invocar não ter litigado com má-fé, referindo que o facto de não se ter provado aquilo que se alegou, não constitui fundamento para se condenar a Ré em litigante de má-fé. Não atuou com intenção ou consciência de deduzir uma pretensão absurda ou infundada cuja falta de fundamento não ignorava ou não devia ignorar. Mais invoca que o tribunal depois da sentença não pode pronunciar-se relativamente à litigância de má-fé por força do artigo 613º, 1 do CPC.
- Por despacho de 16-12-22 decidiu-se:
Pelo exposto, e em complemento da sentença proferida nos autos condeno a requerente como litigantes de má-fé, fixando a multa em 3 Uc.
Cumpre aqui esclarecer que não podemos falar de nulidade, uma vez que está em causa matéria que extravasa o mérito da ação, sendo que, na sentença proferida, ficou expressamente relegado para momento posterior o seu conhecimento, atenta a necessidade de a ré se pronunciar quanto a esta questão que não fora suscitada anteriormente…”
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Inconformada a ré interpôs recurso apresentado as seguintes conclusões:

2. A decisão fere de nulidade por extinção do poder jurisdicional e excesso de pronúncia;
3. Tendo sido proferida sentença, em 05/12/2022, que julgou a causa de mérito, já não poderia posteriormente, em 20/12/2022, o Juiz a quo proferir decisão quanto ao sancionamento da recorrente como litigante de má-fé, por ter-se extinguido o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, de acordo com o art.° 613°, n° 1 do CPC;
4. Se o tribunal a quo considerasse, devidamente fundamentado, que estariam verificados os requisitos da litigância de má-fé – o que não se admite – sempre deveria, previamente a proferir a sentença, notificar as partes para se pronunciarem sobre esse eventual desiderato – em cumprimento com o princípio do contraditório - e depois, aquando da prolação da sentença, pronunciar-se. Tal não aconteceu.
5. Por força do art. 613º, nº 1 do CPC, o poder jurisdicional do juiz esgotou-se após ser proferida sentença;
6. O artº 543º nº 3 do CPC apenas admite que o juiz fixe o quantitativo indemnizatório depois de proferida sentença e apenas nos casos em que não tenha os elementos necessários para o fixar aquando da sentença.
7. O despacho proferido, após o esgotamento do poder jurisdicional do juiz, à luz do disposto no art. 615º, n.º 1 al. d) do CPC e de acordo com a sua interpretação extensiva, é nulo por excesso de pronúncia.
8. Não é admissível a condenação da ré em litigância de má-fé, após ter sido proferida sentença, sob pena de nulidade, nos termos do art. 613º, nº 1 e artº 195º nº 1 ambos do CPC.
Mais,
9. No despacho de condenação como litigante de má-fé o Tribunal proferiu a simples conclusão: “Já a conduta da ré, essa sim, poderá integrar o conceito de litigância de má-fé, uma vez que a mesma veio alegar que não tinha celebrado qualquer contrato com o autor, quando ficou assente precisamente o contrário. Está em causa o facto de ter ficado assente que a versão da ré não correspondia à verdade, o que tinha de ser do seu conhecimento (saber se tinha celebrado contrato de trabalho com o autor!).”
10. Salvo o devido respeito, não se compreende tal decisão, pois, do facto de não se ter provado aquilo que se alegou, não constitui fundamento, por si só, para se condenar a ré em litigante de má-fé.
11. A ré não acuou com intenção ou consciência de deduzir uma pretensão absurda ou infundada, cuja falta de fundamento não ignorava ou não devia ignorar e os factos carreados para os autos a isso nos levam a concluir.
12. Uma coisa é convencer o Tribunal a quo, mediante a prova produzida, de determinados factos, mas se tal não acontecer, isso não significa que a ré tenha litigado de má-fé e, muito menos, de modo doloso e grave.
13. Há uma grande diferença entre alegar factos e fazer prova dos mesmos e a atuação dolosa grave inerente à litigância de má-fé.
14. Nos termos do disposto no artº 542º do CPC, exige-se para a má-fé um verdadeiro dolo, não bastando a simples culpa, ou seja, a litigância de má-fé tem como pressuposto o dolo, isto é, a consciência de se não ter razão, o que não se verifica no caso concreto.
15. Analisando o caso sub judicie não vislumbramos onde o Tribunal a quo considerou o dolo grave na atuação da ré e que justificasse a condenação de litigância de má-fé – nem tal é devidamente fundamentado.
16. A posição da ré nos autos, revela uma postura abstratamente defensável, estribando-se em asserções substancial e processualmente admissíveis. Isto independentemente do merecimento comprovado ou não da posição do mesmo, que só “a final” será decidido pelo Juiz.
17. O Tribunal a quo fundou a sua convicção, para julgar a ação parcialmente procedente na testemunha BB que “não assistiu a nenhuma conversa entre o CC e o autor”, na testemunha DD que “saiu de mal” com a ré e que “não sabe quais as condições acordadas” e na testemunha EE que “irá intentar uma ação contra a ré, pelo facto de  não lhe ter sido paga a totalidade do seu vencimento”; bem como nas testemunhas FF, GG e HH que atestaram que foram trabalhadores da ré e que nunca conheceram o autor.
18. A condenação resulta do facto de se ter dado como provado um facto em detrimento de outro? Se assim é, todas as ações judicias culminariam numa condenação em litigância de má-fé de alguma das partes ou até de ambas.
19. Qual foi o racional para considerar que a ré litigou com má-fé e o autor não? Apenas o simples facto de o tribunal ter considerado como provado a existência do contrato verbal? E o facto de ter considerado como não provados os demais factos alegados pelo autor, que, saliente-se, teve um decaimento na ação de 62%? A não prova dos demais factos pelo autor, segundo a linha de raciocínio do Tribunal, não obrigada a que o autor também fosse condenado como litigante de má-fé?
20. Não se entende o racional, nem o Tribunal fundamenta devidamente tal condenação, o que viola o disposto no artº 607º nº 3 do CPC.
21. Por tudo o exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, deve revogar-se a decisão recorrida que condena a ré/apelante como litigante de má-fé, por falta de verificação dos pressupostos legais a tal condenação.
Sem prescindir ainda, por mero dever de patrocínio,
22. Caso V.Ex.ª sufraguem entendimento diverso, sempre o valor a que a ré foi condenada foi excessivo, pelo que deve a mesma ser reduzida ao mínimo legal.
Termos em que, requer-se a Vossas Excelências, com o douto suprimento, que seja dado provimento à Apelação e, consequentemente, seja revogada o despacho recorrido e substituído por outro que considere a condenação como litigante de má-fé improcedente.
Sem prescindir ainda, Caso V.Ex.ªs sufraguem entendimento diverso – o que por mero dever de patrocínio se refere – sempre o valor a que a ré foi condenada foi excessivo, pelo que deve o mesmo ser reduzido ao mínimo legal.
Em contra-alegações sustenta-se o julgado
A Exmª PGA deu parecer no sentido da improcedência, salientando os termos da decisão, remetendo expressamente a apreciação da má-fé para momento posterior, e não ser exigível sobrestar na prolação da decisão apenas por causa do incidente.
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Questões a apreciar:

- Nulidade do despacho por esgotamento do poder jurisdicional.
- Erro de julgamento quanto à má-fé.
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A recorrente refere a nulidade por extinção do poder jurisdicional e excesso de pronúncia. Invoca que o juiz não podia apreciar a questão depois de proferida a decisão final, invocando o artigo 613°, n° 1 e 195º do CPC. O principio do contraditório deveria ter sido assegurado em momento anterior à decisão. O artº 543º nº 3 do CPC apenas admite que o juiz fixe o quantitativo indemnizatório depois de proferida sentença e apenas nos casos em que não tenha os elementos necessários para o fixar aquando da sentença.
A recorrente invoca em favor da sua tese o Ac. RG de 2.6.2016, processo nº 128/12...., disponível na net, onde se refere:
“ Surge-nos a segunda questão que já antes deixámos delineada, qual seja o momento em que tem o juiz que proferir a decisão sobre a litigância de má-fé, reportando-se esta, como é o caso, à conduta prévia da parte no decurso da ação declarativa que vem a culminar com a sentença.
Sobre esta questão, o art. 543º, n.º 3 do CPC [texto que reproduz o anterior 457º do Código de Processo Civil, sem qualquer alteração] é, a nosso ver, perfeitamente claro, assim como é clara a posição dos Ils. Professores que o têm comentado ou anotado.

Vejamos.

Segundo o n.º 3 do art. 543º, sob o título «conteúdo da indemnização», «se não houver elementos para fixar logo na sentença a importância da indemnização, são ouvidas as partes e fixa-se, depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável…»
Em suma, como se evidencia da mera leitura e devida interpretação do normativo em apreço, só a fixação da indemnização a atribuir em consequência da litigância de má-fé pode ser relegada para posterior (relativamente à sentença) decisão.
Como assim, «a contrario sensu», a condenação da parte como litigante de má-fé e a fixação da respetiva multa processual não pode ser deixada para ulterior decisão, antes devendo ser fixada pelo juiz na sentença final, salvo os casos excecionais já antes referidos (e que, no caso, não ocorrem). Vide, neste sentido, o já citado AC RP de 26.09.2013, in www.dgsi.pt.
Neste sentido e a propósito desta temática [à luz do art. 466º, 1º, do CPC, na sua versão original, em tudo similar à atual] ensinava J. ALBERTO dos REIS, “ Código de Processo Civil Anotado ”, II volume, 3ª edição, 1981, pág. 281, que, no caso de o juiz não dispor de elementos, à data da sentença, para fixar o valor da indemnização devida, «A apreciação da má fé e a condenação em multa e indemnização não pode o juiz […]relegá-las para depois da sentença; é nesta que há de decidir se o litigante procedeu de má fé; é aí que, em caso afirmativo, há de condená-lo como tal em multa e indemnização; o que pode e deve deixar para depois da sentença é a fixação do quantitativo da indemnização, caso o processo, na altura da sentença, o não habilite a determiná-lo.»

Em suma, e para concluir, assumindo a conduta processual da parte contornos que a permitam qualificar como litigância de má-fé, tem o juiz que o afirmar e proferir a consequente decisão de condenação da parte, enquanto litigante de má-fé, na sentença final, ali fixando, ainda, a multa que julgue mais adequada, fixando-a sempre em quantia certa, não lhe sendo consentido relegar tal decisão para momento posterior, por a tanto se oporem os limites do seu poder jurisdicional, que cessa com a prolação da sentença.
….”
Escuda-se ainda no ensinamento de Alberto dos Reis   “ Código de Processo Civil Anotado ”, II volume, 3ª edição, 1981, pág. 281, que, no caso de o juiz não dispor de elementos, à data da sentença, para fixar o valor da indemnização devida, «A apreciação da má fé e a condenação em multa e indemnização não pode o juiz […] relegá-las para depois da sentença; é nesta que há de decidir se o litigante procedeu de má fé; é aí que, em caso afirmativo, há de condená-lo como tal em multa e indemnização; o que pode e deve deixar para depois da sentença é a fixação do quantitativo da indemnização, caso o processo, na altura da sentença, o não habilite a determiná-lo.»”
Aceitando-se que o momento adequado para proferir a condenação é o da prolação da sentença, a conclusão no sentido de que, “a condenação da parte como litigante de má-fé e a fixação da respetiva multa processual não pode ser deixada para ulterior decisão”, retirada da norma do nº 3 do artigo 543º, é excessiva. A norma não regula nem pretende regular a matéria, mas antes, pressupondo que ocorra condenação na sentença como litigante de má-fé, permite uma ”liquidação “posterior da indemnização.
A regra relativa ao esgotamento do poder jurisdicional tem um determinado sentido e objetivo.
Pretende-se acautelar as partes quanto à possibilidade de alterar o decidido. Assim, proferida a sentença final, o tribunal não pode revisitar o caso, “reabrir, alterar, emendar e complementar a decisão e o julgamento efetuado”.

Refere o artigo 613.º do CPC:

Extinção do poder jurisdicional e suas limitações

1 - Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.
2 - É lícito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes.
3 - O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as necessárias adaptações aos despachos.

Nos termos do artigo 608º do CPC o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação. É relativamente a estas matérias que a norma do artigo 613º essencialmente regula.
É pressuposto o tribunal aprecie as questões, e é sobre essas que se esgota o poder jurisdicional. É que se o não fizer, ocorrer uma omissão de pronúncia, não se pode falar esgotamento do poder jurisdicional, o que ocorre então é a nulidade da sentença – artigo 615º do CPC – a suprir posteriormente nos termos do nº 2 do artigo 613º - vd. ainda o artigo 684º, nº 2 do CPC -.
Não pode separar-se o princípio do esgotamento do poder jurisdicional do seu sentido e objetivos. Tal redunda numa sacralização do momento, o da prolação da sentença, só porque sim, desligada de fundamentos e carecida de sentido, circunstância que deve ser alheia a um direito que pretende a justiça material e a resolução dos litígios de acordo com o direito.
A impossibilidade de apreciar a questão da má-fé após a decisão entende-se, num quadro em que na sentença nada foi referido quanto a tal matéria. Em tal circunstância o poder jurisdicional encontra-se esgotado. Não pode o juiz “reabrir” o processo para apreciação da questão da má-fé. É que a sede natural de apreciação desta é a decisão, como flui do artigo 543º do CPC. Se o julgador nada diz, tal representa, para as partes, que não viu motivo ou base para considerar existir má-fé. Não pode reapreciar posteriormente a questão.
Diferente é o caso de em sede de sentença a questão ser abordada, “abrindo-se “ aí o incidente, relegando-se a sua apreciação para momento posterior. Falar em esgotamento do poder jurisdicional em tal caso é forçar o comando do artigo 613º além do que com ele se pretende proteger, sacralizando-o.
A parte, notificada para se pronunciar sobre a questão e avisada de que será proferida sobre o incidente uma decisão, nenhuma expetativa pode ter no sentido de que a questão “foi apreciada” e não será reapreciada, já que é este o fundamento central do esgotamento do poder jurisdicional. 
E já vimos que o esgotamento ocorre na medida em que a apreciação existe, pois a não existir, devendo, o tribunal apreciará a questão depois da sentença em suprimento da nulidade. O poder esgota-se com o seu exercício, sendo que a norma refere “quanto à matéria da causa”, que como vimos, tem que ser apreciada, no limite em suprimento de nulidade. O poder esgota-se, no sentido de que, decidido está decidido, não pode alterar-se o que foi dito.
Saliente-se que, se a questão da má-fé tiver sido levantada pelas partes, já a apreciação após a sentença pode ocorrer, caso não haja pronúncia, e nos termos do nº 2 do artigo 613º. Parece-nos incongruente que, havendo tal possibilidade, não possa o juiz oficiosamente “abrir” o incidente na sentença, determinando o contraditório para posteriormente se pronunciar.
Em sentido semelhante ao defendido vejam-se os Acs. RG de 11/5/22, processo nº 1665/14.1T8BRG-I.G1; RC de 2/2/2016, processo nº 115/12.2TBPNC.C2, no qual se referre que “ o art. 613 do CPC deve ser interpretado no sentido de que o poder jurisdicional que se esgota com a sentença é o poder jurisdicional relativo ao mérito da causa, sobre as questões aí concretamente decididas, como já se vinha entendendo, mas não abrange nem inibe o juiz de resolver as questões e incidentes que surjam posteriormente e não exercem influência na sentença (cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol.V, pág.126 )”; RL de 12/7/2012, processo nº 205/06.0TCSNT.L1-2.
Assim improcede a apelação nesta parte.
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A recorrente defende ainda não ter agido de má-fé. Não houve dolo, revelando a sua posição ser abstratamente defensável. Teceu considerações sobre a prova em que se baseou o julgador. Questiona a recorrente se a condenação resulta do facto de se ter dado como provado um facto em detrimento de outro? Invoca falta de fundamentação da condenação. Cautelarmente pede a condenação pelo mínimo.

Refere o artigo 542º do CPC:
Responsabilidade no caso de má-fé - Noção de má-fé
1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé.

Na decisão recorrida considerou-se que ficou provada que a versão da ré não correspondia à verdade, saber se tinha celebrado contrato de trabalho com o autor. A ré negou esse facto, que ficou demonstrado. Não se trata, pois, e uma pura não demonstração de facto invocado, mas antes, de comprovação de facto contrário, de facto que demonstra sem qualquer dúvida a inverdade do alegado. E trata-se, no quadro da ação, de um facto essencial. Nesta conformidade é de confirmar a decisão, pelas demais razões dela constantes. 

Os deveres de probidade e boa-fé que devem orientar as pessoas no acesso à justiça impõem deveres de cuidado, impõem um comportamento diligente no que se afirma e requer em tribunal. Trata-se de facto pessoal da ré, e ainda que remotamente se pudesse colocar a possibilidade de a parte não ter tomado consciência que estava a invocar facto falso, sempre estaríamos em face de uma negligência grosseira, por omissão de deveres de cuidado elementares, que qualquer cidadão medianamente diligente tomaria, tanto mais tratando-se de um facto pessoal.

Refere o RCP:
Multas
Artigo 27.º
Disposições gerais

3 - Nos casos de condenação por litigância de má fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC.
4 - O montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste.

Importa considerar que o regime da litigância de má-fé persegue no essencial um interesse público – processo equitativo e eficaz e realização da justiça -, impondo às partes comportamento processual de cooperação e boa-fé, tendo em vista uma rápida realização da justiça. Tudo considerado e tendo em conta a graduação da multa, a penalidade aplicada não se mostra desconforme.
*
DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação confirmando-se o decidido.
Custas pelo recorrente.
11-5-23

Antero Veiga
1.º Adjunto: Vera Sottomayor
2.º Adjunto: Maria Leonor Barroso